Rotatividade e Intenção de Abandono
A maioria das instituições possui algum nível de rotatividade involuntária, no caso do rompimento do contrato de trabalho por parte do empregador; e voluntária, no caso de o próprio trabalhador decidir por sua saída (Seiden & Sowa, 2015). A rotatividade involuntária é uma parte natural da vida organizacional. No entanto, a rotatividade voluntária continua sendo, ao longo do tempo, um grave problema a ser enfrentado pelos gestores organizacionais (Singh & Ramdeo, 2023).
Por um lado, a rotatividade pode representar um movimento positivo de renovação, na medida em que novos membros e ideias facilitam o processo de inovação institucional. Por outro lado, causa prejuízos tanto para a organização quanto para os trabalhadores, como, p. ex.: custos com nova contratação, treinamento, perda da continuidade do trabalho, da coesão das equipes e da satisfação no trabalho (Marais-Opperman et al., 2021) e descontinuidade do processo ensino-aprendizagem dos alunos (Redding & Henry, 2018).
Nesse sentido, é importante o conhecimento e monitoramento da Intenção de Abandono (IA), considerando ser essa um importante preditor do comportamento de desligamento efetivo do trabalhador da organização (Chang, 1999; Fullard, 2023). A saída definitiva de uma organização é um dos desfechos de um processo que se inicia com a intenção de abandono. Essa diz respeito à probabilidade estimada de o trabalhador deixar a organização em algum momento bastante próximo (Mowday et al., 1982). De acordo com Mobley (1977), a IA é um fenômeno psicológico cognitivo e afetivo que tem como balizadores a avaliação/satisfação do trabalho, as alternativas do mercado laboral e os custos/benefícios da decisão de saída da profissão ou local de trabalho. A saída definitiva da profissão é um processo emocional doloroso e emocional que pode levar anos antes da tomada de decisão definitiva (Amitai & Houttea, 2022).
Trata-se, portanto, de um processo que pode ser compreendido mediante a Teoria da Ação Planejada (Ajzen, 1991). Segundo essa, as pessoas agem de acordo com as suas intenções, utilizando as informações disponíveis e avaliando as implicações de seus comportamentos e seu potencial de controle da situação, antes de tomarem uma decisão para sua ação. Nesse sentido, a rotatividade corresponde a um fenômeno objetivo e quantificável; enquanto a intenção de abandono, mesmo quando está presente, não é de fácil identificação, por sua característica subjetiva. Por esse motivo, Chang (1999) destaca a importância de investigar a IA separadamente da rotatividade.
Intenção de Abandono Docente
Deixar a profissão docente ou trocar um determinado trabalho docente por outro são ações muito diferentes por parte de um professor. No entanto, essas opções podem ter motivações semelhantes e as consequências da evasão de professores para as escolas afetadas são as mesmas. Assim, a intenção de rotatividade de professores refere-se tanto a 'abandono' da profissão docente quanto a 'mudança' no local de trabalho docente (Tiplic et al., 2015).
Geralmente, docentes desligam-se de sua instituição de ensino por abandono da profissão ou por migração (Darling-Hammond, 2010). A maioria dos estudos sobre a rotatividade do professor não diferencia esses dois tipos de movimentos, embora possam ser diferentes tanto em suas causas como em seus efeitos (Ryan et al., 2017).
O abandono da profissão pode ocorrer por aposentadoria, adoecimento (Ingersoll, 2001), insatisfação profissional, baixa remuneração associada a más condições de trabalho e a restritas perspectivas de carreira (Fullard, 2023; Kang et al., 2021), sobrecarga de trabalho, conflito trabalho-família e experiência de exaustão emocional (Rajendran et al., 2020). Estudo realizado por Carlotto et al. (2019) identificou como preditores da IAP em professores a multiplicidade de papéis a desempenhar, conciliar trabalho e lazer e a relação com alunos.
Nas últimas três décadas, a profissão docente tem visto um aumento na rotatividade geral de professores que inclui tanto os professores que se deslocam entre as escolas quanto os professores que deixam a profissão (Ingersoll et al., 2018). O movimento por migração é a saída da atual instituição escolar para uma outra (Darling-Hammond, 2010) tendo uma maior relação com a busca de melhores oportunidades profissionais, por motivos pessoais ou familiares, aposentadoria e pela insatisfação com o local de trabalho (Ingersoll, 2001). A mobilidade de professores entre escolas geralmente ocorre pela procura de alunos com perfil socioeconômico mais favorável (Cunha, 2019) e com menor número de alunos e com maior número de alunos com necessidades educacionais especiais (Qin, 2020).
Para investigar a avaliação da intenção de abandono em geral e, especificamente, entre professores, foi conduzida uma revisão da literatura nas bases de dados LILACS, SCIELO e Periódicos Capes acerca de instrumentos disponíveis. A busca revelou a inexistência de instrumentos brasileiros. Em âmbito internacional foram encontrados estudos de avaliação unicamente do abandono da profissão (Carmeli & Weisberg, 2006), estudos que avaliaram ambas as intenções com um item único dicotômico (S. E. Lee et al., 2020) ou escalar (Burmeister et al., 2019, Griffeth & Hom, 1988). Em estudo com professores, Ford et al. (2019) utilizaram um instrumento composto de três itens sobre intenção de abandono da profissão e três itens de intenção de abandono da instituição; sem, no entanto, referirem dados de confiabilidade do mesmo. Dada a ausência de instrumentos válidos no Brasil para a avaliação da intenção de abandono em termos das duas dimensões teóricas, este estudo objetivou construir e descrever as evidências de validade de uma escala para avaliação da IA em docentes.
Método
Construção, Análise das Evidências de Validade de Conteúdo e Estudo Piloto da Escala de Intenção de Abandono (EIAT)
A construção da Escala de Intenção de Abandono (EIAT) baseou-se nos estudos de Mowday et al. (1984), Tett e Meyer (1993), Mobley et al. (1978) e Ingersoll (2001). Assim, a escala foi concebida em termos de duas dimensões: intenção de abandonar a profissão e intenção de abandonar a instituição, sendo que a média dos itens de ambas as dimensões indicam a intenção de abandono em relação ao trabalho de maneira geral.
Os passos para a construção da EIAT seguiram as orientações de Pasquali (2010) e as diretrizes do International Test Commission (2017) e da American Psychological Association & National Council on Measurement in Education (2014). Para a elaboração de itens, utilizou-se indicadores oriundos da literatura e dados obtidos através de um grupo focal com seis docentes dos níveis de ensino no infantil (1), fundamental (2), médio (2) e de graduação (1), do Rio Grande do Sul, que aceitaram o convite para discutir o tema. O convite foi realizado via redes sociais das pesquisadoras. O material foi sistematizado em duas categorias correspondentes às dimensões propostas. Foram elaborados 26 itens, sendo 12 referentes à intenção de mudança de profissão e 14 à intenção de mudança de instituição. A segunda etapa foi a análise da escala por três psicólogos escolares (juízes), que avaliaram a adequação dos itens em termos de compreensibilidade, objetividade e pertinência, de acordo com as dimensões propostas.
Nesse formato, o instrumento foi disponibilizado em uma plataforma on-line, Survey Monkey, para a realização de um estudo piloto com vistas a avaliar a distribuição das respostas dos itens e a confiabilidade da escala e suas dimensões. O convite foi realizado via redes sociais, contendo o link para as respostas. O instrumento foi respondido por 55 docentes gaúchos dos cinco níveis de ensino, sendo 7,8% de ensino infantil, 26,0% do fundamental, 14,3% do médio, 40,7% de professores de graduação e 11,2% da pós-graduação. Destes, 86,6% eram mulheres, com idade média de 36,3 (DP = 9,79).
Análise das Evidências de Validade da Estrutura Interna da EIAT
Participantes
Participaram do estudo 1.284 professores. Após análise para a identificação de casos extremos (outliers), pelo D2 de Mahalanobis, foram excluídos 110 sujeitos, ficando a amostra final composta por 1.174 participantes. Esses estavam distribuídos em cinco níveis de ensino, 8,9% de ensino infantil, 21,7% do fundamental, 11,9% do médio, 43,7% de professores de graduação e 13,8% da pós-graduação que atuavam, no mínimo, há mais de um ano na profissão.
A média de idade foi de 44,3 anos (DP = 10,22; Min = 20, Máx = 73 anos). A maioria dos participantes se identificou como do sexo feminino (71,6%), referiu pertencer a categoria de estado civil casado (51,9%), ter filhos (64,9%), possuir formação em nível de pós-graduação (79,4%) e renda mensal de até cinco salários-mínimos (51,5%). A média de tempo de atuação na docência foi de 15,75 anos (DP = 10,25), a média de carga horária de trabalho foi de 37,11 horas semanais (DP = 10,87). Dentre os participantes, a quase totalidade da amostra não possuía outra atividade profissional (98,22%), 67,6% atuavam em instituição pública e 32,4%, em instituição privada.
Instrumentos
Escala de Intenção de Abandono no Trabalho (EIAT). A escala, desenvolvida neste estudo, consta de 10 itens, divididos em duas dimensões: intenção de mudar de profissão (cinco itens, α = 0,88, ωt = 0,88) e intenção de mudar de instituição (cinco itens, α = 0,80, ωt = 0,81). Os itens são avaliados por meio de uma escala de frequência de cinco pontos, de 0 (nunca) a 4 (todo os dias). Os resultados dos participantes são obtidos pela média das respostas dos participante em cada dimensão, sendo que médias mais elevadas indicam maior intenção de abandono.
Questionário de dados sociodemográficos e laborais. Instrumento com questões sobre sexo, idade, estado civil, filhos, formação acadêmica, remuneração. Ainda, foram investigadas variáveis laborais, p. ex.: tempo de atuação como docente, carga horária de trabalho semanal, se possui outra atividade laboral, tipo de instituição e nível de ensino.
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
Os participantes responderam aos instrumentos disponibilizados em uma plataforma on-line. Foi utilizado o recrutamento pela técnica do Respondent Driven Sampling (RDS), na qual os primeiros participantes (1ª onda), constituída de 274 docentes, enviaram o convite para novos participantes (2ª onda) (Goel & Salganik, 2009). Foram realizados os procedimentos éticos conforme Resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil (CNS). A pesquisa possui aprovação do Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAAE: 12052919.7.0000.5344).
As análises descritivas de caráter exploratório para avaliar, no banco de dados, a distribuição das respostas aos itens, casos omissos e identificação de extremos, bem como as análises bivariadas, foram realizadas no pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26.0 for Windows. As evidências de validade de construto foram avaliadas mediante análise fatorial exploratória (AFE) e análise fatorial confirmatória (AFC). A amostra total foi dividida, aleatoriamente, pelo método Split-half do programa SPSS em dois grupos aproximadamente equivalentes, sendo 577 (51,6%) para a análise fatorial exploratória e 542 (48,4%) para a análise fatorial confirmatória. Foi realizada análise de comparação de médias entre ambos os grupos, mediante teste t de Student para amostras independentes em cada um dos 10 itens do instrumento (p > 0,05), o que permitiu considerar os grupos como equivalentes em termos das respostas ao instrumento.
A análise fatorial exploratória foi realizada pelo software Factor, utilizando-se uma matriz de correlação policórica e o método de extração Diagonally Weigthed Least Squares (DWLS). O número de fatores a serem retidos foi decidido pela aplicação da técnica de Análise Paralela com permutação aleatória dos dados observados empregando a rotação de Promin, considerando-se as cargas fatoriais dos itens acima de 0,39 para permanecer na análise (Hair et al., 2018). A adequação de um modelo unifatorial foi analisada pelos índices: Congruência Unidimensional (UniCo) > 0,95, Variância Comum Explicada (ECV) > 0,85 e Média das Cargas Residuais Absolutas Médias (MIREAL) < 0,30 (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018).
A análise fatorial confirmatória foi realizada utilizando-se o método de estimação de mínimos quadrados ponderados robustos pela média e a variância (WLSMV), através do programa Mplus v.6.2. Como parâmetros para um ajuste satisfatório do modelo, considerou-se o índice de ajuste comparativo (Comparative Fit Index de Bentler, CFI) com valores superiores a 0,95 (Batista-Foguet et al., 2004) e os resíduos por erro quadrático médio de aproximação (Root Mean Square Error of Approximation, RMSEA), com valor esperado inferior a 0,08, considerando intervalo de confiança de 90%) (Byrne, 2016). A avaliação da confiabilidade foi mediante o método do alfa de Cronbach (a) e o estimador ômega de McDonald (ct), o qual foi utilizado para suprir limitações do a (Dunn et al., 2013). Também foram utilizados o Índice de Confiabilidade Composto (CC) e a variância média extraída (AVE) (Hair et al., 2018).
Resultados
Construção, Análise das Evidências de Validade de Conteúdo e Estudo Piloto da EIAT
Para a construção da escala foram arrolados 26 itens para avaliar intenção de mudança de profissão e intenção de mudança de instituição. Na análise realizada pelos juízes, foram identificados itens cujo conteúdo poderia ser aplicável a ambos os tipos de intenção de abandono, não discriminando as dimensões. Além desses, outros quatro itens foram identificados como itens de abandono de qualquer atividade laboral e não apenas de mudança. Com a exclusão desses itens, a escala ficou composta por 17 itens (nove sobre intenção de mudar de profissão e oito sobre intenção de mudar de instituição).
No estudo piloto, mediante análise descritiva das respostas, foram identificados sete itens cuja distribuição não era observada em toas as cinco categorias de resposta, sendo cinco itens com "efeito chão" e dois itens com "efeito teto". Na análise da consistência interna, oito itens apresentaram coeficientes que afetavam negativamente a confiabilidade de suas dimensões. Destes, sete foram excluídos por serem os mesmos com problemas de distribuição de suas respostas.
Assim, a versão final da escala ficou composta por 10 itens divididos nas dimensões de intenção de mudar de profissão (5 itens) e intenção de mudar de Instituição (5 itens). A consistência internada dimensão de intenção de mudar de profissão foi de α = 0,88 e ωt = 0,88. A da dimensão de intenção de mudar de instituição foi de α = 0,80 e ωt = 0,81. As opções de resposta foram estabelecidas em uma escala de frequência de 5 pontos, variando de 0 (nunca) a 4 (todo os dias).
Análise Fatorial Exploratória
Foi avaliada a normalidade dos dados mediante os testes Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, os quais indicaram distribuição não normal. Foram realizados procedimentos de bootstrap (500 reamostragens; 95% I.C.) em que os valores obtidos das médias das respostas dos itens da escala aplicada ficaram dentro do intervalo determinado pelo bootstrap, evidenciando aderência a uma distribuição normal.
O valor do determinante da matriz de correlação calculado para a amostra foi de 0,000001, um valor bastante baixo, indicando que as variáveis são bastante intercorrelacionadas. Os testes de esfericidade de Bartlett (6583,5; df = 45, p < 0,001) e KMO (0,87) sugeriram a interpretabilidade da matriz de correlação dos itens. A análise paralela sugeriu dois fatores para o conjunto de dados avaliado. Os dois fatores identificados permitiram identificar uma distribuição fatorial bem delimitada tanto em termos de proximidade dos itens na análise quanto em termos de aderência teórica, o que foi corroborado pela análise paralela. O item 7 apresentou padrão de carga cruzada e foi removido. O modelo final ficou, portanto, com 9 itens e dois fatores: intenção de abandonar a profissão e intenção de abandonar a instituição. A matriz estrutural da escala, bem como as estimativas de replicabilidade são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Matriz estrutural das dimensões da Escala de Intenção de Abandono
Itens | IAP | IAI |
---|---|---|
1. Eu penso em mudar de profissão | 0,862 | 0,568 |
3. Está nos meus planos mudar de profissão no próximo ano | 0,967 | 0,799 |
5. É certo que mudarei de profissão no próximo ano | 0,964 | 0,851 |
8. Penso em trabalhar em alguma área/atividade não relacionada à atual | 0,749 | 0,483 |
10. Eu estou verificando junto a minha rede de contatos possibilidades de trabalho em outras áreas, não relacionadas à atual | 0,833 | 0,673 |
2. Eu penso em mudar de instituição | 0,714 | 0,818 |
4. Está nos meus planos mudar de instituição no próximo ano | 0,757 | 0,974 |
6. É certo que eu mudarei de instituição no próximo ano | 0,776 | 0,956 |
9. Eu estou verificando junto a minha rede de contatos possibilidades de ingresso em outras instituições | 0,624 | 0,792 |
A variância explicada foi de 83%. Quanto a uma estrutura unifatorial, os índices não confirmam essa possibilidade, uma vez que o índice o UniCo foi de 0,94, o ECV de 0,83 e o MIREAL de 0,33. Tais valores, no entanto, são bastante próximos aos pontos de corte dos estimadores utilizados.
Análise Fatorial Confirmatória
Após a AFE, os nove itens foram testados por meio de análise fatorial confirmatória, avaliando a proposta teórica de um modelo bifatorial, conforme, também, os resultados obtidos na AFE. Além disso, foi avaliada a possibilidade de um modelo unidimensional. Os índices de ajuste identificados em cada modelo são apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 Índices de ajuste para os modelos de AFC da EIAT
Modelos | χ2 | gl | p | TLI | CFI | RMSEA(IC95%) |
---|---|---|---|---|---|---|
Modelo 1 - Bidimensional | 55,190 | 26 | <0,01 | 0,983 | 0,987 | 0,04(0,02-0,06) |
Modelo 2 - Unidimensional | 181,983 | 27 | <0,01 | 0,911 | 0,933 | 0,10(0,08-0,11) |
O modelo 1, bidimensional, apresentou melhor adequação dos dados, com valores de ajuste em conformidade aos recomendados (Hooper et al., 2008), e foi assumido para o instrumento em estudo. Todos os pesos fatoriais (Lambdas -X) foram positivos e estatisticamente diferentes de zero, com valores entre 0,492 e 0,921. O item 5 apresentou carga fatorial sensivelmente inferior a 0,500, mas foi mantido. Os escores brutos dos fatores apresentaram correlação de 0,617 entre si (Figura 1).
A confiabilidade foi satisfatória para ambos os fatores. A dimensão IAP alcançou α = 0,81 e ωt = 0,79; a dimensão IAI, α = 0,86 e ωt = 0,87. A confiabilidade composta também foi adequada: 0,84 para IAP e 0,86 para IAI. A AVE de 0,51 para IAP e de 0,61 para IAI. A análise descritiva demonstrou médias bastante similares entre as dimensões de IAP (M = 1,75; DP = 0,76) e IAI (M = 1,74; DP = 0,82).
Discussão
Esse artigo teve como objetivo apresentar o processo de construção e análise das evidências de validade de uma escala de avaliação da IAP E IAI entre trabalhadores. Concretamente, essa foi desenvolvida no contexto educacional, com professores, independente do nível de ensino docente. Os dois fatores propostos no desenvolvimento da escala mantiveram-se em todo o processo de análise das evidências de validade. A construção dos itens com base na literatura e os dados fornecidos pelos trabalhadores no grupo social configuraram uma estrutura sólida e bem delimitada. A modificação e a exclusão de itens nessa etapa permitiram a obtenção de um instrumento mais enxuto e direto de avaliação da intenção de abandono e suas dimensões (Pasquali, 2010).
A estrutura bifatorial, indicada pela análise paralela, foi configurada na análise fatorial exploratória, a qual explicou 83% da variância de IA, percentual que pode ser considerado elevado especialmente considerando o número reduzido de itens (Tabachnick & Fidell, 2019). Nessa etapa, a exclusão de um item, por apresentar padrão de carga cruzada, contribuiu para uma estrutura melhor definida, mantendo a abrangência sobre o construto (Endler & Parker, 1990). Embora esses resultados, os valores dos índices UniCo, ECB e MIREAL foram bastante próximos aos pontos de corte, de maneira que, na análise fatorial confirmatória, foram testados os modelos bidimensional e unidimensional.
O modelo bidimensional apresentou melhor ajuste aos dados (Hu & Bentler, 1999). Nesse sentido, os resultados obtidos na análise fatorial confirmatória revelaram uma estrutura fatorial coerente e alinhada à teoria adotada, a qual afirma a necessidade de investigação da IA em duas dimensões distintas: intenção de abandonar a profissão e intenção de abandonar a instituição. Embora ambas as dimensões constituam um construto mais amplo, que é a IA, as causas e consequências da intenção de abandonar a profissão e da intenção de abandonar a instituição são diferentes (Chang, 2009; Ford et al., 2019).
Todo esse processo conferiu ao instrumento evidências de validade bastante sólidas para sua utilização no contexto de trabalho, especificamente o docente. Em relação à confiabilidade, as dimensões da EIAT apresentaram valores elevados de índices alfa e ômega. Nesse sentido, os resultados demonstram que a EIAT pode ser usada como uma escala confiável e válida para avaliar a intenção de abandono do trabalho nas dimensões de intenção de mudar de profissão e intenção de mudar de instituição; constituindo-se em uma ferramenta para a avaliação do contexto geral de trabalho nas instituições, assim como potencial preditor do efetivo abandono e da rotatividade real.
Os estudos tratam a intenção de abandono do trabalho como variável relevante a ser estudada no campo da rotatividade laboral. No entanto, faltam instrumentos que permitam sua mensuração de forma adequada. No caso, escalas que abordem o processo cognitivo inerente à intenção de rotatividade (Sager et al., 1998), de acordo com um modelo teórico compreensivo, como o da Teoria da Ação Planejada (Ajzen, 1991). Isso demanda instrumentos que sejam capazes de captar o processo de consolidação da intenção e sua operacionalização em termos comportamentais. Em diversas pesquisas a intenção de abandono é abordada apenas por um item único (Lambert et al., 2001; Romeo et al., 2020) o que minimiza o processamento do fenômeno e o reduz a uma resposta simplória Vieytes (2004). Embora alguns instrumentos utilizem um maior número de itens, as propriedades psicométricas destes não são adequadamente relatadas (Becker, 1992; Lum et al., 1998).
Assim, considera-se que há necessidade de instrumentos com boas evidências de validade e confiabilidade para a avaliação do abandono no trabalho em ambas as dimensões que o compõem. Assim como tal instrumento não pode resumir-se a uma pergunta direta, também não pode ser exaustivamente longo ao ponto de dificultar sua inserção em pesquisas e levantamentos sobre o tema. Assim, a EIAT foi elaborada com a intenção de abarcar o fenômeno de forma integral, porém objetiva, de maneira a que os resultados de suas dimensões possam servir como variáveis critérios para a rotatividade de pessoal no trabalho. Embora o estudo tenha sido desenvolvido entre docentes, considera-se que a escala pode ser utilizada para avaliação outras categorias profissionais.
Como limitações desse estudo, há que se considerar a elaboração e análise das evidências de validade da EIAT apenas na categoria laboral docente. O delineamento do estudo também não permitiu a comparação entre os resultados da escala e os índices concretos de rotatividade de uma instituição determinada. Sugere-se, portanto, que a EIAT seja estudada em contextos específicos, podendo-se comparar os índices de rotatividade com os de intenção de abandono, avaliados pela escala. Os resultados obtidos sobre as evidências de validade da EIAT são promissores. Considera-se que essa escala contribui de maneira efetiva para identificar as causas do abandono laboral, o que pode subsidiar políticas para a resolução desse problema (T. Lee et al., 2017).
Como implicações para a prática, a EIAT pode representar um instrumento potente para o monitoramento da intenção de abandono do trabalho, seja esse profissional ou de instituição, desde o início da carreira ou inserção laboral. Com isso, mediante a consideração das variáveis laborais referentes à profissão e à instituição, há a possibilidade de revisão de aspectos profissionais e laborais e institucionais relacionados à rotatividade, para a prevenção do desfecho.