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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.23 no.2 Brasília Apr./June 2023  Epub Nov 29, 2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2023.2.24052 

Artigo

Experiência e Percepção das Trabalhadoras de DEAMs sob Influência da Pandemia de COVID-19

Experience and Perception of DEAMs Workers under the Influence of COVID-19 Pandemic

Experiencia y Percepción de las Trabajadoras de DEAMs Bajo la Influencia da Pandemia de COVID-19

Tatiana Otto Stock1 
http://orcid.org/0000-0003-3186-3426

Maria Leonor Gonsales Martins da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-5099-6270

Stéphanie da Selva Guimarães3 
http://orcid.org/0000-0002-7184-6228

Angelo Brandelli Costa4 
http://orcid.org/0000-0002-0742-8152

1https://orcid.org/0000-0003-3186-3426 / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil

2https://orcid.org/0000-0001-5099-6270 / Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Brasil

3https://orcid.org/0000-0002-7184-6228 / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil

4https://orcid.org/0000-0002-0742-8152 / Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Brasil


Resumo

Devido à preocupação sobre como a pandemia impactaria na violência contra as mulheres e considerando a complexidade que envolve essa problemática, o objetivo desse estudo é entender a experiência das agentes policiais no trabalho na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) durante a pandemia de COVID-19. Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e transversal, realizado a partir de entrevistas semiestruturadas com trabalhadoras das DEAMs e analisadas a partir da Análise Temática. Como resultado, emergiram três principais temas e dez subtemas relacionados a aspectos institucionais, sociais e à pandemia. Destacam-se os fatores (a) importância do ambiente de trabalho para a saúde e satisfação laboral e (b) impacto das medidas de segurança da COVID-19 no funcionamento institucional. A partir da análise das entrevistas, conclui-se que há necessidade de maior investimento do Estado em relação ao pessoal, à efetividade legislativa e à rede especializada. Dessa forma, seriam asseguradas condições de trabalho adequadas para um atendimento respeitoso e eficaz.

Palavras-chave violência contra as mulheres; trabalhadoras; pandemia

Abstract

Due to concern about how the pandemic would impact violence against women and the complexity involved in this problem, the objective of this study is to understand the experience of workers at Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) during the COVID-19 pandemic. This is a qualitative, exploratory, and cross-sectional study carried out with semi-structured interviews with police officers from DEAMs and analyzed using thematic analysis. As a result, three main themes and ten sub themes related to institutional, social, and pandemic aspects emerged. Highlighted are (a) the importance of the work environment for health and job satisfaction and (b) the impact of COVID-19 safety measures on institutional functioning. From the analysis of the interviews, it is concluded that there is still a need for greater investment by the State in terms of personnel and legislative effectiveness and the specialized network. In this way, workers might have adequate working conditions for respectful and effective care.

Keywords violence against women; workers; pandemic

Resumen

Debido a la preocupación sobre cómo la pandemia impactaría en la violencia contra las mujeres y la complejidad que envuelve esta problemática, el objetivo de este estudio es entender la experiencia de las agentes de policías que laboran en la DEAM durante la pandemia Covid-19. Se trata de un estúdio cualitativo, exploratório y transversal, realizado a partir de entrevistas semiestructuradas con trabajadoras de las DEAM y analizado a partir del Análisis Temático. Como resultado, surgieron tres temas principales y diez subtemas relacionados con aspectos institucionales, sociales y pandémicos, destacando los factores (a) la importancia del ambiente de trabajo para la salud y la satisfación laboral y (b) el impacto de las medidas de seguridad del Covid-19 en el funcionamiento institucional. A partir del análisis de las entrevistas es posible concluir que aún es necesaria una mayor inversión por parte del Estado en relación al personal y efectividad legislativa y de red especializada. Así, las trabajadoras tendrían condiciones de trabajo adecuadas para una atención respetuosa y eficaz.

Palabras clave violencia contra las mujeres; trabajadoras; pandemia

Diante da chegada do vírus da COVID-19 no mundo em 31 de dezembro de 2019 e no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 (OMS, 2020), surgiu a necessidade da permanência das pessoas em suas casas e do distanciamento social como principais medidas de segurança para o não alastramento do vírus. Nesse contexto, a preocupação mundial com o fenômeno da violência de gênero contra as mulheres (VGCM) esteve em evidência. O confinamento em casa, para mulheres que viviam em ambientes violentos, foi identificado como fator de alto risco, dando início a diversas campanhas para realização de denúncias de violência contra as mulheres e ações governamentais adaptadas para o momento de pandemia.

Para a compreensão do contexto político brasileiro durante o período pandêmico, é importante ressaltar o desalinhamento das orientações fornecidas pelo governo nacional em relação às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto aos cuidados da população com o COVID-19. Notas públicas foram divulgadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) ao longo da pandemia, entre elas, em relação ao pronunciamento de Bolsonaro, considerado uma afronta grave à saúde e à vida da população, prejudicando todo o esforço dos órgão responsáveis pela saúde, contrariando evidências técnicas e científicas (Conselho Nacional de Saúde, 2020) e outra repudiando a gestão da atual presidência diante da pandemia, se referindo à ela como "show de horrores" (Conselho Nacional de Saúde, 2021).

O objetivo desse estudo é entender a experiência das trabalhadoras(es) das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs), na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), especificamente em relação ao funcionamento institucional e à percepção de acesso e acolhimento às mulheres, considerando o contexto da pandemia da COVID-19. Para embasar a discussão dos dados analisados no presente artigo, optou-se por uma perspectiva de violência estrutural (Cavalli, 2009), baseada em conceitos anticapitalistas e feministas (Hooks, 2018). Essa escolha foi feita após a análise dos dados por ter-se percebido atravessamentos entre esses conceitos e os resultados obtidos.

A VGCM trata-se de um fenômeno complexo de saúde pública que pode ocasionar danos diversos, como sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, famílias e comunidades (Strey & Jardim, 2018), e comprometimentos relacionados à direitos e oportunidades, segurança e discriminação. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro De Segurança Pública, 2021), os índices de 2020 revelam 1.350 feminicídios registrados, representando uma variação de 0,7% em relação a anos anteriores, sendo essa considerada a forma mais extrema de violência contra as mulheres. Desses registros, 61,8% eram negras, 54% foram mortas em sua própria residência e 81,5% dos crimes foram cometidos por ex-companheiro. Corroborando com esse último dado, estudos internacionais indicam agravamento das situações de violência por parceiro íntimo (VPI) durante a pandemia, além de fatores associados como diminuição do suporte social e dificuldades financeiras (Adibelli et al. 2021; Sabri et al., 2020).

Visto isso, é imprescindível um olhar feminista sob esse fenômeno, permitindo que as mulheres tenham igual acesso, oportunidade e garantia de direitos que os homens. Complementando esse conceito, é importante destacar a necessidade dessa mesma igualdade para as intersecções de raça e classe, desconstruindo ideais patriarcais de privilégios entre as mulheres e expandindo a luta feminista de forma igualitária, para todas (Hooks, 2018).

A violência estrutural trazida por Cavalli (2009) considera questões sociais impactadas pelas desigualdades, legitimadas e invisibilizadas pela cultura e pela sociedade, permitindo a propagação de ações violentas, de individuais à estatais. A autora afirma que essa violência tem origem nos interesses de uma pequena parcela branca, elitista e masculina, garantindo os Direitos Humanos para esse pequeno grupo e vulnerabilizando e marginalizando os demais, como pessoas negras e mulheres. Uma vez que esses interesses estão a serviço do patriarcado e da elite, essa violência acontece para favorecer o lucro e o capital dessa mesma população (Cavalli, 2009).

É importante considerar que a falta de serviços públicos e estratégias de soluções a questões sociais são consideradas como violência macroestrutural e sugerem falta de interesse do Estado em suprir e investir nesse setor, uma vez que os serviços especializados e a ascensão social e econômica das mulheres não é parte dos interesses do Estado e da elite. Essa violência macroestrutural pode ser evidenciada, por exemplo, na fala de operadores sociais, que demonstraram basear seus atendimentos em estereótipos de gênero e falta de conhecimento em relação à rota percorrida pelas mulheres (Cavalli, 2009; Presser et al, 2008).

Ao colocar em evidência a relação entre a VGCM e a violência macroestrutual, é importante considerar o caminho percorrido pela mulher até a denúncia oficial, como forma de estabelecer estratégias efetivas nas políticas de enfrentamento da violência contra as mulheres por meio de um compromisso intersetorial. Meneghel et al. (2011) exploram a Rota Crítica e mostram que, em países latinoamericanos, existem poucos recursos sociais, de saúde e comunitários efetivos para auxiliar as mulheres a romper com o ciclo de violência, indicando um percurso solitário, extenso, instável e sujeito à revitimização pelos próprios serviços destinados a ajudá-las. Pesquisas indicam que a rede especializada na mulher e os órgãos responsáveis não estão preparados para lidar com essa demanda. Relatos de revitimização na rede, fragilidade de acesso e circulação entre órgãos responsáveis e a falta de amparo profissional humanizado ainda são frequentes (Arboit et al., 2019; Meneghel et al., 2011; Presser et al., 2008).

A DEAM foi o órgão escolhido para essa pesquisa por ser considerada a principal porta de entrada para as mulheres quebrarem o ciclo de violência e encontrarem justiça para crimes baseados em gênero. Carneiro e Fraga (2012) observaram, em seu estudo na DEAM de São Borja, que muitas mulheres acessam os serviços da delegacia em busca de soluções para a sua situação, mesmo quando não competem aos serviços da polícia. Assim, é essencial conhecer a influência da pandemia e dos momentos de crises mundiais nesses serviços, especialmente, quando o público referente é drasticamente impactado pelas vulnerabilidades sociais.

Apesar de a DEAM ser um espaço de referência para as mulheres que necessitam de auxílio, a falta de políticas públicas e as circunstâncias de vulnerabilidade em que estão inseridas como, restrição de acesso à oportunidades sociais, econômicas, culturais, recursos materiais e suporte do Estado, tornam essa busca limitada. Esses fatores acabam resultando em sobrecarga e prejuízo à saúde das trabalhadoras, falta de amparo e resolução das necessidades das mulheres e um interminável fluxo de pessoas buscando e aguardando atendimento.

Ainda considerando a falta de investimento a serviços públicos e de cuidado com as(os) servidoras(es), segundo pesquisa publicada pelo 11° Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017), 50,9% das(dos) profissionais de delegacias da mulher em todo o Brasil afirmaram que a delegacia é insuficiente para atender a demanda e 58,2% receberam treinamento especializado. No Rio Grande do Sul (RS), dos 30 participantes, 22 responderam que não receberam treinamento. De modo geral, 66% identificaram a falta de pessoal como maior dificuldade e 57% citaram a falta de mais delegacias na região.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), a cidade de Porto Alegre possui uma população estimada de 1,4 milhões de pessoas, significando que, conforme diretrizes das Normas Técnicas de Padronização das DEAMs (2010), deveria contar com cinco DEAMs, porém, possui apenas uma. Além disso, a Força Tarefa Interinstitucional do Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul (Comissão de Segurança e Serviços Públicos, 2020) aponta que, dos 34 municípios que constituem a região metropolitana de Porto Alegre, apenas 14 possuem uma delegacia da mulher. Assim, é evidente a necessidade de mais espaços para o acolhimento dessas mulheres, disponibilidade de transporte e maior qualificação de policiais das Delegacias de Pronto Atendimento (DPPA) para garantir um atendimento mais humanizado.

Para que essas ações sejam consideradas e executadas, é preciso investimento e interesse por parte do Estado. Conforme dados expostos pela Força-Tarefa Interinstitucional de Combate aos Feminicídios do Rio Grande do Sul (Comissão de Segurança e Serviços Públicos, 2020), esse orçamento vem diminuindo consideravelmente nos últimos anos. Além do mais, a rede ainda é desarticulada entre os serviços especializados, gerando falta de encaminhamentos a serviços estratégicos como Casa Abrigo e Centro de Referência à Mulher (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017).

Finalizando, é possível observar que a violência estrutural permeia os principais objetos deste estudo. Visto que a ascensão social e econômica das mulheres e a diminuição da VGCM não é parte dos interesses lucrativos, elitistas e patriarcais do Estado, as políticas públicas para as mulheres acabam comprometidas, afetando não apenas as mulheres usuárias, mas também as condições de trabalho das(os) servidoras(es). Pode-se entender que essas dificuldades foram potencializadas ao longo da pandemia, impactando grupos de minorias e órgãos responsáveis por atendimentos especializados. Portanto, esse estudo tem como objetivo explorar o funcionamento institucional, o acesso e qualidade dos serviços das DEAMs e a influência da pandemia da COVID-19, a partir da experiência de trabalhadoras das DEAMS da RMPA.

Método

A presente pesquisa trata-se de um estudo qualitativo, transversal e exploratório e é parte de um estudo maior1 que realizou entrevistas com trabalhadoras da DEAM e mulheres que acessaram os serviços em três DEAMs da RMPA e das observações das pesquisadoras. Esse artigo foi construído apenas a partir das análises dos dados das entrevistas das policiais, pois o material coletado resultou em bastante conteúdo, sendo mais interessante se debruçar, inicialmente, apenas nesse material. Já as entrevistas realizadas com as mulheres investigaram o motivo da busca pela delegacia, a influência da pandemia e a qualidade do acesso e do atendimento recebido e serão analisadas para um estudo futuro.

As entrevistas foram realizadas por duas pesquisadoras (mestranda e aluna de iniciação científica), sendo consideradas as observações e percepções de ambas em relação a cada entrevista, com o objetivo de melhorar a fidedignidade dos dados (Gil, 2002). Ambas as pesquisadoras são mulheres, da área de Psicologia e com afinidade em relação aos ideais feministas, o que pode ter influenciado o olhar sobre os relatos.

Participantes

As participantes do estudo são trabalhadoras(es) que prestavam atendimento às mulheres que buscavam a DEAM em alguma das DEAMs participantes deste estudo durante o período da coleta de dados (junho a setembro de 2021). A estratégia de amostragem foi por conveniência e as participantes não receberam incentivo financeiro ou compensação pela sua participação. Participaram da pesquisa três DEAMs da RMPA, não foi possível expandir o número de delegacias em função do tempo disponível para a conclusão da coleta e análise de dados. A escolha dessas DEAMs foi considerada satisfatória por serem localizadas em importantes cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, sendo algumas delegacias consideradas como referência e com alto fluxo de acessos.

Foram contatadas delegadas de três DEAMs que aconteceram através de indicação e, após aceite das instituições e aprovação da Comissão de Ética e Pesquisa da PUCRS, a instituição realizou o convite para todas(os) as(os) trabalhadoras(es) responsáveis por atender as mulheres usuárias. Esse formato de convite se deu em função do grande número de trabalhadoras(es) e da dificuldade em estarem todas(os) presentes e disponíveis simultaneamente para um convite presencial e coletivo. Dessa forma, as pesquisadoras passaram informações básicas da pesquisa e refizeram o convite às(aos) trabalhadoras(es) que demonstraram interesse em participar, combinando o momento e o local para entrevista diretamente com a pesquisadora principal. Esse contato foi feito, majoritariamente, de forma presencial, na DEAM, durante as coletas.

Os critérios de inclusão para a participação foram: estar trabalhando na DEAM no período da coleta de dados, realizar atendimento às mulheres e aceitar participar voluntariamente. O critério de exclusão foi: estar trabalhando por um período menor de três meses. Foram entrevistadas 18 policiais, sendo que duas das participantes foram excluídas após serem entrevistadas, por ter sido identificado, durante a entrevista, que não realizavam atendimento direto às mulheres e trabalharem na DEAM por um período menor que três meses. No total, foram analisadas 16 entrevistas, sendo um profissional da área social e 15 policiais civis. O setor de atuação variava conforme organização da delegacia incluindo atendimento no plantão, setor de investigação e setor do cartório.

Das 16 participantes, três eram homens e 13 mulheres. O gênero usado para se referir às participantes de forma coletiva será feminino por se tratar da grande maioria da amostra. O tempo de trabalho na DEAM variou de seis meses a sete anos e meio, 14 participantes se descreveram como brancas e duas como pardas, todas se identificam como cisgênero e heterossexual e a formação variou entre diversas áreas. A motivação para trabalhar na DEAM foi resumida na Tabela 1 e demais detalhes sociodemográficos estão descritos na Tabela 2. O número de participantes respeitou o processo de saturação de dados (Gil, 2002).

Tabela 1 Tabela explicativa sobre as escolhas e motivações em trabalhar na delegacia 

Escolha Motivação em trabalhar na DEAM
Sim "tentar auxiliar as mulheres, a empoderar as mulheres, gosto muito desse tipo de trabalho mesmo"
Sim "Eu optei por vir (...) a escolha da DEAM por hora foi localização geográfica e estrutura, naquele momento."
Sim "Pareceu que ia ficar bom pra todo mundo (...) ficou bom pra mim porque eu ia trabalhar na investigação, na DEAM, perto de casa" Conveniência humana e geográfica.
Sim "como eu gosto muito do assunto, eu pesquiso muito a questão da parte da psicologia dos relacionamentos, eu escolhi a DEAM como um desafio pessoal e profissional"
Sim Pela disponibilidade da vaga e pois: "Eu sempre gostei muito de assuntos relacionados a violência doméstica"
Não Conseguiu um contato interno inicialmente. Trocou de delegacia. "É uma área que eu me acostumei a trabalhar", no decorrer da jornada profissional foi se especializando na matéria.
Sim Gostar da temática. Engajamento na causa feminista desde antes da carreira policial.
Sim "Eu sei que eu não vou resolver a situação daquela mulher e daquela criança, mas eu vou poder dar um norte pra ele" "Porque tu vê o sofrimento, então tu poder ajudar dessa forma." "A questão de ajudar, que tu vê que faz diferença"
Não "Aqui eu gosto de trabalhar porque eu trabalho com crimes sexuais..." porém admite: "fui transferida sem me perguntarem nada mas acabei gostando" mas não foi por minha vontade.
Não "Eu vou onde tiver que ir. o que tiver que fazer eu faço, onde tiver que trabalhar eu vou, porque eu sou policial civil em qualquer lugar" "E na DEAM. aconteceu por acaso, por uma ocasião de necessidade do serviço em si" . "não é pela matéria que eu vim"
Sim "Eu já tinha uma preferência por trabalhar com mulheres vítimas de violência doméstica. (...) A DEAM foi minha primeira opção da lista." "Motivação em trabalhar aqui é ajudar as pessoas, porque a DEAM tem um lado mais sensível que outras delegacias não tem."
Sim No início foi uma "salvação" geográfica, para poder ir embora da cidade do interior na qual residia anteriormente. Após, aprendeu a gostar da matéria.
Sim Sempre foi "alucinada" pela matéria. Primeira delegacia que atuou foi uma DEAM (na época tinha outro nome).
Sim "Eu entrei na delegacia querendo trabalhar com vulneráveis (... ) eu sinto que a gente faz a diferença na vida daquelas mulheres" Se sente gratificada pelo relato das vítimas, que se sentem amparadas pelos atendimentos.
Sim Imaginou que ia gostar do tema, preferiu a DEAM por ser voltada apenas para uma temática. Também queria vivenciar algo mais "polícia" dentro da instituição. Não apresentou uma motivação mais específica.
Sim "Eu escolhi esse espaço pra vir" "A questão do fortalecimento, de fazer a diferença na vida dessas vítimas." A sensação de dever comprido a motiva, de realizar efetivamente um encaminhamento dentro do possível.

Tabela 2 Características sociodemográficas das participantes 

Gênero Etnia/Cor Estado Civil Formação Tempo
Feminino Branca Solteira Direito 5 anos
Masculino Branca União Estável Direito 8 meses
Masculino Branca Casado Relações Internacionais 7 meses
Masculino Pardo Solteiro Direito 1 ano
Feminino Branca Solteira Publicidade e Propaganda 10 anos
Feminino Parda Solteira Gestão Ambiental 8 meses
Feminino Branca Casada Direito 2 anos e 2 meses
Feminino Branca Casada Direito 11 anos
Feminino Branca Casada Direito 6 meses
Feminino Branca Casada Administração 6 anos e meio.
Feminino Branca Casada Direito e Administração 4 meses
Feminino Branca Separada Psicologia e Comunicação Social 7 anos
Feminino Branca Solteira Medicina Veterinária 2 anos
Feminino Branca Solteira Letras 3 anos
Feminino Parda Solteira Assistente Social 1 ano

Instrumentos

Os dados foram coletados através de entrevistas individuais semiestruturadas. Foram oferecidos o formato presencial, na DEAM, e o formato virtual e todas as participantes escolheram participar de forma presencial e o motivo da escolha foi a facilidade. A entrevista consistiu em dois grandes blocos: 1) a inserção da DEAM e 2) a percepção sobre o trabalho realizado na DEAM e a influência da pandemia da COVID-19.

Com o intuito de explorar a experiência das participantes, buscou-se fazer perguntas abertas como: 1) "Como foi a sua inserção na DEAM?", "Existe alguma motivação em trabalhar na DEAM?" 2) "Como tem sido para você a rotina de trabalho nesse contexto da pandemia Covid-19?", "Como sente que as suas necessidades para trabalhar na DEAM nesse contexto de pandemia estão sendo atendidas?" 3) "Qual a importância você percebe em relação às suas atividades na DEAM?", "Qual a sua percepção em relação às necessidades das mulheres que chegam para fazer a denúncia?". A experiência em relação ao contexto da pandemia permeou todas as etapas da entrevista e foram feitas comparações entre a pré-pandemia, o início da pandemia e o momento atual (dois anos de pandemia).

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

As entrevistas foram realizadas em sala reservada, com a porta fechada e as participantes afirmaram estarem se sentindo confortáveis. As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e anonimizadas por uma terceira pesquisadora e as transcrições foram revisadas pela pesquisadora principal. As coletas aconteceram entre 25 de junho e 27 de setembro de 2021, totalizando 10 visitas em diferentes dias da semana e turnos: manhã, tarde e noite.

As participantes demonstraram bom engajamento durante as entrevistas, a maioria parecia confortável e muitas demonstraram interesse pela pesquisa, a partir de comentários e perguntas, parecendo ver sentido em contribuir e expor a realidade da DEAM. Três participantes demonstraram alguma resistência inicial, talvez por se sentirem obrigadas a participar. No início de cada entrevista, foi esclarecido ser a participação voluntária e a não obrigatoriedade em responder a todas as perguntas, sem necessidade de justificativa, assim como a desistência a qualquer momento da pesquisa, sem acarretar qualquer dano em relação à pesquisa ou à instituição.

Procedimentos de Análise de Dados

A estratégia usada para analisar os dados foi a Análise Temática (AT), seguindo as seis etapas propostas por Braun & Clarke (2006). Como o objetivo do estudo é exploratório, a experiência das policiais é vasta e as categorias emergiram a partir dos dados, de forma indutiva, se entendeu que a AT atenderia melhor aos objetivos da pesquisa. As seis etapas foram realizadas por duas pesquisadoras de forma manual, sem uso de software. As pesquisadoras estavam bastante familiarizadas com os dados, a extração dos dados foi realizada considerando a entrevista completa somada à observação das participantes, a fim de diminuir o viés de desejabilidade social das participantes e realizaram encontros periódicos para discutir cada etapa.

Na primeira etapa foi realizada a leitura das entrevistas já transcritas, o fichamento e as anotações de trechos relevantes. Na segunda etapa, foram estabelecidas as categorias emergentes e a extração dos dados. Na terceira etapa, foram gerados temas e subtemas. O mapa temático foi desenvolvido na quarta etapa, inicialmente com quatro temas centrais e diversos subtemas, contemplando a análise integral das entrevistas, e o mapa temático final, resumido com o intuito de responder à pergunta da pesquisa e nomeando os temas de forma mais indutiva. Na quinta etapa foram revisados e definidos os nomes finais dos temas e subtemas. Na sexta etapa, os extratos dos dados foram revisitados, buscando responder à pergunta da pesquisa da forma mais apropriada, assim como a discussão com a literatura já existente.

Resultados

Visto que as perguntas foram realizadas em formato aberto, permitindo que a participante abordasse diversos fatores da sua experiência, muitos itens importantes foram identificados, resultando, inicialmente, num número expressivo de 47 categorias. Após discussão e organização dessas categorias, elas foram separadas em quatro grandes temas, apresentando alguns atravessamentos entre eles. Os temas são: serviço especializado, pandemia, violência estrutural e recursos humanos. Posteriormente, foram estabelecidos 23 subtemas, gerando no mapa temático final, exposto na Figura 1.

Figura 1 Mapa Temático Inicial 

Para o mapa temático final, os temas foram redefinidos em três: experiência das trabalhadoras, percepção das trabalhadoras e influência da pandemia. Os subtemas foram resumidos em 10. O mapa temático final está exposto na Figura 2. Os critérios usados para estabelecer os subtemas foram a frequência com que a temática foi citada, a importância dada por cada participante e a relevância para o objetivo do estudo. Para o mapa temático final, os temas foram redefinidos em 3: experiência das trabalhadoras, percepção das trabalhadoras e influência da pandemia. Os subtemas foram resumidos em 10. O mapa temático final está exposto na Figura 2. Os critérios usados para estabelecer os subtemas foram a frequência com que a temática foi citada, a importância dada por cada participante e a relevância para o objetivo do estudo.

Figura 2 Mapa Temático Final 

Experiência das Trabalhadoras

Dentro da experiência das trabalhadoras, emergiram quatro subtemas: 1) necessidade de reconhecimento e integração de equipe, 2) importância da efetividade da rede, 3) machismo na instituição e na equipe e 4) necessidade de maior investimento.

O primeiro subtema indicou grande influência no nível de motivação das trabalhadoras no trabalho. De forma positiva, foi citado em relação a importância do coleguismo e alinhamento da equipe, observado, como, por exemplo, nesse trecho: "é humanamente impossível fazer um bom trabalho e dar conta de tudo. Mas também os colegas, quando vê que tá uma loucura, se disponibilizam a ajudar, a fazer uma triagem, a fazer algum adiantamento" (Participante 2). Os aspectos negativos desse subtema foram relacionados como um dos principais fatores para a alta rotatividade de equipe, impactando, também, na falta de preparo profissional. Como fala a Participante 16: "alguns motivos que me levaram a querer sair daqui é essa falta de reconhecimento do trabalho que a gente faz aqui dentro, com tão pouco que a gente tem a disposição".

O segundo subtema foi identificado em diversos trechos na fala de 11 participantes. Os relatos em relação a falhas na rede mostram a sobrecarga das policiais que assumem demandas além das atribuições da polícia, tornando o trabalho ainda mais dolorido, como fala a Participante 14: "Essa falta de estrutura, não da parte policial, mas social (...) então que é da comida, roupa, ou arrumar pra depois conseguir (...) uma pessoa com frio, com fome, não consegue se concentrar". Em contrapartida, participantes que convivem com redes mais eficazes e próximas e com as parcerias bem integradas à delegacia, se mostraram mais satisfeitas, como nesse trecho: "a gente já tem aquele sistema que flui e a gente tem um bom fluxo aqui com os outros órgãos (...) quando existe esse bom relacionamento, essa boa comunicação, eu acho que tudo funciona bem" (Participante 11). Também foi levantado a necessidade de a DEAM ser um espaço multidisciplinar, contemplando as reais necessidades das mulheres que a acessam.

O terceiro subtema fala sobre o machismo por parte de colegas e da cultura institucional. Quatro participantes trouxeram relatos sobre a dificuldade de reconhecimento do seu trabalho, "de ter que mostrar o dobro do trabalho que um homem deveria mostrar" (Participante 9). Esse subtema é especialmente relevante por se tratar de um espaço que atende mulheres que vivenciaram violência num sistema patriarcal e machista e por se tratar de uma delegacia com agentes policiais, majoritariamente, mulheres. A Participante 9 ainda enfatiza: "são empecilhos, assim, do orçamento do Estado. Esses é mais fácil de arrumar. Mas quando é a questão de por ser mulher e por ser nova na função, eu acho mais chato". Não foram realizadas análises em relação às respostas conforme o gênero das participantes por não ser o objetivo deste estudo e, de forma superficial, não foram observados pelas pesquisadoras fatores que justificassem essas análises para os presentes dados.

O último subtema, sobre a necessidade de investimento, foi trazido como empecilho por todas as participantes. Foram citados aspectos em relação à falta de efetivo, sobrecarga de tarefas e falta de recursos e estrutura. Porém, quando esses fatores estão associados à integração e valorização da equipe, e não estão associados a excesso de atendimentos e falhas na rede de encaminhamento, não demonstram prejuízos significativos no engajamento das policiais, como mostra no trecho: "a gente sempre consegue se virar com o que a gente tem. Ah, não tem viatura? Pede emprestada. Não tem gasolina? Remaneja de uma viatura para a outra" (Participante 13). Ainda assim, não foi possível identificar a dimensão do impacto nas necessidades de acolhimento e privacidade para as mulheres que acessam o serviço. A Participante 12 problematiza essa questão: "de acolhimento às vítimas também, mas daí vamos entrar em uma questão estrutural da delegacia (...) a gente não consegue atender as vítimas, por exemplo, num lugar onde de uma sala pra outra não se escute"

O fluxo da demanda das DEAMs é sempre descrito como intenso e foi possível perceber que, quando a experiência da falta de recursos está associada a uma demanda excessiva, esse subtema traz maiores problemáticas. Cinco participantes trouxeram essa experiência como dolorosa e exaustiva, como a Participante 15 fala: "Eu fico muito triste quando eu vejo esperarem 10, 12 horas, 14 horas, esperando atendimento com bebê no colo (... ) Isso a gente coloca em resenha, isso a gente leva em reunião (...) Porque isso nos machuca muito". Essa policial conclui afirmando que a falta de investimento está ligada à falta de prioridade do Estado: "as mulheres não são prioridade".

Percepção das Trabalhadoras

O terceiro tema foi dividido em quatro subtemas: necessidade de acolhimento às mulheres, influência cultural nos casos das mulheres, identificação da trabalhadora com a matéria e a importância do preparo profissional.

O primeiro subtema surgiu com bastante frequência em todas as entrevistas. As pesquisadoras estiveram atentas a ele por ser identificado, em muitos estudos, como fator importante na qualidade desse serviço especializado e uma exigência das Normas Técnicas das DEAMs. Foram considerados fatores como acolhimento, amparo, escuta e cuidado, pois muitas participantes falaram sobre a busca das mulheres por orientação e não por serviço policial e a importância de possibilitar à mulher sair da delegacia mais tranquila, oferecer um ambiente mais acolhedor e uma escuta mais cuidadosa. Também foi levantada a percepção de que, muitas vezes, por falta de preparo ou conhecimento sobre como proceder, falta de recursos para as agentes policiais e fragilidade na rede, prejudicam as condições de acolhimento. Esses fatores prejudiciais foram potencializados pelo contexto da pandemia.

O segundo subtema é relevante por indicar a questão social e estrutural de violência e vulnerabilidade às mulheres e ser um indicador de qualificação profissional. Foi levantado sob duas perspectivas: em relação às mulheres: "eu acho que o problema dessas mulheres são esses, desde os pais até os maridos elas foram sempre as que são mandadas, tu vai fazer isso, tu vai fazer aquilo" (Participante 17), e em relação aos homens: "Diferente da Maria da Penha, onde, por uma questão cultural, o suspeito, o indivíduo, ele não se considera um criminoso (...) são homens machistas, agressivos, violentos" (Participante 3). O entendimento desse contexto cultural esteve associado à compreensão do contexto de vida da mulher, a importância do não julgamento por parte da policial atendente e a eficácia do serviço especializado.

No quarto subtema foram incluídos aspectos referentes à importância da identificação com a matéria, necessidade de um perfil ou de desenvolver determinadas características para trabalhar na DEAM. Esse subtema foi associado à satisfação com o trabalho, qualidade do serviço e menor rotatividade da equipe, como fala a Participante 18 "Acho empecilho deixar as pessoas onde não querem estar (...) tu vai fazer um acolhimento da vítima mas tu não vai fazer. Tu não vai ter aquela escuta que tu tem que ter". Em relação ao perfil da policial, as participantes comentam sobre a necessidade de paciência, escuta, sensibilidade e estrutura emocional e o real interesse no desfecho positivo daquela situação. Alguns motivos relatados foram: "Porque infelizmente a gente escuta que mulheres foram mal atendidas, a gente não quer revitimizar elas. Então eu tento ao máximo, além da parte da investigação, da justiça, elas vêm procurar conforto" (Participante 9) e "eu vou, de repente, quebrar um ciclo de violência com a minha atitude, com o meu olhar" (Participante 15).

Por último, o quarto subtema incluiu falas a respeito da qualificação, especialização e preparo das profissionais em relação à temática da violência contra as mulheres e formas de acolhimento. Foi escolhido o uso do termo "preparo", pois essas falas não estiveram associadas à falta de interesse ou de conhecimento técnico, mas sim à uma falta de preparo sobre como proceder durante os atendimentos e como lidar com mulheres nessa situação. Esse dado fica bem claro nos trechos: "eu acho que não é maldade, não é pensado. Mas o preparo mesmo, de não saber como lidar, não saber quais comentários fazer" (Participante 15), "Falta de preparo, na maioria, para esse acolhimento, com essas vítimas. Independente de pandemia, com a pandemia, né?" (Participante 18). Contudo, em espaços que havia uma boa integração da equipe, programas e parceiras, esse despreparo não foi mencionado. Algumas falas permearam a ideia de a equipe conversar com frequência sobre a temática e receber orientações diárias, especialmente por parte da delegada, podem ser mais eficazes do que apenas qualificações pontuais e isoladas.

Influência da Pandemia

O terceiro e último tema busca contemplar o objetivo em relação à influência da pandemia da COVID-19. Embora esse ponto tenha estado presente em todas as perguntas, não surgiu como um aspecto central nas respostas. Uma participante chegou a falar que "quando tu fala em delegacia da mulher, o COVID é o menor dos problemas (risos)" (Participante 10). Ainda assim, dois subtemas importantes emergiram em relação à influência da pandemia: a exposição das mulheres a violências diversas e o atendimento das necessidades das trabalhadoras da DEAM.

O primeiro subtema diz respeito à maior vulnerabilidade social da mulher, o agravamento da violência e a dificuldade de acolhimento no acesso à DEAM. Participantes falaram sobre o aumento da convivência em casa e questões sociais potencializadas na pandemia, como desemprego, uso de bebida e falta de escola, considerando como fatores que contribuíram para o agravamento da violência: "muitas vezes a vítima se fortalecia, tinha medida protetiva e ia morar em outra cidade. Aí, com a pandemia, deixou de ter emprego". Associado a isso, também foi levantado estigmas relacionados a gênero: "os homens se incomodarem também com essa questão de suas crianças estarem o tempo todo em casa (...) acabava na agressão verbal, psicológica, física muitas vezes" (Participante 18).

Como medida de segurança, 2 delegacias relataram que os atendimentos de registro de ocorrência presenciais eram realizados na recepção da delegacia. Essa medida necessária foi percebida pelas participantes como prejuízo, pois expunha à mulher a demais pessoas no local, inibindo-a de falar detalhes do ocorrido, considerado por todas as participantes como ponto essencial para o pedido da medida protetiva. Ainda por medo do contágio, duas das 16 participantes seguem realizando o atendimento na recepção e, apesar de ressaltarem a necessidade de sensibilidade em alguns casos, pareceram diminuir o impacto desse formato de atendimento. Uma participante também falou sobre a dificuldade no uso da máscara e no distanciamento físico, como obstáculos ao amparo e acolhimento mais cuidadosos àquela mulher.

Sobre o segundo subtema, as trabalhadoras perceberam suas necessidades como atendidas, especialmente em relação às medidas sanitárias, como disponibilização de máscaras (para si e para as mulheres) e álcool gel. Porém, em algumas unidades, elas mesmas tiveram que pedir e alguns ítens como barreira acrílica na recepção e álcool líquido não foram atendidos. Apesar disso, a Polícia Civil demorou meses para receber a vacina, considerada essencial para a segurança das policiais, sendo a DEAM um serviço essencial, com atendimento direto ao público e necessidade de espaço reservado. "Acho que essa vacina deveria ter vindo antes pra polícia. Demorou bastante, bastante reivindicação pros sindicatos, vários policiais já morreram de COVID" (Participante 7).

Esses dois subtemas se atravessam uma vez que as medidas necessárias para a proteção do contágio, como máscara e o distanciamento físico, foram trazidos como os principais fatores de prejuízo no acolhimento às mulheres na DEAM. O distanciamento acabou sendo ainda mais necessário em função da demora da vacinação, trazido como um tranquilizador por muitas participantes.

Discussão

A experiência das trabalhadoras aponta para diversas dificuldades estruturais em termos institucionais, estando a pandemia presente ou não. Alguns fatores foram agravados desde e em função da pandemia, porém, essa pauta não foi considerada central durante as entrevistas. Atravessamentos como a fragilidade da rede, a situação de vulnerabilidade das mulheres atendidas, a sobrecarga de trabalho e a valorização e reconhecimento na instituição foram considerados alguns dos principais subtemas. Essa discussão abordará dois grandes eixos: 1) a violência estrutural sofrida pelas mulheres, potencializada na pandemia e influenciando diretamente as DEAMs e 2) a saúde das(os) trabalhadora(os) e a influência da violência macroestrutural no âmbito institucional.

Os princípios de opressão e desigualdade de poder determinam conceitos de superioridade e inferioridade entre homens e mulheres (Scott, 1995) e os impactos estruturais dessa desigualdade tornam as necessidades dessas mulheres complexas. Segundo Bourdieu (2012), esses conceitos de desigualdade, que são reforçados em instituições sociais, como escola e família, geram a legitimação e invisibilidade da VGCM e, por consequência, precariza a efetividade legislativa. Além disso, outro fator que influencia negativamente na efetividade das leis é a sobrecarga da demanda nas DEAMs e a falta de efetivo necessário para atender a todas as tarefas.

As medidas de segurança da pandemia potencializaram essa precarização pois, segundo as Normas Técnicas de Padronização da DEAM (2010), as mulheres devem ser atendidas em espaço reservado, em que se sintam confortáveis para falar, medida que ainda não está sendo completamente atendida nas delegacias. Além disso, outras questões sociais foram descritas como agravantes nas situações de VGCM e potencializadas na pandemia, como a estabilidade financeira e laboral, auxílio para o cuidado das crianças e abrigo seguro. Essas questões têm importante impacto no funcionamento da DEAM como a sobrecarga de serviço, sensação de impotência nas agentes policiais - especialmente em casos de desarticulação com a rede e falta de suporte do Estado para as mulheres - e fluxo de pessoas desproporcional à capacidade da delegacia.

Segundo Cavalli (2009), os interesses do Estado não estão voltados para as reais necessidades da população, especialmente a grupos vulneráveis, como é o caso das mulheres e, principalmente, mulheres em contexto de vulnerabilidade, que sofrem desigualdades multilaterais e interseccionais (Hooks, 2018) e que apresentam uma necessidade ainda maior da articulação da rede para a possibilidade de acesso a diversos serviços, como de saúde física e mental, jurídicos e de moradia.

Essa falta de disponibilidade do Estado, além de precarizar a situação de mulheres que vivenciaram violência de gênero, precariza a saúde das/os profissionais que as atendem, como as agentes policiais da DEAM, que as recebem como um primeiro contato, muitas vezes em condições completamente vulneráveis e fragilizadas e sem possibilidades de encaminhamentos efetivos. Reforçando que muitas participantes relataram se tratar de uma demanda bastante dolorida e da necessidade de um atendimento complexo, muitas vezes fugindo à competência policial e de condições oferecidas pela DEAM - apresentando a necessidade de ser multidiplinar.

Uma participante afirma que nem a mulher, nem a DEAM são prioridade, pois se fossem, seriam atendidas, especialmente em relação à falta de efetivo. A Rota Crítica aponta a dificuldade da caminhada das mulheres que decidem romper o silêncio em diversos países latinoamericanos, identificando a desarticulação da rede e a precarização dos órgãos responsáveis (Presser et al., 2008), dados confirmados pelos relatos das participantes, apontando o desgaste nas tentativas de acesso à rede como uma das sobrecargas e desmotivação no trabalho. A mesma participante se referiu a rede como "rede de comadres", onde se pedem favores e não serviços. Igualmente, participantes que referem uma proximidade e maior efetividade da rede na região em que trabalha, demonstraram maior satisfação e motivação laboral, reforçando esse ponto como essencial para a funcionalidade da DEAM e a saúde das trabalhadoras nesse espaço.

Ainda assim, muitas participantes se mostraram militantes das causas feministas e relataram interesse, vontade e satisfação no auxílio prestado às mulheres, mesmo reconhecendo como não suficiente para todas as necessidades apresentadas. Presser et al. (2008) trazem dados em relação à falta de acolhimento e culpabilização da mulher por parte de operadores sociais, dado que não é completamente verdadeiro nas observações deste estudo. De qualquer modo, foi identificado a falta de preparo da equipe, fragilizando o atendimento de alguns/as policiais, evidenciado nas entrevistas com alguns/as participantes e no relato em relação a colegas e podendo influenciar na falta de acolhimento e culpabilização da mulher. É possível que, com os avanços legislativos e as insistentes reivindicações dos movimentos de mulheres (T. M. Silva & Krohling, 2019), as policiais, assim como a comunidade, estejam mais inteiradas em relação a VGCM e a violência patriarcal como um fenômeno social. Uma participante ainda comentou, nesta direção, que policiais mais novos vem "menos contaminados" em relação ao machismo.

Porém, apesar do engajamento das policiais, muitos espaços ou períodos de maior sobrecarga, pareceram influenciar consideravelmente a saúde e a motivação das profissionais. A grande maioria das participantes trouxe em seus relatos o quão "pesado" é o trabalho na DEAM, ao falarem sobre as necessidades das mulheres, como de comida e moradia para elas e, muitas vezes, para suas filhas/os, gerando uma sobrecarga, também, emocional. Esses fatores deveriam ser prevenidos e/ou supridos por ações governamentais e políticas públicas, mas são fortemente influenciados pela violência estrutural de gênero. Uma participante comenta que faz terapia para ter estômago e poder trabalhar na DEAM, apesar de se sentir satisfeita e recompensada.

Mesmo as policiais demonstrando interesse e vontade em realizar um bom trabalho e, muitas vezes, conseguirem realmente atender às necessidades daquela mulher ou, ao menos, acalmá-la e orientá-la, o que, inclusive, é trazido como ponto positivo ao longo da Rota Crítica, sobre quando o atendimento é qualificado (Meneghel et al., 2011), ainda é notória a violência que as mulheres e os órgãos especializados vivenciam em nível macro.

Fatores como investimento na estrutura e nos recursos disponibilizados para o trabalho, qualificação profissional adequada (C. M. S. C. Silva et al., 2021), senso de satisfação com os resultados do serviço e sentimento de valorização e reconhecimento (Bianchessi & Tittoni, 2009) são considerados essenciais para a saúde profissional e ambiente laboral saudável. Foi possível observar, a partir das análises dos dados, que a experiência de cada participante com cada um desses fatores (que foram trazidos espontaneamente e com frequência durante as entrevistas) pareceu impactar na sua satisfação no trabalho e vontade de permanecer na instituição. Frisando que os relatos de desmotivação não são relacionados com a matéria, mas sim com fatores institucionais e sociais.

Essa violência macroestrutural, que afeta a DEAM e a rede especializada na mulher, impacta não apenas em relação a recursos materiais, estruturais ou a efetivos, mas também na qualidade do preparo de policiais para o atendimento a mulheres e as diversidades. Além disso, as dificuldades em trabalhar na DEAM resultam em uma alta rotatividade da equipe, prejudicando, mais uma vez, a qualificação das profissionais. Considerando que crimes contra as mulheres podem ser denunciados em qualquer delegacia e que muitas cidades não possuem delegacia da mulher, é necessário um preparo mais específico para todas/os policiais, provavelmente, desde a Academia de Polícia (Acadepol).

Conforme as diretrizes da Lei Maria da Penha, Art. 8 (Lei 11.340/2006), é necessário o investimento em programas de prevenção à violência por parceiro íntimo e familiar, não atuando somente na ocorrência da violência, mas também no esclarecimento em relação à violência, às relações de gênero, às legislações e aos direitos das mulheres. O não investimento em programas de prevenção, perpetuam as desigualdades de gênero, vulnerabilizam as mulheres e trazem obstáculos nas resoluções dos casos de violência de gênero, além de impactar a saúde mental das policiais que, além da falta de efetivo citado por todas as participantes, ainda se veem impotentes frente a diversas demandas.

Por fim, levando em consideração a violência estrutural em relação às mulheres e à DEAM e ao contexto da pandemia e as potencializações derivadas dela, é possível concluir que, para momentos de pandemias e crises, é necessário a oferta de um amparo especial à população e para as/os servidoras/es públicos, que permanecem na linha de frente, por parte do Estado, assim como, a construção de políticas públicas adequadas ao contexto. Para essas intervenções, é essencial levar em consideração as interseccionalidades de raça/etnia, classe e gênero, por influenciar a experiência, as condições e as necessidades de cada mulher (Hooks, 2018).

Novas pesquisas são necessárias em demais órgãos da rede especializada, investigando as condições de trabalho e saúde mental das/os servidoras/es, o momento pós-pandemia, o impacto da pandemia na experiência das mulheres e a qualidade dos serviços prestados segundo a percepção das mulheres usuárias. Além do mais, é importante a proposta de intervenções para a maior eficácia das legislações, um preparo mais humanizado no Sistema de Segurança Público e estratégias de mudanças e recursos humanos a fim de preservar a saúde física e mental das/os servidoras/es. Também é interessante uma análise comparativa entre a percepção e qualidade de atendimento entre policiais homens e policiais mulheres que realizam atendimentos em DEAMs.

As limitações deste estudo foram os possíveis viés de resposta das policiais, por estarem respondendo à entrevista na própria DEAM e por terem sido convidadas pela própria delegacia. Para minimizar tais vieses, no início de cada entrevista foi esclarecido a respeito da participação voluntária, do sigilo e da não relação entre a pesquisa e a instituição. Outras limitações foram a não realização da triangulação dos dados com as participantes, para fins de validação das respostas, que não ocorreu em função dos prazos da pesquisa.

1Pesquisa de Mestrado realizada nas DEAMs que entrevistou 18 trabalhadoras(es) das DEAMs e 9 mulheres que acessaram a DEAM durante a coleta de dados. As entrevistas tinham como objetivo investigar os mesmos objetivos, respondendo à mesma pergunta de pesquisa a partir de perspectivas diferentes. As análises dos dados das entrevistas das mulheres não foram analisadas em tempo para realizar comparações com os dados das entrevistas das trabalhadoras(es).

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Recebido: 01 de Junho de 2022; Revisado: 19 de Abril de 2023; Aceito: 04 de Junho de 2023

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