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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.23 no.3 Brasília jul./set. 2023  Epub 29-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2023.3.editorial 

Editorial

Transformação Digital e Flexibilização do Trabalho

Transformación Digital y Flexibilización del Trabajo

Roberto Moraes Cruz1 

Jairo Eduardo Borges-Andrade2 

Alexsandro Luiz De Andrade3 

Daniela Campos Bahia Moscon4 

Germano Gabriel Lima Esteves5 

João Viseu6 

Mª Inmaculada López Núñez7 

Mussa Abacar8 

Nádia Kienen9 

Sabrina Cavalcanti Barros10 

Janete Knapik11 

Simone Cassiano12 

Juliana B. Porto13 

1Editor-Chefe, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

2Editor Sênior, Universidade de Brasília (UnB), Brasil

3Editor Associado, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Brasil

4Editora Associada, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

5Editor Associado, Universidade de Rio Verde (UniRV), Brasil

6Editor Associado, Universidade de Évora, Portugal

7Editora Associada, Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha

8Editor Associado, Universidade Rovuma (UniRovuma), Moçambique

9Editora Associada, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

10Editora Associada, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

11Editora Júnior, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

12Editora Júnior, Universidade de Brasília (UnB), Brasil

13Presidente, Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT), Brasil


O presente e o futuro do trabalho, assim como dos processos produtivos e das interações entre as pessoas, assinalam, cada vez mais, uma vida mediada por tecnologias digitais - computadores, redes de internet, dispositivos móveis e aplicativos -, que permitem a conectividade, o acesso à informação, o armazenamento, o processamento e a transmissão de dados em tempo real. À medida que a internet e a dispositivos digitais mostram-se cada vez mais onipresentes, cresce a expectativa de uma transformação significativa nos ambientes de trabalho e nos processos organizacionais.

A transformação digital, sinteticamente definida como a incorporação massiva de tecnologias digitais em todos os aspectos de uma organização, tem a pretensão instalar e aperfeiçoar processos e procedimentos de gestão do trabalho baseados em algoritmos e fluxos de decisórios alinhados às estratégias organizacionais (Gong & Ribiere, 2021). Esse processo implica em dispor de tecnologias digitais avançadas, tais como a automação e a inteligência artificial (Vial, 2021)

No século XXI, a transformação digital, impulsionada pela internet e pelos avanços tecnológicos, têm desempenhado um papel fundamental na redefinição de oportunidades e modalidades de trabalho. A interconexão global, proporcionada pela internet, permite uma comunicação instantânea e facilita o acesso a uma variedade de recursos técnicos e soluções, gerando, ao mesmo tempo, inovações e desequilíbrios na forma como as organizações operam e como os profissionais desempenham suas funções (Hanelt et al., 2021). A ascensão das redes sociais, transcenderam o seu papel inicial de conectividade entre as pessoas, e emergiram como plataformas catalisadoras à geração de trabalho e renda, à expansão de negócios, à ampliação da circulação de bens e serviços e ao empreendimento individual (Cruz et al., 2022).

A automação e robótica, cada vez mais presentes nos processos de produção, na logística e distribuição de materiais, assim como na gestão de pessoas, promovem inovações na natureza e nos meios de execução do trabalho. A perspectiva é promover eficiência nos fluxos operacionais, induzir velocidade nos processos decisórios, e reduzir a realização de tarefas perigosas e repetitivas. Por outro lado, os processos de automação e robótica têm impactado na redefinição de funções profissionais e na busca por habilidades técnicas específicas no mercado de trabalho (Vrontis et al., 2022).

A inteligência artificial (AI), empregada em diferentes contextos, tem intensificado a geração de informações, a pesquisa científica, a análise de dados e a assistência ao trabalho profissional, consolidando-se, cada vez mais, como uma força motriz no desenvolvimento de sistemas automatizados. É importante considerar, contudo, que um dos principais características da AI reside em seu potencial adaptativo e na sua capacidade de processar e analisar grandes volumes de informações, assim como produzir informações especializadas, diagnósticos e soluções. Ou seja, aprender e realizar tipicamente tarefas cognitivas e tomar decisões (Wisskirchen, 2017).

Os avanços das tecnologias de comunicação e o surgimento de infraestruturas mais robustas de digitalização do trabalho possibilitaram o aumento da aceitação do teletrabalho, que finalmente começou a ganhar mais aceitação e implementação efetiva. Essa mudança é evidenciada pelo crescente número de organizações que adotam modelos flexíveis de trabalho, permitindo aos trabalhadores desempenharem suas funções de maneira remota.

O teletrabalho, modalidade de trabalho realizada à distância, surgiu no contexto da recessão econômica e da crise do petróleo, na década de 1970, em resposta à necessidade de contenção de custos operacionais, de redução do consumo de energia e de uso de transportes (Figueiredo et al., 2021). A expressão teletrabalho (telework ou telecommuting) foi disseminada, no meio científico e técnico, por Nilles et al. (1974), baseada na ideia de que os empregados podem desempenhar as suas atividades profissionais em local físico diferente do escritório central do empregador, com a mesma produtividade ou até melhor (Nilles et al., 1974; Pratt, 1984).

Na década de 1980, a discussão sobre flexibilidade no trabalho ganhou terreno nas organizações, nas propostas sindicais e no mundo acadêmico, especialmente nos países mais desenvolvidos economicamente (Lindén & Oljemark, 2018). A noção de trabalho flexível passou a ser diretamente associada aos avanços tecnológicos, ao processo de globalização e à mobilidade humana. Toffler (1980), em um discurso futurista, sustentou a tese de que o trabalho, a partir daquele momento, não seria mais realizado necessariamente em escritórios ou fábricas.

A previsão de um cenário de crescimento substancial na adoção do teletrabalho, ainda no século XX, não se concretizou. Alguns argumentos podem explicar esse cenário, dentre os principais: a infraestrutura tecnológica disponível à época poderia não ter sido suficiente para sustentar efetivamente a implementação generalizada do teletrabalho (Bailey & Kurland, 2002); preocupações gerenciais com possível falta de controle sobre as atividades realizadas remotamente por parte dos empregados; cultura organizacional e práticas de trabalho sustentadas no modelo presencial, oferecendo resistências à adoção do teletrabalho (Golden, 2009; Lindén & Oljemark, 2018).

Ao longo das décadas seguintes, houve um processo de ampliação do teletrabalho. Os avanços das telecomunicações e seus dispositivos eletrônicos possibilitaram a intensificação dos centros de teletrabalho (call centers), impulsionada pela capacidade de realizar tarefas remotamente, conectando-se a sistemas e clientes por meio de redes de comunicação avançadas. Esses avanços também permitiram uma maior flexibilidade para os trabalhadores, por meio do trabalho itinerante e do trabalho móvel, em profissionais se deslocam regularmente entre diferentes locais, como clientes, escritórios remotos ou diferentes filiais da organização e as tarefas profissionais são realizadas por meio de dispositivos móveis, como laptops, tablets e smartphones (Athanasiadou & Theriou 2021; Figueiredo et al., 2021).

A pandemia de COVID-19, disseminada acentuadamente entre os anos de 2020 e 2022, acelerou significativamente a adoção do trabalho flexível nas organizações e nos empreendimentos individuais. Com as medidas de isolamento e distanciamento social, trabalho remoto (em qualquer lugar, à distância) e o home office (no ambiente doméstico) passaram a representar uma necessidade de sobrevivência e adaptação à nova realidade do mundo do trabalho. Além disso, o cenário da pandemia acelerou a aceitação do trabalho flexível em diversos setores e a necessidade de aperfeiçoamento de habilidades técnicas para lidar com processos informatizados e linguagem digital (Rymaniak et al., 2021).

Nesse contexto, observam-se novas formas de produção e comercialização de produtos e serviços diretamente de ambientes computadorizados para o ciberespaço, com reflexos importante sobre o tempo e os esforços dispendidos pelas pessoas. Alguns processos de trabalho, denominados de “trabalho coletivo”, “colaborativos” ou, ainda “microtrabalhos”, envolvem atividades fragmentadas, mas interconectadas (por dispositivos eletrônicos, plataformas e aplicativos), que mobilizam trabalhadores com diferentes perfis profissionais e remunerados das mais diferentes formas.

Há que se avaliar, contudo, se essas mudanças incluem uma tendência cada vez maior a trabalhos precarizados, com menor capacidade para gerar laços culturais significativos entre os trabalhadores e deles com as empresas (Cherry, 2016; Strunk & Strich, 2023). Cherry (2016) salienta a necessidade de prestar a atenção a esses processos de mudança, seja do ponto de vista social ou jurídico, no sentido identificar se não estão sendo gerados novos “padrões trabalhistas tayloristas online”.

A possibilidade de acessar informações e realizar tarefas, em qualquer lugar e momento, revolucionou os conceitos tradicionais de local e desenho do trabalho, impulsionando o trabalho na modalidade remota, seja ele realizado de forma ocasional, parcial ou integral, com base nas necessidades das organizações ou nas características do empreendimento econômico (Athanasiadou & Theriou 2021). Nesse cenário, trabalhadores autônomos ou independentes se beneficiam da flexibilidade e da digitalização do trabalho e, de certa, maneira, ganharam uma certa autonomia na autogestão do processo de trabalho (Li et al., 2020). Por outro lado, avalia-se que, as mudanças nos arranjos de trabalho fora do contexto organizacional ou locais de trabalho têm contribuído negativamente na dinâmica do desenvolvimento profissional, nas trocas de experiências e no acesso às estruturas e serviços de apoio das organizações (Stefano, 2016; Taylor & Joshi, 2019).

As relações entre a transformação digital e flexibilidade no trabalho e suas repercussões no comportamento humano nos ambientes de trabalho permanecem em pauta. No contexto da Psicologia das Organizações e do Trabalho, a avaliação e interpretação dessas relações impactos são recentes, ainda que permeada de contribuições sobre os impactos das mudanças tecnológicas no desenvolvimento de competências técnicas e na saúde mental dos trabalhadores, na gestão de equipes remotas e nas estratégias para lidar com mudanças organizacionais.

Referências

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