Os profissionais da saúde são trabalhadores da área social que desempenham um papel crucial no cuidado, na cura e na recuperação das enfermidades e da condição de saúde das pessoas. Assim, para que esses profissionais desempenhem de forma eficaz e eficiente o seu papel, é necessário que disponham de condições de trabalho adequadas - tanto materiais como psicológicas e emocionais (José et al., 2023). A existência de tais condições nem sempre é possível, como evidenciam resultados de algumas pesquisas internacionais (p. ex.: Crispim et al., 2022; Muniz et al., 2023; J. N. M. O. Santos et al., 2019; E. K. M. Santos et al., 2019). Nessas situações, pode haver dificuldades na execução das tarefas, sobrecarga e pressão; o que torna esses profissionais suscetíveis ao desenvolvimento de agravos à saúde mental.
A preocupação com os agravos à saúde mental de trabalhadores da saúde tem sido enfatizada em diversos países do mundo; sobretudo, no período da crise da pandemia da COVID-19. Pressupõe-se que esses trabalhadores estão vulneráveis pelo fato de estarem na linha da frente - ou seja, na prevenção, no combate e no tratamento da doença. Essa condição lhes exige a lidar com pacientes acometidos pela COVID-19 e por demais enfermidades em ambientes hospitalares, que muitas das vezes são caracterizados por falta de pessoal, precarização das condições de trabalho, infraestruturas inadequadas, insuficiência de equipamentos de proteção individual (EPI) e rigorosas medidas de biossegurança e sobrecarga de trabalho (Costa et al., 2022; Galon et al., 2022; B. C. Ribeiro et al. 2021). Esses contextos podem interferir negativamente na saúde mental dos trabalhadores em alusão, ocasionando o surgimento de sentimentos de medo, angústia e sintomas de depressão, ansiedade, exaustão e stress (Barros et al., 2021; Faria et al., 2021; Luz et al., 2022; B. C. Ribeiro et al. 2021; Pappa et al., 2020) e da síndrome de burnout (Agbobli et al., 2022; Baptista et al., 2021; Freitas et al., 2021; José et al., 2023; Pachi et al., 2022).
As evidências científicas sugerem que as condições de trabalho durante a pandemia da COVID-19 provocaram impacto psicológico prejudicial nos profissionais de saúde a nível internacional, incluindo o aumento de níveis de problemas de saúde mental (Andrade et al., 2022; Miranda et al., 2021; Pappa et al., 2020; A. P. Ribeiro et al., 2020; Vieira et al., 2021). Tal cenário pode ser considerado mais grave em Moçambique, um país que enfrenta uma maior magnitude da escassez de pessoal e de unidades sanitárias para cobertura da rede sanitária (José et al., 2023). Por exemplo, dados contidos no Anuário Estatístico de Saúde de 2020 indicam que, nesse referido ano, a rede sanitária a nível do país era composta por 1.739 unidades para um universo de 27.909.798 habitantes (Ministério da Saúde, 2021). A proporção de habitantes por unidade sanitária a nível nacional foi de 17.290 em 2020, ainda aquém da recomendação internacional (10.000 habitantes/ unidade sanitária). Enquanto isso, o Sistema Nacional da Saúde contava com um total de 21.782 camas hospitalares, 59.176 profissionais de saúde. Ademais, a proporção de médicos, enfermeiros, técnicos de saúde era de 1/100.000 habitantes.
Além do mais, as pesquisas de Abacar, Aliante e Diniz (2021) e Carlos e Candrinho (2021) sobre stress ocupacional em profissionais de saúde em Nampula, Moçambique, indicaram que más condições de trabalho, baixos salários, turno de trabalho e o mau relacionamento interpessoal foram apontados como principais estressores ocupacionais. É notório que tais situações e contextos de trabalho podem constituir fatores de risco à saúde mental e propiciar a ocorrência do stress ocupacional; como apontou, por exemplo, a pesquisa de Abacar, Aliante e Moiane (2021). Esses autores avaliaram a sintomatologia de stress em 100 profissionais de um Centro de Saúde em Nampula através do Inventário de Sintomas de Stress de Lipp. Os resultados da pesquisa revelaram a manifestação de stress em profissionais de saúde investigados, com a presença de sintomas tanto físicos (p. ex.: insônia, tensão muscular, mãos e pés frios, aperto de mandíbula/ranger de dentes, problemas com memória, cansaço constante, sensação de desgaste físico constante, mal-estar generalizado sem causa específica, formigamento nas extremidades, hipertensão arterial, tontura frequente) quanto psicológicos (p. ex.: entusiasmo súbito e aumento súbito de motivação, irritação excessiva, sensibilidade emotiva excessiva e pensar constantemente em um só assunto, cansaço psíquico constante excessivo, impossibilidade de trabalhar e irritabilidade frequente sem causa aparente).
Do ponto de vista conceitual, o termo stress apresenta diversas definições de acordo com diferentes autores e áreas de conhecimento. Na perspectiva da Psicologia, o stress refere-se às alterações psicofisiológicas decorrentes de situações que fogem da capacidade de enfrentamento do indivíduo (Friedrich et al., 2015). O stress pode ser definido, também, como toda a ação do organismo composta por componentes psicológicos, físicas e mentais que ocorre quando surge a necessidade de uma adaptação a um evento estressor. Porém, essa adaptação será prejudicial se houver (a) exposição prolongada ao evento ou (b) uma predisposição do indivíduo a determinadas doenças (Pinheiro & Farikoski, 2016).
Embora o uso do termo stress tem sido associado a uma conotação negativa, a literatura mostra que esse fenômeno não é sempre danoso. O stress pode se manifestar de forma positiva (eustress), o que motiva e provoca a resposta adequada aos estímulos estressores; ou negativa (distress), que faz com que o indivíduo se intimide frente a uma situação ameaçadora, com sinais de ansiedade, medo, tristeza e raiva. Enquanto síndrome, o stress possui relação não somente com as questões biológicas que o ocasionam, mas também com as psicológicas e emocionais (Silva et al., 2018). Diante deste conhecimento, nesse trabalho, o termo stress foi usado em referência ao distress
Quando o stress é causado por fatores relacionados ao trabalho, designa-se por stress ocupacional, que se caracteriza por aspectos do trabalho ameaçadores aos trabalhadores (Aliante et al., 2020; H. Almeida et al., 2016; Humberto et al., 2021; Marras & Veloso, 2012). Desse modo, na vertente psicológica, o stress ocupacional pode ser entendido como o resultado de um coping inadequado às fontes estressoras e que tem consequências negativas para a saúde psicológica e física do trabalhador e para a eficácia da organização (Cooper et al., 1988). Por outro lado, concebe-se o stress ocupacional como uma resposta tanto psicológica como fisiológica resultante do desequilíbrio verificado entre as exigências do trabalho e as capacidades de resposta ou de adaptação do indivíduo (H. Almeida et al., 2016; Coelho et al., 2018; Kestenberg et al., 2015). Portanto, o stress vivenciado no contexto ocupacional poderá repercutir sobre a qualidade e o nível de comprometimento com o trabalho; além de influenciar o grau de satisfação pessoal e o próprio ambiente de trabalho, o que inclui relacionamento com colegas e supervisores.
Nesse âmbito, trabalhadores acometidos pelo stress podem: (a) diminuir o seu desempenho profissional e/ou a sua produtividade no trabalho, (b) estarem mais vulneráveis aos acidentes no trabalho, ao absenteísmo laboral, aos afastamentos prolongados do ambiente do trabalho, aos distúrbios psíquicos menores e até ao desenvolvimento da síndrome de burnout (A. M. Almeida & Servo, 2021; Ferreira et al., 2022; Kestenberg et al., 2015). É evidente que a degradação da saúde mental dos trabalhadores pode, igualmente, gerar prejuízos para as organizações.
A prevalência de stress no mundo é alta e preocupante e, por conseguinte, o interesse pela investigação do stress ocupacional tem aumentado desde a década de 1990, em especial no que se refere ao impacto que tem na saúde dos trabalhadores e, consequentemente, na necessidade de tomar medidas do seu manejo, prevenção e combate, de modo a reduzi-lo ou mesmo eliminá-lo (Lipp et al., 2017). Ainda que o stress ocupacional seja um tema que vem sendo pesquisado cientificamente há algum tempo a nível internacional, em Moçambique nota-se a escassez de pesquisas sobre o fenômeno, principalmente com a população de profissionais de saúde.
Além dessa constatação, a realização dessa pesquisa é enfatizada pela experiência de trabalho do segundo e quarto autores, que são profissionais de Centros de Saúde na Cidade de Nampula e formados em Psicologia. Ao longo dos anos de trabalho, esses autores vêm verificando queixas e manifestações de comportamento contraproducente de alguns colegas que podem estar relacionados ao stress ocupacional.
Uma vez que o stress é considerado como um dos problemas de saúde mais críticos associados ao trabalho, a realização desse estudo reveste-se de grande importância. Por um lado, fornece informações acerca dos fatores indutores ao stress ocupacional em trabalhadores de saúde num Centro de Saúde Público em Nampula - Moçambique que podem ser usadas para a tomada de decisão para a melhoria das condições de vida e de trabalho desses profissionais. Por outro lado, os resultados podem servir como referencial para futuras investigações da área. Em função do exposto, esse artigo teve o objetivo de avaliar a prevalência e as fontes de stress ocupacional em trabalhadores de um Centro de Saúde Público na Cidade de Nampula - Moçambique.
Método
Esse estudo é transversal, descritivo e quantitativo. De acordo com Hair et al. (2010), a pesquisa quantitativa objetiva a mensuração de números, onde os dados devem estar dispostos de forma adequada para a análise estatística. Também pode ser considerada como um meio para testar teorias objetivas, examinando as relações entre as variáveis, recorrendo técnicas padronizadas (Creswell, 2010).
Para Gil (2008), as pesquisas do tipo descritivo têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem ser classificados sob este título e uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, como escalas e questionários fechados. Portanto, a pesquisa quantitativa assumiu a forma de levantamento (Creswell, 2010), que envolveu uma amostra não probabilística, por acessibilidade (Gil, 2008; Hair et al., 2010). Assim, o enquadramento desse estudo nesses tipos de pesquisa deveu-se ao uso dos questionários padronizados (p. ex.: Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde - QSPS e de dados sociodemográficos e laborais), tamanho dos participantes (p. ex.: 100 trabalhadores da saúde), bem como do Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para a análise dos resultados.
Participantes
A população desse estudo foi constituída por 150 trabalhadores de diversas áreas de um Centro de Saúde Público localizado na Cidade de Nampula, em Moçambique. Do total, foi envolvida uma amostra não probabilística por acessibilidade de 100 trabalhadores, majoritariamente do sexo feminino (n = 53), com idades entre 39 a 56 anos (M = 40; DP = 7). Dos 100 investigados, 52 declaram que eram solteiros. Em termos de nível de escolaridade, 30 participantes possuíam o nível básico, 29 o nível médio e 41 o nível superior. No que diz respeito ao número de vínculos laborais, 57 disseram que trabalhavam apenas na instituição sanitária investigada. Em relação ao trabalho em turno, 54 afirmaram que trabalhavam em regime de turno.
Relativamente à carga horária, os trabalhadores exerciam, em média, 45 horas semanais. Em termos profissionais, o estudo contou com a participação de 10 especialidades, sendo 16 Técnicos de Medicina Geral, 11 de Enfermagem Geral, sete de Farmácia, nove de Laboratório, seis de Saúde Materno-Infantil, sete de Estomatologia, 10 de Nutrição, nove Agentes de Serviço, 14 dos Serviços TARVs e 11 Administrativos.
A inclusão dos profissionais investigados obedeceu aos seguintes critérios: ser trabalhador ativo no Centro de Saúde em questão e exercer suas funções no ato de coleta de dados. Não participaram dessa pesquisa os trabalhadores aposentados e os que estavam a gozar alguma licença legal (p. ex.: férias anuais e maternidade/paternidade) no momento de coleta de dados.
Instrumentos
A pesquisa foi operacionalizada através da aplicação dos questionários de dados sociodemográficos e laborais e de Stress nos Profissionais de Saúde (QSPS). O questionário de dados sociodemográficos e laborais foi concebido para se obter informações das variáveis do tipo: gênero, idade, estado civil, número de filhos, tempo de serviço e nível de escolaridade. Administrou-se, igualmente, o Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde (QSPS) de autoria de Gomes et al. (2009). Para esses autores, o QSPS pretende avaliar as potenciais fontes de stress no exercício da atividade laboral de profissionais da área da saúde (independentemente do contexto, área e/ou domínio de atividade).
O QSPS compreende duas seções distintas. A seção inicial é composta por um item que solicita aos participantes para avaliar o nível global de stress que experienciam na sua atividade laboral, por meio da escala do tipo Likert que varia de 0 - nenhum stress, 1 - pouco stress, 2 - moderado stress, 3 - bastante stress a 4 - elevado stress. Na segunda seção, são indicados 24 itens relativos às potenciais fontes de stress associadas à atividade profissional. Os itens distribuem-se por seis dimensões: i) Lidar com Pacientes (quatro itens: 1, 8, 14 e 20; α = 0,81); ii) Relações Profissionais (cinco itens: 2, 7, 9, 15 e 21; α = 0,87); iii) Excesso de Trabalho (quatro itens: 4, 12, 16 e 22; α = 0,82); iv) Carreira e Remuneração (cinco itens: 3, 10, 13, 17 e 23; α = 0,88); v) Ações de Formação (três itens: 6, 18, 24; α = 0,82); e, vi) Problemas Familiares (três itens: 5, 11 e 19; α = 0,51). Os itens são respondidos numa escala tipo Likert de cinco pontos (0 - nenhum stress; 1 - pouco stress, 2 - moderado stress; 3 - elevado stress; 4 - muito stress) (Esteves & Gomes, 2013; Gomes, 2014; Gomes et al., 2009; Gomes & Teixeira, 2016; Ribeiro et al., 2010).
A dimensão Lidar com Clientes/Pacientes (LC/P) representa o stress do profissional relacionado com a responsabilidade de fornecer os seus serviços aos seus clientes/ utentes. Já a dimensão Excesso de Trabalho (ET) refere-se ao stress do profissional relacionado com a carga de trabalho e o número de horas de serviço a realizar. Já a subescala de Carreira e Remuneração (CR) refere-se ao stress do profissional relacionado com as perspectivas de desenvolvimento da carreira profissional e com o salário recebido. A dimensão Relações Profissionais (RP) trata o stress do profissional relacionado com o ambiente de trabalho, bem como com a relação mantida com os colegas de trabalho e superiores hierárquicos. A dimensão Ações de Formação (AF) refere-se ao stress dos profissionais relacionado com as situações nas quais devem elaborar e conduzir ações de formação e efetuar apresentações públicas. Por fim, na subescala de Problemas Familiares (PF) é abordado o stress do profissional referente ao relacionamento familiar e com o apoio por parte de pessoas significativas (Esteves & Gomes, 2013; Gomes et al., 2009).
O preenchimento do QSPS pode durar entre 10 a 15 minutos. A avaliação dos níveis de stress e da percepção do item como fator estressante faz-se através da pontuação que é obtida por meio da soma dos itens de cada dimensão dividindo-se depois pelos valores encontrados pelo total de itens da subescala. Assim sendo, valores mais elevados significam maior percepção de stress em cada um dos domínios avaliados. Desse modo, é possível discriminar três níveis de stress, seguindo os valores da escala Likert: 0 a 1,99 pontos - baixos níveis de stress; de 2 até 2,99 pontos - níveis moderados de stress; e, de 3 até 4 pontos - níveis elevados de stress (Esteves & Gomes, 2013). A opção do uso do QSPS como instrumento de avaliação de stress ocupacional nesse estudo, justificou-se pelas seguintes razões: (a) por ser redigido em língua portuguesa, (b) por apresentar boas características psicométricas e (c) por ser de fácil manejo e de uso livre para fins de pesquisa.
Procedimentos de Coleta e Cuidados Éticos
A coleta de dados ocorrida entre os meses de novembro e dezembro de 2021 foi antecedida pela oficialização junto ao Serviço Distrital de Saúde, Mulher e Ação Social de Nampula, em Moçambique. A oficialização formal deu-se através da apresentação da credencial emitida pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Rovuma, datada de 9 de novembro de 2021. Importa informar que a Universidade Rovuma vinculada ao presente estudo é recente e foi fundada em 2019, resultante da divisão da Universidade Pedagógica. Sendo assim, ainda não possui um Comitê de Ética para Pesquisa. Para efeitos de legalização das pesquisas, as solicitações são avaliadas e credenciadas pela Direção Acadêmica das Faculdades ou pelo Registro Acadêmico, dependendo da situação.
Posteriormente, seguiu-se pela apresentação da quarta autora ao Centro de Saúde investigado, onde primeiramente manteve contato com a direção da unidade sanitária. Feito este contato inicial, a direção encaminhou a pesquisadora que coletou os dados ao chefe do Setor de Recursos Humanos que, por sua vez, apresentou-a aos trabalhadores.
Finalmente, a pesquisadora apresentou-se aos diversos trabalhadores, explicou os objetivos, a metodologia da pesquisa, os benefícios e os riscos de participar da pesquisa, e pediu a colaboração e participação livre dos mesmos. Aos que aceitaram participar da pesquisa, foram entregues os questionários dentro de um envelope. Os participantes receberam as devidas instruções para o seu preenchimento. Além da participação livre na investigação, foram cumpridos outros preceitos éticos exigidos nas pesquisas com seres humanos, tais como: respeito pelo anonimato, sigilo e confidencialidade das informações fornecidas. Ademais, foram cumpridos os protocolos sanitários em função da pandemia da COVID-19, como o uso de máscaras faciais e do álcool em gel com teor de 70% aquando do acesso do recinto hospitalar.
Procedimentos de Análise de Dados
Os dados foram analisados usando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22. Foram feitas análises estatísticas simples (p. ex.: frequências absolutas e relativas porcentuais) para cada agente estressor e variável sociodemográfica, médias e desvio-padrão para cada dimensão do Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde, bem como o cálculo da confiabilidade do coeficiente alpha do Cronbach das seis dimensões e do teste Qui-quadrado com nível de significância de 5% para verificar a possível associação entre as variáveis sociodemográficas e as dimensões do QSPS usado no presente estudo.
Resultados
Essa seção faz a apresentação e análise dos resultados obtidos por meio dos questionários respondidos pela amostra investigada. Começa-se pela avaliação geral de stress e identificação dos fatores de stress ocupacional com base no Questionário de Stress em Profissionais da Saúde (QSPS). Finalmente, examinam-se as possíveis correlações entre as dimensões de QSPS com as variáveis sociodemográficas e laborais selecionadas.
Médias, Desvio-Padrão, Avaliação Geral do Stress e Confiabilidade das Dimensões do Questionário do Stress em Profissionais de Saúde
A Tabela 1 que se segue apresenta as médias, desvio-padrão e valor de alpha de Cronbach de cada dimensão do Questionário de Stress de Profissionais de Saúde (QSPS) aplicado na presente investigação.
Tabela 1 Médias, Desvio-padrão, Confiabilidade do QSPS e avaliação geral do stress (n = 100)
Dimensão | Itens | α | M | DP |
---|---|---|---|---|
Lidar com Clientes/Pacientes (LC/P) | 4 | 0,858 | 2,24 | 0,759 |
Excesso de Trabalho (ET) | 4 | 0,779 | 2,20 | 0,794 |
Carreira e Remuneração (CR) | 5 | 0,816 | 2,30 | 0,853 |
Relações Profissionais (RP) | 5 | 0,854 | 2,17 | 0,641 |
Ações de Formação (AF) | 3 | 0,809 | 2,05 | 0,83 |
Problemas Familiares (PF) | 4 | 0,781 | 2,37 | 0,722 |
Escala geral | 25 | 0,805 | 2,23 | 1,350 |
Avaliação geral do stress | ||||
Em termos gerais, a minha atividade profissional provoca-me... | ||||
Nenhum stress | Pouco stress | Moderado stress | Bastante stress | Elevado stress |
20 | 17 | 30 | 16 | 17 |
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores (2022).
Com base nos resultados constantes na Tabela 1, todas as dimensões alcançaram bons valores de alpha de Cronbach (a), ou seja, acima de 0,70. Nesse sentido, a dimensão com maior valor foi a Lidar com Pacientes (α = 0,858), e a de Excesso de Trabalho é que obteve o menor valor das seis dimensões do QSPS com α = 0,779. Em termos gerais, o QSPS teve o α = 0,80. Em relação às médias das subescalas, a de Problemas Familiares e Carreira/Remuneração tiveram médias relativamente maiores que as outras dimensões com valores de 2,37 e 2,30, respectivamente. Isso sugere que a maior parte dos itens previstos nessas dimensões foram avaliados como potenciais agentes estressores pelos trabalhadores pesquisados. Já, na avaliação geral do stress, 33 dos 100 investigados sinalizaram que a sua atividade profissional ocasiona o stress, variando entre bastante à muito stress.
Fontes de Stress em Trabalhadores da Saúde de uma Unidade Sanitária Pública
Na sequência das análises, foram calculadas as frequências simples de cada item ou agente estressor previsto no QSPS. Em ordem decrescente de frequência, os aspectos mais avaliados pelos trabalhadores de saúde investigados como geradores de “bastante” ou “muito” stress são: conflitos interpessoais com outros colegas; sentimento da incapacidade para resolver os problemas dos pacientes; falta de perspectivas de desenvolvimento na carreira; sobrecarga ou excesso de trabalho; favoritismo e/ou discriminação “encobertos” no seu local de trabalho; receber um salário baixo; falar ou fazer apresentações em público; excesso de trabalho relacionado com tarefas de caráter burocrático; preparar ações de formação para realizar no seu local de trabalho e; falta de encorajamento e apoio por parte dos seus superiores. Porém, o ambiente “clima” existentes no seu local de trabalho e comportamentos desajustados e/ou inadequados de colegas de trabalho foram os fatores menos sinalizados.
Correlação das Variáveis Quantitativas e as Dimensões do Questionário de Stress nos Profissionais da Saúde
Resultados das correlações das seis dimensões do QSPS com as variáveis sociodemográficas quantitativas, por exemplo, idade, número de filhos, tempo de serviço e carga horária semanal estão expostos na Tabela 2 que se segue.
Tabela 2 Correlação das variáveis quantitativas com as dimensões do QSPS
Dimensão | Idade | N° de filhos | Tempo de serviço | Carga horária |
---|---|---|---|---|
Lidar com Clientes (LC) | -0,241 | 0,058 | -0,096 | -0,022 |
Excesso de Trabalho (ET) | -0,270 | 0,120 | -0,154 | 0,052 |
Carreira e Remuneração (CR) | -0,268 | 0,087 | -0,154 | -0,009* |
Relações Profissionais (RP) | -0,112 | 0,004* | -0,134 | 0,055 |
Ações de Formação (AF) | -0,095 | -0,029 | -0,35 | 0,048 |
Problemas Familiares (PF) | -0,189 | 0,211 | -0,143 | -0,015 |
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores (2022).p≤0,05, N° - Número.
Na matriz de correlação (Tabela 2), é evidenciado que a maioria das variáveis investigadas não foi estatisticamente associada com as seis dimensões do Questionário de Stress de Profissionais de Saúde. Excetua-se, aí, a subescala Relações Profissionais, que associou-se positivamente com a variável número de filhos (p = 0,004) e da carga horária, que apresentou uma correlação negativa. Isso indica que o stress pode se manifestar em profissionais de saúde independentemente das características sociodemográficas elencadas. Contudo, esses resultados, aliados às fontes de stress ocupacional identificadas anteriormente, sugerem que condições de trabalho, organização do trabalho e extraorganizacionais podem ser potenciais fatores de risco à saúde mental dos trabalhadores investigados em detrimento das suas características pessoais.
Análise de Correlação das Variáveis Qualitativas com as Dimensões do Questionário de Stress em Profissionais da Saúde
A Tabela 3 apresenta os resultados das análises examinadas entre as qualitativas com as dimensões do QSPS na amostra pesquisada.
Tabela 3 Análise de influência das variáveis qualitativas nas dimensões do QSPS
Variáveis | LC | ET | CR | RP | AF | PF | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | |
Sexo | ||||||||||||
Masculino | 2,15 | 0,69 | 2,10 | 0,82 | 2,23 | 0,82 | 2,27 | 0,64 | 2,01 | 0,85 | 2,28 | 0,74 |
Feminino | 2,32 | 0,82 | 2,30 | 0,76 | 2,37 | 0,88 | 2,08 | 0,63 | 2,08 | 0,81 | 2,47 | 0,70 |
Significância (valor de p) | 0,609 | 0,501 | 0,885 | 0,734 | 0,750 | 0,671 | ||||||
Estado civil | ||||||||||||
Casado | 2,25 | 0,80 | 2,17 | 0,82 | 2,26 | 0,88 | 2,17 | 0,62 | 2,00 | 0,84 | 2,28 | 0,70 |
Solteiro | 2,24 | 0,72 | 2,24 | 0,77 | 2,35 | 0,82 | 2,18 | 0,66 | 2,09 | 0,82 | 2,47 | 0,73 |
Significância (valor de p) | 0,231 | 0,874 | 0,939 | 0,707 | 0,766 | 0,913 | ||||||
Nível de escolaridade | ||||||||||||
Básico | 2,26 | 0,74 | 2,18 | 0,75 | 2,38 | 0,69 | 2,10 | 0,57 | 2,00 | 0,79 | 2,23 | 0,65 |
Médio | 2,14 | 0,72 | 2,08 | 0,83 | 2,25 | 0,88 | 2,17 | 0,71 | 1,97 | 0,84 | 2,23 | 0,65 |
Superior | 2,30 | 0,80 | 2,31 | 0,80 | 2,30 | 0,94 | 2,22 | 0,64 | 2,15 | 0,86 | 2,52 | 0,77 |
Significância (valor de p) | 0,266 | 0,750 | 0,946 | 0,910 | 0,472 | 0,534 | ||||||
Especialidade | ||||||||||||
Técnico de MG | 2,33 | 0,79 | 2,25 | 0,88 | 2,18 | 0,77 | 2,36 | 0,65 | 2,29 | 0,94 | 2,08 | 0,65 |
Enfermagem | 2,23 | 0,59 | 2,52 | 0,75 | 2,35 | 0,82 | 2,24 | 0,50 | 2,09 | 0,83 | 2,59 | 0,81 |
Farmácia | 2,32 | 0,74 | 2,25 | 0,73 | 2,23 | 0,52 | 2,51 | 0,41 | 2,14 | 0,79 | 1,86 | 0,49 |
Laboratório | 2,06 | 0,78 | 2,33 | 0,71 | 2,38 | 0,75 | 2,16 | 0,54 | 1,70 | 0,45 | 2,47 | 0,71 |
SMI | 2,42 | 0,62 | 2,04 | 0,55 | 1,70 | 0,51 | 2,17 | 0,58 | 2,17 | 0,96 | 2,79 | 0,29 |
Estomatologia | 2,21 | 0,78 | 2,14 | 1,25 | 2,11 | 1,14 | 1,86 | 0,52 | 1,76 | 0,68 | 2,57 | 0,40 |
Nutrição | 2,35 | 0,70 | 2,05 | 0,91 | 2,66 | 0,61 | 2,18 | 0,66 | 2,03 | 0,77 | 2,47 | 0,50 |
Auxiliares | 2,08 | 1,06 | 1,92 | 0,84 | 1,98 | 1,04 | 2,02 | 0,77 | 1,81 | 0,76 | 2,19 | 0,97 |
S-TARVs | 2,34 | 0,78 | 2,45 | 0,70 | 2,73 | 0,93 | 2,10 | 0,70 | 2,21 | 0,71 | 2,52 | 0,85 |
Técnico-Administrativo | 2,07 | 0,82 | 1,89 | 0,51 | 2,33 | 0,99 | 2,04 | 0,84 | 2,00 | 1,22 | 2,39 | 0,80 |
Significância (valor de p) | 0,824 | 0,876 | 0,008 | 0,418 | 0,377 | 0,297 | ||||||
Ter mais de um emprego | ||||||||||||
Sim | 2,31 | 0,79 | 2,19 | 0,79 | 2,36 | 0,90 | 2,20 | 0,69 | 2,02 | 085 | 2,41 | 0,74 |
Não | 2,17 | 0,72 | 2,21 | 0,79 | 2,25 | 0,81 | 2,13 | 0,59 | 2,07 | 082 | 2,34 | 0,76 |
Significância (valor de p) | 0,896 | 0,157 | 0,707 | 0,608 | 0,844 | 0,844 | ||||||
Turno de trabalho | ||||||||||||
Sim | 2,30 | 0,77 | 2,17 | 0,72 | 2,53 | 0,83 | 2,16 | 0,63 | 2,18 | 0,65 | 2,31 | 0,77 |
Não | 2,18 | 0,75 | 2,22 | 0,85 | 2,12 | 0,82 | 2,18 | 0,63 | 2,01 | 0,93 | 2,43 | 0,67 |
Significância (valor de p) | 0,392 | 0,647 | 0,240 | 0,369 | 0,299 | 0,857 |
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores (2022). p ≤ 0,05. SMI - Saúde Materno-Infantil, TARV - Tratamento Anti-Retroviral, MG - Medicina Geral.
Os resultados da Tabela 3 revelam que somente a variável de especialização é que se mostrou correlacionada com uma dimensão (Carreira e Remuneração), sendo uma influência estatisticamente significativa, com nível de significância (p = 0,008). Observando as médias entre as diversas categorias, pode afirmar-se que os trabalhadores de S-TARV, Nutrição, Laboratório e Enfermagem são os considerados mais suscetíveis de sofrer o stress ocupacional.
Discussão
A avaliação da consistência interna a partir do cálculo dos valores de alpha de Cronbach (α) das seis dimensões do Questionário de Stress nos Profissionais de Saúde (QSPS) revelou bons valores que estão acima de 0,70, que é valor aceitável internacionalmente (Hair et al., 2010). Desse modo, as dimensões obtiveram os seguintes valores de α: LC = 0,858; ET = 0,779; CR = 0,816; RP = 0,854; AF = 0,809 e PF = 0,781. Esses resultados são similares com os da versão original que alcançou os seguintes valores, com exceção do α da dimensão de PF: LC = 0,81; ET = 0,82; CR = 0,88; RP = 0,87; AF = 0,82 e PF = 0,51 (Gomes et al., 2009). Igualmente, os resultados da presente investigação corroboram com os de Gomes e Teixeira (2016) e Lopes (2017) que obteve valores de α superiores a 0,70 em todas as subescalas. Em Gomes e Teixeira (2016), os valores de α são: LC = 0,75); RP = 0,76); ET = 0,83; CR = 0,84; AF = 0,88); e PF = 0,85. E na pesquisa de Lopes (2017), a dimensão de AF foi a que apresentou valor mais alto (α = 0,88), seguida da dimensão de CR (α = 0,86), ET (α = 0,82), PF e RP (α = 0,79) e LC (α = 0,75).
Em relação à percepção da influência da atividade profissional na ocorrência de stress, 33 dos 100 trabalhadores responderam positivamente. Esses resultados corroboram os achados das pesquisas anteriores desenvolvidas tanto antes do surto da COVID-19 como durante a pandemia. Na investigação de Gomes et al. (2009), por exemplo, evidenciou-se que 30% dos 286 enfermeiros tinham experiências significativas de stress, uma porcentagem aproximadamente igual a desse presente estudo. No estudo de Silva e Gomes (2009), 15% dos 155 profissionais relataram experiências significativas de stress.
Por seu turno, em uma amostra mista de 73 enfermeiros e 68 médicos, os níveis elevados de stress foram de 45,7% e 18,5% para médicos e enfermeiros, respectivamente (L. Ribeiro et al., 2010). Em outro estudo, considerando uma amostra de 318 profissionais de saúde, observou-se que a profissão foi avaliada como muito estressante por 31,3% dos médicos e 14,8% dos enfermeiros (Gomes, 2014). Ainda, em outra pesquisa, ao se considerar o nível global de stress (escala completa) sentido pelos profissionais, foi possível constatar que 123 (40,3%) dos 305 participantes relataram elevados níveis de stress (junção dos valores “bastante” e “elevado” da escala) (Roque et al., 2015).
Por seu lado, Mendes et al. (2017) desenvolveram um estudo com 210 médicos internos de medicina geral e familiar, onde verificaram que a maioria referiu stress moderado (n = 127; 60,5%). No mesmo ano, numa amostra de 2310 enfermeiros, 29,8% percepcionaram que seu trabalho ocasionava bastante stress e 6,4% de modo elevado (Lopes, 2017). Na mesma direção, na investigação de Dallacosta (2019), 34% dos 34 profissionais encontravam-se muito estressados pelo trabalho. Recentemente, Ferreira et al. (2022) ao investigarem o stress em 61 enfermeiros evidenciaram que o nível de stress foi de 58%, variando de bastante stress (34%) a elevado stress (24%).
O quadro de stress ocupacional identificado nessa pesquisa pode ser predominantemente condicionado pelos fatores psicossociais de riscos relacionados ao trabalho. Nesse contexto, conflitos interpessoais com outros colegas, sentimento de não puder fazer algo para resolver os problemas dos pacientes, falta de perspectivas de desenvolvimento na carreira, sobrecarga ou excesso de trabalho, favoritismo e/ou discriminação “encobertos” no local de trabalho, salários baixos, realização de apresentações em público, excesso de trabalho relacionado com tarefas de caráter burocrático, preparar ações de formação para realizar no local de trabalho e falta de encorajamento e apoio por parte dos superiores foram indicados como principais fatores indutores ao stress ocupacional.
De modo similar, uma pesquisa realizada a nível nacional (região sul de Moçambique) identificou alguns desses fatores. As condições inadequadas de trabalho e a sobrecarga de trabalho foram apontados como os fatores que mais causavam stress no trabalho do enfermeiro (Carlos e Candrinho, 2021).
No plano internacional, os resultados desse estudo se assemelham com os de diversas pesquisas. Gomes et al. (2009) revelaram maior stress relacionado à realização de ações de formação e relatórios técnicos, à remuneração auferida e aos problemas familiares. Em outra investigação, a intensidade da avaliação dos estressores variou em função da categoria dos participantes investigados por L. Ribeiro et al. (2010). Assim, para os médicos, as dimensões de fontes de stress com médias altas foram: lidar com pacientes e excesso de trabalho; enquanto para os enfermeiros foram: excesso de trabalho, ações de formação e lidar com pacientes.
Gomes (2014) e Silva e Gomes (2009) verificaram que, de um modo geral, os aspectos relacionados com excesso de trabalho, lidar com os clientes, carreira e remuneração, foram os que mais geraram pressão aos profissionais por eles investigados. Por seu turno, Pereira et al. (2016) constataram que a maioria dos profissionais de saúde investigados atribuiu seu stress às condições de trabalho, aos relacionamentos no ambiente laboral e à recompensa insuficiente no trabalho. Lopes (2017), focando-se nas principais fontes de stress por dimensão do QSPS, identificou carreira e remuneração, lidar com clientes e sobrecarga de trabalho como as dimensões com maior potencial de ocasionar stress ocupacional.
Os fatores mais apontados no estudo de Mendes et al. (2017) foram as ações de formação e de lidar com os pacientes. Na investigação de Dallacosta (2019), a carreira e remuneração foram os estressores mais relevantes, seguida de lidar com clientes. O favoritismo e/ ou discriminação no trabalho foi considerada por 84% dos profissionais como a fonte de stress geradora de maior pressão, o que se assemelha com os achados deste estudo.
Igualmente, J. N. M. Santos et al. (2019) verificaram que os profissionais da equipe de enfermagem estavam expostos aos fatores de riscos psicológicos e ao stress ocupacional devido à sobrecarga de trabalho, à demanda maior do que as condições assistenciais da equipe e ao número insuficiente de profissionais da enfermagem no setor. Para Rocha (2020), os principais estressores estavam enquadrados nas dimensões de lidar com pacientes, excesso de trabalho e carreira/remuneração.
Em uma pesquisa recentemente publicada por Estuqui et al. (2022) foram identificados dois fatores geradores de stress no trabalho do enfermeiro: o excesso de atribuições e a baixa remuneração. Finalmente, na pesquisa de Ferreira et al. (2022), as dimensões de excesso de trabalho e lidar com cliente/paciente foram as que incluíam itens com mais situações estressoras.
Os resultados desse estudo corroboram a ideia segundo a qual os fatores relacionados ao contexto do trabalho e social são determinantes e/ou condicionantes na ocorrência de agravos à saúde mental dos trabalhadores. Embora nas pesquisas seja evidenciado que as condições de trabalho durante a pandemia da COVID-19 repercutem negativamente na saúde mental dos trabalhadores — com destaque aos da linha da frente — em Moçambique ainda pouco se sabe sobre os impactos psicológicos da pandemia na saúde do trabalhador. Desse modo, torna-se necessário o desenvolvimento de mais pesquisas sobre as condições de vida, de trabalho e de saúde dos trabalhadores para aprimorar o conhecimento do sofrimento psíquico dessa população e, assim, obter informações científicas para facilitar a tomada de decisão de gestores sobre a melhoria desses aspectos. Dessa forma, objetiva-se elevar a qualidade de vida no trabalho dos trabalhadores da saúde do setor público.
Finalmente, cabe lembrar que a presente pesquisa objetivou avaliar o stress ocupacional (prevalência e fontes) em trabalhadores de um Centro de Saúde Público durante a vigência da pandemia da COVID-19, localizado na Cidade de Nampula, na região norte de Moçambique. Os resultados alcançados permitem concluir que, em termos globais, mais de um terço dos trabalhadores investigados avaliou o seu trabalho como determinante na ocorrência de altos níveis de stress.
Os fatores indutores ao stress estão relacionados as dimensões Problemas Familiares e Carreira/Remuneração. Nesse estudo, foi sinalizada a presença de um quadro de sofrimento psíquico no trabalho, caracterizado por níveis elevados de stress. Ainda, foi identificado um número considerável de trabalhadores com níveis moderados de stress. Sendo assim, é improtelável o desenho e a implementação de políticas de atenção à saúde do trabalhador voltadas à melhoria das condições de vida e do trabalho. Além disso, há a necessidade da atenção psicossocial para esses profissionais. A implementação dessas políticas pode evitar que os níveis moderados indicados evoluam para níveis elevados; e, por sua vez, esses para níveis crônicos, o que poderia provocar síndrome de burnout e adoecimento mental nos profissionais em alusão.
Por fim, cabe referenciar as limitações dessa investigação, uma vez que seu caráter foi transversal e teve como participantes os trabalhadores de uma única unidade sanitária. Mesmo assim, os resultados constituem indicadores do sofrimento psíquico de um grupo de trabalhadores da área de saúde na Cidade de Nampula, Moçambique — um país cujas pesquisas sobre a saúde mental do trabalhador ainda são incipientes.
Nesse âmbito, afigura-se importante o desenvolvimento de futuros estudos abarcando profissionais de outros centros de saúde e hospitais a nível provincial ou nacional para melhorar o entendimento do stress ocupacional. Ainda, é necessário propor estratégicas de intervenção e/ou prevenção com base na realidade de cada local ou de grupos de profissionais específicos. Do mesmo modo, considera-se pertinente a investigação de outros agravos à saúde mental de trabalhadores, bem como de seus determinantes sociais (p. ex.: depressão, síndrome de burnout, ansiedade, alcoolismo e transtornos mentais comuns). Os resultados a serem obtidos nessas pesquisas podem auxiliar o desenho de políticas públicas de atenção à saúde do trabalhador e de programas de intervenção em saúde ocupacional.