A pandemia de COVID-19 atingiu números significativos de infectados e de óbitos no mundo. A celeridade com que o vírus se alastrou entre os diversos países do mundo repercutiu no cotidiano de bilhões de pessoas no planeta. Por sua vez, os profissionais de saúde não somente fazem parte do grupo de risco para a doença, já que estão expostos diretamente à contaminação; mas estão igualmente submetidos ao processo de intensificação da precarização das condições de trabalho, a começar pela sobrecarga de trabalho, ao atender os pacientes em situação grave e em condições, por vezes, inadequadas (Teixeira et al., 2020), culminando com mudanças importantes sobre o próprio ofício profissional (Ferreira & Da Rocha Falcão, 2020).
Santos et al. (2020) discutem alguns estudos realizados em diversos países e constatam que os trabalhadores da saúde possuem maior risco de contaminação — três vezes maior que a população geral. No período de pandemia, foi necessário dispor de condições dignas de sobrevivência. Essas condições poderiam ser alcançadas, em primeira instância, através da garantia de renda e direitos trabalhistas; juntamente com a proposição de políticas que propiciam a promoção da saúde ocupacional, o que abarca questões relacionadas ao risco psicossocial e à qualidade de vida no trabalho (Ferreira e Mendes, 2003; Ferreira, 2015).
A realidade brasileira, em termos de riscos psicossociais e adoecimento vinculado ao contexto de trabalho, é especialmente crítica. As notificações entre grupos ainda são escassas e há muitos casos de subnotificação, o que leva à invisibilidade dos trabalhadores mais afetados (Santos et al., 2020). Citam-se, como exemplos: motoristas de aplicativo, professores, profissionais da saúde. Por isso, a pandemia deflagrou e gerou problemas que excedem os muros da faceta estritamente epidemiológica do processo saúde-doença, mostrando que o processo está atrelado ao projeto de precarização do trabalho, na sua multidimensionalidade (D. D. O. Souza, 2020).
Sabe-se, há décadas, que o sistema de saúde brasileiro vem sofrendo com essa precarização. Além de gerar problemas na eficácia dos atendimentos, ela contribui para o sofrimento psíquico dos trabalhadores, e isso tem se intensificado. Muitos apresentam níveis elevados de exposição a riscos, estando vulneráveis ao desencadeamento de doenças mentais. Diante dessa crise, é importante cuidar da saúde de quem cuida, e fortalecer o trabalho em equipe multiprofissional das equipes do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente daquelas que estão na linha de frente (N. V. D. D. O. Souza et al., 2021).
Nesse escopo, destaca-se a atividade desenvolvida pelas equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), inteirado que o contexto de trabalho no serviço pré-hospitalar móvel possui características que conferem maior dispêndio do custo humano (Worm et al., 2016). Enquanto componente da Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU), o SAMU é uma das portas de entrada do SUS, que atende e direciona o paciente aos diferentes níveis de atenção, ofertando atendimento e transporte imediato às unidades hospitalares e, no momento pandêmico, realizou atendimentos aos pacientes vítimas de COVID-19.
Diversas pesquisas têm se dedicado a explorar os desafios enfrentados pelos profissionais de atendimento pré-hospitalar móvel em diferentes sistemas de saúde (Poornazari et al., 2023). Um estudo conduzido na Indonésia destacou a importância de quatro variáveis-chave na compreensão das emergências pré-hospitalares em casos de COVID-19 na comunidade, que surgem em meio a uma série de complexidades relacionadas à infraestrutura do sistema de serviços de saúde, à necessidade de recursos humanos para enfrentar a pandemia, aos atrasos na detecção de casos de COVID-19 e às condições econômicas que contribuem para a identificação de obstáculos no tratamento. Esses obstáculos identificados não podem ser resolvidos exclusivamente por meio de esforços promocionais e preventivos (Mukarromah et al., 2023).
Estudos no Irã abordaram questões do atendimento pré-hospitalar. Em Sistão-Baluchistão, Mohammadi et al. (2018) enfatizaram melhorias na qualidade dos serviços, incluindo reformas organizacionais e bem-estar dos profissionais. Na província de Semnan, Firozbakht et al. (2020) destacaram a necessidade de reduzir cargas de trabalho e ajustar horários para evitar lesões ocupacionais entre os profissionais de saúde. Em Ardabil, outro estudo revelou altos níveis de estresse ocupacional entre os profissionais de pronto-socorro, agravados pela pandemia de COVID-19 (Mirzaei et al., 2022).
O SAMU no Departamento do Alto Reno (Haut-Rhin), situado na região da Grande Leste da França, enfrentou os desafios decorrentes da intensidade da crise da COVID-19 de forma notável. Para lidar com essa situação, foram necessárias adaptações significativas que incluíram o reforço dos recursos humanos, a melhoria da infraestrutura técnica, a implantação de programas de formação, inovações na organização, centralização das informações e aprimoramento da logística para transferências de pacientes. Essas experiências desempenharam um papel crucial na formulação de uma estratégia nacional, integrada a todos os serviços do SAMU. Essa abordagem visa proporcionar uma preparação mais eficaz e uma resposta mais ágil diante de possíveis crises semelhantes no futuro (Noizet et al., 2020).
A expertise demonstrada pelo sistema pré-hospitalar francês na gestão da COVID-19, notadamente no transporte médico de longa distância, seja por via aérea ou ferroviária (Revue, 2022), destaca a importância de investigar os desafios enfrentados pelos profissionais do SAMU no Brasil.
Enquanto esses profissionais enfrentam dificuldades específicas, na literatura sobre as condições de trabalho, as relações socioprofissionais e a organização do trabalho no contexto do SAMU brasileiro ainda há lacunas significativas (Maciel et al, 2022). Além disso, a “nova” organização de trabalho e as condições impostas aos seus trabalhadores frente à pandemia ainda carecem de exploração aprofundada (Dal Pai et al., 2021; Trigueiro et al., 2020).
Para preencher essa lacuna, o presente estudo objetivou avaliar o contexto de trabalho e o custo humano na perspectiva dos profissionais do SAMU durante a pandemia de COVID-19. Para alcançar o objetivo estabelecido, traçou-se como objetivos específicos:
avaliar o contexto de trabalho dos profissionais do SAMU durante a pandemia de COVID-19;
verificar o custo humano despendido pelos profissionais do SAMU frente à pandemia de COVID-19 e
investigar as associações e impacto entre os dados sociodemográficos e o contexto de trabalho em relação ao custo humano enfrentado pelos profissionais do SAMU.
Nesse estudo, o contexto de trabalho, denominado também como Contexto de Produção de Bens e Serviços (CPBS), é constituído pelas condições de trabalho, a organização do trabalho e as relações socioprofissionais. Por sua vez, o termo custo humano no trabalho diz respeito às exigências afetivas, cognitivas e físicas (Câmara & Faria, 2009).
Método
Trata-se de um estudo transversal, descritivo e exploratório, de natureza quantitativa, ocorrido durante a pandemia de COVID-19. O arcabouço teórico-metodológico para condução da pesquisa foi a ergonomia da atividade (Ferreira & Mendes, 2003; Ferreira et al., 2013), tendo como participantes os trabalhadores do SAMU brasileiro.
Esse estudo faz parte de um amplo projeto de pesquisa, que aborda diversos aspectos relacionados ao trabalho dos profissionais do SUS. Desde 2014, a equipe composta por pesquisadores de duas universidades do Nordeste, tem se dedicado à investigação das operações do SAMU.
Participantes
Participaram do estudo, inicialmente, 212 pessoas. No entanto, dada a existência de formulários incompletos, a amostra ficou constituída por 179 protocolos validados. A amostra apresentou uma idade média de 40,37±9,47 anos, variando entre 20 e 68 anos. Na maioria, foram mulheres (60,3%), casadas ou em união estável (60,3%), com filhos (93,2%). A formação escolar mostrou-se mais dispersa, sendo que 46,9% possuíam certificação de estudos de ensino técnico, 21,2% possuíam ensino médio, 22,9% possuíam pós-graduação e apenas 8,9% possuíam graduação. Dos participantes, alguns não indicaram seu Estado de origem (6,7%); mas, dentre os que o fizeram, representaram um total de 16 estados brasileiros. O maior percentual de participantes foi Rio Grande do Sul (21,8%), seguido do Ceará (11,7%), Rio de Janeiro (11,2%), Bahia (10,1%) e Rio Grande do Norte (8,4%), como mostra a Figura 1.
Os participantes puderam ser caracterizados como trabalhadores que desempenham suas atividades, em média, há 7,96±5,91 anos. Desses, 48,6% eram servidores públicos efetivos e 44,1% trabalhavam entre 30 a 40 horas semanais. Sobre os cargos, 33,5% eram auxiliares ou técnicos de enfermagem, 27,4% eram enfermeiros, 14% eram motoristas-condutores, 11,7% médicos, 8,9% eram técnicos auxiliares de regulação médica (TARM). Com menor frequência participaram os operadores de frota (1,7%), os condutores de motolância (1,7%) e os trabalhadores de cargo administrativo e de apoio (1,1%). Além disso, 51,4% dos participantes possuíam dois ou mais vínculos empregatícios.
Instrumentos
Além do questionário sociodemográfico, foram aplicadas remotamente duas escalas que compõem o Inventário do Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA) (Ferreira & Mendes, 2003; Mendes & Ferreira, 2007; Mendes et al., 2005), são elas:
Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT), composta por três fatores - Condições de Trabalho (10 itens, com confiabilidade de 0,89), Organização do Trabalho (11 itens, confiabilidade de 0,72) e Relações Sociais de Trabalho (10 itens, com confiabilidade de 0,87), empregando uma escala de respostas do tipo Likert de cinco pontos;
Escala de Custo Humano do Trabalho (ECHT), composta por três fatores - Custo afetivo (12 itens, confiabilidade de 0,84), Custo cognitivo (9 itens, confiabilidade de 0,86) e Custo físico (10 itens e confiabilidade de 0,91), empregando o mesmo tipo de escala de respostas;
Procedimento de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
Essa pesquisa ocorreu no período de intenso isolamento social devido à pandemia de COVID-19, entre julho de 2020 a fevereiro de 2021. Diante desse quadro, foram utilizadas as redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp) e e-mails para divulgação e aplicação dos instrumentos. Após a postagem, as pessoas que acompanham esses meios puderam de forma autônoma acessar o questionário e respondê-lo de forma individual, autoaplicável e anônima, com duração média de 15 minutos.
O recrutamento de participantes para esse estudo baseou-se no método bola-de-neve, uma técnica que envolve a seleção inicial de participantes com base na acessibilidade. Inicialmente, o primeiro autor contatou participantes que tinha acesso por meio de sua rede de contatos no Whatsapp constituída por trabalhadores do SAMU. Esses participantes eram incentivados a compartilhar o questionário com seus colegas, criando assim uma rede de recrutamento por indicação.
Adicionalmente, o questionário foi amplamente divulgado em grupos do Facebook e Whatsapp, assim como nas páginas oficiais do Instagram dos SAMUs estaduais e municipais em todo o Brasil. Os profissionais do SAMU que tomaram conhecimento dessas postagens foram cordialmente convidados a participar, sendo-lhes oferecida a oportunidade de responder ao questionário de forma remota. A acessibilidade dos participantes ao questionário foi um critério fundamental para a inclusão no estudo.
Os critérios de inclusão abrangiam trabalhadores do SAMU que estavam ativamente desempenhando suas funções durante o período da pandemia. Não foram aplicados critérios de exclusão, exceto para aqueles trabalhadores que estavam afastados de suas funções ou que atuavam em outros serviços de Atendimento Pré-Hospitalar móvel que não fossem o SAMU.
As limitações metodológicas incluem formulários incompletos que resultaram em uma amostra menor, bem como a limitação da pesquisa ser conduzida durante a pandemia, o que poderia afetar a disposição dos participantes para responder aos questionários. Como a pesquisa ocorreu durante o período de isolamento social, não foi possível arquitetar e concretizar um espaço para análise e transformação do trabalho (Pádua & Ferreira, 2020).
Como se trata de uma pesquisa envolvendo seres humanos no âmbito do SUS, o estudo obedeceu às disposições n°. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o CAAE n°. (Esse número foi omitido para preservar a identidade dos autores na fase de revisão por pares). Os participantes assinaram o Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE), sendo preservado o anonimato.
Procedimentos de Análise de Dados
Os dados foram analisados em quatro etapas com o auxílio do pacote estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 25. Primeiro, foi traçado o perfil da amostra por meio de estatística descritiva (frequência, porcentagem e medidas de tendência central e dispersão). Em seguida, para apresentação dos resultados, foi realizada a análise que classificou os resultados em níveis satisfatórios, críticos e graves, de acordo com os escores médios. As médias entre 1,0 a 2,3 são satisfatórias e apontam vivências de bem-estar no trabalho, ou seja, aspecto a ser mantido e consolidado no ambiente organizacional. Escores médios entre 2,4 a 3,7 classificam-se como moderados e indica para uma “situação limite”, potencializando o mal-estar no trabalho e risco de adoecimento. Sinaliza estado de alerta, requerendo providências imediatas a curto e médio prazo. Já os escores médios entre 3,8 a 5,0 são graves e produtores de mal-estar no trabalho. Forte risco de adoecimento, requerendo providências imediatas nas causas visando eliminá-las e/ou atenuá-las (Ferreira & Mendes, 2008).
Na terceira etapa foram realizadas comparações das médias de pontuação de diferentes grupos, do contexto de trabalho e custo humano. A comparação das médias foi empregada por meio do teste t para amostras independentes e análise de variância (ANOVA) unilateral. Para verificar os grupos divergentes pós ANOVA, procedeu-se ao teste post hoc de Bonferroni.
Na quarta etapa da análise, para investigar se haveria preditores para o custo humano despendido no trabalho pré-hospitalar móvel, foram realizadas duas análises de regressão múltipla linear, em que se adotou o método por etapas (Stepwise). A abordagem stepwise é uma técnica estatística que conjuga elementos das metodologias backward e forward, realizando uma seleção de variáveis em duas fases distintas. Uma das principais vantagens proporcionadas pela abordagem por etapas reside na sua capacidade de explorar tanto as variáveis preditoras mais pertinentes quanto aquelas menos relevantes.
Nesse sentido, busca-se alcançar um equilíbrio entre a inclusão excessiva e a exclusão excessiva de variáveis no modelo, ao identificar as variáveis mais significativas que afetam o custo humano e construir um modelo que leve em consideração essas variáveis relevantes. A intensidade foi avaliada mediante coeficiente do R2 ajustado (R2β). Para verificar a previsão decorrente das variáveis explicativas e dependentes, aplicou-se os mesmos índices adotados na análise teste de correlação, em que quanto mais perto de 1/-1 for o coeficiente, mais forte será sua capacidade de explicação (Ramos et al., 2016).
Por fim, a consistência das escalas foi testada através do alfa de Cronbach (a) e os coeficientes foram classificados da seguinte forma: < 0,60 = inadequados; 0,60 a 0,69 = fidedignidade marginal; 0,70 a 0,79 = aceitável; 0,80 a 0,89 = boa; e 0,90 ou mais = excelente (Hair Jr. et al., 2014). A EACT apresentou coeficientes alfa de Cronbach entre 0,79 e 0,93, o que demonstra uma boa-excelente consistência interna e a adequação do instrumento para fins de análise sobre o contexto de trabalho. Do mesmo modo, a escala ECHT manteve coeficientes alfa de Cronbach entre 0,88 e 0,93.
Resultados
Os resultados foram cuidadosamente organizados em subseções, com o intuito de aprimorar a clareza e categorizar as descobertas de acordo com os objetivos delineados e a natureza da análise. A primeira subseção aborda a avaliação do contexto de trabalho do SAMU durante o período da pandemia de COVID-19. Posteriormente, apresentam-se os resultados relativos à avaliação do custo humano no trabalho do SAMU diante do contexto pandêmico. Finalmente, a terceira subseção explora as associações e os impactos entre os dados sociodemográficos e o ambiente de trabalho em relação ao custo humano experimentado pelos profissionais do SAMU.
Avaliação do Contexto de Trabalho do SAMU Durante o Período da Pandemia de COVID-19
Após avaliar o contexto de trabalho dos profissionais do SAMU, constatou-se que cerca de 80% deles apresentam escores médios que variam entre crítico a grave para as Condições de trabalho, Organização do trabalho e Relações socioprofissionais, de acordo com os intervalos de frequência (%) apresentados na tabela 1.
Tabela 1 Média, desvios-padrão e inserção percentual em intervalos de frequência (Satisfatório / Crítico / Grave) na avaliação do contexto de trabalho do SAMU
Variáveis | M | DP | Intervalos de frequência (%) | ||
---|---|---|---|---|---|
Satisfatório | Crítico | Grave | |||
Condições de trabalho | 3,17 | 1,08 | 23,5 | 42,5 | 34,1 |
As condições de trabalho são precárias | 3,26 | 1,36 | 30,7 | 24,6 | 44,7 |
O ambiente físico é desconfortável | 3,34 | 1,46 | 31,3 | 14,5 | 54,2 |
Existe muito barulho no ambiente de trabalho | 3,36 | 1,47 | 32,4 | 18,4 | 49,2 |
O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado | 3,35 | 1,46 | 31,8 | 15,6 | 52,5 |
Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas | 3,08 | 1,35 | 35,2 | 27,9 | 36,9 |
O posto/estação de trabalho é inadequado para a realização das tarefas | 2,90 | 1,36 | 40,2 | 26,8 | 33,0 |
Os equipamentos necessários para realização das tarefas são precários | 3,07 | 1,33 | 39,1 | 22,3 | 38,5 |
O espaço físico para realizar o trabalho é inadequado | 2,87 | 1,33 | 42,5 | 24,0 | 33,5 |
As condições de trabalho oferecem riscos à segurança das pessoas | 3,53 | 1,31 | 24,6 | 21,2 | 54,2 |
O material de consumo é insuficiente | 2,91 | 1,36 | 43,6 | 21,8 | 34,6 |
Organização do trabalho | 3,48 | 0,70 | 5,6 | 53,3 | 39,1 |
O ritmo do trabalho é excessivo | 3,70 | 0,96 | 8,9 | 34,6 | 56,4 |
As tarefas são cumpridas com pressão de prazos | 3,74 | 1,17 | 15,6 | 25,7 | 58,7 |
Existe forte cobrança por resultados | 3,78 | 1,21 | 17,3 | 22,9 | 59,8 |
As normas para execução das tarefas são rígidas | 3,70 | 1,19 | 16,2 | 27,9 | 55,9 |
Existe fiscalização do desempenho | 3,23 | 1,27 | 28,5 | 24,6 | 46,9 |
O número de pessoas é insuficiente para se realizar as tarefas | 3,50 | 1,37 | 25,7 | 21,2 | 53,1 |
Os resultados esperados estão fora da realidade | 3,04 | 1,25 | 33,5 | 29,6 | 36,9 |
Existe divisão entre quem planeja e quem executa | 3,66 | 1,34 | 20,7 | 21,8 | 57,5 |
As tarefas são repetitivas | 3,66 | 1,21 | 17,3 | 25,7 | 57,0 |
Falta tempo para realizar pausas de descanso no trabalho | 3,28 | 1,29 | 27,9 | 29,1 | 43,0 |
As tarefas executadas sofrem descontinuidade | 3,02 | 1,20 | 34,6 | 28,5 | 36,9 |
Relações socioprofissionais | 3,06 | 0,98 | 23,5 | 44,1 | 32,4 |
As tarefas não são claramente definidas | 2,58 | 1,26 | 51,4 | 24,6 | 24,0 |
A autonomia e inexistente | 2,83 | 1,22 | 41,9 | 30,2 | 27,9 |
A distribuição das tarefas é injusta | 3,18 | 1,38 | 36,3 | 16,8 | 46,9 |
Os funcionários são excluídos das decisões | 3,55 | 1,38 | 25,7 | 19,0 | 55,3 |
Existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados | 3,06 | 1,40 | 39,7 | 18,4 | 41,9 |
Existem disputas profissionais no local de trabalho | 3,51 | 1,43 | 27,4 | 19,0 | 53,6 |
Falta integração no ambiente de trabalho | 3,12 | 1,25 | 33,0 | 27,9 | 39,1 |
A comunicação entre funcionários é insatisfatória | 3,02 | 1,24 | 34,6 | 30,7 | 34,6 |
Falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional | 3,26 | 1,53 | 34,6 | 17,9 | 47,5 |
As informações que preciso para executar minhas tarefas são de difícil acesso | 2,50 | 1,31 | 53,6 | 24,6 | 21,8 |
A Organização do trabalho (3,48±0,70) é a dimensão mais fragilizada em relação às demais que constituem o contexto de trabalho. Sendo observados índices graves que diz respeito a “Existe forte cobrança por resultados” (3,78±1,21), “As tarefas são cumpridas com pressão de prazos” (3,74±1,17), “O ritmo do trabalho é excessivo” (3,70±0,96) e “As normas para execução das tarefas são rígidas” (3,70±1,19) (Tabela 1).
As condições de trabalho (3,17±1,08) manteve escores médios críticos, mas conforme os intervalos de frequência é possível observar que a população estudada concentra-se na zona grave para as variáveis O ambiente físico é desconfortável (54,2%), As condições de trabalho oferecem riscos à segurança das pessoas (54,2%), O mobiliário existente no local de trabalho é inadequado (52,5%), Existe muito barulho no ambiente de trabalho (49,2%), As condições de trabalho são precárias (44,7%) e Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas (36,9%) (Tabela 1).
Conforme a tabela 1, o fator Relações socioprofissionais (3,06±0,98) também apresentou escores médios críticos, porém a maior parte da amostra centralizou-se na zona grave e, dentre as variáveis que o constitui, destacam-se: Os funcionários são excluídos das decisões (55,3%); Existem disputas profissionais no local de trabalho (53,6%); Falta apoio das chefias para o meu desenvolvimento profissional (47,5%); A distribuição das tarefas é injusta (46,9%); Existem dificuldades na comunicação entre chefia e subordinados (41,9%); e Falta integração no ambiente de trabalho (39,1%).
Avaliação do Custo Humano no Trabalho do SAMU Durante o Período da Pandemia de COVID-19
No tocante ao custo humano no trabalho, o Custo cognitivo alcançou altos índices (4,16±0,90), sendo que, 78,2% dos trabalhadores do SAMU encontram-se na zona grave. As queixas mais acentuadas referem-se a Usar a visão de forma contínua (4,40±0,99), Fazer esforço mental (4,36±1,03), Ter que resolver problemas (4,32±1,02), Ter concentração mental (4,22±1,05) e Fazer previsão de acontecimentos (4,20±1,19) (Tabela 2).
Tabela 2 Média, desvios-padrão e inserção percentual em intervalos de frequência (Satisfatório / Crítico / Grave) na avaliação do custo humano no trabalho do SAMU
Variáveis | M | DP | Intervalos de frequência (%) | ||
---|---|---|---|---|---|
Satisfatório | Crítico | Grave | |||
Custo afetivo | 3,22 | 0,87 | 10,6 | 62 | 27,4 |
Ter controle das emoções | 4,16 | 1,10 | 9,5 | 12,8 | 77,7 |
Ter que lidar com ordens contraditórias | 3,75 | 1,03 | 10,6 | 28,5 | 60,9 |
Ter custo emocional | 4,00 | 1,19 | 12,3 | 16,8 | 70,9 |
Ser obrigado a lidar com a agressividade dos outros | 4,13 | 1,20 | 12,8 | 9,5 | 77,7 |
Disfarçar os sentimentos | 3,95 | 1,32 | 17,3 | 14,0 | 68,7 |
Ser obrigado a elogiar as pessoas | 2,13 | 1,24 | 64,8 | 21,8 | 13,4 |
Ser obrigado a ter bom humor | 3,08 | 1,36 | 33,5 | 23,5 | 43,0 |
Ser obrigado a cuidar da aparência física | 2,93 | 1,43 | 40,8 | 22,9 | 36,3 |
Ser bonzinho com os outros | 2,37 | 1,40 | 58,1 | 18,4 | 23,5 |
Transgredir valores éticos | 2,69 | 1,42 | 46,4 | 21,2 | 32,4 |
Ser submetido a constrangimentos | 2,42 | 1,44 | 58,1 | 15,6 | 26,3 |
Ser obrigado a sorrir | 3,03 | 1,51 | 37,4 | 20,1 | 42,5 |
Custo cognitivo | 4,17 | 0,89 | 4,5 | 17,3 | 78,2 |
Desenvolver macetes | 4,01 | 1,28 | 14,0 | 15,6 | 70,4 |
Ter que resolver problemas | 4,32 | 1,02 | 6,1 | 15,6 | 78,2 |
Ser obrigado a lidar com imprevistos | 3,97 | 1,27 | 14,5 | 12,8 | 72,6 |
Fazer previsão de acontecimentos | 4,20 | 1,19 | 10,1 | 11,2 | 78,8 |
Usar a visão de forma contínua | 4,40 | 0,99 | 6,7 | 7,8 | 85,5 |
Usar a memória | 4,07 | 1,20 | 13,4 | 13,4 | 73,2 |
Ter desafios intelectuais | 4,06 | 1,19 | 11,7 | 16,2 | 72,1 |
Fazer esforço mental | 4,36 | 1,03 | 6,7 | 8,9 | 84,4 |
Ter concentração mental | 4,22 | 1,05 | 7,3 | 14,0 | 78,8 |
Usar criatividade | 4,12 | 1,25 | 11,7 | 14,0 | 74,3 |
Custo físico | 3,67 | 1,07 | 10,6 | 28,5 | 60,9 |
Usar a força física | 3,99 | 1,36 | 16,2 | 14,5 | 69,3 |
Usar os braços de forma contínua | 3,89 | 1,22 | 15,1 | 12,3 | 72,6 |
Ficar em posição curvada | 3,73 | 1,38 | 21,2 | 13,4 | 65,4 |
Caminhar | 3,18 | 1,43 | 33,0 | 20,7 | 46,4 |
Ser obrigado a ficar de pé | 3,40 | 1,48 | 28,5 | 16,8 | 54,7 |
Ter que manusear objetos pesados | 3,79 | 1,45 | 20,1 | 11,2 | 68,7 |
Fazer esforço físico | 3,70 | 1,41 | 20,7 | 14,0 | 65,4 |
Usar as pernas de forma contínua | 3,83 | 1,40 | 18,4 | 13,4 | 68,2 |
Usar as mãos de forma repetida | 3,81 | 1,32 | 17,9 | 17,9 | 64,2 |
Subir e descer escadas | 3,37 | 1,33 | 24,6 | 27,4 | 48,0 |
O Custo físico (3,67±1,07) manteve escores médios moderados, sendo que 60,9% dos trabalhadores encontram-se na zona grave, ao indicar alto dispêndio fisiológico e biomecânico presente no trabalho do atendimento pré-hospitalar móvel de urgência. Posto que, Usar a força física (3,99±1,36), Usar os braços de forma contínua (3,89±1,22), Usar as pernas de forma contínua (3,83±1,40), Usar as mãos de forma repetida (3,81±1,32), Ter que manusear objetos pesados (3,79±1,45) e Fazer esforço físico (3,70±1,41), foram as variáveis mais acentuadas (Tabela 2).
Conforme dados apresentados na tabela 2, o Custo afetivo (3,22±0,87) manteve escores médios moderados, porém menos acentuados que os demais fatores - Custo cognitivo e Custo físico. As exigências mais descomedidas estão relacionadas a Ter controle das emoções (4,16±1,10), Ser obrigado a lidar com a agressividade dos outros (4,13±1,20), Ter custo emocional (4,00±1,19), Disfarçar os sentimentos (3,95±1,32) e Ter que lidar com ordens contraditórias (3,75±1,03).
Associações e o Impacto entre os Dados Sociodemográficos e o Contexto de Trabalho em Relação ao Custo Humano Enfrentado pelos Profissionais do SAMU
Quando os fatores do contexto de trabalho são associados aos aspectos sociodemográficos/ocupacionais e comparadas às médias entre grupos, constatam-se diferenças significativas nas Condições de trabalho (p < 0,01) e Organização do trabalho (p < 0,00) entre cargos (Tabela 3).
Tabela 3 Comparação de médias do contexto de trabalho do SAMU associadas aos aspectos sociodemográficos
Variáveis | N | Condições de trabalho | Organização do trabalho | Relações socioprofissionais | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | p | M | DP | p | M | DP | p | ||
Gênero | ||||||||||
Masculino | 71 | 3,15 | 1,13 | 0,83 | 3,49 | 0,66 | 0,97 | 3,00 | ,99 | 0,49 |
Feminino | 108 | 3,18 | 1,05 | 3,48 | 0,72 | 3,10 | 1,03 | |||
Idade (Faixa etária) | ||||||||||
≤ 18 e ≤ 29 anos | 16 | 2,71 | 1,08 | 0,20 | 3,17 | 0,87 | 0,17 | 2,51 | 1,11 | 0,05 |
≥ 30 e ≤ 41 anos | 80 | 3,24 | 1,13 | 3,52 | 0,63 | 3,16 | 0,99 | |||
≥ 42 anos | 83 | 3,19 | 1,02 | 3,50 | 0,72 | 3,07 | 0,91 | |||
Estado civil | ||||||||||
Solteiro | 71 | 3,21 | 1,16 | 0,68 | 3,47 | 0,68 | 0,79 | 3,00 | 0,99 | 0,53 |
Casado/União estável | 108 | 3,14 | 1,03 | 3,49 | 0,71 | 3,10 | 0,97 | |||
Nível escolar | ||||||||||
Ensino médio | 38 | 2,99 | 1,06 | 0,07 | 3,42 | 0,70 | 0,07 | 2,99 | 0,95 | 0,04 |
Ensino técnico | 84 | 3,09 | 1,06 | 3,39 | 0,75 | 2,90 | 0,94 | |||
Ensino superior completo | 16 | 3,81 | 1,02 | 3,85 | 0,50 | 3,58 | 1,01 | |||
Pós-graduação | 41 | 3,23 | 1,11 | 3,58 | 0,63 | 3,25 | 0,99 | |||
Cargo | ||||||||||
Auxiliar ou técnico de enfermagem | 60 | 3,00 | 1,07 | 0,01 | 3,48 | 0,72 | 0,00 | 2,97 | 0,95 | 0,06 |
Enfermeiro | 49 | 3,17 | 0,92 | 3,54 | 0,55 | 3,02 | 0,94 | |||
Médico | 21 | 3,40 | 1,04 | 3,91 | 0,43 | 3,44 | 0,66 | |||
Motorista-condutor | 25 | 2,81 | 1,10 | 2,96 | 0,82 | 2,74 | 1,08 | |||
TARM | 16 | 4,16 | 1,10 | 3,63 | 0,58 | 3,64 | 1,04 | |||
Operador de frota | 3 | 3,37 | 1,15 | 3,67 | 0,41 | 2,97 | 1,17 | |||
Condutor de motolância | 3 | 2,23 | 1,07 | 2,70 | 1,11 | 3,03 | 1,46 | |||
Administrativo e cargos de apoio | 2 | 3,25 | 1,20 | 3,73 | 0,39 | 2,35 | 1,34 | |||
Tempo de serviço no SAMU | ||||||||||
≤ 1 e ≤ 5 anos | 71 | 3,19 | 1,13 | 0,39 | 3,51 | 0,67 | 0,07 | 3,01 | 1,05 | 0,06 |
≥ 6 e ≤ 10 anos | 57 | 3,02 | 1,15 | 3,32 | 0,81 | 2,88 | 1,00 | |||
> 10 anos | 51 | 3,30 | 0,93 | 3,63 | 0,56 | 3,32 | 0,79 | |||
Possui outro vínculo empregatício | ||||||||||
Sim | 92 | 3,18 | 1,00 | 0,84 | 3,49 | 0,70 | 0,95 | 2,98 | 1,00 | 0,25 |
Não | 87 | 3,15 | 1,16 | 3,48 | 0,70 | 3,15 | 1,16 | |||
Carga horária semanal | ||||||||||
≤ 20 e ≤ 30 horas | 45 | 3,21 | 1,14 | 0,96 | 3,40 | 0,69 | 0,40 | 2,80 | 0,88 | 0,17 |
≥ 31 e ≤ 40 horas | 79 | 3,12 | 1,02 | 3,44 | 0,74 | 3,18 | 0,98 | |||
> 40 horas | 48 | 3,20 | 1,18 | 3,59 | 0,66 | 3,08 | 1,03 | |||
Outra | 7 | 3,20 | 0,75 | 3,74 | 0,52 | 3,31 | 1,00 |
Para verificar os grupos divergentes, computou-se o teste post hoc de Bonferroni. As diferenças encontradas nas Condições de trabalho dizem respeito aos TARM e auxiliares ou técnicos de enfermagem (p < 0,00), TARM e motoristas-condutores (p < 0,00). Já com relação à Organização do trabalho, o motorista-condutor manteve diferenças com os grupos auxiliar ou técnico de enfermagem (p < 0,00), enfermeiro (p < 0,02) e médico (p < 0,00).
Já em relação ao Custo humano, as diferenças significativas aparecem entre as faixas etárias no tocante ao custo físico (p < 0,01) (Tabela 4). O teste post hoc de Bonferroni indicou diferenças entre os trabalhadores de 18 a 29 anos com os grupos de 30 a 41 (p < 0,00) e os acima dos 42 anos (p < 0,00). Já o nível escolar manifestou diferenças para o Custo cognitivo (p < 0,03) e constatou-se que as diferenças existentes são entre os trabalhadores com nível médio e os que possuem ensino superior completo (p < 0,04).
Tabela 4 Comparação de médias do custo humano no trabalho do SAMU associados aos aspectos sociodemográficos
Variáveis | N | Condições de trabalho | Organização do trabalho | Relações socioprofissionais | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | p | M | DP | p | M | DP | p | ||
Gênero | ||||||||||
Masculino | 71 | 3,25 | 0,91 | 0,74 | 4,17 | 0,88 | 0,95 | 3,63 | 1,10 | 0,72 |
Feminino | 108 | 3,20 | 0,85 | 4,18 | 0,90 | 3,69 | 1,05 | |||
Idade (Faixa etária) | ||||||||||
≤ 18 e ≤ 29 anos | 16 | 2,93 | 0,97 | 0,33 | 3,91 | 1,12 | 0,47 | 2,91 | 1,36 | 0,01 |
≥ 30 e ≤ 41 anos | 80 | 3,21 | 0,87 | 4,21 | 0,82 | 3,73 | 1,01 | |||
≥ 42 anos | 83 | 3,29 | 0,86 | 4,19 | 0,92 | 3,75 | 1,03 | |||
Estado civil | ||||||||||
Solteiro | 71 | 3,23 | 0,90 | 0,93 | 4,15 | 0,91 | 0,76 | 3,57 | 1,11 | 0,33 |
Casado/União estável | 108 | 3,22 | 0,86 | 4,19 | 0,88 | 3,73 | 1,05 | |||
Nível escolar | ||||||||||
Ensino médio | 38 | 3,02 | 0,85 | 0,07 | 3,84 | 0,99 | 0,03 | 3,42 | 1,17 | 0,44 |
Ensino técnico | 84 | 3,17 | 0,92 | 4,24 | 0,89 | 3,76 | 1,02 | |||
Ensino superior completo | 16 | 3,67 | 0,51 | 4,56 | 0,47 | 3,68 | 1,19 | |||
Pós-graduação | 41 | 3,33 | 0,87 | 4,19 | 0,86 | 3,70 | 1,05 | |||
Cargo | ||||||||||
Auxiliar ou técnico de enfermagem | 60 | 3,33 | 0,93 | 0,22 | 4,28 | 0,78 | 0,00 | 4,07 | 0,76 | 0,00 |
Enfermeiro | 49 | 3,20 | 0,82 | 4,53 | 0,64 | 4,04 | 0,89 | |||
Médico | 21 | 3,48 | 0,72 | 4,38 | 0,62 | 3,53 | 0,97 | |||
Motorista-condutor | 25 | 2,79 | 0,89 | 3,46 | 1,16 | 3,24 | 1,26 | |||
TARM | 16 | 3,24 | 0,82 | 3,62 | 0,82 | 2,28 | 0,46 | |||
Operador de frota | 3 | 3,42 | 0,36 | 4,00 | 0,20 | 2,77 | 1,77 | |||
Condutor de motolância | 3 | 3,25 | 1,56 | 3,73 | 2,11 | 2,87 | 1,66 | |||
Administrativo e cargos de apoio | 2 | 2,83 | 0,82 | 4,40 | 0,14 | 2,95 | 1,63 | |||
Tempo de serviço no SAMU | ||||||||||
≤ 1 e ≤ 5 anos | 71 | 3,19 | 0,92 | 0,65 | 4,02 | 0,95 | 0,19 | 3,59 | 1,14 | 0,73 |
≥ 6 e ≤ 10 anos | 57 | 3,17 | 0,93 | 4,27 | 0,88 | 3,70 | 1,03 | |||
> 10 anos | 51 | 3,32 | 0,75 | 4,27 | 0,81 | 3,74 | 1,02 | |||
Possui outro vínculo empregatício | ||||||||||
Sim | 92 | 3,16 | 0,86 | 0,32 | 4,20 | 0,87 | 0,71 | 3,71 | 1,03 | 0,56 |
Não | 87 | 3,29 | 0,89 | 4,15 | 0,92 | 3,62 | 1,12 | |||
Carga horária semanal | ||||||||||
≤ 20 e ≤ 30 horas | 45 | 3,15 | 0,98 | 0,49 | 4,04 | 1,00 | 0,49 | 3,35 | 1,04 | 0,00 |
≥ 31 e ≤ 40 horas | 79 | 3,16 | 0,87 | 4,16 | 0,93 | 3,54 | 1,14 | |||
> 40 horas | 48 | 3,35 | 0,76 | 4,32 | 0,73 | 4,11 | 0,89 | |||
Outra | 7 | 3,49 | 0,92 | 4,11 | 0,74 | 4,17 | 0,50 |
O Custo cognitivo (p < 0,00) e o Custo físico (p < 0,00) também apresentaram diferenças na variável cargo. Sendo que as diferenças no Custo cognitivo, referem-se a diferenças encontradas entre o motorista-condutor e os grupos de auxiliar ou técnico de enfermagem (p < 0,00), enfermeiro (p < 0,00) e médico (p < 0,01). A carga horária semanal manteve diferenças no Custo físico e as diferenças encontradas eram entre os sujeitos que trabalham mais de 40 horas semanais e aqueles que trabalham entre 20 e 30 horas (p < 0,00), e 31 e 40 horas (p < 0,02) (Tabela 4).
O R2β representa o coeficiente de determinação ajustado, que indica o poder explicativo da regressão. Ele quantifica a proporção da variação de uma variável dependente (neste caso, o custo humano no trabalho) que é explicada pelas variações no contexto de trabalho e pelos aspectos sociodemográficos. Os resultados revelam que a Organização do Trabalho é o fator de maior influência na manifestação do Custo Humano no Trabalho, especialmente no que diz respeito ao Custo Cognitivo (β = 0,487) (Tabela 5).
Tabela 5 Regressão linear múltipla referente ao contexto de trabalho e os aspectos sociodemográficos e seu poder explicativo sobre o custo humano no trabalho do SAMU
Variáveis Explicativas | Variável Dependente | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Custo afetivo | Custo cognitivo | Custo físico | |||||
B | β | B | β | B | β | ||
Aspectos sociodemográficos | Idade | * | * | * | * | * | * |
Sexo | * | * | * | * | * | * | |
Estado Civil | * | * | * | * | * | * | |
Formação Escolar | * | * | * | * | * | * | |
Tempo de serviço no SAMU | * | * | * | * | * | * | |
Vínculos de trabalho | * | * | * | * | * | * | |
Cargo | * | * | -0,128 | -0,232 | -0,305 | -0,460 | |
Carga horária semanal | * | * | * | * | 0,288 | 0,221 | |
Possui outro emprego | * | * | * | * | * | * | |
Contexto de trabalho | Condições de trabalho | 0,185 | 0,229 | * | * | 0,147 | 0,149 |
Organização do trabalho | 0,300 | 0,240 | 0,621 | 0,487 | 0,411 | 0,268 | |
Relações socioprofissionais | 0,240 | 0,268 | * | * | * | * | |
R = 0,62 R2 = 0,39 R2β = 0,38 |
R = 0,56 R2 = 0,31 R2β = 0,30 |
R = 0,65 R2 = 0,43 R2β = 0,41 |
Nota. *Variáveis excluídas do modelo de regressão por não apresentar força preditiva.
Os coeficientes de determinação mostram que 41% da variação do Custo Físico é explicada pela Organização do Trabalho (β = 0,268), pela Carga horária semanal (β = 0,221) e pelas Condições de Trabalho (β = 0,149). Identificou-se uma relação inversa entre a variável Cargo e os fatores Custo Físico e Custo Cognitivo. Ou seja, o tipo de cargo desempenhado pode influenciar na redução do Custo Físico (β = -0,460) e do Custo Cognitivo (β = -0,232) (Tabela 5).
O Custo Afetivo, por sua vez, é responsável por explicar 38% da variação observada. Nesse caso, as variáveis preditoras que demonstraram influência sobre tal fator são as dimensões que compõem o Contexto de Trabalho, mais especificamente as Relações Socioprofissionais (β = 0,268), a Organização do Trabalho (β = 0,240) e as Condições de Trabalho (β = 0,229), como indicado na tabela 5.
Discussão
Essa pesquisa foi realizada durante a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2. Na época, a classe trabalhadora passa por situações de intensa precarização nas relações de trabalho. Essas circunstâncias poderiam ser minimizadas se a conjuntura assegurasse a garantia de direitos sociais (D. D. O. Souza, 2020). Mas, as mudanças ocorridas no cenário brasileiro com a reforma trabalhista, que modificou os capítulos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), culminaram em uma maior vulnerabilidade e subordinação trabalhista que, consequentemente, levou ao aumento das taxas de adoecimento relacionadas ao trabalho (Santos et al., 2020). Os trabalhadores do SAMU têm relatado maior sobrecarga emocional e física frente à crescente expansão de COVID-19 (Trigueiro et al., 2020).
Ao avaliar o contexto de trabalho e os riscos de adoecimento do SAMU brasileiro durante a pandemia de COVID-19, níveis críticos foram constatados, que necessitam de providências imediatas a curto e médio prazo. Mas, o custo cognitivo, o custo físico e a organização do trabalho apresentaram índices graves, e medidas mais diligentes que visem eliminar ou diminuir os riscos de adoecimento precisam ser adotadas (Ferreira & Mendes, 2008). Com a deterioração do contexto de trabalho, a sobrecarga e sofrimento se intensificam, requerendo do trabalhador um custo humano (Antloga et al., 2014; Carneiro & Ferreira, 2007; Silva & Vieira, 2008).
Investigações apontam a intensificação da precarização do trabalho no período pandêmico e suas reverberações na saúde e bem-estar dos trabalhadores (Dal Pai et al., 2021; D. D. O. Souza, 2020). Os dados apresentados nesse estudo revelam uma acentuação ainda maior desses impactos em comparação com estudos anteriores que abordaram grupos profissionais específicos, como policiais civis (Anchieta et al., 2011), pessoas com deficiência no serviço público federal (Hoffmann et al., 2014), docentes do ensino superior (Hoffmann et al., 2017; Tundis & Monteiro, 2018; Maciel et al., 2020), agentes comunitários de saúde (Krug et al., 2017) e a equipe de enfermagem do SAMU de Santa Catarina (Worm et al., 2016).
Por sua vez, os aspectos sociodemográficos são considerados possíveis preditores (Negri et al., 2014). Ao associá-los aos fatores das EACT e ECHT, a variável cargo foi a mais díspar e, na maior parte dos casos, a categoria profissional mais veemente foram os TARMs. Isto ocorre, porque a atividade desempenhada por tais profissionais é bem diferente daquela realizada pelos demais profissionais do SAMU. Geralmente, as centrais de regulação médica, onde os teleoperadores trabalham, são localizadas nos centros integrados de operações de segurança, o que corrobora a dificuldade na comunicação e relação com seus colegas do SAMU (Palma et al., 2017).
Questão semelhante, ocorrida na central de regulação do SAMU na França, foi averiguada por Bourgeois et al. (2019), em que os atores foram convidados à condução do projeto para integrar seus conhecimentos. Nessa ação ergonômica, questões referentes à comunicação, cooperação, local de trabalho e confiança foram exploradas. Essas interações são importantes, pois elas evitam as quebras no fluxo de processamento de chamadas, tempos de espera problemáticos e, consequentemente, repercutem na agilidade e confiabilidade nos processos de trabalho.
É evidente a necessidade de estudos nos quais seja analisada a atividade de trabalho dos teleoperadores do SAMU brasileiro. Na França, a realização de estudos-intervenções no âmbito do SAMU, especialmente os TAMRs, é mais comum do que no Brasil, em virtude da posição de vanguarda no desenvolvimento da telemedicina. Isso ocorreu com a criação do SAMU, em 1972 (Duguet, 2023).
Afora, cerca de 40% do custo físico foi predito pela organização do trabalho, pelas condições de trabalho e pela carga horária semanal. Isso remete à necessidade de explorar com maior veemência os fenômenos que circunscrevem tais fatores no processo de trabalho do SAMU. Ocorre que o contexto de trabalho se apresenta enquanto fator “antecedente do processo saúde-adoecimento”, já o custo humano são “as exigências provocadas por esse contexto”, os quais cominam na manifestação dos danos à saúde (Mendes & Ferreira, 2007, p. 112).
Um estudo em Ardabil, Irã, durante a pandemia de COVID-19, revelou que muitos profissionais de equipes de emergência pré-hospitalar apresentaram depressão moderada e ansiedade moderada. A pesquisa também destacou a relação entre experiência, idade e sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Além disso, descobriu associações significativas entre gênero e variáveis de estresse e ansiedade. O estudo concluiu que o gênero e a escolaridade foram preditores de ansiedade e estresse, enquanto a idade e a escolaridade foram preditores de depressão (Asadi et al., 2022).
Em um estudo realizado na Turquia, foram conduzidas análises dos níveis de ansiedade entre profissionais de serviços médicos de emergência pré-hospitalares. Os resultados apontaram que as mulheres que atuam no atendimento pré-hospitalar móvel demonstraram níveis de ansiedade mais elevados do que seus colegas do sexo masculino. Afora, os participantes que possuíam doenças crônicas apresentaram níveis significativamente mais altos de ansiedade em comparação com aqueles que não tinham doenças crônicas. Também se observou que os indivíduos casados registraram escores mais elevados de ansiedade-estado em comparação com os solteiros (Mutlu et al., 2021).
No âmbito do serviço médico de emergência pré-hospitalar na Alemanha, observou-se que 58,64% dos participantes do estudo relataram sentir dor. Dentre esses, 10,72% sofriam de dor crônica, 1,68% experimentavam dor aguda e 46,25% enfrentavam episódios recorrentes de dor. A região mais comum para a ocorrência da dor foi à coluna lombar. É relevante destacar que 52,76% dos profissionais que vivenciavam dor relataram o uso de analgésicos. Além disso, aqueles que enfrentavam dor crônica ou recorrente apresentavam níveis significativamente mais elevados de depressão, ansiedade e estresse em comparação com aqueles que não relataram dor (Möckel et al., 2021).
Os estudos analisados convergem ao destacar os desafios enfrentados pelos profissionais do serviço pré-hospitalar móvel em diferentes cenários durante o período pandêmico. Ressalta-se a importância dos aspectos sociodemográficos e do contexto de trabalho à saúde dos profissionais, contribuindo assim para uma compreensão mais aprofundada das condições de trabalho e da saúde mental no SAMU do Brasil.
No entanto, é importante apontar algumas limitações relacionadas a essa pesquisa. Uma delas é o número de participantes, o que dificulta generalizações. A realização de uma investigação com a participação mais assídua dos trabalhadores do SAMU em todo território nacional poderia “capturar a representação do real na dimensão mais visível e compartilhada pela maioria dos trabalhadores (...), podendo representar em alguns contextos o discurso dominante, carregado de desejabilidade social” (Mendes & Ferreira, 2007, p. 125). Outra limitação é a veracidade nas respostas dos participantes, pois o uso de escalas quantitativas tende a subestimar, por vezes, o contexto de trabalho e riscos de adoecimento experienciados.
Sugere-se a realização de novas pesquisas que busquem transformar e compreender o trabalho do SAMU. Além disso, é importante realizar ações que explorem os diversos aspectos que envolvem as condições de trabalho no contexto da assistência pré-hospitalar móvel. Nesse sentido, intervenções baseadas na análise da atividade, utilizando métodos coanalíticos, são importantes, pois engajam tanto o indivíduo quanto o coletivo de profissionais no processo de (re)organização do trabalho.