SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número4Performance Avaliada pela Satisfação dos Stakeholders e Predita pela Cultura Organizacional índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.23 no.4 Brasília  2023  Epub 29-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2023.4.editorial 

Editorial

Processos de Mudança nas Organizações: Desafios e Impactos

Procesos de Cambio en las Organizaciones: Retos e Impactos

Roberto Moraes Cruz1 

Jairo Eduardo Borges-Andrade2 

Alexsandro Luiz De Andrade3 

Daniela Campos Bahia Moscon4 

Germano Gabriel Lima Esteves5 

João Viseu6 

Mª Inmaculada López Núñez7 

Mussa Abacar8 

Nádia Kienen9 

Sabrina Cavalcanti Barros10 

Janete Knapik11 

Simone Cassiano12 

Juliana B. Porto13 

1Editor-Chefe, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

2Editor Sênior, Universidade de Brasília (UnB), Brasil

3Editor Associado, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Brasil

4Editora Associada, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

5Editor Associado, Universidade de Rio Verde (UniRV), Brasil

6Editor Associado, Universidade de Évora, Portugal

7Editora Associada, Universidad Complutense de Madrid (UCM), Espanha

8Editor Associado, Universidade Rovuma (UniRovuma), Moçambique

9Editora Associada, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

10Editora Associada, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil

11Editora Júnior, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

12Editora Júnior, Universidade de Brasília (UnB), Brasil

13Presidente, Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT), Brasil


Heráclito de Éfeso (540-475 a.C.) não é um autor privilegiado nos estudos organizacionais e de gestão. Mas, certamente, suas contribuições filosóficas podem oferecer insights valiosos para a compreensão do papel da mudança nos ciclos de vida das pessoas e das organizações. Em fragmentos de sua obra "Sobre a Natureza", Heráclito destaca a transitoriedade das coisas, enfatizando que tudo está em constante fluxo e transformação: "Nada é permanente, exceto a mudança" (Kahn, 1979). Nessa perspectiva, a mudança parece ser inevitável, mesmo que sob fortes resistências, obstáculos ou tentativas de negação da sua inevitabilidade (Baloyannis, 2013).

Essa visão heraclitiana de um mundo em constante devir, no qual nada é permanente e tudo está em fluxo, pode ser particularmente relevante para a compreensão dos desafios enfrentados pelas organizações e seus gestores, em um ambiente cada vez mais dinâmico e imprevisível (Tsoukas & Chia, 2002). A compreensão acerca da inevitabilidade de processos mudança, seja na incorporação de novas tecnologias ou nas transformações socioeconômicas e culturais da sociedade, provocam a necessidade de aprender a desenvolver habilidades específicas, de adapta-se a novos cenários, nem sempre positivos, e de avaliar os seus impactos e consequências ao longo do tempo, na estrutura e nos processos organizacionais.

É possível afirmar que lidar com mudanças é uma imposição à espécie humana e às suas criações, como as organizações, por exemplo. Em decorrência disso, foram desenvolvidas, evolutivamente, três conjuntos de competências fundamentais, relacionadas a um conjunto extensivo de habilidades físicas, cognitivas e emocionais: 1) Adaptar-se ao ambiente e às suas variações, circunstâncias e desafios. Essa capacidade de adaptação é essencial para a sobrevivência e convivência em um mundo em constante transformação; 2) Adquirir, transmitir ou transferir conhecimentos, aprendizagens, hábitos, valores, crenças e padrões de comportamento. Essas competências, de forma conjunta, possibilitam aos seres humanos acumularem e compartilharem experiências, assim como construírem uma base sólida de conhecimentos para lidar com processos de mudança; 3) Antecipar ações, e suas possíveis consequências, antes mesmo que elas ocorram, para saber lidar com perigos, riscos desnecessários e mudanças no ambiente e nas interações com ele. Essa habilidade de previsão e de planejamento auxilia na qualidade da tomar decisões, tornandoas mais racionais e assertivas na preparação para a ação, na resolução de problemas e buscas de soluções antecipadas.

William James (1842/1910), filósofo e um dos principais pensadores da nascente ciência psicológica do final do século XIX e início do século XX, em sua obra clássica "A Pluralistic Universe" (James, 1909/2018), argumentava que o que realmente existe não são coisas feitas, mas coisas em construção. E que a realidade, tal como a percebemos cotidianamente, não é uma entidade singular e unificada, mas sim um universo plural composto de variadas perspectivas e experiências. De outra forma, Ilya Prigogine (1917-2003), ganhador do prêmio Nobel de Química em 1977, afirmava que o mundo é feito de possibilidades, algumas previsíveis, outras, não, seja do ponto considerando o processo evolutivo da espécie humana, as transformações na natureza, a dinâmica e os conflitos na sociedade ou, ainda, o comportamento individual.

As ideias de William James e Ilya Prigogine destacam que processos de mudança e transformações fazem parte da constituição e desenvolvimento das sociedades humanas e, portanto, influenciam o cotidiano, as percepções e experiências das pessoas. Cabem às organizações e suas lideranças compreenderem esse "motocontínuo", ou seja, a capacidade de gerar energia para agir com base na energia do próprio movimento, tendo em vista que a mudança é inerente à ação humana nas organizações e nas demais dimensões da vida. Alguns autores denominam esse movimento interno nas organizações de "capacidade organizacional para mudança" ou "capacidade de mudança organizacional" (Judge & Douglas, 2009; Soparnot, 2011; Supriharyanti, & Sukoco, 2023)

O processo de globalização das trocas econômicas e sociais, a transformação digital, a revolução das redes, a modelagem computacional e a inteligência artificial refletem processos de mudanças e incorporação de possibilidades recentes, em termos de história humana. Essas transformações permanecem tendo impactos profundos no modus operandi das trocas sociais, na estrutura e dinâmica das organizações e nas possibilidades do agir individual ou coletivo.

A globalização intensificou as interações econômicas e sociais em escala mundial, criando oportunidades e desafios. A transformação digital, com o avanço das tecnologias de informação e comunicação, permitiu a automação de processos, a coleta e análise de grandes volumes de dados e a criação de novos modelos de negócios. A revolução das redes sociais e de comunicação online modificou a forma como as pessoas se relacionam, compartilham informações e se organizam (Tsoukas & Chia, 2002). A modelagem computacional e a inteligência artificial possibilitaram a simulação de fenômenos complexos, a tomada de decisões baseada em dados e a automação de tarefas, antes realizadas apenas por humanos. Essas inovações tecnológicas têm provocado um profundo impacto na estrutura e dinâmica das organizações, exigindo adaptações em seus processos, modelos de gestão e formas de interação com clientes e empregados (Cruz et al., 2023)

Nesse contexto, saber lidar com processos de mudança, e suas consequências, é um desafio para todos os seres humanos, assim como para as organizações. Significa estar preparado para compreender a diversidade de ideias e perspectivas de resolução de problemas, aprender com as experiências passadas e, sempre que possível, prever cenários e novos desafios econômicos, tecnológicos e culturais a serem enfrentados. E, ainda, desenvolver estratégias e práticas gerenciais adotando estratégias que as tornem mais resilientes e flexíveis, capazes de se reinventar continuamente (Hanelt et al., 2020; Pettigrew, et al., 2001).

Um dos principais desafios a compreensão e gestão de processos de mudanças reside na cultura das organizações, incluindo suas práticas gerenciais, que influenciam diretamente a forma como as pessoas pensam, agem e se relacionam dentro do ambiente de trabalho. Em geral, organizações que sabem lidar com os desafios de mudar e aprender, preservando valores, crenças, normas, comportamentos e práticas nos ambientes de trabalho voltados à saúde, à segurança e integridade humana são reconhecidas como culturas organizacionais funcionais ou positivas. Nesse tipo de cultura, há um ambiente favorável ao impulsionamento do desempenho em relação a objetivos, ao aperfeiçoamento de habilidades, ao engajamento das equipes e à satisfação de profissionais e, por decorrência, dos seus clientes (Warrick, 2017; Wilderom et al., 2011).

Por outro lado, culturas organizacionais disfuncionais ou negativas tendem a manter um ambiente de trabalho insalubre, em termos de gestão dos processos de trabalho, e são refratárias à mudanças e inovações. Nesses casos, observam-se prejuízos na motivação, no engajamento, no rebaixamento da moral do grupo, na retenção de talentos e a atração de novos profissionais qualificados. Geralmente, culturas organizacionais disfuncionais apresentam altos índices de altos índices de rotatividade, de doenças ocupacionais e de passivos trabalhistas, devido a práticas inadequadas nas relações de trabalho (Balthazard et al., 2006; Van Fleet & Griffin, 2006).

É importante reconhecer que processos de mudança, mesmo que inicialmente desafiadores, têm o potencial de remodelar não apenas a forma como as organizações operam, mas também como as pessoas vivem e interagem. Aprender com as consequências dessas mudanças é fundamental para o desenvolvimento das organizações. Mudanças mais ou menos disruptivas podem desencadear ciclos ou processos de transição em resposta às alterações no ambiente, tanto para as pessoas quanto para as organizações. É crucial que esses processos de transição sejam compatíveis com a capacidade real de mudança de cada indivíduo e organização. Para profissionais, disrupções podem significar a necessidade de adquirir novas habilidades, ajustar suas expectativas e estar abertas a novas formas de pensar e agir. Isso pode exigir um processo de adaptação emocional e cognitiva, já que as mudanças nem sempre são fáceis ou confortáveis.

Referências

Baloyannis, S. J. (2013). The philosophy of Heracletus today. Encephalos, 50(1), 1-21. https://ikee.lib.auth.gr/record/263633/files/Heracletos.pdfLinks ]

Balthazard, P. A., Cooke, R. A., & Potter, R. E. (2006). Dysfunctional culture, dysfunctional organization: Capturing the behavioral norms that form organizational culture and drive performance. Journal of Managerial Psychology, 21(8), 709-732. https://doi.org/10.1108/02683940610713253Links ]

Cruz, R. M., Borges-Andrade, J. E., De Andrade, A. L., Moscon, D. C. B., Esteves, G. G. L., Viseu, J., López-Nuñez, M. I., Abacar, M., Kienen, N., Barros, S. C., Knapik, J., Cassiano, S., & Porto, J. B. (2023). Transformação Digital e Flexibilização do Trabalho. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 23(3), I-III. https://doi.org/10.5935/rpot/2023.3.editorialLinks ]

Hanelt, A., Bohnsack, R., Marz, D., & Antunes Marante, C. (2021). A systematic review of the literature on digital transformation: Insights and implications for strategy and organizational change. Journal of management studies, 58(5), 1159-1197. https://doi.org/10.1111/joms.12639Links ]

James, W. (1909/2018). A Pluralistic Universe. Literary Licensing. [ Links ]

Judge, W., & Douglas, T. (2009). Organizational change capacity: the systematic development of a scale. Journal of Organizational Change Management, 22(6), 635-649. https://doi.org/10.1108/09534810910997041Links ]

Kahn, C. H. (1979). The Art and Thought of Heraclitus: An Edition of the Fragments with Translation and Commentary. Cambridge University Press. [ Links ]

Pettigrew, A. M., Woodman, R. W., & Cameron, K. S. (2001). Studying organizational change and development: Challenges for future research. Academy of management journal, 44(4), 697-713. https://doi.org/10.5465/3069411Links ]

Prigogine, I. (2000). The future is not given, in society or nature. New Perspectives Quarterly, 17, 35. https://doi.org/10.1111/0893-7850.00262Links ]

Soparnot, R. (2011). The concept of organizational change capacity. Journal of Organizational Change Management, 24(5), 640-661. https://doi.org/10.1108/09534811111158903Links ]

Supriharyanti, E., & Sukoco, B. M. (2023). Organizational change capability: a systematic review and future research directions. Management Research Review, 46(1), 46-81. https://doi.org/10.1108/MRR-01-2021-0039Links ]

Tsoukas, H., & Chia, R. (2002). On organizational becoming: Rethinking organizational change. Organization Science, 13(5), 567-582. https://doi.org/10.1287/orsc.13.5.567.7810Links ]

Van Fleet, D. D., & Griffin, R. W. (2006). Dysfunctional organization culture: The role of leadership in motivating dysfunctional work behaviors. Journal of Managerial Psychology, 21(8), 698-708. https://doi.org/10.1108/02683940610713244Links ]

Warrick, D. D. (2017). What leaders need to know about organizational culture. Business Horizons, 60(3), 395-404. https://doi.org/10.1016/j.bushor.2017.01.011Links ]

Wilderom, C. P., Härtel, C. E., Ashkanasy, N. M., Vacharkulksemsuk, T., Sekerka, L. E., Fredrickson, B. L., & Frese, M. (2011). Toward positive work cultures and climates. In N. M. Ashkanasy, C. P. Wilderom, & M. F. Peterson (Eds.), Handbook of organizational culture and climate (pp 79-84). Sage. [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.