A Indústria 4.0, também conhecida como a Quarta Revolução Industrial, é um advento do avançado desenvolvimento de tecnologias (Arbix et al., 2017) e consiste em uma nova etapa dos sistemas produtivos (Frank et al., 2019). Internet das coisas, big data, inteligência artificial e computação em nuvem são as tecnologias de base deste modelo industrial (Meindl et al., 2021), cuja implementação tem como propósito aumentar a eficiência, a produtividade, a flexibilidade operacional e a transparência na cadeia produtiva (Mahmood & Mubarik, 2020; Wang et al., 2020).
Essa revolução está ganhando destaque na academia devido às transformações expressivas nos sistemas de fabricação. A exemplo disso, o fluxo operacional da fábrica 4.0 sincroniza-se em tempo real com todo ciclo de vida do produto e com as mais diversas atividades laborais (Dalenogare et al., 2018) estabelecendo a interconexão entre as realidades física e cibernética (Tortorella et al., 2023). Essas transformações englobam aspectos técnicos, como máquinas e processos; mas não estão limitadas a isso, tendo em vista que impactam diretamente a maneira como as pessoas realizam o seu trabalho (de Assis Dornelles et al., 2022).
Nesse sentido, Kipper et al. (2020) identificaram o tema fatores humanos como central para efetivar a transformação digital rumo à Indústria 4.0. Esses autores justificam a relevância desse tema pontuando a necessidade de as organizações desenvolverem talentos com foco no uso de novas tecnologias digitais. Kipper et al. (2021) corroboram essa perspectiva propondo um conjunto abrangente de competências que devem ser desenvolvidas na educação profissional. Além disso, o trabalhador do futuro precisa ter conhecimentos e habilidades para resolver problemas complexos (Castellacci & Natera, 2013). É fundamental que ele esteja inserido em um processo de aprendizagem contínua, flexível e, ao mesmo tempo, criativa (Rodríguez & Wilkie, 2019).
A elasticidade psíquica e a resiliência dos trabalhadores permitem que informações obsoletas sejam transformadas em novas ideias (Daou et al., 2019; Mubarik et al., 2021). Elementos operacionais, técnicos e subjetivos podem ser instrumentalizados por meio da Educação Corporativa (Cabral et al., 2021), definida como um processo de aprendizagem individual, coletivo e contínuo consolidado na organização, alinhado ao modelo estratégico, que viabiliza formas variadas de desenvolvimento humano e melhores oportunidades para a empresa (Meister, 1999) e para o trabalhador. O desenvolvimento teórico e prático desse conceito recebeu maior atenção nos Estados Unidos, na década de 50. Isso ocorreu a partir do aparecimento das primeiras tecnologias de informática e comunicação no ambiente empresarial, fator que demandou readequação laboral (Meister, 1999).
Muitos anos se passaram desde as primeiras teorizações acerca da Educação Corporativa. Pesquisadores como Tortorella et al. (2023), que conduziram um estudo sobre mitos e fatos sobre a Indústria 4.0, mencionam a necessidade de uma formação profissional diferente; por exemplo, para desenvolver habilidades alinhadas com pensamento crítico e análise de dados. No entanto, a operacionalização da educação corporativa para a Indústria 4.0 ainda carece de entendimento. Essa lacuna é acentuada pela identificação do incipiente desenvolvimento de pesquisas sobre gestão de pessoas e recursos humanos alinhadas ao contexto da Indústria 4.0, bem como pela sugestão de investimento em esforços nessa área (Kipper et al., 2020; Kipper et al., 2021). Com isso em vista, o problema desse estudo concentra-se na seguinte pergunta de pesquisa: como a produção científica indexada demonstra a relação entre Indústria 4.0 e Educação Corporativa e como esse campo foi desenvolvido nos últimos dez anos? Um levantamento preliminar de artigos de Psicologia foi realizado a fim de nos aproximarmos do campo de investigação. Os dados localizados nas bases de dados Scopus e Web of Science revelaram a ausência de revisões de literatura científica sobre a Educação Corporativa diretamente relacionada à Indústria 4.0 e suas derivações.
A ausência de estudos com esse recorte, assim como os achados de Tortorella et al. (2023), Kipper et al. (2020) e Kipper et al. (2021), destacam a necessidade de identificar tópicos sobre os quais pesquisadores estão focados e, além disso, identificar lacunas de pesquisa relacionadas com a Educação Corporativa enquanto estratégia fundamental para auxiliar o colaborador a estar pleno no seu processo de trabalho. Sendo assim, o objetivo deste estudo consiste em contextualizar a formação profissional qualificada para a Indústria 4.0. Como objetivos específicos, apresentam-se os seguintes: i) identificar as habilidades e competências exigidas pela Indústria 4.0; ii) identificar estratégias para (re)qualificação de profissionais para a Indústria 4.0 no âmbito da Educação Corporativa. A metodologia adotada foi uma revisão sistemática da literatura e análise de redes apoiada pelo software SciMAT.
Esse artigo está estruturado da seguinte forma: a metodologia apresenta o passo a passo adotado para compor essa pesquisa, abrangendo aspectos relacionados à coleta, tratamento e gerenciamento dos dados que compõem as análises; a seção dos resultados apresenta os principais achados deste estudo, para isso, foi subdividida em quatro eixos, são eles: i) Indústria 4.0; ii) Habilidades e Competências; iii) Educação; e iv) Estratégias para (re)qualificação; na sequência, a relação entre Educação Corporativa no contexto de Indústria 4.0 é discutida com base na literatura analisada; e por fim, as considerações finais apresentam possibilidades de direcionamentos futuros e limitações deste estudo.
Método
Para alcançar os objetivos, uma revisão sistemática da literatura (RSL) baseada no protocolo PRISMA - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Moher et al., 2009) e uma análise de redes suportada pelo software SciMAT (Cobo et al., 2012) foram realizadas. De acordo com os criadores do PRISMA, uma RSL é conceituada como método baseado na evidência capaz de sintetizar o conhecimento produzido ao longo dos anos e identificar lacunas de pesquisa. A análise de redes foi utilizada para avaliar as relações entre subtemas, evidenciando indicadores da produção de conhecimento (Cobo et al., 2013).
Procedimentos para Coleta de Dados
A amostra geral que integra esse estudo envolveu um levantamento bibliográfico. A Tabela 1 apresenta a sequência de pesquisa aplicada. As bases de dados Scopus e Web of Science (WOS) foram escolhidas para rastrear os documentos, pois ambas abrangem publicações reconhecidas pela comunidade científica como de maior nível de qualidade (Mongeon & Paul-Hus, 2016).
Tabela 1 Rastreamento de documentos
| String de busca | Scopus | WOS |
|---|---|---|
| (("Corporate Education" OR "Business Education" OR "continuing education" OR "lifelong learning") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 0 | 0 |
| (("Personal Training" OR "Staff Training" OR "Human Training") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 0 | 0 |
| (("Personal Development" OR "Staff Development" OR "Human Development") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 1 | 0 |
| (("Personal improvement" OR "Staff Improvement" OR "Human Improvement") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 0 | 0 |
| (("Human Resources" OR "Human Capital" OR "Human Training" OR "Human Performance") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 15 | 2 |
| (("Skill" OR "competencies") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 27 | 3 |
| (("People Management" OR "Management by Competences") AND ("industr* 4.0" OR "four* industrial* revolution*" OR "4* industrial* revolution*" OR "smart* manufactur*" OR "smart* production*" OR "smart* factor*")) | 0 | 0 |
Nota. Busca realizada pelos autores em 21 de fevereiro de 2022.
A utilização do protocolo PRISMA garante qualidade e transparência em relação ao passo a passo adotado para elaboração desta RSL (Moher et al., 2009). A Figura 1 apresenta as etapas utilizadas e os resultados.

Nota. realizado pelos autores com base no PRISMA (Moher et al., 2009).
Figura 1 Fluxograma da sistemática aplicada na coleta e tratamento dos dados
No total, 48 documentos foram rastreados. O tratamento desse conjunto de dados resultou na exclusão de nove artigos duplicados. A seleção desse conjunto (39) ocorreu mediante leitura do título, resumo e palavras-chave, cujos dados foram tabulados para posterior análise. Essa etapa resultou na exclusão de nove artigos fora da temática, pois não apresentavam relação com os objetivos desta revisão. Uma segunda análise foi realizada sobre os 30 artigos, considerando os procedimentos metodológicos adotados pelos autores e resultou na exclusão de sete documentos (um artigo de opinião, duas revisões sistemáticas e quatro que não apresentam a seção procedimentos metodológicos). Após leitura na íntegra, um estudo foi excluído por não se enquadrar no escopo desta pesquisa.
No total, 22 artigos foram classificados como elegíveis, os quais foram lidos na íntegra novamente e incluídos na análise de redes. As etapas de rastreamento e avaliação da elegibilidade foram realizadas de forma independente por dois pesquisadores. A subseção a seguir apresenta detalhes do tratamento de dados realizado para análise de redes.
Análise de Redes
A realização de uma análise de redes contribui para identificar a estrutura conceitual do campo em estudo (Sott et al., 2020). Somente os 22 artigos identificados através do PRISMA foram incluídos nessa etapa. O software SciMAT foi escolhido por ser gratuito e porque permite que o pesquisador gerencie os dados de forma robusta.
Para essa pesquisa, inicialmente, identificou-se que nos 22 artigos eram apresentadas 97 palavras-chave atreladas a eles. Foram excluídos termos que indicam metodologias ou territórios, tais como survey, pesquisa quantitativa, África do Sul, Malásia. Foram agrupadas palavras com o mesmo significado, como, por exemplo: Indústria 4.0, Quarta Revolução Industrial e Fábrica Inteligente. Como resultado, 68 palavras foram direcionadas para construção das análises de redes.
Para gerar as redes (clusters), as seguintes configurações do SciMAT foram aplicadas:
unidade de análise: palavras-chave do autor;
tipo de rede: coocorrência
medida de normalização: índice de equivalência;
não foi aplicada redução de frequência e redução de rede;
o parâmetro de agrupamento de palavras aplicado foi de no máximo 15 e no mínimo 2, a fim de evidenciar as principais conexões.
Resultados
Indústria 4.0
A análise de redes indica os principais temas desenvolvidos no campo da Indústria 4.0 e as correlações conceituais estabelecidas entre eles. Essa análise considera o número de palavras-chave compartilhadas entre os clusters. Ou seja, quanto mais intensa for a espessura das linhas sólidas, maior será a conexão entre os temas (Cobo et al., 2012).
O tema Indústria 4.0, localizado no centro da rede (Figura 2), está interligado com 14 subtemas. O surgimento desse conceito ocorreu em 2011, na Alemanha, a partir de uma iniciativa privada, cujo objetivo foi obter maior transparência, qualidade, eficácia e eficiência nos processos produtivos (Wang et al., 2020). A Organização das Nações Unidas, em 2017, conceitua a Indústria 4.0 como uma tendência do setor manufatureiro, cujo pilar é a integração de tecnologias que viabilizam a implementação de ecossistemas inteligentes e autônomos (Kipper et al., 2020).
Para compreender de que forma a Indústria 4.0 está se constituindo, é necessário resgatar alguns elementos das fases que a precedem. A primeira revolução industrial, no final do século XVIII até o início do século XIX, foi marcada pelo êxodo rural e o surgimento das cidades, destacando-se pela introdução da máquina a vapor, especialização do trabalho e industrialização. Na segunda revolução industrial, na segunda metade do século XIX, a esteira impunha ao trabalhador o ritmo de produção, resultando em tarefas repetitivas em larga escala (Firmino et al., 2020). A terceira revolução industrial foi marcada por avanços na automação, microeletrônica e tecnologias da informação, além da integração do computador em atividades repetitivas de escritório, gestão, controle de qualidade e tomada de decisões (Samanes & Clares, 2018).
O aprimoramento das tecnologias existentes na terceira fase da industrialização resultou na quarta fase, a Indústria 4.0, período atual que é marcado por uma cadeia produtiva complexa (Frank et al., 2019) e pela consequente demanda de profissionais qualificados (Kipper et al., 2021). Para fins de contextualização, considere-se essa complexidade como intrinsecamente relacionada com a interconectividade entre as realidades física e digital (Tortorella et al., 2023). A incorporação de tecnologias digitais exige a compreensão dos trabalhadores sobre o seu manuseio, para que sejam integradas às suas rotinas de maneira que consigam lidar com os desafios dessa complexidade. Além disso, incorporar essas tecnologias, muitas vezes, altera a natureza das tarefas; como quando falhas em máquinas passam a ser corrigidas virtualmente, através da coleta e processamento em tempo real dos dados da produção, demandando uma comunicação digital entre operadores.
As transições nos modos como a indústria vem se desenvolvendo ao longo dos anos ocorrem por meio de iniciativas inovadoras. A inovação está em evidência nas redes, visto que é o cluster de maior amplitude. A inovação é definida como a criação de ideias a partir da utilização de habilidades voltadas para transformação de recursos disponíveis, gerando resultados benéficos para o meio (Gondim, 2019). No contexto da Quarta Revolução Industrial, a inovação se tornou um marco tendo em vista que tecnologias antigas evoluíram para versões mais funcionais (Tinmaz & Lee, 2019). Novos recursos tecnológicos digitais surgiram, potencializando a performance empresarial (Bag et al., 2021; Wang et al., 2020). Pela primeira vez na história, aspectos físicos (máquinas), digitais (internet) e biológicos (pessoas) estão interconectados, revolucionando o modo como a organização interage com seus clientes, trabalhadores e fornecedores (González & Calderón, 2018). Para lidar com esse cenário, a ambidestria empresarial foi identificada por meio dessa revisão e se destaca na rede conceitual da Indústria 4.0, juntamente com os subtemas capacidade de absorção e capital intelectual. Essas correlações revelam a necessidade de gestores manterem-se competitivos e, ao mesmo tempo, buscar melhorias contínuas e inovadoras (Mahmood & Mubarik, 2020) que abrangem, simultaneamente, fatores tecnológicos e humanos. Nesse sentido, atenta-se para o modo como as tecnologias impactam as pessoas, requerendo novos conhecimentos, habilidades e atitudes (Kipper et al., 2021).
Habilidades e Competências
Tradicionalmente, a Gestão de Pessoas tinha como base o conhecimento especializado para executar uma tarefa específica (Chiavenato, 2008). Esse viés tornou-se obsoleto no contexto da Indústria 4.0, dando espaço para o modelo de Gestão por Competências, indicado como mais adequado para esse modelo de produção, pois baseia-se na identificação de pontos de excelência e oportunidades de melhorias nos perfis profissionais (Imran & Kantola, 2018). Esses aspectos introduzem novos ritmos de trabalho para a Educação Corporativa, baseados na aplicação de esforços para melhoria contínua do capital humano.
A Figura 3 apresenta o tema habilidades, localizado no centro da estrutura conceitual, que está interligado com seis subtemas. A triangulação com era digital e com prontidão para o trabalho é a habilidade mais expressiva. Para compreendê-la, na literatura se aponta que a era digital produz a necessidade cada vez maior de competências e habilidades técnicas alinhadas ao novo cenário de produção (Hernandezde-Menendez et al., 2020; Srivastava et al., 2022), composto, por exemplo, por robôs e operadores humanos trabalhando lado a lado, sensores rastreando suprimentos e monitorando desempenho de máquinas. A competência humana ou profissional é definida como a combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes exercidas dentro de uma dada realidade (Srivastava et al., 2022). Um colaborador hábil é aquele que sabe aplicar o seu conhecimento de forma flexível, produzindo um resultado satisfatório para a empresa. Com base nesses aspectos, a centralidade deste tema pode ser explicada pela emergente demanda, na era digital, por habilidades específicas que capacitam a interação eficaz entre seres humanos e tecnologias.
Ademais, pesquisadores que discutem a maturidade das empresas para implementação da Indústria 4.0 apontam a prontidão para o trabalho como aspecto a ser observado, pois relaciona-se diretamente com a mão de obra qualificada (Peña-Jimenez et al., 2021; Schweinsberg et al., 2021; Tinmaz & Lee, 2019). Nesse sentido, o trabalhador do futuro precisa estar atento para as novas competências exigidas pelo mercado (Kipper et al., 2020). Ele deverá ter habilidades, por exemplo, para executar tarefas em colaboração com robôs, administrar diferentes demandas ao mesmo tempo, trabalhar com equipes diversas, adaptar-se a mudanças (Martínez-González et al., 2019) e compreender a interdisciplinaridade presente na operação de sistemas digitais, produção, automatização, fluxo de informações e de negócios (González & Calderón, 2018).
Nessa revisão também se constatou que habilidades técnicas, baseadas no pensamento digital e domínio tecnológico, são o foco da Indústria 4.0. Essas aptidões são exigidas integralmente com as seguintes habilidades comportamentais: gestão, liderança, comunicação, inovação, resolução de problemas, inteligência emocional, colaboração, estrategismo, criatividade, autodesenvolvimento e aprendizagem ativa, adaptabilidade, padronização, integração, gerenciamento de tempo e análise de dados (Kipper et al., 2021; Peña-Jimenez et al., 2021; Plawgo & Ertman, 2021; Zhanna & Nataliia, 2020). Competências como conhecimento, criatividade, pensamento fora da caixa, inteligência emocional e estratégias de comunicação (Cotet et al., 2020) são diferenciais em termos de competitividade no mercado de trabalho (Tinmaz & Jin, 2019), e tem levado as organizações a investirem no intelecto do seu capital humano para, com isso, alcançarem melhores resultados e criarem uma cultura de qualificação contínua (Manuti & Monachino, 2020).
Educação
O desenvolvimento tecnológico acelerado gerou habilidade incompatível para o mercado de trabalho (Figura 3). Instituições de Ensino de países desenvolvidos apresentam maior aptidão para lidar com a tecnologização e seus efeitos. Em contrapartida, regiões mais vulneráveis economicamente são incentivadas a reproduzirem seus modelos de currículo orientados para educação e tecnologia (Alam et al., 2020) (Figura 2). Quando observados os métodos de ensino aplicados em instituições de ensino superior, localizadas em território em desenvolvimento, uma abordagem centrada no professor foi identificada (Sikhakhane et al., 2020). De acordo com esses autores, a análise da pedagogia aplicada evidenciou fragilidades no que tange o desempenho ativo de acadêmicos, aspecto que remete à produção de capital humano mal preparado para enfrentar os desafios da Indústria 4.0.
Seguindo nessa perspectiva de interdependência entre educação e desenvolvimento (Figura 2) para Indústria 4.0, os estudos de Alam et al. (2020) e de Bag et al. (2021) situam esses temas a partir dos seguintes aspectos:
a união entre educação e indústria contribui para modernização de ambos os tipos de países;
regiões em desenvolvimento estão apresentando melhorias lentamente, o que diminui as lacunas que distanciam essas duas realidades;
países desenvolvidos produzem profissionais qualificados para indústria 4.0;
para países em desenvolvimento, a produção ainda depende de profissionais pouco qualificados.
Nesse sentido, o ensino superior, para qualificar pessoas com os conhecimentos necessários para a Indústria 4.0, precisa acompanhar o desenvolvimento tecnológico (Teixeira et al., 2021). Na medida em que essas instituições interagem com iniciativas inovadoras da indústria, aos futuros profissionais são apresentadas abordagens mais realistas, alinhadas com o mercado. Como exemplos de aplicação desses princípios, esses autores citam os seguintes:
a educação precisa formar líderes aptos para tomar decisões assertivas em relação a adesão e aplicação de tecnologias que beneficiem a indústria;
operadores precisam receber treinamento que viabilize a máxima extração daquilo que as tecnologias oferecem;
gestores precisam apresentar capacidade analítica para avaliar a maturidade da empresa no que se refere à combinação de novas tecnologias àquelas que já são utilizadas.
O profissional, por meio do ingresso em instituições de ensino superior, inicia a sua preparação para inserção no mercado de trabalho. Essas instituições proporcionam uma parte das ferramentas necessárias para o desempenho de diferentes funções, outra parte é implementada através da experiência de trabalho (Teixeira et al., 2021). Nesse sentido, torna-se necessário conceituar esses dois momentos: a primeira etapa descrita pelos autores refere-se à Educação Profissionalizante e a segunda relaciona-se com a Educação Corporativa que surge enquanto possibilidade para operacionalizar as necessidades de as empresas disporem de profissionais aptos para enfrentar problemas de modo que consigam resolvê-los (Cabral et al., 2021).
Estratégias para Re(Qualificação)
Na transição para a Indústria 4.0, a estratégia investir em capital intelectual se destaca pois considera o desenvolvimento humano como um elo que fortalece a relação entre inovação e tecnologia (Hu, 2021). Argumentos de diversos autores sustentam a relevância dessa estratégia, enfatizando que ela não apenas impulsiona a absorção de tecnologias, mas também potencializa a criação de valor no desempenho da empresa (Gu et al., 2021; Li et al., 2021; Hu, 2021; Manuti & Monachino, 2020; Wang, 2020). Em paralelo ao investimento em capital intelectual, a estratégia proposta por Manuti e Monachino (2020) e Cossul et al. (2023) inclui o uso de inteligência artificial para fazer a gestão do conhecimento. Recomendações como monitoramento do aprendizado e análise preditiva são destacadas, assim como a utilização de chatbots.
O investimento em capital intelectual engloba uma diversidade de ações cuja natureza é transversal. Essa transversalidade relaciona-se com as oportunidades para operacionalização da Educação Corporativa para a Indústria 4.0, que compreende outras seis estratégias identificadas nesse estudo. São elas:
metodologias de ensino-aprendizagem centradas em plataformas on-line, tais como ambientes virtuais de aprendizagem (Azevedo & Almeida, 2021; Goglio & Bertolini, 2021; González e Calderón, 2018),
metodologias ativas de aprendizagem mediadas por aplicativos móveis e pesquisas na internet (Ghani & Muhammad, 2019), plataformas de mídia social corporativa (Ghani & Muhammad, 2019; Sikhakhane et al., 2020),
simulação (Ghani & Muhammad, 2019; González & Calderón, 2018),
realidade virtual (Cotet et al., 2020) e
parcerias entre empresas e universidades (Ghani & Muhammad, 2019; Sikhakhane et al., 2020; Teixeira et al., 2021; Tinmaz & Lee, 2019; Zhanna & Nataliia, 2020).
Azevedo & Almeida (2021) responderam à necessidade de preparar os trabalhadores para a transformação digital desenvolvendo um ambiente virtual de aprendizagem baseado em estudo autodirigido e atividades expositivas assíncronas. Esse recurso é direcionado para o desenvolvimento de conhecimentos abrangentes sobre a Indústria 4.0, incluindo maturidade digital, fábricas inteligentes, flexibilidade na produção e suporte de tecnologias na tomada de decisão. De maneira complementar, González e Calderón (2018) propõem a ferramenta Supervisory Control and Data Acquisition para desenvolver competências para tarefas específicas nas áreas de automação, supervisão, robótica, recuperação de dados, comunicações, integração de sistemas, sensores e atuadores.
Goglio e Bertolini (2021) e Ghani e Muhammad (2019) destacam a necessidade de um planejamento interno detalhado e acompanhamento contínuo do desenvolvimento dos trabalhadores, por parte das equipes de Recursos Humanos e Desenvolvimento Humano, para lidar com os desafios da transformação digital. Essa recomendação surge a partir de análises sobre o uso de plataformas digitais livres, como os MOOCs (Massive Online Open Courses) que revelaram que a adoção dessa estratégia (uso de plataformas on-line) pode aumentar o risco de transferência da responsabilidade de treinamento para os trabalhadores, o que pode resultar em níveis de qualificação abaixo do esperado.
Ghani e Muhammad (2019) propõem a integração de metodologias ativas com uso de aplicativos para dispositivos móveis, como ClassDojo e Nearpod, e realização de pesquisas na internet durante o treinamento. O recorte do estudo desses autores considerou a aquisição de conhecimentos e habilidades em tecnologia da informação, a resolução de problemas e a aplicação prática do aprendizado. De forma correlata, é sugerido o uso de plataformas de mídia social corporativa para promover uma interação mais fluida entre diferentes atores da indústria, o que estimula a comunicação e colaboração (Sikhakhane et al., 2020).
As oportunidades para operacionalizar a Educação Corporativa na Indústria 4.0, com o uso de tecnologias avançadas deste modelo, também são reveladas por meio desta revisão. Para exemplificar, considere o seguinte cenário criado com base em González e Calderón (2018) e em Cotet et al. (2020): uma empresa visa incorporar um sistema de manufatura flexível para ampliar a variedade de produtos e melhorar a sua eficiência. Para preparar os colaboradores para essa transição, a simulação pode ser utilizada como ferramenta de treinamento, antes mesmo da implementação do sistema no ambiente real do chão de fábrica. Essa simulação proporciona uma experiência virtual interativa, na qual os trabalhadores se familiarizam com a futura realidade do ambiente de trabalho. Durante esse treinamento, são desenvolvidas as habilidades específicas necessárias para lidar com situações reais da cadeia produtiva, que pode envolver mudanças na natureza das tarefas. Além disso, de forma complementar à simulação, a realidade virtual pode ser empregada, por exemplo, para simular estudos de caso baseados em falhas operacionais críticas. A utilização da realidade virtual também possibilita a colaboração em equipe, permitindo que membros distribuídos em espaços geográficos diferentes compartilhem ideias sobre um mesmo cenário, analisando-o virtualmente ao mesmo tempo.
Para avançar de forma sustentável rumo à Indústria 4.0, pesquisadores alertam sobre a importância da integração entre empresas e universidades. Essa estratégia visa possibilitar que as empresas informem e atualizem as universidades sobre as competências necessárias, assegurando assim que as instituições de ensino estejam alinhadas com as demandas do mercado (Ghani & Muhammad, 2019; Sikhakhane et al., 2020; Teixeira et al., 2021; Tinmaz & Lee, 2019; Zhanna & Nataliia, 2020).
Discussão
A relação entre EC no contexto de Indústria 4.0 aparece através de estudos que abordam os subtemas: (a) desenvolvimento humano, (b) desenvolvimento de equipes, (c) desenvolvimento de pessoas, (d) recursos humanos e (e) capital humano. Na maior parte dos artigos, dentre os 22 localizados, são abordados os subtemas habilidades e competências, enfatizando a emergente modificação do perfil profissional. Nesse contexto, a literatura analisada destaca oportunidades para a operacionalização da Educação Corporativa, por exemplo, por meio de simulação e realidade virtual (Cotet et al., 2020; Ghani & Muhammad, 2019; González & Calderón, 2018;). As demais oportunidades identificadas, assim como essas, têm uma natureza predominantemente digital, o que é compreensível, considerando que a Indústria 4.0 surge a partir do avanço tecnológico. Outro aspecto observado é que as estratégias identificadas se alinham com os resultados obtidos acerca das competências, as quais giram em torno de pensamentos e comportamentos orientados para o digital.
Nesse contexto, cabe destacar que a jornada da transformação digital em direção à Indústria 4.0 também é marcada por desafios, os quais foram revelados por meio desta revisão. As estruturas conceituais apresentadas na Figura 2 e na Figura 3, servem de base para essa análise. Quando observadas, os temas retornar para o mercado de trabalho, habilidade incompatível e ensino superior e empregabilidade apresentam-se desconectados dos conceitos principais, o que revela uma certa fragilidade no campo. Nesse sentido, a diminuição do número de funcionários, o desemprego, novos cargos de trabalho e novos perfis são alguns desafios relacionados com a transição para a Indústria 4.0 (Chunthasiri et al., 2021; Ghani & Muhammad, 2019; Goglio & Bertolini, 2021; Zhanna & Nataliia, 2020).
Para entender melhor esse desafio, considere-se, por exemplo, a introdução de automação e robôs nas fábricas. À medida que essas tecnologias realizam tarefas repetitivas, os trabalhos são reorganizados, o que pode afetar ou não o (des)emprego. Para lidar com isso, pesquisadores sugerem que a Educação Corporativa se alinhe sinergicamente com a Educação Profissionalizante, ou seja, com as universidades. Essas duas frentes de atuação educacional podem atuar compartilhando suas necessidades: empresas podem lançar luz sobre as competências emergentes (Tinmaz & Lee, 2019) e as universidades podem ter insights sobre como modernizar abordagens de treinamento e desenvolvimento (Azevedo & Almeida, 2021; González & Calderón, 2018). Essa colaboração não apenas ajuda a lidar com as mudanças tecnológicas, mas também serve como uma medida preventiva em relação ao desemprego, preparando a força de trabalho, desde a formação superior, para os desafios que vão encontrar no mercado de trabalho.
Quando observadas as abordagens pedagógicas utilizadas em países em desenvolvimento, pesquisadores revelaram que métodos antigos centrados no professor continuam predominantes e recomendam esforços em pesquisas com foco nas mudanças pedagógicas alinhadas com a digitalização (Alam et al., 2020; Sikhakhane et al., 2020). Além disso, autores alertam sobre o uso escasso de aparelhos tecnológicos e para reprodução cega de modelos pedagógicos transmitidos de nações mais ricas para as menos privilegiadas em termos econômicos (Alam et al., 2020; Bag et al., 2021). Não foram localizadas menções acerca da relação entre educação e Indústria 4.0 com dados de países pobres.
A eficiência da educação mediada por meio da tecnologia é problematizada por Goglio e Bertolin (2021). Estes autores reconhecem a importância do uso de MOOCs como medida viável para ampliar habilidades gerais e/ou específicas, contudo, alertam para o risco de as empresas tornarem o trabalhador como único responsável pelo seu processo de requalificação. Também salientam para os itens de certificação, declaração de aproveitamento e de conclusão de cursos como aspectos fundamentais para analistas de recursos humanos assegurarem a qualidade do conhecimento e aptidões desenvolvidas através destes recursos.
A prática de aprendizagem ao longo da vida (life long learning) no contexto corporativo 4.0, a adequação de conteúdos educativos aos novos requisitos emergentes, bem como o papel do educador corporativo, são tópicos discutidos de forma insuficiente na literatura analisada. Uma menção à adequação de conteúdo é realizada dentro do campo de engenharias e destinada ao desenvolvimento de competências, tais como padronização e análise de dados. No entanto, entende-se que essa referência é muito específica e por isso, não pode ser generalizada para outras áreas do conhecimento. No que tange a busca quantitativa realizada, nenhum artigo foi localizado a partir da correlação entre os termos Educação Corporativa e Indústria 4.0, aspecto que fortalece a constatação de que esse é o primeiro artigo de Psicologia dedicado ao desenvolvimento da correção destes conceitos.
Dentre os 22 artigos localizados nessa revisão sistemática, nenhum menciona diretamente o conceito Educação Corporativa. Uma equivalência é abordada por Martínez-González et al. (2019), em cujo estudo se objetiva analisar as competências necessárias ao analista de recursos humanos na atualidade. De acordo com as autoras, a comunicação transparente e motivadora, o trabalho em equipe com grupos multifuncionais e a liderança transformadora são as principais competências que os profissionais desse setor devem possuir para atuar na Indústria 4.0. Além disso, Cotet et al. (2020) pontuam que o educador corporativo atua como facilitador, apoiando trabalhos em grupo. Esses autores lançam luz sobre o modo como o educador corporativo deve atuar na Quarta Revolução Industrial. No entanto, entende-se que esse assunto requer pesquisas adicionais.
Considerações Finais
A proposta desse estudo surgiu a partir da identificação da incipiente produção de conhecimento que busca compreender a relação entre Indústria 4.0 e Educação Corporativa. Com isso em vista, esse artigo buscou contextualizar a formação de mão de obra qualificada para a Indústria 4.0 a partir de uma revisão sistemática da literatura e análise de redes (estruturas conceituais).
Um resgate conceitual e contextual acerca da Indústria 4.0, de suas derivações, dos principais marcadores tecnológicos presentes na cadeia produtiva e das implicações relacionados aos fatores humanos demonstrou que a Educação Corporativa cumpre papel estratégico nas empresas desenvolvendo e aprimorando competências laborais. Por meio dos resultados, apontam-se as habilidades e competências exigidas por ambientes altamente tecnológicos, dentre as quais, destacam-se: a colaboração com robôs, o pensamento digital, a adaptabilidade frente às mudanças e a criatividade. Os temas prontidão para o trabalho e habilidades incompatíveis com a era digital são discutidos em profundidade. Além disso, foram identificadas estratégias para a (re)qualificação de profissionais que consistem em oportunidades para operacionalizar a Educação Corporativa utilizando inteligência artificial, realidade virtual, simulação, aplicativos móveis, plataformas pedagógicas online e mídias sociais. O desenvolvimento do capital intelectual consiste em uma estratégia transversal às mencionadas. Ainda, as parcerias entre empresas e universidades compreendem benefícios para manter ambas as partes atualizadas. As empresas se beneficiam ao terem acesso ao conhecimento acadêmico e às últimas pesquisas, enquanto as universidades podem adaptar seus currículos e programas de estudo para atender às necessidades reais do mercado. Com isso em vista, compreende-se que métodos antigos dão espaço para novas abordagens centradas no aluno-ativo, que faz uso de espaços digitais para aprender e viver os avanços da Indústria 4.0.
O papel do educador corporativo é designado enquanto facilitador do processo de aprendizagem, no entanto, a atuação deste ator ainda carece de entendimento aprofundado. Dessa forma, recomenda-se o investimento em esforços nessa linha, sendo que um direcionamento poderia abranger políticas educacionais reconhecidas por educadores corporativos como essenciais para uma transformação digital sustentável. Outro possível direcionamento para estudos futuros considera os efeitos da migração de tecnologias digitais sobre a saúde mental dos trabalhadores, visto que nenhum identificado nessa revisão aborda essa questão (o tema COVID-19 aparece, mas somente enquanto marcador histórico-temporal).
As limitações deste estudo referem-se ao uso de somente duas bases de dados e de somente uma área do conhecimento (Psicologia), o que exclui importantes pesquisas publicadas. Com isso em vista, sugere-se ampliar essa revisão com dados de outras bases de dados.
















