O Comportamento Seguro no Trabalho (CST) refere-se às ações que promovem a saúde e segurança de trabalhadores, clientes, público e meio ambiente (Burke et al., 2002; Griffin & Neal, 2000). Historicamente enraizado na segurança ocupacional (Hofmann et al., 2017), esse estudo focaliza a psicologia aplicada e comportamento organizacional no contexto da segurança ocupacional.
No início do século XX, com a industrialização em ascensão e aumento dos acidentes de trabalho, surgiram preocupações crescentes sobre segurança. As abordagens iniciais concentravam-se em medidas de engenharia, contenção de substâncias perigosas, proteção em máquinas e melhoria da ventilação e no aperfeiçoamento de controles da fadiga frente à produtividade (Hofmann et al., 2017). No contexto brasileiro, destaca-se a evolução técnica nas noções de condições e atos inseguros (Barros-Delben & Cruz, 2023; Barros-Delben et al., 2020).
Estudos destacam que a redução de acidentes está fortemente ligada ao comportamento das pessoas (Dodoo & Al-Samarraie, 2019; Xia et al., 2020). Além disso, as condições perigosas e insalubres presentes nos ambientes de trabalho, a deficiência nos sistemas de prevenção e controle de riscos ocupacionais e a implementação inadequada de programas de gestão e capacitação dos trabalhadores, desempenham um papel significativo na ocorrência de acidentes de trabalho.
Uma relação crucial para a segurança no trabalho é aquela entre o clima e a cultura organizacional. O clima de segurança, que reflete a "atmosfera geral de segurança", é um indicador baseado nas percepções compartilhadas pelos trabalhadores. Esse clima varia em diferentes momentos e locais na organização, influenciando diretamente o Comportamento Seguro no Trabalho (CST). A cultura de segurança, por sua vez, molda as normas, valores e práticas relacionadas à segurança em toda a empresa (Ramirez-Landaeta et al., 2023; Zavareze & Cruz, 2010; Zohar, 1980).
Enraizado em interações sociais, molda crenças sobre o comprometimento da gestão com a segurança, envolvendo micro decisões diárias entre segurança e outras prioridades. Um clima seguro requer forte apoio das lideranças, influenciando atividades e prevendo acidentes (Zohar, 1980, 2000, 2002, 2010). O clima reflete a cultura, influenciando o engajamento em comportamentos seguros quando os trabalhadores percebem ênfase da organização na segurança. Uma cultura sólida sustenta a consistência desses comportamentos ao longo do tempo (Clarke, 2010; Hofmann et al., 2017). Escalas como as de Griffin e Neal (2000) avaliam conformidade e participação. A conformidade está relacionada à adesão às regras existentes, enquanto a participação envolve contribuir ativamente para a segurança por meio de ações e iniciativas positivas. Uma cultura de segurança robusta sustenta um clima positivo, enquanto um clima negativo resulta de uma cultura de segurança deficitária, eliciando comportamentos inseguros (Bamel et al., 2020).
Há fatores considerados contribuintes para o comportamento inseguro no trabalho como falta de conhecimento em saúde ocupacional, violação de regras, cultura de aceitação de riscos, confiança excessiva, pressão no trabalho, estresse, violência, jornadas longas, comportamentos arriscados, falta ou inadequação dos equipamento de proteção individual (EPI), baixo comprometimento da gestão, supervisão deficiente, condições de saúde precárias, distúrbios do sono, funções incongruentes, estilo de vida sedentário e hábitos alimentares, além de negligência. Esses aspectos têm sido estudados especialmente nos segmentos da construção civil, dos serviços de saúde, da mineração, da manufatura, da agricultura e em atividades ocupacionais realizadas informalmente (Dodoo & Al-Samarraie, 2019).
A análise bibliométrica longitudinal tem sido utilizada para estudar a evolução temática em diversas áreas como, por exemplo, os 100 anos da Psicologia do Trabalho e das Organizações (Scott et al., 2020), os 30 anos de modelos de inteligência em gestão e negócios (López-Robles et al., 2019), empreendedorismo, pequenos negócios e inovação (Ikpe Justice Akpan, 2021), os 38 anos do clima de segurança (Bamel et al., 2020).
O objetivo desse estudo foi caracterizar a evolução conceitual e as tendências da pesquisa sobre Comportamento Seguro no Trabalho (CST), com base em uma análise bibliométrica longitudinal da literatura. A intenção é identificar progressos, lacunas e oportunidades ao longo das décadas para orientar futuras pesquisas em segurança no trabalho.
Método
Foi conduzido um estudo descritivo-analítico sobre a produção de conhecimentos sobre CST, utilizando técnicas de análise bibliométrica longitudinal para o mapeamento científico. As perguntas orientadoras deste estudo foram: Quais são as publicações, autores, instituições mais influentes na produção de conhecimentos sobre CST? Quais são os temas principais que conformam a evolução e tendências das publicações sobre CST?
Foram artigos arbitrados e indexados na base de dados Scopus, publicados nos idiomas inglês, português e espanhol, sobre CST. O processo para a seleção dos termos de pesquisa foi interativo, inicialmente baseado em termos de pesquisas anteriores (Bamel et al., 2020) e foram ajustados em função de inspeção de resultados em vários processos de forma interativa mediante a inspeção de todos os registros de artigos anteriores a ano 2000 e amostragem aleatória nos subsequentes, forem excluídos artigos sem texto completo disponível, no prelo e aqueles não relacionados ao contexto laboral. Os termos resultantes deste procedimento foram aplicados na extração na base de dados Elsevier-Scopus, em 26.07.2023, nos campos de título, resumo e palavras-chave: "safe* behavio*" OR "unsafe behavio*" OR "safe* performance" OR "safe* compliance" OR "safe* culture" OR "safe* clima*") AND ("work*" OR "workplace" OR job) e se limitou as palavras AND NOT lithiu* OR chemistry OR "computer science" OR immunology. As seguintes subáreas foram excluídas no campo "subject": Chemical Engineering, Computer Science, Undefined, Chemistry, Biochemistry, Genetics and Molecular Biology, Immunology and Microbiology, Veterinary, Dentistry, Energy, Mathematics, Pharmacology, Toxicology and Pharmaceutics, Physics and Astronomy; o que permitiu obter um total de 4.326 artigos selecionados para esse estudo.
A análise dos dados compreendeu três fases: (1) análise de desempenho bibliométrico, (2) mapeamento científico da evolução longitudinal e (3) análise do mapa estratégico temático (Cobo et al., 2011). Essas fases foram fundamentadas na premissa de que cada comunidade científica pode obter uma visão abrangente de suas descobertas, acompanhando a evolução de temas, teorias e técnicas; revelando estruturas conceituais, tendências, influências intelectuais e interações sociais entre autores, instituições e países; contribuindo, assim, para o progresso científico (Cobo et al., 2011; Van Eck & Waltman, 2014).
O mapeamento longitudinal envolveu a criação de um mapa de evolução temática, conectando temas de períodos consecutivos com base em conceitos compartilhados, como palavras-chave. Os temas e gráficos de cada subperíodo foram determinados usando ferramentas de centralidade (mede a interação da rede com outras redes) e densidade (mede a força interna da rede) em um mapa de redes temáticas e diagrama estratégico. A centralidade mede a interação da rede com outras redes, enquanto a densidade mede a força interna da rede.
Um gráfico de quatro quadrantes foi construído com base na ocorrência de palavras extraídas dos títulos das publicações e abordagem de bigram considerando centralidade (eixo x) e densidade (eixo y) formando os temas motores (Q1), temas de nicho específicos (Q2), temas emergentes ou em declínio (Q3) e temas básicos (Q4) cada um com características específicas de centralidade e densidade (Cobo et al., 2011; Cobo et al., 2012; Scott et al., 2020). Foi utilizado o software R-RStudio e o pacote Bibliometrix e interface biblioshiny 4.1 (Aria & Cuccurullo, 2017) e o programa VOSviewer 1.6.19 para gerar as redes de mapeamento científico com base entre citações nas publicações (Van Eck & Waltman, 2014).
Resultados e Discussão
Esse estudo abrange 65 anos de produção científica associada ao CST. Foram incluídos 4.326 documentos, referentes ao período de 1957 a 2022, disponíveis em 1.235 periódicos. Houve a participação de 11.827 autores (347 artigos com autor único) e foram utilizadas 7.933 palavras-chave nos artigos.
Análise Bibliométrica da Publicação sobre CST entre 1957-2022
No período analisado pelo estudo, observou-se uma taxa de crescimento anual de publicações de 10,2%. Em relação aos dados perdidos, foi observada a ausência de palavras-chave (14%) e de documentos sem afiliação (1,6%). Na figura 1, observa-se o número de artigos publicados por ano. Até o ano 2000, o maior número de publicações ocorreu em 1998 (29 artigos). Em 2009, foram publicados 126 artigos, superando pela primeira vez a marca de 100 artigos anuais e, em 2019, foram registrados mais de 300 artigos. Em 2020 mais de 400 artigos são publicados e, em 2022, alcançou-se o pico de 564 publicações. O aumento contínuo, ao longo dos anos, mostra um crescente interesse e importância dada ao tema CST.
Ao longo do período analisado (1957-2022), os artigos publicados em 1980 lideram a lista dos mais citados, com uma média de 382 citações anuais. Em seguida, destacam-se os artigos publicados em 2000 (144 citações/ano), 1978 (131 citações/ano) e 2002 (109 citações/ano), indicando períodos profícuos de contribuições da comunidade científica no âmbito do CST.
Para a análise da produção intelectual, foram considerados três subperíodos temporais: o período inicial (1957-2000), com 215 artigos, o período de expansão (2001-2011), com 784 artigos, e o período de consolidação (2012-2022), com 3.326 artigos. Em cada período, houve um aumento significativo no número de autores, coautores e fontes de publicação, indicando um crescimento relevante da pesquisa sobre CST. Os principais resultados bibliométricos, incluindo os artigos mais citados e o número de citações estão sistematizados na Tabela 1. O ritmo de publicações cresceu de forma notável entre os períodos, com taxas de crescimento de 7%, 11%, e 14%, respectivamente. A partir de 2001, o principal periódico onde se publicam os estudos sobre CST foi o Safety Science. Esses dados refletem o crescente interesse e investimento na pesquisa em CST, abrangendo uma ampla gama de tópicos e indicando a evolução constante do campo.
Tabela 1 As 10 publicações mais citadas globalmente sobre CST (1957-2022)
Período: 1957-2000 Inicial | Período: 2001-2011 Expansão | Período: 2012-2022 Consolidação | |||
---|---|---|---|---|---|
Artigos: 216 Autores: 420 (73 individuais) Palavras-Chaves: 272 Fonte: 103 Revistas Crescimento anual: 7% Principais periódicos: -Journal of Occup. Accidents -Journal of Occup. Health And Safety -Work And Stress |
Artigos: 784 Autores: 2035 (121 individuais) Palavras-Chaves: 1694 Fonte: 332 Revistas Crescimento anual: 11% Principais periódicos: -Safety Science -Journal of Safety Research -Accident Analysis and Prevention |
Artigos: 3326 Autores: 9868 (170 individuais) Palavras-Chaves: 6836 Fonte: 1006 Revistas Crescimento anual: 14% Principais periódicos: -Safety Science - Inter. Journal of Environmental Research and Public Health -Inter. Journal of Occupational Safety and Ergonomics |
|||
Artigos | C | Artigos | C | Artigos | C |
Zohar (1980). Clima de segurança em organizações industriais: Implicações teóricas e aplicadas | 1748(#1) | Sexton et al. (2006). O Questionário de Atitudes em Segurança: propriedades psicométricas, dados de referência e pesquisas em desenvolvimento | 1151(#2) | Ding et al. (2018). Um modelo de aprendizado híbrido profundo para detectar comportamento inseguro: Integrando redes neurais e memória de curto prazo de longo prazo | 296 |
Griffin & Neal (2000). Percepções de segurança no trabalho: Um marco para relacionar clima de segurança ao desempenho, conhecimento e motivação em segurança | 1125(#3) | Harvey (2002). Um modelo cognitivo da insônia. | 1086(#4) | Hinze et. al. (2013). Indicadores líderes de desempenho de segurança na construção | 287 |
Zohar (2000). Um modelo de clima de segurança de nível de grupo: Testando o efeito do clima de grupo em microacidentes em empregos de manufatura | 1012(#7) | Christian et.al. (2009). Segurança no local de trabalho: uma meta-análise dos papéis de fatores pessoais e de situação. | 1052(#5) | Han et.al. (2013). Um marco de captura de movimento baseado em visão para a gestão de segurança baseada em comportamento | 247 |
Sawacha et al. (1999). Fatores que afetam o desempenho de segurança em canteiros de obras. | 470 | Neal & Griffin (2006). Um estudo das relações entre clima de segurança, motivação em segurança, comportamento em segurança e acidentes individual e de grupo | 1040(#6) | Fang et.al. (2018). Quedas de alturas: uma abordagem computacional para detecção de cintos de segurança | 243 |
Dedobbeleer & Béland (1991). Uma medida de clima de segurança para canteiros de obras. | 449 | Nahrgang et.al. (2011). Segurança no trabalho: uma investigação meta-analítica da ligação entre demandas no trabalho, recursos no trabalho, burnout, engajamento e resultados de segurança. | 994(#8) | Li et al. (2015). Gestão pró-ativa baseada em comportamento para melhoria da segurança na construção. | 243 |
Cox & Flin (1998). Cultura de segurança: pedra filosofal ou homem de palha? | 415 | Hofmann et.al. (2003). Clima como moderador da relação entre troca líder-membro e cidadania específica de conteúdo. | 767(#9) | Awolusi et.al. (2018). Tecnologia vestível (wearable) para monitoramento e tendências de segurança personalizada na construção. | 238 |
Komaki et al. (1978). Uma abordagem comportamental à segurança ocupacional: Identificando e reforçando o desempenho seguro em uma fábrica de alimentos. | 316 | Zohar (2010). Trinta anos de pesquisa sobre clima de segurança: reflexões e direções futuras. | 747(#10) | Hirak et.al. (2012). Vinculando a inclusão do líder ao desempenho da unidade de trabalho: a importância da segurança psicológica e aprendizado com falhas | 231 |
Cox & Cox (1991). A estrutura das atitudes dos funcionários em relação à segurança: Um exemplo europeu. | 304 | Barling et al. (2002). Desenvolvimento e teste de um modelo que relaciona liderança transformacional específica de segurança e segurança ocupacional | 731 | Guo et.al. (2016). Previsão de comportamento de segurança na indústria da construção: desenvolvimento e teste de um modelo integrativo. | 219 |
Hayes et al. (1998). Mensurando percepções de segurança no local de trabalho. | 278 | Ng & Feldman (2008). A relação entre idade e dez dimensões de desempenho no trabalho. | 730 | Shin et al. (2014). Uma abordagem de dinâmica de sistemas para modelar atitudes e comportamentos de segurança de trabalhadores da construção | 217 |
Lajunen & Summala (1995). Experiência de direção, personalidade e habilidade e dimensões de motivação para a segurança nas autoavaliações de motoristas | 268 | Zacharatos et al. (2005). Sistemas de Trabalho de Alto Desempenho e Segurança Ocupacional. | 589 | Wachter & Yorio (2014). Um sistema de práticas de gestão de segurança e engajamento do trabalhador para reduzir e prevenir acidentes: uma investigação empírica e teórica. | 198 |
Nota. C: citações do artigo. #(1-10): ordem dos 10 artigos mais citados na base Scopus, no momento da extração de dados.
Os artigos mais citados em cada período destacam ênfases distintas, embora complementares: no período inicial, Zohar (1980, 2000) contribuiu para um modelo abrangente de clima de segurança, Cox e Flin (1998) e Griffin e Neal (2000) exploraram a interação complexa entre percepções, cultura e filosofia de segurança. Houve, também, uma particular atenção à segurança na área da construção civil (Sawacha et al., 1999; Dedobbeleer & Béland, 1991). Komaki et al. (1978) e nos condicionantes do desempenho seguro (Cox & Cox, 1991) e na mensuração da percepção da segurança (Lajunen & Summala, 1995).
No período de expansão dos estudos sobre CST (2000 a 2011), ressalta-se o interesse sobre atitudes e percepções de segurança no trabalho (Sexton et al., 2006), a influência de fatores pessoais e de situação de segurança no CST (Christian et al., 2009), as relações entre clima de segurança, motivação, CST e acidentes de trabalho (Neal & Griffin, 2006), a associação entre demandas de trabalho, burnout e engajamento (Nahrgang et al., 2011) e o papel do clima organizacional como moderador nas conexões entre liderança, cidadania e conteúdo do trabalho (Hofmann et al., 2003). Zohar (2010) reflete sobre três décadas de pesquisa em clima de segurança, Barling et al. (2002) vincularam liderança transformacional à segurança ocupacional e Zacharatos et al. (2005) exploraram a relação entre sistemas de trabalho de alto desempenho e segurança ocupacional.
No período de consolidação das pesquisas em CST (2012 a 2022), foi identificado um crescente interesse na integração de tecnologias computacionais para o aprimoramento da segurança, destacando-se propostas teórico-metodológicas, como: o modelo híbrido de aprendizado profundo e de redes neurais para identificar comportamentos inseguros (Ding et al., 2018), a análise de indicadores relevantes no desempenho em segurança na construção (Hinze et al., 2013), o aprimoramento da gestão da segurança comportamental (Han et al., 2013), a simulação computacional para detecção de perigos em quedas de alturas (Fang et al., 2018), a gestão de segurança proativa, baseada em comportamento (Li et al., 2015), e uso de tecnologia vestível para monitoramento personalizado da segurança na construção (Awolusi et al., 2018). Foram identificados, ainda, estudos sobre relações entre liderança, atitudes e comportamentos relacionados à segurança, destacando a importância da segurança psicológica e da aprendizagem com falhas (Hirak et al., 2012), o desenvolvimento de modelos preditivos integrativos (Guo et al., 2016), a aplicação de dinâmica de sistemas para modelar atitudes e comportamentos de segurança (Shin et al., 2014).
Análise da Evolução Temática das Pesquisas em CST: Análises Longitudinal
Para investigar longitudinalmente a evolução temática no campo do CST (ou estrutura intelectual) foi elaborado um mapa temático Cobo et al., 2011; Scott et al., 2020) referente aos três períodos considerados (1957-2000, 2001-2011 e 2012-2022), estimado por algoritmo de agrupamento em rede de palavras extraídas dos títulos dos artigos (Figura 2). Este mapa é representado por um diagrama de fluxo temporal, em que as setas indicam como esses temas evoluíram ao longo do tempo em torno de construtos específicos.
No período inicial (1957-2000), em que o maior volume de produção é identificado a partir do ano de 1978 (Tabela 1), emergem vários construtos associados à discussão sobre comportamento seguro e segurança no trabalho, destacando-se: conformidade de segurança (safety compliance), clima de segurança (safety clima), cultura de segurança (safety culture), segurança ocupacional (occupational safety). Destaca-se a exploração de práticas de precaução universais (universal precautions) na CST.
Durante o período de expansão (2001-2011), observase um aumento e predominância de três construtos: clima de segurança (safety climate), cultura de segurança (safety culture) e práticas de conformidade (safety compliance). Outros temas se destacam: acidente ocupacional (occupational accidents) e gestão de riscos (risk management), com foco em setores específicos, como a construção civil (construction safety), saúde (health care), segurança alimentar (food safety), energia nuclear (nuclear power). No último período de consolidação (2012-2022), observa-se uma crescente especialização temática, consolidando-se em três grandes tópicos específicos: comportamento seguro (safe behavior), clima de segurança (safety clima), cultura de segurança (safety culture), indicando tendências futuras no estudo do CST.
Mapa Estratégico de Grupos Temáticos em CST
Para analisar os temas predominantes de cada período, foi estimado mapas estratégicos de grupos temáticos com base nos eixos de centralidade, representando a importância do tema em toda a pesquisa, e densidade, refletindo o desenvolvimento dos temas. Cada círculo representa um grupo de temas e o tamanho indica proporção de documentos associados. Nesse estudo concentra-se em analisar os "temas motores" (drive) em cada período.
Período 1 (1957-2000)
Nos primeiros vinte anos, observou-se que apenas dois artigos abordaram o CST. O artigo pioneiro, publicado em 1957, por Slivnick et al. e intitulado "A Study of Accidents in 147 Factories", analisou a gravidade e a frequência de acidentes em fábricas automotivas e de mecânica de peças, correlacionando esses eventos com taxa de demissões sazonais, atitudes negativas entre colegas de trabalho mais produtivos, tamanho das plantas industriais, acesso fácil à prostituição, manuseio frequente de materiais pesados e más condições de vida, todos relacionados aos acidentes de trabalho.
A partir de 1978, a produção científica cresceu continuamente, baseados, principalmente, no modelo comportamental para diferentes finalidade: a abordagem comportamental para o controle da segurança em uma fábrica de alimentos (Komaki et al., 1978), na adaptação de um sistema de técnicas de condicionamento operante no controle da qualidade, da produção e do desempenho de trabalhadores da indústria (Brown, 1978), na análise comportamental de programas bem-sucedidos no controle das taxas de acidentes de trabalho e no comprometimento da gestão (M. J. Smith et al., 1978), na modificação comportamental para segurança, com reforço positivo, entre trabalhadores industriais (M. J. Smith, 1978). Campbell (1970), ao refletir sobre a participação dos psicólogos industriais, até então, considerava o seu papel vital na gestão dos problemas humanos nas organizações. Mas, destacava a pouca a preparação técnica desses profissionais para lidar com problemas práticos do "chão de fábrica", cedendo espaço para outros especialistas.
Nesse período, eventos históricos, políticos, econômicos, sociais e tecnológicos influenciaram estudos sobre Ciência da Segurança do Trabalho (CST). A Guerra Fria e a bipolarização global impactaram a atenção dada à segurança ocupacional. Mudanças políticas e lutas sociais aumentaram a conscientização sobre os direitos dos trabalhadores, priorizando a segurança no local de trabalho. O crescimento econômico do pós-guerra e o surgimento de indústrias de manufatura destacaram a necessidade de uma abordagem focada na segurança para garantir a produtividade. Demandas sindicais, mudanças nas percepções públicas sobre questões trabalhistas e avanços tecnológicos também contribuíram para a atenção à prevenção de acidentes ocupacionais. Neste período, eventos históricos, políticos, econômicos, sociais e tecnológicos influenciaram estudos sobre CST, como a Guerra Fria e a bipolarização global impactaram a atenção dada à segurança ocupacional. Mudanças políticas e lutas sociais aumentaram a conscientização sobre os direitos dos trabalhadores, priorizando a segurança no local de trabalho. O crescimento econômico pós-guerra e o surgimento de indústrias de manufatura provocam a necessidade de uma abordagem focada na segurança e no controle de riscos ocupacionais para garantir a produtividade. Demandas sindicais, mudanças nas percepções públicas sobre questões trabalhistas e avanços tecnológicos também contribuíram para a atenção à prevenção de acidentes ocupacionais.
Foram identificados, nesse período, os seguintes temas motores (Q1) (Fig. 3): desempenho de segurança e segurança na construção; gestão da segurança e preocupação universal com a segurança e; qualidade da gestão da segurança. Destacam-se os estudos sobre clima de segurança em indústrias (Zohar, 1980), percepções de segurança (Griffin & Neal, 2000) e os efeitos do clima de grupo em microacidentes em manufaturas (Zohar, 2000). Esses estudos, antecedidos por trabalhos como Brown e Holmes (1986) e Cheyne et al. (1998), buscaram desenvolver modelos de clima para predizer níveis e práticas segurança (Varonen & Mattila, 2000).
Comportamento seguro (safe behavior) e cultura de segurança (safety culture), e os fatores grupais e organizacionais a eles associados, aparecem como temas básicos e transversais (Q4), com destaque para os estudos sobre: a relação entre CST e a motivação para a segurança (Andriessen, 1978), a bidimensionalidade do conceito de CST (Marchand et al., 1998), os fatores organizacionais que influenciam a notificação de incidentes por maquinistas de trem (Clarke, 1998), os determinantes do CST entre agricultores que utilizam pesticidas (Avory & Coggon, 1994), a eficácia dos componentes de um programa de segurança comportamental (Ray et al.,1997) avaliaram. A nutrida presença de temas em todos os quadrantes, sugerem múltiplos interesses com importante produção.
Período 2 (2001 - 2011)
Nesse período, a ênfase crescente na segurança foi impulsionada por avanços nas regulamentações sobre segurança ocupacional em vários países. Essa mudança foi motivada por incidentes significativos no campo da saúde e da segurança e pela necessidade aperfeiçoar o controle de riscos ocupacionais. A globalização e a expansão das operações internacionais ampliaram a necessidade de garantir padrões uniformes de segurança em ambientes diversos. Governos e organizações passaram a considerar a segurança ocupacional como uma prioridade, resultando em políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e a prevenção de acidentes (Scott et al., 2020). A pressão por eficiência e produtividade em um mercado global competitivo intensificou a conscientização sobre o custo dos acidentes de trabalho e as implicações financeiras associadas a falhas na segurança incentivou as empresas a investirem em estratégias de CST como forma de reduzir custos operacionais e aprimorar a reputação corporativa. Paralelamente, a sociedade passou a demandar ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis e a disseminação de informações via internet sobre estratégias, práticas e procedimentos de gestão da segurança incentivam a proliferação do interesse por implementação de ações e medidas voltadas ao comportamento seguro.
Nos temas motores (Figura 4), emergem interesses mais específicos, como o uso de equipamento de proteção (protective equipment) e a saúde dos profissionais da área da saúde (healthcare workers). Destacam-se os trabalhos sobre: a utilização de equipamentos de proteção por trabalhadoras grávidas em estufas (Giannandrea et al., 2008), gestão de equipamentos de proteção (Olson et al., 2009), práticas de controle de infecção entre profissionais de saúde (Green-McKenzie et al., 2001), fatores de risco associados a lesões de trabalhadores de hospitais públicos (Gimeno, 2005) as lesões percutâneas em enfermeiras de cuidados de saúde domiciliários (Gershon et al., 2009), clima de segurança hospitalar, fatores de risco psicossociais e lesões por agulhas no Japão (D. Smith et al., 2010) e barreiras e fatores motivacionais na notificação de incidentes de agressão em cuidados de saúde mental (Gifford & Anderson, 2010). Observa-se a ênfase dos estudos sobre fatores de risco (risk factors), visando prevenir e mitigar os efeitos das condições de trabalho no comprometimento da segurança. Nesse âmbito, ainda se destaca o estudo de O'Connor e Flin (2003) sobre a gestão eficaz de recursos voltados à segurança (resource management) na extração de petróleo em plataformas marítimas (offshore oil).
Quanto aos temas básicos (Q3), destaca-se os temas cultura e clima. Alguns artigos de grande repercussão incluem o trabalho de Sexton et al. (2006), sobre um questionário de atitudes de segurança, explorando características psicométricas (ver também tabela 1). Guldenmund (2007) contribui com um questionário sobre pesquisa de cultura de segurança. Um estudo multicêntrico nos EUA sobre cultura de segurança na unidade de terapia intensiva é conduzido por Huang et al., (2010). Este período foi impulsado por aplicações e estudo primários baseados no desenvolvimento teórico característico do período anterior.
Período 3 (2012 - 2022)
Nesse período, a crescente conscientização sobre a importância da segurança ocupacional, refletida em mais 3.000 artigos publicados, impulsionou a implementação de normas e políticas de regulamentação, resultando em uma maior fiscalização por parte das autoridades governamentais. Os desafios econômicos globais impactaram as políticas de segurança, e as organizações buscam equilibrar eficiência e proteção dos trabalhadores. O avanço tecnológico contínuo desempenhou um papel transformador, permitiu rápida adoção de soluções, coleta e análise de dados, impulsionou estudos sobre padrões de risco e a implementação de estratégias de prevenção mais eficazes. Três temas se destacam na vasta produção intelectual desse período (Fig. 5): o comportamento seguro (safe behavior), a segurança na construção (construction safety), a cultura e o clima de segurança (culture and safety behavior).
Em relação aos principais artigos sobre CST, há uma extensa produção científica, com diversas abordagens destacando-se: o uso de novas tecnologias no controle da segurança - tecnologias vestíveis, modelagem computacional preditiva do CST (Awolusi et al., 2018; Guo et al., 2016; Hinze et al., 2013), o desenvolvimento de indicadores para a gestão da segurança e sua relação com desempenho e produtividade (Han & Lee, 2013; Han et al., 2014), o estudo das relações entre estresse no trabalho, conflito trabalho-família, esgotamento, tecnologias emergentes e CST (T. Smith et al., 2018; Wang et al., 2018).
Quanto ao clima de segurança, observa-se uma ênfase nas práticas gerenciais e na conformidade em segurança e suas relações com valores, crenças e normas na segurança. Probst et al. (2019) desenvolvem ferramentas de avaliação do clima de segurança na construção (S-CAT), DeJoy et al. (2017) exploraram a segurança, o clima e uso de EPIs em enfermeiras que lidam com medicamentos antineoplásicos e Liu et al. (2022) abordaram o impacto do esgotamento no trabalho durante a pandemia de COVID-19, medindo o papel do contrato psicológico. Há, também uma ênfase no comportamento inseguro (unsafe behavior), em contextos específicos (Q3), destacando-se: a análise dos riscos dos comportamentos inseguros de mineiros e em fabricantes de móveis, China (Tong et al., 2021; Tong et al., 2019) e a mensuração de comportamentos inseguros em projetos de construção (Asilian-Mahabadi et. al., 2020).
Panorâmica sobre a Produção de Autores Brasileiros
Foram identificados 134 artigos de autores brasileiros sobre CST. O primeiro deles, de Carvalho et al. (2005), marcou o início desse cenário. Identificou-se um total de 506 autores e coautores, refletindo uma colaboração significativa. A taxa de crescimento anual (11%), indica um certo dinamismo da produção, evidenciado pelas 305 palavras-chave utilizadas e 3.601 citações acumuladas. As revistas de maior destaque nesse contexto pertencem à área da saúde, especialmente no campo da Enfermagem, que apresentaram o maior número de citações globais, assim como os periódicos especializados em segurança, com estudos no contexto da construção civil e plantas nucleares. O número de citações sugere uma relevância desses estudos nos âmbitos nacional e internacional (Tabela 2).
Tabela 2 Os 5 artigos com autores brasileiros mais citados CST
Autor - Tema | Citações |
---|---|
1. Cambraia et al. (2010). Identificação, análise e disseminação de informações sobre quase acidentes: um estudo de caso na indústria da construção | 95 |
2. Carvalho et al. (2005). Tomada de decisão do supervisor de turno em usina nuclear durante microincidentes | 59 |
3. Santiago & Turrini (2015). Cultura e clima organizacional para a segurança do paciente em Unidades de Terapia Intensiva | 44 |
4. DosSantos Alves et al. (2016). Ambiente de prática de enfermagem, resultados no trabalho e clima de segurança: uma análise de modelagem de equações estruturais | 41 |
5. Carvalho et al. (2015). Cultura de segurança na sala de operações de um hospital público na percepção de profissionais de saúde | 37 |
Foi estimado o mapa de ocorrências de palavras-chaves da produção brasileira, com o parâmetro de 8 ocorrências no mínimo para facilitar a interpretação dos grupos. Na Fig. 6, observa-se a formação de três grupos interrelacionados por temas identificados por cores, sendo o maior tamanho do círculo um indicador de maiores interconexões. No Grupo 1 (em vermelho), destacam-se pontos de interconexão significativos entre estudos sobre: satisfação no trabalho (job satisfaction), segurança de medicamentos (drug safety), percepção de segurança no trabalho (perception) e clima de segurança (safety climate), associados aos termos estudo controlado (controlled study) e estudo multicêntrico (multicenter study), indicando perspectivas metodológicas que valorizam métodos experimentais e comparativos (entre contextos diferentes).
No Grupo 2 (verde), a segurança do paciente (patient safety) é o ponto central, seguida por temas como gestão da segurança (safety management), cultura organizacional (organizational culture) e qualidade dos cuidados de saúde (health care quality). Esses termos refletem a preocupação com a gestão da saúde e da segurança, associados à cultura organizacional e a qualidade dos serviços de saúde. No Grupo 3 (azul), o foco central é a enfermagem (nursing), indicando um interesse predominante nessa área, interconectados com os temas da cultura de segurança (safety culture), cuidados de saúde dos profissionais (health care personnel) e liderança (leadership), destacando a importância dos valores, do pessoal envolvido e da liderança na promoção da segurança no setor de saúde.
Essa análise preliminar evidencia uma marcante produção de estudos direcionados para o setor da saúde no Brasil e, uma escassez de estudos em outras áreas, conforme indicado por Dodoo e Al-Samarraie (2019), como a indústria da construção, indústria de mineração, indústria manufatureira, setor de energia, setor agrícola, empreendimentos do setor informal e contextos multifuncionais. Uma maior abrangência de estudos ampliaria a compreensão sobre CST no país.
Conclusão
Nesse trabalho, foi sistematizado um mapa de evolução e tendências sobre Comportamento Seguro no Trabalho (CST), em um período de 65 anos (1957-2022), com base em técnicas bibliométricas de mapeamento de perfis e conexões entre estudos científicos publicados em periódicos relevantes. Foi analisada, longitudinalmente, a evolução científica das publicações em três períodos: No primeiro (1957-2000), os estudos se concentram principalmente na investigação sobre clima de segurança, fatores psicossociais associados e suas implicações no ambiente de trabalho, especialmente nas indústrias, explorando fatores como percepções, atitudes e comportamentos relacionados à segurança. O segundo período (2001-2011) mostra uma expansão dos estudos sobre clima e cultura da segurança, com ênfase na influência da liderança, dos fatores grupais e organizacionais e dos riscos ocupacionais na saúde e no comportamento seguro. O terceiro período (20122022) indica estudos com ênfase em técnicas, instrumentos e novas tecnologias avançadas na investigação e modelagem de fatores associados ao CST, assim como no controle de riscos e no aprimoramento da gestão proativa da dinâmica dos sistemas organizacionais
Em todos esses períodos, sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas, evidencia-se o interesse no estudo dos fatores que contribuem para a redução ou manutenção do comportamento de risco nas organizações e na gestão da segurança ocupacional, seja com base das atitudes e percepções dos indivíduos, do impacto da liderança e da cultura organizacional, ou da implementação de tecnologias inovadoras para melhorar a detecção e prevenção de riscos ocupacionais.
A produção de autores brasileiros sobre CST também foi analisada, com destaque para colaboração significativa entre autores e coautores e com uma taxa de crescimento anual de 11%, refletindo o dinamismo na produção. O destaque foram as publicações em revistas da área da saúde, especialmente, enfermagem, e a escassez de estudos em outras áreas, indicando a necessidade de ampliar a compreensão do CST em diferentes contextos ocupacionais no Brasil.
O mapeamento bibliométrico mostrou-se eficiente na avaliação das principais redes de temáticas nos distintos subperíodos de tempo. Pesquisas futuras podem aprofundar a estrutura temática de outros temas estratégicos e explorar documentos disponíveis em outras bases de dados, assim como focar, por exemplo, em setores produtivos específicos.