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Revista de Psicologia da UNESP

versión On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.20 no.1 Assis  2021  Epub 22-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/1984-9044.20210005 

Artigo

Educação em tempos de COVID-19: as (im)permanências do uso de tecnologias nas escolas.

Education in times of COVID-19: the (im)permanence of the use of technologies in schools

Educación en tiempos de COVID-19: (im)permanencias del uso de la tecnología en las escuelas con tecnologías

Luciana Lobo Miranda1 

Tadeu Lucas de Lavor Filho1  2  3 

José Alves de Souza Filho1 

Lara Thayse de Lima Gonçalves1 

Mayara Ruth Nishiyama Soares1 

Lorrana Caliope Castelo Branco Mourão1 

Paulo Francis Jorge da Silva1 

Antonio Marlon Coutinho Barros4 

Luisa Carolina Holanda Pereira1 

1Universidade Federal do Ceará

2Universidade Estadual do Ceará

3Centro Universitário Vale do Salgado

4Instituto Centro de Ensino Tecnológico do Ceará


Resumo

Este artigo objetiva realizar uma análise crítica, problematizando a (des)estruturação dos processos escolares mediante a virtualização da educação brasileira em tempos de pandemia. Esse cenário tem apontado um recrudescimento das desigualdades sociais atravessadas pelos contextos meritocráticos em populações vulneráveis diante de uma perceptível falta de amparo institucional de Estado efetivo para uma articulação que fortaleça condições equânimes de ensino para todos. Orientamos nosso debate a partir de uma pesquisa bibliográfica de documentos normativos, artigos ensaísticos e materiais jornalísticos que pautam a educação na pandemia, observando a migração dos processos escolares para a modalidade virtual de acesso remoto, nosso recorte temporal abarca o período de março a maio de 2020. Não buscamos aqui estabelecer encerramentos apressados de um momento que estamos ainda vivenciando, mas elaborar reflexões acerca da função social da escola, a manutenção do vínculo com a instituição, bem como observar as iniquidades que atravessam este espaço.

Palavras chave: Pandemia; Covid-19; Educação; Psicologia Escolar/Educacional

Abstract:

This article aims to carry out a critical analysis, problematizing the (de) structuring of school processes through the virtualization of Brazilian education in times of pandemic. This scenario has pointed to a worsening of the social inequalities crossed by the meritocratic contexts in vulnerable populations in the face of a noticeable lack of effective institutional support from the State for an articulation that strengthens equal conditions of education for all. We guided our debate from a bibliographic search of normative documents, essay articles and journalistic materials that guide education in the pandemic, observing the migration of school processes to the virtual mode of remote access, our time frame covers the period from March to May of 2020. We do not seek here to establish hasty closings from a moment that we are still experiencing, but to elaborate reflections on the social function of the school, the maintenance of the link with the institution, as well as observing the inequities that cross this space.

Keywords: Pandemic; Covid-19; Education; Educational psychology/school psychology

Resumen:

Este artículo tiene el objetivo de realizar una análisis crítica, cuestionando la estruturación y rupturas de los procesos referentes a la escuela sobre la virtualización de la educación brasileña en tiempos de pandemia. Este panorama está señalando un recrudescimiento de desigualdades sociales atravesados por los contextos meritocráticos en populaciones vulnerables frente a una visible falta de ayuda institucional del Estado efectiva para una articulación que fortalezca condiciones de equidad en la enseñaza de estudiantes y maestros. Con eso, dirigimos nuestra discusión a través deu na investigación bibliográfica de documientos normativos, artículos ensayistas y materiales de periodísticos que apuntan sobre la educación en la pandemia. Observando la migración de los procesos para la modalidad de enseñaza virtual de acceso remoto, nuestro corte de tiempo abarca el curso de marzo hasta mayo de 2020. No buscamos establecer fines aligerados de un momiento que todavía estamos vivenciando, pero hacer reflexiones acerca de la función social de la escuela, la manutención de vínculos con la institución, como también mirar las injusticias sociales que cruzan este espacio.

PALABRAS-CLAVE: Pandemia; Covid-19; Educación; Psicología escolar/educacional

Introdução

Opresente artigo tem como objetivo realizar uma análise crítica da realidade, problematizando a (des)estruturação dos processos escolares mediante a virtualização da educação brasileira em tempos de pandemia causada pelo corona vírus, observando seus impactos psicossociais nos primeiros meses de pandemia. De forma a construir uma reflexão crítica acerca da continuidade dos processos escolares, mediante estruturação das estratégias de ensino-aprendizagem pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e Redes Sociais Virtuais (RSVs), como Whatsapp, Instagram e Hangout e os impactos nas questões de desigualdade social que ganharam maior visibilidade dentro dos cotidianos escolares e por conta das políticas públicas adotadas no contexto do Brasil. As discussões que construiremos partem de uma pesquisa bibliográfica dos documentos normativos, artigos ensaísticos e materiais jornalísticos que pautam a educação na pandemia, como também dos sentimentos de angústia e preocupação dos autores (estudantes, docentes, pesquisadores e profissionais de Psicologia Escolar/Educacional no Estado do Ceará), motivadas pelas reverberações das necessárias medidas preventivas de isolamento social, devido a suspensão das atividades presenciais nas escolas públicas e particulares, quando o cenário do Covid-19 emergiu em março de 2020, interferindo nas relações sociais do cotidiano.

Desde o início da pandemia, os governos estaduais adotaram medidas de prevenção sanitária, seguindo as orientações técnicas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, dentre elas o isolamento social. O primeiro estado brasileiro a decretar a medida foi o Rio de Janeiro, depois São Paulo, Ceará, Pernambuco e Maranhão (Farias, 2020). Os Governadores e Prefeitos de diferentes estados e municípios, por recomendações das secretarias de saúde e/ou comitês científicos de combate a pandemia sintonizado com a OMS, estabeleceram três estratégias de administração pública com o propósito de minimizar o poder de contágio do vírus: distanciamento social, isto é, políticas de restrição de contextos de fácil aglomeração de indivíduos, demandando distanciamento de 1,5 metro entre pessoas; isolamento social, que configura a limitação de circulação de pessoas, impedindo assim que as pessoas saiam de suas casas a fim de evitar contato entre hospedeiros do vírus e outros indivíduos; e a quarentena de quinze dias, período de incubação do vírus, para pessoas com suspeitas ou diagnósticos. Durante este período as pessoas devem permanecer isoladas em suas respectivas residências, ou em hospitais realizando tratamento específico (Farias, 2020).

No campo educacional, as instituições escolares, como creches, escolas de ensino básico e instituições de ensino superior, tiveram suas atividades presenciais interrompidas, obedecendo às orientações normativas de secretarias de educação e/ou decretos estaduais/municipais (Ministério da Saúde, 2020). A fim de prosseguir com os processos de escolarização dos alunos, diversas Secretarias de Educação Estaduais e Municipais adotaram a migração das aulas presenciais para a modalidade virtual como estratégia de efetivação dos processos de escolarização através do ensino remoto (Todos pela Educação, 2020). Uma mudança abrupta e emergente, frente aos casos de contaminação comunitária no país, que inviabilizou o planejamento de políticas públicas de educação remota com centralidade no dia-a-dia de professores e estudantes do ensino público, sintonizada com suas condições socioeconômicas. Esse cenário deu visibilidade às discrepantes condições de uso e de alcance das tecnologias nos diferentes segmentos da população, quando os critérios econômicos e territoriais, por exemplo, determinam o acesso à internet e aos sistemas/plataformas de ensino que possam subsidiar condições de aprendizagem. São situações como estas que preocupam gestores, professores e estudantes frente à impermanência dos processos de escolarização durante a pandemia (Avelino e Mendes, 2020).

No entanto, no âmbito Federal as atitudes controversas do Presidente da República discrepam com todo o trabalho empreendido por estados e municípios. Em seu primeiro pronunciamento acerca da pandemia em 24 de março de 2020 5, em rede de rádio e televisão, retransmitida em redes sociais como Youtube e Facebook, Jair Bolsonaro afirmou que a Covid-19 não era grave, a ponto de alegar a doença como uma "gripezinha", como também afirmar que estavam "super dimensionando" o problema, portanto não sendo necessário "histeria". Além disso, o Presidente também estimulou o retorno às rotinas normais de trabalho e circulação pública, não levando em consideração as recomendações da OMS de prevenção à proliferação do vírus (Farias, 2020). Acerca de sua opinião sobre impactos do COVID-19 para o Brasil, no que compete a educação, Bolsonaro afirmou:

Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa. O que se passa no mundo têm mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? [grifo nosso].

Na esteira de seu chefe, o então Ministro da Educação Abraham Weintraub, assumiu uma postura omissa aos problemas de escolarização de crianças, adolescentes e adultos do Brasil, tendo em vista os problemas gerados na interrupção de seus estudos. Tal omissão, preocupou discentes, docentes e gestores sobre o desempenho e resultados frente aos exames de avaliação de índices de qualidade da educação, como o Prova Brasil e Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), quanto às provas de acesso ao Ensino Superior. Inicialmente mantidas, as datas para realização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) só foram adiadas no dia 20 de maio em nota oficial lançada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação (MEC), após forte pressão de vários setores da sociedade, como a Defensoria Pública da União que entrou com uma ação civil pública pedindo o adiamento do exame, na qual a Juíza Marisa Claudia Gonçalves Cucio, da 12a. Vara Cível de São Paulo, aceitou o pedido. Além disso, em maio, a Senadora Daniela Ribeiro redigiu um projeto de lei para pressionar o MEC e o Governo Federal a adiar o ENEM, no qual recebeu aval de 65 senadores (Lemos, Saldana, Chaib & Brant, 2020).

Ainda assim, o Ministério da Educação endossou sua decisão através da campanha publicitária que teve como slogan “O Brasil não pode parar”6. Nesta, mostrou jovens portando equipamentos de última geração, em um ambiente todo paramentado, “estudem, de qualquer lugar, de diferentes formas, pelos livros, pela internet, pela ajuda a distância dos professores”, incentivando / intimidando os candidatos com um discurso individualizante típico do neoliberalismo, que corrobora com a ideia de empresariamento da educação pública (Laval, 2004). Perspectiva confirmada pelo ex-Ministro Abraham Weintraub, segundo editorial do jornal Folha de São Paulo, ao declarar para os senadores que o Enem não tem função de minimizar as desigualdades sociais7.

Tendo em vista o ineficaz trabalho do Ministério da Educação na construção de uma articulação macropolítica de Coordenação Nacional das políticas públicas de Educação, papel previsto pela Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB) como obrigação do Governo Federal, os Estados e os Municípios têm tentado articular o ensino remoto, baseados principalmente nas estratégias de virtualização do ensino. Por outro lado, aparecem na micropolítica da educação básica inúmeros desafios relacionados à qualidade e efetividade do aprendizado dos alunos pelas estratégias online e remotas, enfrentados por gestores, professores e alunos, estes últimos um dos principais afetados pelos impactos do COVID-19 na educação. Somou-se ainda problemas de nutrição, violência doméstica e saúde mental, sendo que muitos alunos têm na rotina escolar alimentação, segurança e cuidados garantidos nas instituições de ensino. Por fim, convém destacar a própria formação técnico-pedagógica de professores, desafiados em pouco dias a adaptarem anos de experiência de sala de aula para salas de web conferências e/ou plataformas de download/upload de exercícios.

Temos de um lado a desestruturação repentina das rotinas escolares, pela necessária prevenção ao Covid-19, e por outro, a tentativa de sua transferência para o ambiente virtual ou remoto, sem no entanto, pensar-se nas possibilidades de como garantir equidade de acesso. Tal transferência acabou dando visibilidade a histórica desigualdade socioeconômica no Brasil. Afinal: como poderiam os alunos da rede pública interagir virtualmente, quando cerca de 30% da população não dispõe de computador e/ou internet de qualidade em suas casas? (Avelino e Mendes, 2020); como pensar a efetividade das práticas pedagógicas, tendo em vista a própria falta de formação dos docentes para as tecnologias virtuais? (Todos pela Educação., 2020); como contar com a colaboração parental nas estratégias de homeschooling, quando muitos não concluíram o ensino médio? (Avelino e Mendes, 2020); como pensar a disponibilidade para autonomia estudantil, tendo em vista que a escola muitas vezes, era o único espaço de proteção de criança e adolescente frente às situações de desnutrição e violência passíveis em seus contextos domésticos? Essas questões atravessam o contexto brasileiro quando se pensa em ensino remoto como estratégia nacional (Unicef, 2020).

Isto posto, a seguir iremos tratar de algumas normativas que orientaram gestores escolares nos primeiros meses da pandemia no Brasil. Em seguida trazemos a discussão acerca das desigualdades sociais ainda mais visibilizadas no contexto do ensino remoto para, em seguida, discutir a tensa relação entre a instituição escolar e as tecnologias de comunicação. Por fim, destacaremos alguns aspectos psicossociais implicados neste contexto com o objetivo de problematizar a virtualização da educação brasileira diante desta pandemia de COVID-19.

Normativas e orientações para a Políticas públicas da Educação em tempos de pandemia

Apesar do posicionamento anteriormente citado da presidência da república que questiona o fechamento das escolas, instituições de todo o país tomaram providências para mitigar os danos causados pelo fechamento das escolas em todo o território nacional, levando em consideração o artigo no. 32 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), que narra sobre a utilização do ensino à distância em situações emergenciais para o desenvolvimento de atividades curriculares (Lei no. 9394, 1996). A partir disso, diversas Secretarias Estaduais lançaram diretrizes que nortearam o ensino domiciliar, seja através do uso de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC’s), uso de mídias como a televisão e rádio, ou mesmo com o uso de materiais didáticos impressos.

Além do artigo no. 32 da LDB, é importante ressaltar a Resolução do CNE/CEB nº 3, de 21 de novembro de 2018, que atualizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, autorizando 20% (vinte por cento) da carga horária total a ser cumprida pelo estudante, podendo chegar a 30% (trinta por cento) no ensino médio noturno, a ser realizada à distância, desde que cumpra com suporte pedagógico e tecnológico (digital ou não) adequados (Resolução no.3, 2018). De igual importância é o decreto no. 9057, de maio de 2017, que regulamentou o artigo 80 da LDB, narrando que compete às autoridades de sistema de ensino estaduais, municipais e distritais a autorizar o funcionamento da modalidade de educação à distância no ensino fundamental, médio, educação profissional técnica de ensino médio, educação de jovens e adultos e educação especial (Decreto no. 9057, 2017).

Este aparato legislativo foi essencial para a implementação da modalidade da educação à distância neste momento que ainda estamos vivenciando. Além disso, desde fevereiro de 2020, novas leis foram criadas diante da Covid-19. Destaca-se principalmente a edição da Medida Provisória no. 934, que narra sobre normas excepcionais a serem tomadas a respeito do ano letivo da educação básica e do ensino superior, dispensando as instituições de ensino a cumprirem o mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, diante do enfrentamento da emergência de saúde pública (Medida Provisória no. 934, 2020). A Medida Provisória alterou o artigo 24 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que estabelece a obrigatoriedade de 800 horas distribuídas em um período de 200 dias de efetivo trabalho escolar (Lei no. 9394, 1996).

Ressaltamos ainda a Portaria no. 376 do Ministério da Educação (MEC), que autorizou todos os sistemas federais de ensino e cursos de educação profissional técnica de nível médio a suspenderem as aulas presenciais ou substituí-las por atividades não presenciais. A normativa chama atenção para a necessidade de mediação por recursos digitais ou tecnologias da informação caso as aulas fossem substituídas por atividades não presenciais (Portaria no. 376, 2020).

Faz-se necessário ainda retomar a Resolução do CNE de 28 de abril de 2020, que reitera a autonomia das instituições ou redes de ensino para tratar sobre a organização de seu calendário escolar, respeitando, é claro, a LDB e seu artigo 12 que prevê assegurar não apenas o cumprimento dos dias letivos e horas aulas estabelecidas, como também providenciar medidas que tenham como intuito a recuperação do baixo rendimento escolar.

Ressaltar isto é importante pois nos coloca na posição de produzir saberes e apoiar a construção de espaços de conhecimento múltiplos pelas diversas instituições e redes de ensino, tendo em vista a omissão do Ministério da Educação na proposição de medidas interventivas efetivas para a diminuição dos problemas que perpassam o espaço e cotidiano escolar no período de pandemia. Apesar de amparado por lei, o ensino à distância carece de um planejamento e medidas a nível de uma política do governo federal, sendo que este se omite, delegando às instituições estaduais e municipais a responsabilidade. Essa política de omissão de medidas efetivas para conter os impactos da COVID-19 é corroborada em práticas negacionistas da pandemia, que se alinham à corrente ideológica do atual governo, que vai contra dados científicos e recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Por diversas vezes, o atual Presidente da República mostrou-se contrário à paralisação das atividades, em destaque as escolas, como bem mencionado anteriormente. Em discurso uníssono, o ex-ministro da educação Abraham Weintraub, em uma entrevista à Jovem Pam, também pressionou para o retorno às aulas: “Não tem porque deixar tanto tempo parado. Eu acho um absurdo” (Martins, 2020). A postura de ambos, tanto do Presidente como do ex-Ministro da Educação, são orientadas pela máxima do governo de que “o Brasil não pode parar”.

Desobedecendo os direcionamentos da gestão federal, um levantamento do Conselho Nacional da Educação avaliou que ao menos dez Estados aderiram às plataformas online para transmitir as atividades educativas durante o período de março a maio de 2020, são eles: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Já Maranhão e Paraná aderiram às teleaulas, transmitidas pela TV aberta. Amazonas, Distrito Federal e Pará optaram pelas plataformas online e teleaulas (Oliveira, 2020). Estes dados demonstram o esforço da instituição escolar em se adaptar a um novo sistema de ensino baseado nas plataformas digitais, no entanto outras questões importantes atravessam o processo de pensar a educação em tempos de pandemia.

No final de maio de 2020 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, 2020) lançou uma nota de orientação na qual ressalta várias consequências adversas do fechamento das escolas, tais como “aprendizagem interrompida, confusão e estresse para os professores, pais despreparados para educação à distância, desafios para mensurar e validar a aprendizagem”. Estas são apenas algumas das questões citadas que devem ser levadas em consideração. Diante disso, em meio à crise política no Brasil e propostas controversas em relação à educação por parte do governo federal, quem ainda sofre, sobremaneira, são os estudantes. Especialmente os mais pobres que não têm condições de acesso ao ensino remoto mediado por tecnologias da informação e comunicação (TICs) e se veem prejudicados por lacunas que, se antes eram significativas, no atual contexto tornam-se imensuráveis. A seguir, buscamos discutir sobre as diversas iniquidades que colocam em perspectiva essa transferência para o ensino remoto.

Contextos de desigualdades sociais no acesso às tecnologias

Na saúde pública os impactos sanitários têm sido orientados através de estudos de vigilância sanitária e de protocolos de higienização, reverberando em soluções que visam uma contenção da pandemia nos diversos distritos sanitários. As medidas governamentais devem prever os diferentes contextos sociais em que esses distritos são organizados e se encontram em condições de vulnerabilidade, tais como os territórios rurais e periféricos. Emblemas como aglomeração populacional, pobreza, moradia de qualidade e acesso às políticas públicas são fatores de agravamento do contágio do coronavírus nesses espaços (Macêdo et al., 2020; Sposati, 2020).

Não obstante, os impactos extrapolam a dimensão da transmissão e assolam no cotidiano dessas populações, uma vez que o isolamento social em contextos de pobreza reverbera no alto índice de desemprego, nos contextos educacionais e colocam em evidência uma política de extermínio da população negra e periférica que não usufruem de sistemas e habitações de privilégios (Macêdo et al., 2020). Como aponta Sposati (2020, p.103), “A pandemia da COVID-19 amplia o risco social já existente para significativa parte da população brasileira. As suas iniquidades se agravam quando nela estão as maiores possibilidades de contaminação e morte, a vivência da fome e da violência”. A autora ainda afirma que o regime de trabalho home office ou de acesso à internet colocou à tona a disparidade desigual de recursos em que a população está inserida.

No contexto educacional, a Educação a Distância (EaD) é uma ferramenta de formação curricular já conhecida no país e que na pandemia ascendeu mediante seu caráter de ensino remoto mediado pelas tecnologias digitais. Como já mencionado seu uso tem sido adotado pelas entidades públicas e privadas como ação pressionada para garantir os sistemas de avaliação e indicadores de educação no país, mesmo não existindo garantia da eficiência ou equidade do acesso e uso da EaD por parte de estudantes e professores (França Filho et al., 2020).

Na corrida do setor educacional em manter suas atividades e pressionados por órgãos competentes, os autores França Filho et al., (2020) problematizam o discurso que impera no cotidiano das instituições educacionais que é adesão do chamado “acesso remoto” para se reportar ao uso imediato, imprevisto, e emergente de uma modalidade de ensino não-presencial e, que tem sido encaminhado pelas secretarias estaduais e municipais de educação como necessário ao seu funcionamento. Mesmo havendo uma recusa em nomear EaD, em virtude de ser uma condição temporária e marcada pela duração da pandemia, os autores entendem que essa questão discursiva não retira o fato de abarcarem o uso de tecnologias e mediação à distância dos processos de aprendizagem.

Como anteriormente relatado, no contexto educacional a EaD tem sido considerada uma alternativa para atenuar os efeitos da pandemia, em função do distanciamento social (Oliveira e Souza, 2020). Entretanto, discute-se a viabilidade desta ferramenta. Afinal, a educação é para quem? Pois devemos considerar que grande parte dos estudantes não possuem acesso aos meios tecnológicos e estrutura mínima para realizar homeschooling. Dessa forma, são muitos os desafios para os estudantes moradores das periferias onde muitas vezes o ambiente de casa não é propício, repleto de poluição sonora, iluminação precária e escassez de instrumentos e materiais. Longe dos grandes centros urbanos, soma-se ainda a impossibilidade de acesso a internet na sua própria residência, o que limita a orientação dos educadores para as atividades.

O acesso à internet por meio de dispositivos eletrônicos é uma das principais formas de se efetivar o acesso remoto de estudantes à educação. Entretanto, dados recolhidos no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (SPAECE) no ano de 2018 apontam que 73,1% dos/as estudantes da rede pública do estado não possuem acesso à internet em casa e 65,8% não possuem nenhum computador em seus domicílios. O maior número de acessos ocorre via aparelho de celular, com 82,5% dos alunos tendo em casa pelo menos um aparelho (Diário do Nordeste, 2020). Entretanto, a falta de redes banda larga nas residências diminui a qualidade da conexão, dificultando o acompanhamento de atividades, ainda que se tenha acesso a um celular com internet móvel. Dessa forma, mesmo com o envio de atividades e a realização de aulas online, a educação das crianças e dos jovens moradores/as de periferia, pobres e pretos/as e pardos/as, que estão presentes na escola pública, pode se encontrar, na maioria dos casos, comprometida ou até mesmo inviabilizada.

No contexto brasileiro há ainda dois fatores diretamente relacionados a marcadores socioeconômicos que deverão ser considerados após o retorno às aulas: empobrecimento da população levando a migração do ensino particular para o público; evasão escolar por não ter conseguido acompanhar as atividades de forma remota. Este último fator já é uma preocupação do Conselho Nacional de Educação (CNE), como mencionado em parecer do CNE/CP Nº: 5/2020, de possíveis causas relacionadas ao isolamento social podem vir a causar impactos como retrocessos frente aos processos educacionais, danos estruturais e sociais principalmente a estudantes e famílias de baixa renda, bem como abandono e evasão escolar.

Diante dessa situação, apesar do posicionamento de reposição das aulas quando no retorno presencial e de avaliações que levarão em consideração as possibilidades e impossibilidades de se relacionar com os conteúdos lecionados remotamente, é possível afirmar que a educação não está sendo garantida a todos/as nesse momento de isolamento social.

Assim, a exemplo, no caso do ENEM, o acesso à educação é duplamente negado a muitos/as jovens brasileiros/as: não é possível fazer parte de um processo de ensino remoto, garantindo a equidade com outros que estão participando da mesma seleção para o ensino superior, dificultando ainda mais que seja possível estar na universidade. Enquanto o ENEM e as ações afirmativas das cotas possibilitaram o ingresso de muitos/as estudantes de escola pública, negros/as, pardos/as e indígenas ao ensino superior (Jornal O Globo, 2020), uma fala como a do ex-ministro, anteriormente citada, vai na contramão dessa construção ainda incipiente, tratando o exame de forma estritamente meritocrática e desconsiderando a realidade socioeconômica brasileira.

Ressaltamos ainda que os desdobramentos frente às medidas adotadas para enfrentamento da pandemia, associados a conjuntura política do país, aumenta a complexidade dos impactos sofridos pelos estudantes. As dificuldades de gerenciamento de calendários escolares por parte dos gestores, as desigualdades de acesso, são apenas alguns fatores que geram pressão em toda a comunidade escolar pela busca de uma continuidade de resultados, mesmo diante de um momento de crise.

É possível a migração da escola presencial para “escola virtual”?

Discussões sobre a necessidade e/ou reivindicações da virtualização da escola não é uma preocupação que surgiu atualmente face às demandas impostas pelo distanciamento social. Uma problemática que há anos tem visibilidade por pesquisadores das ciências humanas e educacionais, curiosos por entender a entrada da mídia e tecnologias digitais no cotidiano escolar, levando muitos a questionarem sobre o futuro da instituição escolar. Merece destaque o livro “Entre redes e paredes: a escola em tempos de dispersão” de Paula Sibilia (2012) no qual a autora situa o quanto a arquitetura da escola, por espaço, currículo e pedagogia, se encontraria fragilizada na atualidade. A escola expandida a todos, como dispositivo moderno no contexto ocidental do Século XVIII e no Brasil tardiamente na primeira metade do Século XX, face às exigências de eficiência e de produção do capitalismo industrial, estaria em crise diante do capitalismo pós-industrial neoliberal atual, que exige do indivíduo proatividade e liberdade de empreendimento criativo. Haveria, segundo Sibilia (2012,) um descompasso entre as subjetividades juvenis, ávidas pela dispersão que a conectividade os convoca, e a disciplinada rotina escolar, que exige concentração e linearidade na aquisição dos processos de ensino e aprendizagem.

Acerca desse panorama, desenvolvemos nos últimos anos uma série de pesquisas, buscando problematizar os usos de mídias e tecnologias no cotidiano de jovens/adolescentes, seja em práticas formais ou informais, seja por discentes ou por docentes. Em diversos de nossos estudos com escolas públicas constatamos que o acesso à internet de muitos alunos estava restrito inicialmente a Lan Houses, rede de estabelecimentos como shoppings e ao espaço escolar (espacial pelos Laboratórios Educacional de Informática - LEI- e wi-fi), pois não dispunham de acesso à internet, por banda larga em suas residências (Viana, Rodrigues, Araujo, Khouri, Miranda e Colaço, 2011; Miranda, Souza Filho e Santiago, 2014). Por essa situação, jovens encontravam na escola, tanto LEI quanto pelo wi-fi para acesso via celular, a possibilidade de uso da internet, aproveitando para economizar seus pacotes de dados, com o uso voltado a interação em grupos de facebook e whatsapp. No entanto, em muitas das escolas o acesso à rede, devido tanto a sua estrutura, quanto pela tentativa de disciplinamento, não era aberta aos estudantes. Na época, uma fala de uma estudante de uma Escola Estadual de Ensino Médio ilustrava este cenário: “A internet da escola não acesso, eu acesso na escola porque o celular pega o wi-fi (sic) dos colegas”. (Khouri e Miranda, 2015, p.83) Era comum também que alguns secundaristas mais habilidosos hackeassem(sic) a senha de suas escolas para poder garantir o acesso. (Khouri e Miranda, 2015)

Neste contexto, engendra-se os desencontros nos cotidianos escolares: por um lado, alunos trazendo à dispersão das tecnologias para dentro de seus muros, e, por outro, professores surpreendidos e resistentes à presença das tecnologias em suas salas de aulas. Especificamente as questões relativas aos usos não autorizados do celular, acabavam por permitir trazer à tona uma série de questões próprias do cotidiano escolar: tais como: reprodução de um ensino verticalizado, constante disputas entre professor-aluno e, especialmente, a dificuldade da escola na construção de estratégias e aprendizados coletivos (Miranda, Oliveira, Shioga e Rodrigues, 2016). Por essa circunstância, os tensionamentos advindos dos usos não autorizados do celular em sala de aula acabaram sendo objeto de análise coletiva em um curso de extensão, utilizado como dispositivo de pesquisa, com professores de uma escola pública. Observamos que, em diferentes encontros, muito das dificuldades dos professores de problematizar coletiva e democraticamente com seus alunos os limites e possibilidades do uso do celular em sala de aula como dispositivo pedagógico, encontrava-se discursivamente amparada na lei estadual (Lei nº 14.146, de 25 de junho de 2008) que proibia o uso de equipamentos de comunicação, eletrônicos e outros aparelhos similares nos estabelecimentos de ensino, durante os horários de aula, exceto para fins pedagógico. No entanto, no decorrer do curso procuramos analisar coletivamente questões relacionadas ao desencontro intergeracional entre alunos e professores, a falta de estrutura escolar, a carência de temas relativos a mídias e tecnologias nas suas próprias formações, dentre outros fatores que acabavam em barrar um uso qualificado do celular como ferramenta pedagógica. A ideia era fugir do impasse do uso da tecnologia ser essencialmente ruim, ou por outro lado redentor da educação escolar, mas problematizar com as próprias escolas como estava se dando esse (des)encontro de duas tecnologias de época: escola e conectividade. (Miranda, Oliveira, Souza Filho e Souza, 2018; Ribeiro, Montenegro, Feitosa, Cardoso, Oliveira, Oliveira, 2016).

Se nas pesquisas anteriores as rotinas escolares mostravam tensionamentos e desconfianças frente a conectividade no cotidiano educacional, em tempos de distanciamento e isolamento social pelo COVID-19, temos um movimento inverso: agora são os processos escolares que buscam garantir a sobrevivência de estratégias pedagógicas, migrando para os ambientes virtuais de plataformas e redes sociais digitais. Dessa transferência, uma pesquisa encabeçada pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira [CIEB] (2020), em parceria com o Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e a Fundação Lemann, mapeou dados do cenário brasileiro, a fim de somar às Secretarias de Educação estratégias de enfrentamento nesse novo cenário. Ao todo, 3.011 Secretarias Municipais e 21 Secretarias Estaduais responderam à pesquisa, 54,5% e 77,8% do total nacional, respectivamente. Desse universo amostral, 83,8% das Secretarias Municipais e 95,2% das Estaduais possuem normativa sobre fechamento das escolas, a maioria das Secretarias colocam a suspensão das aulas presenciais e adiantamento das férias/recesso como principais medidas (CIEB, 2020).

Dentre as estratégias de ensino remoto apontadas na pesquisa, estão: transmissão via TV, disponibilização de vídeo aula, aulas online via redes sociais, disponibilização de plataforma online, envio de materiais digitais pelo professor, aulas online via rede social (multisseriada), envio de orientações genéricas via redes sociais, tutoria/chat-online, nenhuma opção e questões discursivas. A pesquisa mostrou que as principais estratégias adotadas pelas Secretarias Estaduais são as plataformas online e o compartilhamento via redes sociais de videoaulas. Já no âmbito municipal, a grande maioria declarou não ter adotado nenhuma estratégia das supracitadas (CIEB, 2020).

Uma questão importante que a pesquisa revelou é que, no âmbito da implementação do planejamento, em 54% dos municípios as estratégias ainda permanecem como ideia e 45% dos estados ainda planejam como executar, apenas 10% dos municípios e menos da metade dos estados analisados possuem, efetivamente, um processo estruturado de implementação. Além disso, a maioria das secretarias que participaram da pesquisa não operacionalizaram um plano de recolhimento de atividades dos estudantes, que permita a posterior avaliação e controle de presença dos alunos (CIEB, 2020).

Tal cenário demonstra o desafio da implantação de estratégias remotas diante da omissão do governo federal em propor medidas nacionais e o próprio histórico que as escolas possuem com as TICs. Apesar de cada instituição ter autonomia respaldada por lei, esse panorama pode acentuar uma desestruturação do sistema de ensino, que, além de lidar com a mudança repentina do cenário educacional, que se vê à mercê de um governo federal sem preparo para lidar com uma situação tão delicada, com profissionais despreparados nos primeiros meses da pandemia, para atender a esta súbita demanda sem o auxílio necessário para tal.

Filho (2020) salienta que a forma abrupta em que as mudanças ocorreram dificulta a transposição de um planejamento para as plataformas virtuais, ocasionando, muitas vezes, a reprodução de uma metodologia presencial para uma virtual, problema que ele denomina de arremedo da proposta pedagógica, precarizando o trabalho do professor, acentuando desigualdades e prejudicando a relação ensino-aprendizagem. Realizada às pressas, muitas vezes o que vemos é a educação bancária, denunciada há décadas por Paulo Freire, agora nas plataformas virtuais. Na educação dita bancária, o educador, sendo o que possui todo o saber, é o sujeito da aprendizagem, aquele que deposita o conhecimento. O educando, então, é o objeto depositário que recebe o conhecimento (Freire, 1987). A proposta freiriana de uma educação dialógica tem sido esvaziada no contexto remoto.

Garantindo a diferença entre clientela e a estrutura entre a rede pública e particular, percebe-se que diante da atual conjuntura do COVID-19, os responsáveis educacionais estão em uma tentativa de manter a aula a todo custo, mesmo com professores sem formação em tecnologias, alunos sem acesso a internet e estrutura mínima de utilizar destes recursos em casa, entre outras deficiências (Avelino, 2020). O trabalho de descoberta de uma nova escola, possível para alguns e quase impossível para outros, vem sendo construído na prática, em meio às diversidades e desigualdades socioeconômicas brasileiras.

Considerações finais: Aspectos psicossociais na (des)estruturação escolar

Na busca de problematizar a (des)estruturação dos processos escolares mediante a virtualização da educação brasileira em tempos de pandemia, trouxemos aspectos normativos, mas também psicossociais relativos à escola no contexto dos primeiros meses da pandemia no Brasil. Também buscamos discutir como as escolas lidaram com esta situação, haja vista o contexto de desigualdade de acesso às tecnologias e a mudança de relação de toda a comunidade escolar com o uso das mesmas. Não há pretensão de conclusão, visto que torna-se praticamente impossível qualquer esforço de análise definitiva diante de um processo ainda em curso.

Por outro lado, em nossa experiência enquanto supervisores de estágio, pesquisadores e extensionistas no âmbito da Psicologia no contexto educacional, temos sido interlocutores de diferenças heterogêneas de como as escolas têm vivenciado este período. Escolas que condicionam a presença dos alunos na aula online, ao uso do uniforme; escolas que facultam ao estudante assistir a aula em outro horário, deixando-a disponível; escolas que criam grupo de Whatsapp com cada turma como ferramenta pedagógica para tirar dúvida em horário letivo; apostilas distribuídas para alunos que não tem facilidade de acesso a internet; prazos de avaliações mantidos, prazos de avaliação flexibilizados; avaliações suspensas e ou adiadas para após o retorno às aulas presenciais... Enfim, temos observado que há escolas que neste momento tem priorizado a manutenção do vínculo com a instituição e com o próprio processo de aprendizagem, enquanto que outras permanecem focadas nos conteúdos considerados dados e no currículo.

Em seu livro “Em defesa da Escola”, os autores belgas Masschelein e Simons, advogam em favor da escola, com base no sentido grego skholé, tempo livre, lugar de reflexão sobre o mundo (Masschelein e Simons, 2013). Os autores afirmam que a escola é um lugar de suspensão. Suspensão da vida familiar, ao mesmo tempo suspensão de certa forma da ordem social, renovando e reforçando o que é público, traçando uma certa ordem do comum.

Acreditamos que, neste contexto, em que a própria escola presencial encontra-se suspensa e busca, como vimos, através do ensino remoto nas suas mais diversas estratégias, a manutenção do vínculo com a instituição escolar ser possível uma profunda reflexão sobre a sua função social. No momento em que parte do mundo pensa o que é realmente essencial, qual é o valor da vida, ou como reconfigurar vínculos solidários, talvez a escola possa contribuir nesta reflexão. Para tal, a nosso ver, interessa menos a questão da carga horária, ou do currículo a ser recuperado "a toque de caixa”, mas, sim, elaborar coletivamente sua suspensão. “A escola nunca mais será a mesma!” ouvimos alguns dizerem. Ora, o mundo pós-pandemia provavelmente também não será igual! Qual o direcionamento das possíveis mudanças? No momento ainda sobram incertezas e conjecturas…

Por ora, neste tempo ainda suspenso, várias mensagens são trocadas em aplicativos que falam desse momento para a educação escolar brasileira. Escolhemos para encerrar este trabalho, um cordel que circulou pelo whatsapp, onde um estudante que se apresenta como João Vitor, vestido com seu uniforme escolar, estudante de uma escola estadual de Pernambuco, declama:

“Logo eu que não estudo,/ hoje queria estudar, /mas por conta da pandemia,/fica difícil até relaxar./E que saudade da escola,/de aprender e de ensinar./Saudade daquela aula/que só o professor pode dar./Saudade dos meus amigos/que sempre vão me apoiar/e até da bendita merenda/eu consegui me lembrar./Me lembro de cada segundo,/cada coisa que tinha lá./Talvez isso seja preciso,/para o povo ter que lembrar,/que nenhum professor do mundo/é substituído por um celular./Que nenhuma vídeoaula/toma o lugar de professor,/que dedica a sua vida/a ensinar por amor./E é nesse momento de crise/que entendemos o seu valor./Mas fé no amanhã./Não deixe desanimar/que este vírus não retire/a vontade de sonhar./E logo logo tamo aí (sic),/e claro, para estudar!”

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