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Neuropsicologia Latinoamericana
versão On-line ISSN 2075-9479
Neuropsicologia Latinoamericana vol.6 no.3 Calle 2014
https://doi.org/10.5579/rnl.2014.0225
DOI: 10.5579/rnl.2014.0225
Produção discursiva e comunicação na doença de Alzheimer: uma revisão sistemática
Production du discours et communication dans la maladie d'Alzheimer: une revue systématique
Producción discursiva y comunicación en la enfermedad de Alzheimer: una revisión sistemática
Discourse production and communication in Alzheimer's disease: a systematic review
Gislaine Machado Jerônimo; Lilian Cristine Hübner
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
RESUMO
A queixa mais frequente de pessoas acometidas por Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) ou pela doença de Alzheimer (DA) é com relação aos déficits de memória. No entanto, já se sabe que a cognição como um todo é afetada na DA e, quanto mais a doença avança, maiores são os prejuízos cognitivos. Como se trata de uma doença cuja cura ainda é desconhecida, pesquisadores de áreas multidisciplinares vêm empenhando-se para atuar no seu diagnóstico precoce e na prevenção. Recentemente, a linguagem passou a ser um dos componentes cognitivos investigados na DA, com o intuito de se buscarem indícios linguísticos indicativos do surgimento e da progressão da doença. O presente artigo tem por objetivo averiguar um dos componentes linguísticos, qual seja a produção de discurso na DA. Para tanto, realizamos uma revisão sistemática de artigos publicados nas bases de dados SciELO, LILACS, SCOPUS e PubMed, entre os anos 1995 e 2013, incluindo estudos nacionais e internacionais. Verificamos que o número de trabalhos nessa área ainda é reduzido, sendo mais frequentes os estudos internacionais do que nacionais com amostra de população brasileira. Em termos dos principais achados, os estudos apontam para dificuldades no nível lexical, bem como problemas de coesão e coerência que afetam a produção discursiva, de um modo geral, essa caracterizada por pouca informatividade.
Palavras-chave: Linguagem, Produção do discurso, Doença de Alzheimer, Diagnóstico diferencial.
RESUMEN
La queja más frecuente de las personas que sufren de Deterioro Cognitivo Leve (DCL) o Enfermedad de Alzheimer (EA) se relaciona con déficits de memoria. Sin embargo, se sabe que la cognición como un todo se ve afectada en la EA y que, cuanto más avanza la enfermedad, mayor es el deterioro cognitivo. Dado que se trata de una enfermedad cuya cura aún es desconocida, investigadores de áreas multidisciplinares han estado tratando de actuar en el diagnóstico precoz y en su prevención. Recientemente, el lenguaje se ha convertido en uno de los componentes cognitivos más investigados en EA, con el fin de buscar evidencia lingüística indicativa de la aparición y progresión de la enfermedad. El presente artículo tiene por objetivo examinar uno de los componentes lingüísticos que se ve afectado en EA: la producción de discurso. Para ello, se llevó a cabo una revisión sistemática de artículos publicados en las bases de datos SciELO, LILACS, SCOPUS y PubMed, entre los años 1995 y 2013, incluyendo estudios nacionales e internacionales. Se encontró que el número de trabajos en dicha área aún es escaso y que son más frecuentes los estudios internacionales que los nacionales con muestras brasileras. En términos generales, las conclusiones principales de los estudios señalan dificultades en el nivel léxico, así como dificultades de cohesión y coherencia que afectan la producción discursiva en general, principalmente por su poca informatividad.
Palabras-clave: Lenguaje, Producción de discurso, Enfermedad de Alzheimer, Diagnóstico diferencial.
RÉSUMÉ
La plainte la plus fréquente des personnes souffrant de Déficience Cognitive Légère (DCL) ou la maladie d'Alzheimer (MA) est liée à des déficits de mémoire. Cependant, il est connu que la cognition dans son ensemble est affectée dans la MA et plus la maladie progresse, plus les troubles cognitifs. Comme ce est une maladie dont la guérison est encore inconnue, domaines pluridisciplinaires de chercheurs se efforcent d'agir sur le diagnostic précoce et la prévention. Récemment, la langue est devenue l'une des composantes cognitives étudiées dans MA, afin de rechercher des preuves linguistiques indicatif de l'apparition et la progression de la maladie. Cet article vise à examiner l'une des composantes linguistiques, à savoir la production de la parole dans MA, considéré comme une composante linguistique. Ainsi, nous avons effectué un examen systématique des articles publiés dans les bases de données SciELO, LILACS, SCOPUS et PubMed, entre 1995 et 2013, y compris les études nationales et internationales. Nous avons constaté que le nombre d'emplois dans ce domaine est encore faible plus fréquentes études internationales ressortissants de la population avec des échantillons brésiliens. En termes de résultats clés, les études soulignent des difficultés à niveau lexical, ainsi que la cohésion et la cohérence des problèmes relatifs à la production discursive, en général, qui ont caractérisé porhá peu informatif.
Mots-clés: Langue, Production de la parole, Maladie d'Alzheimer, Diagnostic différentiel.
ABSTRACT
The most frequent complaint in relation to Mild Cognitive Impairment (MCI) and Alzheimer's disease (AD) are memory deficits. However, we know that cognition as a whole is affected in AD. And the more the disease progresses, more prominent cognitive impairment seems to be present. Since it is a disease whose cure is still unknown, scholars from different fields - by means of an interdisciplinary approach - are engaged to work in its early diagnoses and prevention. Recently, language studies have started to be conducted in AD, aiming at searching for linguistics evidence indicating the onset and the progression of the disease. The present article aims at analyzing how language is impaired in AD, especially regarding discourse production. To this end, we conducted a systematic literature review, in the databases SciELO, LILACS, SCOPUS, and PubMed, between the years 1995 and 2013, including national Brazilian and international research data. We found that the number of studies in the area is still reduced, being international studies more common than national ones. In terms of main common findings, the characteristic verified in the majority of the studies is the reduced informative character of discourse.
Keywords: Language, Discourse production, Alzheimer's disease, Differential diagnostics.
Introdução
A característica mais comum na doença de Alzheimer (DA), mesmo em seus estágios iniciais, é a dificuldade com relação à memória (Chaves et al., 2011). Entretanto, sabe-se que na DA a cognição como um todo é afetada e, à medida que a doença progride, maiores são os danos cognitivos perceptíveis nas atividades diárias (Hydén & Örulv, 2009). Além dos componentes comumente investigados para diagnóstico e avaliação da doença, como as memórias, a atenção, as funções executivas, a linguagem pode ser um componente cognitivo valioso para o diagnóstico precoce da doença (Verna & Howard 2012), uma vez que representa um dos componentes cognitivos mais relevantes para a funcionalidade diária do indivíduo acometido pela DA.
Os primeiros estudos sobre linguagem na DA enfatizavam uma análise da produção e da compreensão no nível da palavra, e, às vezes, da frase, geralmente excluindo uma análise da produção e da compreensão discursiva (Brandão & Parente 2010). Essas pesquisas utilizavam como método principalmente testes de nomeação, fluência verbal, priming semântico e compreensão de palavras. Grande parte dos estudos publicados sobre linguagem na DA continuam valendo-se desses instrumentos, por serem de rápida aplicação para coleta de dados, bem como por propiciarem um bom diagnóstico complementar da doença, como os de nomeação (Mansur, Cartbery, Caramelli, & Nitrini 2005). No entanto, a partir de uma visão ampliada sobre a complexidade da linguagem e da comunicação humana, propiciada em grande parte pelos avanços das neurociências, muitos estudiosos passaram a conceber a linguagem como composta por outros aspectos de extrema relevância para a comunicação, os quais incluem aspectos pragmático-discursivos inseridos num contexto. Assim, algumas pesquisas passaram a incluir ou voltaram-se totalmente ao processamento discursivo. No caso da DA, investiga-se como as pessoas constroem suas narrativas ou demais produções discursivas, como compreendem o discurso que lhes é dirigido e como se dá o processamento semântico e pragmático, aliado à coerência global e local do que é enunciado (Salles & Brandão 2013). O estudo da produção do discurso, assim, passa a ter uma grande relevância na pesquisa voltada à demência, em especial na DA, o tipo mais comum de demência no idoso (Batista, 2009).
As investigações sobre a produção linguística da pessoa com DA têm analisado aspectos discursivos subjacentes à doença (Orange, 1996). Assim sendo, torna-se relevante buscar respostas para questionamentos como: quais características são essas? A que conclusões chegam os estudos na área sobre a produção linguística na DA? Que tipos de testagens são comumente realizadas para verificar a produção de discurso? Com o objetivo de responder aos questionamentos propostos, realizamos uma revisão de literatura sobre o tema, considerando estudos nacionais brasileiros e internacionais. Questões relativas aos dados coletados e aos métodos empregados nas pesquisas são levantadas e discutidas. Nas próximas seções, descreve-se o método empregado na pesquisa bibliográfica, seguido da apresentação e da discussão dos resultados obtidos.
Método
O presente artigo consiste em uma revisão sistemática, desenvolvida a partir de buscas de artigos nas bases de dados SciELO, LILACS, SCOPUS e PubMed, de acordo com os descritores eleitos, de modo a alcançar o cenário nacional e internacional dos últimos 19 anos. Os artigos pesquisados, portanto, datam de 1995 até o mês de dezembro de 2013.
A busca foi realizada com os seguintes descritores em Inglês: A) "Discourse Production" e "Alzheimer's disease" – foram encontrados 14 artigos na PubMed, 1 artigo na base SciELO, nenhum na LILACS e 19 na SCOPUS; B) "Narrative" e "Alzheimer's disease" – encontramos 94 artigos na PubMed, 1 artigo na base SciELO, 61 na LILACS e 140 na SCOPUS. Utilizando os mesmos descritores, porém em Língua Portuguesa, não encontramos nenhum artigo nas bases SciELO, PubMed e SCOPUS. Já na base de dados LILACS, encontramos 1 artigo com os descritores "Doença de Alzheimer" e "Produção do Discurso" combinados. Considerando os descritores em língua inglesa e portuguesa, ao todo, foram encontrados 331 artigos.
Devido à diversidade de assuntos abordados nos artigos encontrados, estabeleceram-se alguns critérios de exclusão, a partir dos quais excluíram-se artigos que tivessem um viés de escopo estritamente médico, os que não abordassem os prejuízos da linguagem na DA, os que abordassem outra questão linguística que não a produção de discurso e os que tratassem de outros tipos de demência que não a de Alzheimer. Revisões teóricas, teses e artigos repetidos foram igualmente descartados. Apenas 20 artigos enquadraram-se nos parâmetros propostos, tratando especificamente da questão da produção de discurso na DA. A Figura 1 apresenta a síntese do processo de seleção dos artigos.
A próxima seção apresenta os resultados obtidos a partir da análise dos artigos selecionados.
Resultados
Neste artigo não se tem o intuito de desenvolver uma análise dos testes utilizados no diagnóstico da DA, nem dos testes realizados para verificar o desempenho dos sujeitos nos demais componentes cognitivos, como memória, atenção e funções executivas, presentes nos artigos encontrados. Trata-se de uma opção de delineamento metodológica. Os testes e baterias aqui apresentados são restritos aos que objetivam examinar aspectos linguísticos presentes no discurso de pessoas com DA. Na sequência, serão abordados os estudos nacionais e internacionais sobre o assunto selecionados a partir da busca desenvolvida.
Estudos nacionais sobre produção discursiva na doença de Alzheimer
Concluída a busca e seleção de artigos, obteve-se apenas um oriundo de estudo realizado no Brasil em 2011. O principal objetivo desse estudo (De Lira, Ortiz, Campanha, Bertolucci & Minett 2011) foi trazer indícios linguísticos que pudessem avançar o conhecimento que se tem sobre as características do discurso na DA.
De Lira et al. (2011) investigaram o encadeamento da narrativa de pessoas com DA, procurando identificar as mudanças ocorridas no discurso desses participantes, como erros lexicais e trocas sintáticas. Comparados ao grupo controle, os participantes com DA apresentaram um nível microlinguístico prejudicado, evidenciando mais trocas lexicais, dificuldades de encontrar palavras e orações sintaticamente menos complexas. A Tabela 1 detalha o estudo reportado.
A seção que segue aborda os estudos internacionais encontrados na revisão sistemática que tratam da produção discursiva de pessoas com DA.
Estudos internacionais sobre produção discursiva na doença de Alzheimer
Diferentemente da pesquisa nacional sobre a produção discursiva na DA, ainda muito incipiente, os estudos internacionais encontram-se em maior número. Mesmo assim, a pesquisa sobre aspectos discursivos na DA, como um todo, ainda não é muito expressiva, uma vez que é bastante recente o interesse em investigar elementos do discurso de pessoas com DA, de forma a identificar o estabelecimento da doença e sua progressão, bem como oferecer um diagnóstico diferencial a esse tipo de acometimento.
Dos estudos internacionais encontrados a partir dos critérios estabelecidos, 19, são oriundos de diferentes universidades e centros de pesquisa. O maior objetivo desses estudos é buscar as características da produção verbal da população com DA, capazes de diferenciar a doença de outras demências, com o intuito de traçar um padrão de desempenho comunicacional de pessoas com Alzheimer.
Nessa direção, destacamos o estudo de Tsantali e Tsolaki (2013), intitulado "Could language deficits really differentiate Mild Cognitive Impairment (MIC) from mild Alzheimer's disease?". O título é um tanto provocador e os resultados bastante positivos. Após realizarem inúmeros testes de linguagem, os autores verificaram que de todos os testes aplicados, o mais sensível para a população com DA foi o de produção escrita, podendo esse ser considerado um instrumento de diagnóstico diferencial entre DA e CCL (Comprometimento Cognitivo Leve, em inglês MCI, Mild Cognitive Impairment). O CCL é um estágio de declínio cognitivo anterior à DA, que não necessariamente evolui a ponto de se tornar Alzheimer. Ainda em se tratando de população com CCL, temos o estudo de Schmitter-Edgecombre, McAlister e Weakley (2012), o qual buscou verificar a funcionalidade comunicativa desses pacientes no cotidiano. Os participantes com CCL demonstraram maior lentidão e menor acurácia para resolver a tarefa do que os controles.
Outras pesquisas incluídas na análise compararam o desempenho discursivo entre pacientes com DA e afásicos. É o caso do estudo de Carlomagno, Santos, Menditti, Pandolfi e Marini (2005), bem como o de Chapman, Highley e Thompson (1998). Em ambas as pesquisas, os autores relataram serem as dificuldades de ordem pragmática que interferem na informatividade comunicativa dos grupos com DA, em comparação com os grupos de afásicos. Já Laine, Laakso, Vuorien, e Rinne (1998) contrastaram a produção de discurso de um grupo com DA e outro com Demência Vascular (DVa), sendo que o primeiro grupo apresentou menos coerência global do que local em seu discurso, em relação ao segundo.
Dentre o próprio grupo de sujeitos com DA, a comunidade científica tem noticiado que pode haver diferenças quanto ao desempenho linguístico, devido ao nível de evolução da doença. A fim de verificar a questão de modo mais específico, Brandão, Castelló, Van Dijk, Parente e Peña-Casanova (2009)1 e Bayles (2003) reportam estudos que têm por objetivo verificar se participantes com DA leve e moderada apresentam alguma diferença significativa na resolução de tarefas linguísticas. Concluem que apresentam diferenças; entretanto, mencionam que há igualmente outras variáveis que interferem nesse resultado, como baixo desempenho em outras funções cognitivas. Estudos como estes apontam para a necessidade de se avaliarem mais detalhada a relação entre desempenho linguístico e cognitivo.
O estudo de Bridges e Sidtis (2013) avaliou a produção de expressões estereotipadas na fala de indivíduos com DA com início precoce e DA tardia. Os pesquisadores concluíram que, independentemente da idade na qual a doença se manifestou, ambos os grupos com DA demonstraram desempenho semelhante, fazendo mais uso de palavras estereotipadas do que o grupo de controles.
Chapman e Ulatowska (1995) agregaram à testagem de produção linguística, além de um grupo de DA e um de controle com idosos saudáveis, um grupo de adultos jovens, com o objetivo de fazer uma triangulação dos dados. O desempenho linguístico foi gradativamente diminuindo, desde o grupo dos adultos jovens até o grupo com DA. O discurso dos últimos se mostrou menos informativo.
Um estudo de caso longitudinal também foi encontrado na busca de artigos. É o estudo de Hydén e Örulv (2009), desenvolvido em cinco meses de coleta de dados e 150 horas de gravação em vídeo. Os autores buscaram verificar os recursos linguísticos remanescentes em um participante com DA. As análises do material coletado mostraram que, na falta de linguagem apropriada, a participante do estudo utilizou-se de recursos extralinguísticos, como gestos e variação na entonação. Ressalta-se, a partir desse estudo, a necessidade de observarem-se manifestações extralinguísticas de que o paciente pode lançar mão a fim de se comunicar, aspecto muitas vezes negligenciado nas pesquisas.
Na maior parte dos estudos encontrados, os participantes distribuíram-se em dois grupos distintos, um com DA e outro controle de idosos saudáveis (Brandão, Lima, Parente & Peña-Casanova, 2013; Ahamed, Garrord, Tager & Haigh, 2013; Shune & Duff, 2012; Lai & Lin, 2012; Ash, Moore, Vesely & Grossman, 2007; Duong, Giroux, Tardif & Ska, 2005; Ska & Duong, 2005; Duong, Tardif & Ska, 2003; Ehrlich, Obler & Clark, 1997). Os grupos eram compostos entre 5 e 53 participantes cada, mas os resultados foram bastante homogêneos, apontando para um discurso prejudicado na DA.
Um panorama resumido dos estudos internacionais acima elencados pode ser encontrado na Tabela 2. Os estudos estão organizados de forma decrescente em termos do ano de sua realização, contendo informações da autoria, objetivos propostos, tipo de teste de linguagem aplicado e resultados encontrados.
Nesta seção, foram apresentados os estudos nacionais e internacionais encontrados em nossa busca, incluindo-se os objetivos propostos, tipo de tarefa, características da população estudada e os principais resultados por eles encontrados. Na seção a seguir, tais estudos serão retomados. Dessa vez, com foco nos instrumentos linguísticos utilizados e em outros aspectos metodológicos, assim como nos tipos de dificuldades discursivas mais presentes, de modo a responder aos questionamentos propostos inicialmente: quais as características da produção discursiva na DA, segundo estudos já realizados? Que tipos de testagens são comumente utilizadas? Apresentaremos igualmente as explicações trazidas pelos pesquisadores em relação às dificuldades discursivas encontradas pelos participantes com DA ou CCL.
Instrumentos linguísticos, aspectos metodológicos das pesquisas revisadas e discussão
Dentre os estudos que compuseram o corpus aqui analisado, selecionado a partir dos critérios listados anteriormente, apenas um foi desenvolvido no nosso país. A ênfase nesse estudo recaiu sobre aspectos microlinguísticos, envolvendo questões lexicais e sintáticas (De Lira et al., 2011), do discurso na DA. Os dados foram coletados a partir da produção de narrativa baseada em sete cenas de uma história. Os maiores prejuízos linguísticos dos pacientes reportados no estudo foram dificuldade em encontrar palavras e repetições lexicais. Por fim, De Lira et al. (2011) destacaram o instrumento de criação narrativa com figuras como útil na investigação de linguagem na DA.
Os estudos internacionais, assim como o único estudo nacional encontrado, apresentaram em maior parte uma abordagem quantitativa. Dentre os instrumentos de linguagem, foram encontradas diferentes abordagens (ver Tabela 3), as quais classificamos em sete grupos: produção de narrativa livre, produção de narrativa baseada em cenas de histórias, produção de narrativa baseada em figura (Teste do Biscoito), produção descritiva, produção escrita, atividade de referência colaborativa e atividade de reconto.
Na Tabela 3, é trazido um panorama dos estudos discutidos nesta seção, com ênfase nas tarefas linguísticas, metodologia, desempenho dos participantes e explicações.
No primeiro grupo, a atividade de produção de narrativa livre, sem auxílio de pistas dadas por figuras, foi desenvolvida por meio de entrevista. Sete estudos enquadraram-se nessa modalidade. Os tópicos solicitados para a realização das narrativas foram variados. Dois estudos de Brandão et al. (2009; 2013) tiveram por foco a construção de uma narrativa sobre o dia do casamento. As dificuldades encontradas pelos participantes encontraram-se no nível da coerência global (Brandão et al., 2009) e produção de proposições incompletas e repetidas (Brandão et al., 2013). Para ambos os estudos tais dificuldades foram atribuídas a prejuízos em outros componentes cognitivos, especialmente na memória semântica e na episódica. No estudo de Bridges e Sidtis (2013), os participantes eram convidados a narrar fatos da vida e do trabalho. Os participantes fizeram uso de proposições pouco informativas; no entanto, o objetivo dos pesquisadores era verificar a utilização de expressões estereotipadas (expressões idiomáticas, provérbios, expressões convencionais, palavrões e pausas), no decorrer da história contada pelos participantes. As autoras identificaram que essa é uma capacidade preservada na DA, independente do estágio da doença. A justificativa para tanto é que haveria um duplo processamento da função cerebral que trabalha diferentemente expressões estereotipadas e expressões literais. Já Shimitter-Edgecombre e colegas (2012) pediram que os participantes narrassem um dia de folga. Os autores perceberam a necessidade de maior tempo para a resolução da atividade e menor acurácia linguística nos participantes acometidos pela DA, em relação aos saudáveis. Os autores aliaram esse desempenho a dificuldades de memória. Narrar um dia com a família foi tema do estudo de Lai e Lin (2012). As maiores dificuldades em tais produções narrativas relacionam-se com a produção de marcadores discursivos. Este estudo enquadrou-se em uma perspectiva mais descritiva, cujo objetivo foi de pontuar e descrever as dificuldades presentes na produção discursiva de pessoas com DA, sem propor alguma explicação para as dificuldades percebidas. Ainda nessa linha de estudo descritivo, temos a contribuição de Hydén e Örulov (2009). A narrativa solicitada foi a história vivenciada para tirar a carteira de motorista, sendo que aspectos temporais e referenciais foram negligenciados durante a narração pela participante desse estudo de caso. Laine et al. (1998) pediram aos participantes para narrar uma história ocorrida no local de trabalho. Semelhante ao resultado obtido na pesquisa de Brandão et al. (2009), a coerência global mostrou-se prejudicada, dificuldade que, de acordo com Laine et al. (1998), é decorrente de um conhecimento semântico danificado.
O segundo grupo foi igualmente criado a partir da análise do tipo de tarefa. Nesse grupo, enquadramos as produções de narrativa baseadas em cenas de histórias, destacando seis estudos. Duong et al. e Ska e Duong, ambos no ano de 2005, trabalharam com a produção de duas narrativas. A primeira a partir de uma imagem que alude a um assalto a banco e a segunda, a partir de sete imagens, que representam um pequeno acidente provocado por um menino e sua irmãzinha deixados sozinhos no carro, enquanto sua mãe entra em uma loja. Segundo as pesquisadoras, falta de um padrão discursivo e dificuldade no uso da microestrutura e do modelo situacional foram evidenciadas na produção das histórias. Duong et al. (2005) atribuíram tais padrões a outras dificuldades cognitivas, enquanto que Ska e Duong (2005) postularam que tal resultado tem o potencial de diferenciar o padrão de pessoas com DA de controles, podendo servir de contribuição para o trabalho de linguagem na clínica de fonoaudiologia. Em estudo anterior, Duong et al. (2003) já haviam mencionado dificuldades com referentes e ideias repetidas na DA. Chapman et al. (1998), Ehrlich et al. (1997) e Chapman e Ulatowska (1995) analisaram a produção de histórias, com base em uma figura única e uma história composta por três figuras. Os autores corroboraram estudos anteriores indicando dificuldades de coerência discursiva, bem como a utilização de frases curtas e fragmentadas na DA, dificuldades essas que seriam de ordem pragmática, léxico-semântica e cognitiva.
O terceiro grupo também trabalhou com estímulo pictórico. Trata-se de uma figura bastante conhecida, o Teste do Roubo do Biscoito, do inglês (The Cookie Theft Picture, de Nicholas e Brookshire (1993). Uma vez que o teste é composto por uma única figura, a literatura na área apresenta certa divergência. O que se questiona é a forma de utilização da figura, se ela serviria mais para a produção de um texto descritivo, uma vez que ela convida à descrição dos elementos, ou à produção de uma narrativa.
Tal divergência pode ser amenizada com a instrução dada ao participante, na qual se deve enfatizar a solicitação de uma narrativa, ao invés de uma descrição dos elementos e acontecimentos retratados na figura. Nos três estudos encontrados, a solicitação era a produção de uma narrativa. Os autores (Ahmed et al., 2013; Ash et al., 2007; Carlomagno et al., 2005) encontraram dificuldades de ordem sintática, na coerência, manutenção do tema, acurácia do conteúdo e informatividade, ao longo da produção discursiva dos participantes. Corroborando outros estudos, os autores justificaram serem essas características relacionadas a dificuldades semânticas, cognitivas e pragmáticas.
O quarto grupo mensurou a produção escrita do tipo descritiva. Dois estudos compuseram esse grupo - no primeiro deles (Lai & Lin, 2012) o Teste do Roubo do Biscoito foi utilizado, e no segundo (Bayles, 2003) a solicitação foi a descrição de um objeto. Os autores verificaram dificuldades dos participantes com DA no uso de marcadores discursivos, bem como no grau de informatividade do discurso. Considerando especialmente o estudo de Lai e Lin (2012), com relação ao Teste do Biscoito, é possível averiguar que, independente do tipo de texto solicitado (produção descritiva ou narrativa), os resultados têm sido congruentes.
Os demais grupos, de produção escrita (Tsantali & Tsolaki, 2013) e reconto (Chapman et al., 1998), igualmente relataram déficits com relação à qualidade da informação enunciada pelos participantes com DA e prejuízos de escrita. No entanto, nem todos os estudos reportaram prejuízos discursivos na DA. Shune e Duff (2012), com a Atividade de Referência Colaborativa, encontraram resultados positivos ao propor uma atividade com jogo, em que a produção de linguagem lúdica foi observada. As autoras referiram ser essa uma habilidade preservada na DA.
Os estudos abordados acima, como se pôde observar, valeram-se de diferentes métodos de coleta de dados. Tais métodos mostram-se frutíferos na pesquisa com DA. No entanto, cada método possui suas peculiaridades, apresentando tanto aspectos positivos como certas limitações. A produção de narrativa livre mostra-se bastante eficiente, enquanto teste ecológico. Porém, a análise dos resultados é mais dificultosa. A produção de narrativa baseada em uma única figura, por sua vez, mostra-se um método útil por oferecer pistas semânticas para a construção do texto. Ao mesmo tempo, pelo fato de haver uma única figura, pode levar à construção de um texto descritivo e não narrativo. A produção de narrativa baseada em cenas de história, dependendo da figura, pode ser uma tarefa difícil no caso de baixa escolaridade, entretanto diminui a carga nas memórias de trabalho e episódica por fornecer pistas visuais para a construção da história. A produção descritiva, com base em uma figura ou objeto, recruta a memória semântica. Ao mesmo tempo, não onera a memória de trabalho. A produção escrita beneficia participantes com escolaridade mais alta, tornando-se menos útil na pesquisa com baixa escolaridade e impraticável com participantes analfabetos. A atividade lúdica de jogos parece bastante frutífera, com ônus de depender da colaboração de outrem. Por fim, a atividade de reconto traz benefícios ao poder mensurar compreensão e produção de discurso, sendo uma técnica mais fácil de tabulação. No entanto, permite menor liberdade comunicativa.
Considerando o exposto, é possível afirmar, portanto, que não há uma técnica de coleta de dados que seja completa, contemplando somente vantagens, sem apresentar limitações. Assim, a escolha da técnica é uma etapa bastante importante da pesquisa, a qual deve ser feita com base nos objetivos do estudo e características dos participantes.
Considerações finais
A partir da pesquisa realizada nas bases de dados SciELO, PubMed, LILACS e SCOPUS, atinente aos estudos sobre produção discursiva na DA, foi verificado que há um número bem mais expressivo de estudos internacionais do que nacionais. No entanto, é importante mencionar que tal fato não exclui a possibilidade de haver estudos nacionais na área, publicados em bases de dados não selecionadas para esta revisão.
A fim de responder ao primeiro questionamento, o qual trata dos tipos de testagens mais comuns nas pesquisas sobre a produção de discurso na DA, verificou-se que na maior parte, as produções discursivas partiram de narrativas livres, isto é, sem apoio de pistas dadas por figuras. Produções narrativas, com pistas dadas por uma ou mais figuras - também foram bastante comuns nos estudos encontrados. Nem todos solicitaram discurso de tipo narrativo, alguns investigaram a produção de discurso descritivo. Ademais, encontrou-se um estudo com produção escrita, outro com reconto e ainda outro com produção lúdica, por meio de um jogo interativo entre o participante e um familiar.
Referente ao segundo questionamento sobre as características da produção discursiva na DA, independente da metodologia utilizada, do estímulo e da instrução, os resultados mostraram-se bastante homogêneos. As principais dificuldades encontradas foram: dificuldade em encontrar palavras, repetições lexicais, problemas com coerência global, uso de proposições incompletas e repetidas, uso de proposições pouco informativas, necessidade de maior tempo na resolução da atividade e menor acurácia linguística, falta de marcadores temporais e referenciais, pouca coerência global, falta de um padrão discursivo, dificuldade na microestrutura e no modelo situacional da narrativa, utilização de frases curtas e fragmentadas, pouca complexidade sintática, falta de manutenção do tema, baixa acurácia do conteúdo e um discurso pouco informativo, assim como prejuízos de escrita. Assim, o discurso na DA, como um todo, mostrou-se pouco informativo não só quando comparado ao de controles, mas igualmente na comparação de desempenho linguístico com Demência Vascular, Comprometimento Cognitivo Leve e Afasia.
No entanto, nem todos os estudos reportaram prejuízos no discurso produzido pelas pessoas com DA. Um deles verificou que expressões lúdicas se mantêm presentes no discurso, ao longo do curso da doença. Outro constatou que expressões formulaicas não se degradam na DA, como palavrões e expressões idiomáticas.
O que ficou evidente é a relevância da análise da produção discursiva como uma forma complementar de diagnosticar a doença. Entretanto, estudos ainda são necessários para efetivamente obter-se uma delimitação entre os tipos de demências e o Comprometimento Cognitivo Leve a partir da avaliação linguística.
Como sugestão para trabalhos futuros, ressalta-se a importância de mais estudos com a população brasileira, haja vista a pequena quantidade de estudos na área. Tal importância se dá na medida em que as mesmas técnicas utilizadas em estudos internacionais podem ser replicadas e pareadas com características peculiares do idoso brasileiro com DA.
Ademais, dados de pesquisas brasileiras, aliados a dados de pesquisas de outros países latino-americanos, podem contribuir para que se obtenha um panorama do perfil discursivo do idoso com DA da América Latina, uma vez que as características populacionais se aproximam em termos de escolaridade e semelhança dos idiomas oficiais.
Por fim, é importante ressaltar que os estudos aqui abordados são em sua maioria de natureza multidisciplinar, envolvendo a Neurologia, Psicologia, Fonoaudiologia, Psiquiatria e Gerontologia. Há, contudo, a carência de uma interface mais forte com a Linguística, área especializada no estudo dos componentes discursivos em questão. Uma interface mais consolidada das demais áreas com a Linguística permite um estudo teoricamente mais aprofundado. A Linguística igualmente pode oferecer aporte a pesquisas de cunho mais qualitativo. Sugerimos, desse modo, pesquisas que efetivem mais fortemente essa interface e envolvam o processamento discursivo da linguagem na DA, aspecto investigado ainda de forma incipiente tanto no país quanto no exterior.
Referências
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Endereço para correspondência
Gislaine Machado Jerônimo
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras (Linguística)
Avenida Ipiranga, 6681, Prédio 8, sala 427
CEP 91530-000, Porto Alegre, RS – Brasil
E-mail: gislaine.mjeronimo@gmail.com
Artigo recebido: 25/09/2014
Artigo revisado: 04/11/2014
Artigo revisado (2ª revisão): 10/12/2014
Artigo aceito: 31/12/2014
1 Ressalta-se que a primeira autora deste estudo, bem como do estudo referido como Brandão et al, (2013), é brasileira, porém os dados dos estudos foram coletados fora do Brasil, com participantes espanhóis.