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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.5 no.2 São Paulo  2013

 

Artigo

 

Grupo de break do assentamento José Lourenço: construção de sociabilidade e identidade juvenis

 

The settlement of break's group of José Lourenço: construction of juvenile and sociability

 

Grupo de break de la ocupación José Lourenço: construción de identidades juveniles y sociabilidad

 

Ana Paula Neves LopesI; Celecina de Maria Veras SalesII; Jaiane Araujo de OliveiraI; Francisca Lidiane Araújo de SouzaII

I Universidade Estadual do Ceará (UECE)

II Universidade Federal do Ceará (UFC)

 

 


RESUMO

Objetivamos analisar o significado do grupo de Break para os jovens do assentamento José Lourenço, localizado em Chorozinho-CE, buscando identificar as repercussões do grupo na construção das sociabilidades e identidades juvenis. Privilegiamos o trabalho de campo e procedimentos como observação, diário de campo, entrevistas e grupo focal. Verificamos que é em meio ao grupo que os jovens vão construindo sua história, desenhando seu caminho, projetando seus sonhos. Observamos que o grupo de Break é também o grupo de amigos, que conversam, assistem filmes, passeiam juntos, construindo assim, sociabilidades e identidades. Para os jovens o grupo constitui um espaço de amizade, aprendizagem, convivialidade e lazer, assumindo dessa forma, uma importância significativa em suas vidas

Palavras-chave: Grupo de Break; jovens; sociabilidades; identidades juvenis.


ABSTRACT

This study aimed to analyse the meaning of the Break's Group to the José Lourenço Settlement's young people, in Chorozinho-CE, seeking to identify the influence of the group in the construction of the identities and sociability of the youth. We favored the fieldwork and observation as procedures, field diary, interviews and group of discussion. We discovered that is among the group that young people are building their history, tracing their path, projecting their dreams. We noted that the Break's Group is also the group of friends that chat, watch movies and stroll together, creating this way their sociability and identities. For the young people the group is an source of friendship, learning, leisure and conviviality, and thereby assumes a significant importance in their lives.

Keywords: Break's Group; youth; sociability; youth identities.


RESUMEN

Objetivamos analizar el significado del grupo de Break para los jóvenes del asentamiento José Lourenço, que se encuentra en Chorozinho-CE, tratando de identificar los efectos del grupo en la construcción de las sociabilidades y las identidades juveniles. Privilegiamos el trabajo de campo y los procedimientos como la observación, diario de campo, entrevistas y grupo de enfoque. Verificamos que es en el grupo que los jóvenes están construyendo su historia, creando su camino, dibujando sus sueños. Observamos que el grupo de Break es también el grupo de amigos, que charlan, ven películas, pasean juntos, construyendo así, sociabilidades e identidades. Para los jóvenes el grupo es un espacio de amistad, aprendizaje, convivencia y ocio, asumiendo así, una importancia significativa en sus vidas

Palabras-clave: Grupo de Break; jóvenes; sociabilidades; identidades juveniles.


 

 

Introdução

Tendo os jovens como os principais sujeitos em estudos, consideramos importante destacar que trabalhamos com a visão de juventude em sua diversidade, considerando os jovens como sujeitos da história, produtores de cultura, que se organizam em grupos e redes. Consideramo-los a partir de suas realidades, das diferenças culturais, simbolizada e vivida pela diversidade de classe, gênero, etnia, orientação sexual e territorial.

Entendemos, assim como Groppo (2000), Pais (2003), Dayrell (2003), Sales (2010), Damasceno (2001), entre outros autores, a juventude no plural, como forma de enfatizar a diversidade dos modos de ser dos jovens. Vista dessa forma, a juventude deixa de ser analisada por critérios rígidos e passa a ser considerada de forma flexível e de acordo com as experiências vividas nos diferentes contextos sociais.

Pais (2003) nos propõe olhar a juventude tanto do ponto de vista da unidade como da diversidade. No primeiro quando comparado a outras gerações; o segundo quando vista como um conjunto social com atributos sociais que diferenciam os jovens uns dos outros.

Groppo (2000) define a juventude como categoria social, o que permite defini-la como algo mais que uma classe social ou faixa etária. Permite que a juventude seja considerada, ao mesmo tempo, uma representação sócio-cultural e uma situação social. Dessa forma, a juventude é uma criação simbólica produzida pelos próprios jovens para significar uma série de comportamentos e atitudes vividos em comum.

Apesar dos significativos avanços nos estudos sobre juventude, poucos ainda têm sido àqueles relacionados à juventude rural. Como destaca Sales (2007), "os jovens rurais pouco aparecem nos estudos, eles são excluídos até da iconografia medieval. Mesmo em estudos recentes, quando se referem aos jovens, fica subentendido que são do sexo masculino e do meio urbano" (p.80).

Existem poucas pesquisas sobre o universo social e cultural dos jovens rurais e os estudos que são realizados são voltados, geralmente, para o universo do trabalho, seja na unidade familiar ou fora dela (Carneiro, 2005).

Brumer (2007) observa que a tematização da categoria de juventude rural, tem focalizado dois temas recorrentes: a tendência migratória dos jovens, em grande parte justif icada por uma visão relativamente negativa da atividade agrícola e dos benefícios que ela propicia e as características ou problemas existentes na transferência dos estabelecimentos agrícolas familiares para a nova geração.

A juventude rural é definida por Carneiro (2005) como uma categoria fluida, imprecisa, variável e extremamente heterogênea, que permanece na invisibilidade de participação nas esferas da vida social, dificultando dessa forma a sua inserção no mundo globalizado.

Sales (2003) ressalta que embora as famílias dos jovens das áreas de assentamento tenham o mesmo modo de vida, todos trabalhem na agricultura, morem em casas semelhantes e partilhem de muitas situações comuns, estes jovens não formam um grupo homogêneo, linear, são diversos entre si.

Em pesquisas realizadas anteriormente com a juventude do campo e da cidade, tivemos experiências diversas com grupos de jovens que apresentam concepções diferentes de juventude. No campo, por exemplo, um dado que evidenciamos é que os/as jovens depois que se casam, mesmo que sejam ainda muito novos/as não se consideram mais jovens e não são considerados pela comunidade como jovens devido a uma série de responsabilidades que passam a assumir, principalmente quando tem filhos. Já na cidade, essas características mudam. Os/as jovens tendem a prolongar o tempo da juventude, devido principalmente, ao maior período que dedicam aos estudos e as dificuldades em sair da casa dos pais e conseguir se manter sozinhos/as.

Nessas pesquisas já havíamos também percebido a importância do grupo para os jovens. Essa importância se expressa pela necessidade de estar entre "os iguais" na busca da construção de suas identidades. Na realidade, a necessidade de estar sempre interagindo com outros sujeitos é uma necessidade do próprio ser humano e como aponta Simmel (1983) a sociedade só é possível como resultante das interações entre os indivíduos nas suas múltiplas formas, uns com os outros, contra os outros e para os outros.

A sociabilidade é uma forma de sociação, a forma mais livre de viver a vida, livre de todos os conteúdos. Mesmo em encontros por objetivos definidos e específicos, existe socialização e o prazer de estar uns com os outros reunidos. A forma como este processo se desenvolve passa a ser a sociabilidade, que ocorre quando os indivíduos passam a interagir surgindo a interação, sempre a partir de determinados impulsos ou da busca de certas finalidades (Simmel, 2006). Isso demonstra a necessidade humana de estar com o outro, interagir, formar laços.

Também observamos que nas áreas de assentamento os espaços de lazer são restritos, precisando os jovens encontrarem novas formas de criar e reinventar esses espaços e a maneira de vivenciá-los. É assim com os jovens do assentamento José Lourenço que além do grupo de Break, tem o grupo da banda, do futebol, da dança, os grupos religiosos, os grupos de amigos. E mesmo não encontrando local disponível na comunidade para se reunirem, os jovens do Break ensaiam na casa de um dos integrantes do grupo.

Observamos que os/as jovens, nos seus grupos culturais formam sua visão crítica da realidade e o desejo de modificá-la. Percebemos também, em muitos casos, que participar de um grupo, uma associação, de um movimento social, significa um despertar e se preparar para a vida.

Nesse contexto, objetivamos com esse trabalho analisar o significado do grupo de Break para os jovens do assentamento José Lourenço, buscando identificar as repercussões do mesmo na construção das sociabilidades e identidades juvenis

 

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Esse trabalho consiste em um recorte de uma pesquisa maior intitulada: Juventudes Grupalidades e Lazer, realizada entre agosto de 2011 e junho de 2012 com jovens do campo e da cidade, em uma escola profissionalizante de Fortaleza e em um assentamento rural do Ceará. O trabalho foi desenvolvido através do Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará.

A pesquisa foi realizada com os jovens integrantes do grupo de Break do assentamento José Lourenço situado no município de Chorozinho, sertão central da região Centro-Sul do Ceará a 64 km de Fortaleza e a 4 km da sede do município.

Foi privilegiado o trabalho de campo e procedimentos baseados em uma abordagem qualitativa, como observação, diário de campo, entrevistas e grupos focais. Buscamos sempre assumir uma postura investigativa de valorização do saber e da escuta dos sujeitos, entendendo os jovens a partir de suas falas, valorizando o discurso e a compreensão que eles têm sobre sua realidade e sobre eles mesmos.

A pesquisa qualitativa para Minayo (2010) consiste no "estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam" (p. 57).

Para discutirmos e compreendermos os resultados da pesquisa realizamos durante todo o processo o estudo das categorias teóricas: juventude, juventude rural, culturas juvenis, identidades, sociabilidade, lazer, grupalidades. Os autores fundamentais para uma melhor reflexão e aprofundamento das categorias teóricas e dos dados empíricos da investigação foram: Pais, Dayrell, Carrano, Sales, Damasceno, Simmel, dentre outros.

A observação acompanhou todo o processo de realização do estudo. "Observar é contar, descrever e situar os fatos únicos e os cotidianos, construindo cadeias de significação" (Cardoso, 1986). A observação em si consiste na busca em coletar e registrar os fatos do cotidiano de um determinado grupo sem a utilização de meios técnicos especiais, apenas o olhar. Quanto à observação participante, esta se distingue da observação comum por favorecer maior integração entre investigador e investigados, fazendo com que o primeiro deixe de ser apenas um observador externo dos acontecimentos para participar ativamente dos mesmos (Boni & Quaresma, 2005).

A observação consiste na aprendizagem de olhar o outro para conhecê-lo, significa aguçar nosso olhar para perceber detalhes que poderiam passar despercebidos ou serem considerados triviais de primeiro momento, e fazendo isso, estamos simultaneamente buscando nos conhecer melhor (Rocha & Eckert, 2008).

Realizamos grupo focal com os sujeitos para a discussão conjunta da temática em estudo. Como aponta Boni e Quaresma (2005), os grupos focais têm como principal objetivo estimular os participantes a discutir determinado assunto através de um debate aberto sobre o tema.

Outra técnica utilizada foi a entrevista, buscando aprofundar as informações colhidas através das observações e do grupo focal. "Na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde" (Fraser & Gondim, 2004, p. 33).

As observações, conversas com os sujeitos, informações obtidas nas entrevistas e grupo focal foram registrados no diário de campo, este constitui num caderno de anotações, no qual o pesquisador registra tudo o que é observado. Nele devem ser escritas percepções pessoais resultantes de conversas informais, observações de comportamentos contraditórios com as falas, manifestações dos interlocutores quanto aos vários pontos investigados, entre outros aspectos (Minayo, 2010).

A pesquisa agregou registros etnográficos, uma vez que, se fez necessário a inserção dos pesquisadores em uma realidade distinta para conviver com os sujeitos em estudo. Inicialmente para conhecer o ambiente e os sujeitos e com o decorrer do tempo estabelecer uma maior interação com os jovens. "A maior preocupação da etnografia é obter uma descrição densa, a mais completa possível sobre o que um grupo particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que eles têm do que eles fazem" (Mattos, 2001, p. 03).

A metodologia utilizada para a realização deste trabalho de pesquisa procurou enfatizar a integração entre pesquisador/pesquisado, através da valorização dos sujeitos em estudo, entendendo-os como jovens que possuem desejos e conflitos, numa relação de respeito que privilegia a escuta dos investigados e reconhece a contribuição de seus saberes. Assim, a investigação teve o objetivo de conduzir às atividades para um maior envolvimento e participação dos jovens e das jovens em todas as etapas, de forma que houvesse entrosamento e sintonia entre pesquisador e pesquisado.

Para o alcance dos objetivos traçados foi necessário enquanto pesquisadoras assumir uma postura de investigadoras, aguçando nossos olhares de observadoras e ativando nossa criatividade na introdução de técnicas que possibilitassem a concretização das metas, mas também comportando-se como seres humanos dotados de sentimentos e capazes de colocar-se no lugar do outro, respeitando os sujeitos e sua cultura.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

É uma necessidade marcante da juventude pertencer a um grupo, ter um ciclo de amigos, de afetos e de identificações. É uma forma de se expressar, de se constituir enquanto sujeito perante si mesmo e perante a sociedade. Pertencer a um grupo significa estabelecer semelhanças e diferenças em relação aos outros (Pais, 2003); "descobrir-se como indivíduo, buscando sentido para a existência individual" (Dayrell, 2005, p.15). É com o grupo que os/as jovens podem falar de si, "trocar ideias", fazer programas, e construir relações de confiança.

Na sociedade contemporânea a cultura, a informação e o acesso a formas simbólicas em suas diferentes linguagens, alcançaram um nível de produção ecirculação nunca antes visto, ou seja, surgiu um universo cultural plural e diversificado e, que, portanto, necessita de novas formas de compreender as experiências de socialização vividas na contemporaneidade (Setton, 2005).

As novas instâncias socializadoras, como os meios de comunicação de massa, as redes sociais e as diversas afiliações a que os sujeitos estão imersos partilham com a família e a escola uma responsabilidade pedagógica. Os processos de socialização não podem mais ser vistos de forma homogênea, mas sim levando em consideração a variedade de experiências a que os sujeitos estão vivenciando na atualidade. As ações educativas não se realizam apenas nos espaços institucionais tradicionais.

As práticas de interação entre os jovens estão muito relacionadas aos grupos, seja o grupo de amigos ou qualquer outro tipo de agrupamento social da juventude. Pais (2008), afirma que não haveria sociedade sem a existência de afiliações sociais entre as pessoas, ressaltando a necessidade e a importância dos grupos, principalmente na vida dos jovens. Ressalta ainda que o tempo coletivo que os jovens passam no grupo é sentido como um tempo mais significativo que qualquer outro para a realização dos seus desejos de marca especificamente juvenis.

O grupo de break do assentamento José Lourenço surgiu aproximadamente em 2008 e no período da pesquisa eram 10 integrantes, destes apenas uma mulher. A jovem participante é irmã de um dos integrantes do grupo. Ao ver o irmão dançar, interessou-se e começou a acompanhá-lo nos treinos. A representação única feminina no grupo indica que determinados grupos são vistos como espaços masculinos. Em conversa com os jovens do break eles relataram que há uma boa relação no grupo com a jovem, no entanto, relataram em suas falas que ela é muito tímida, não fala enquanto está no grupo e se comunica pouco e somente em casa, com a família. Esse dado nos permite refletir a importância do break na vida desta jovem, que com sua timidez encontrou na dança sua forma de comunicação, expressão, que vai além da pronúncia de palavras, envolve espaço de integração com outros jovens, vivência de sentimentos, aquisição de saberes, local em que expõe sua personalidade, seu jeito de ser, seus gostos, onde constrói sua identidade.

Nos últimos anos, e de forma cada vez mais intensa, podemos observar que os jovens vêm lançando mão da dimensão simbólica como a principal e mais visível forma de comunicação, expressa nos comportamentos e atitudes pelos quais se posicionam diante de si mesmos e da sociedade. É possível constatar esse fenômeno nas ruas, nas escolas ou nos espaços de agregação juvenil, onde os jovens se reúnem em torno de diferentes expressões culturais, como a música, a dança, o teatro, entre outras, e tornam visíveis, através do corpo, das roupas e de comportamentos próprios, as diferentes formas de se expressar e de se colocar diante do mundo (Dayrell, 2002, p.119).

O grupo representa o espaço no qual o jovem pode se reconhecer no outro e, por isso, o grupo se mostra tão significativo para a construção da identidade juvenil e para o processo de socialização no mundo dos adultos (Batista & Carvalho, 2001). "O "eu" perde-se no "outro", num desencontro no que se encontra a identidade nas teias da sociabilidade, pois esta é um palco de transferências: de emoções, de saberes, de sensibilidades" (Pais, 2006, p. 18).

Na juventude, momento em que os jovens estão construindo suas identidades, participar de um grupo permite socializar vivências semelhantes, compartilhar anseios e dificuldades, e isso possibilita reconhecer-se no outro e conhecer-se melhor a si mesmo, em um processo dinâmico e diverso.

A identidade é, portanto, um processo de negociação constante cujo desafio é viver tecendo a trama da continuidade. Se a certeza escapa, a necessidade de se tornar reflexivo e aprendente torna o presente um momento de máximo encanto, em que a identidade se faz aqui e agora e na experiência (Souza, 2004, p. 11).

Por meio das redes de sociabilidades, que nem sempre estão articuladas a projetos institucionais, muitos coletivos juvenis tornam-se atores sociais. Passam a participar de processos dentro de suas comunidades, bem como em espaços públicos das cidades em que moram. Pela ação da música, do teatro, da dança, do grafite, das pichações e da arte popular, alteram e transformam as estruturas e características dos cenários urbanos (Borelli, Rocha & Oliveira, 2009).

Sem dúvida, os multipertencimentos dos jovens contemporâneos também ensinam modos de ser/estar, configurando nas cidades juventudes "específicas" que compartilham práticas e se identificam com estas. A tribo, o grupo, a galera, a crew, o bonde, a "bixarada", a pichação, as culturas (...). São espaços de inúmeras aprendizagens de jovens que se produzem dentro destas relações e tal como a educação escolarizada, outras instâncias culturais também são pedagógicas (Garbin & Tonini, 2012, p.14).

Os jovens do assentamento utilizavam a casa de um dos integrantes e o quintal para os ensaios da dança. Sendo perceptível assim, a capacidade de criação e de busca de novos espaços pelos jovens que encontram no assentamento poucos espaços de lazer.

Os/as jovens contemporâneos/s tem se caracterizado por suas diferentes culturas que emergem em muitos lugares e ao mesmo tempo. Através de suas culturas, os/as jovens criam e recriam novas formas de sociabilidades e de apropriação dos espaços.

Para os jovens do assentamento, que possuem espaços restritos de lazer, este ocorre principalmente no grupo. O lazer é um espaço/tempo para o desenvolvimento de relações de sociabilidade, de troca de experiências e de vivências, por meio das quais os jovens procuram estruturar novas formas de identidades individuais e coletivas.

O jovem que nos relatou o surgimento do grupo, que foi o fundador do mesmo, passou a estabelecer com a dança uma relação quase de existência. Na sua fala ficou explícito o quanto praticar Break lhe satisfaz, é algo que lhe renova todos os dias, lhe faz feliz e procura se dedicar intensamente aos ensaios para aprender passos novos e se profissionalizar mais. Segundo ele, a dança trouxe mudanças para a sua vida: "Porque desde o dia que comecei a treinar nunca mais fiquei doente, num sei porque foi, num fiquei mais doente (...) eu pegava febre, dor de cabeça, gripe, uma moleza no corpo, mas essas coisas eu não sinto mais não". Deposita na dança também o seu sonho de vida: "Meu sonho é dançar, é ser professor, é ensinar um bocado de gente, ser conhecido".

Percebemos que o presente e o futuro desse jovem estão atrelados à dança, como uma paixão que surgiu a primeira vista e foi crescendo com os anos e a experiência, sendo aquilo que lhe dá sentido para viver e sonhar. Para ele o grupo é felicidade e lazer, é uma alternativa sadia para o jovem: "pra mim é só felicidade mesmo a vantagem que tem, de se divertir né, momento de lazer, tirar os pensamentos maus, não se envolver em coisa errada" (jovem do Break, 20 anos).

Vale ressaltar que é no grupo, isto é, interagindo com outros jovens com gostos parecidos, que os jovens constroem sua história, desenham seu caminho, projetam seus sonhos. É o grupo que lhes faz acreditar na possibilidade de transformação e resistência.

"O Break não é só dançar e rolar no chão. Expressa uma ideologia de expressão do corpo, atitudes (...). A dança é uma forma de protesto" (Batista & Carvalho, 2001, p. 63).

Entendendo que parte da socialização dos jovens vem ocorrendo em espaços e tempos variados, com múltiplas referências culturais, é possível pensar os grupos de sociabilidade como articuladores de redes de significados e vivências que, num jogo de relações e interações, (re) constroem as identidades juvenis (Souza, 2004, p. 21).

Para outro jovem o grupo significa: "passa tempo mesmo, é onde eu saio dos meus problemas, quando não tenho nada pra fazer, eu não gosto muito de jogar bola, boto música pra rolar ai a gente dança" (jovem do Break, 16 anos).

A expressão de felicidade aparece na fala de outro jovem participante do grupo, ao dizer que divertir-se para ele significa treinar Break: "aquela sensação de prazer, aquela adrenalina que você sente quando tá treinando; Pra mim quando eu tô treinando ali, tô me sentindo muito feliz" (jovem do Break, 17 anos).

O grupo é um espaço de formação, de lazer e de sociabilidades. No grupo, não se adquire apenas conhecimento, mas também saberes. O conhecimento é diferente do saber. O conhecimento pode ser adquirido na internet, nos livros, na sala de aula. O saber é algo concreto, implica uma relação de proximidade, certa experiência da pessoa com o que ela sabe. "O saber precisa ser produzido pelo próprio sujeito que sabe; o saber precisa que a pessoa tenha feito sua experiência com aquele conhecimento; é algo pessoal o saber, e que envolve afeto, algo que cada um constrói quando constrói o conhecimento na sua historia de vida" (Linhares, 2003, p. 21).

Os jovens participantes do Break relataram que se sentem injustiçados pelos adultos, pela associação do assentamento, pela direção da escola, por discriminarem sua dança, seu estilo.

Nós passamos uma temporada lá na escola, só que não deixaram mais não. Tem que ter um ofício, lá no Choró (sede do município) tem que ter um ofício de autorização do colégio, aí num deixaram mais não. Era dia de sábado e domingo. Nem aqui dentro (Assentamento), nós se reunimos, fomos lá nas irmãs ali do outro lado, pedimos ao menos um cantozinho lá detrás daquele balcão pra nós ensaiar ao menos no final de semana, mas, num deram também não. (...) eles vê nós de outro jeito. Pensa outras coisas, que você é vagabundo. Pensa que o Break, leva a gente pro outro caminho, o mau caminho (jovem do Break, 17 anos).

Nesse sentido, as instituições relegam outras formas de aprendizagem que também são importantes para a formação humana, como os momentos de lazer e os grupos. Segundo Dayrell (2005), o grupo significa também um espaço para aprendizagem de crescimento pessoal, um dos poucos espaços coletivos em que há aprendizagem de relações de confiança coletiva. Diante desse contexto, um jovem expõe o que desejava ter no grupo: "Eu queria só apoio mesmo, poder viajar para os cantos (...), ter um espaço pra gente dançar, só isso mesmo" (jovem, 20 anos).

Conversando com um dos líderes do Assentamento, este colocou a necessidade de uma pessoa para acompanhar o grupo de Break, como se os jovens precisassem sempre de um adulto por perto para vigiar. Essa posição da liderança do assentamento nos traz a reflexão de Pais (2003) quando ressalta que a juventude tem sido considerada social e historicamente como uma fase marcada por instabilidade associada a determinados problemas sociais, como delinquência, drogas, violência, desemprego, problemas com a escola e a família.

Aí o que falta (...) pra questão desses jovens é uma pessoa de responsabilidade que tome conta desses jovens, que entenda e possa acompanhar esse tipo de dança deles que eu também acho muito importante. É uma dança, é tipo uma física pro corpo né, pra mentalidade também, agora o que falta dentro desse grupo parece que é ter um incentivo junto com outras coisas que a associação não concorda, e que precise ter uma pessoa de responsabilidade pra tá sempre ali junto com eles, pra tá sempre acompanhando, orientando, dando aquelas aulas, aquelas orientações de como pode ser o grupo né (líder do assentamento).

Verificamos que o grupo de Break é também o grupo de amigos, que conversam, assistem filmes, saem para festas, feira ou simplesmente passeiam juntos. Segundo Sales (2001), "as organizações simbolizam, para o jovem, um encontro, espaços de construção de um devir, onde podem agir, falar, lutar, produzir e suscitar eventos culturais e sociais" (p. 27).

Dayrell e Carrano (2003) analisando alguns estudos2 realizados tendo os estilos rap e funk como foco, apontam alguns significados que a participação de jovens pobres em torno desses estilos pode desempenhar. O primeiro aspecto diz respeito à criatividade. A participação em grupos de estilos musicais permite que os/as jovens sejam criadores, através das músicas, das apresentações que fazem, dos eventos culturais que participam. Outro aspecto diz respeito às escolhas. Os estilos musicais se apresentam como um dos poucos espaços onde os/as jovens podem realizar suas escolhas, ampliando assim a sua experiência e construindo a sua autonomia. Outra dimensão é a que se refere à vivência da condição juvenil.

Para a maioria desses jovens, os estilos funcionam como um rito de passagem para a juventude, fornecendo elementos simbólicos, expressos na roupa, no visual ou na dança, para a elaboração de uma identidade juvenil. Esses estilos musicais são referências para a escolha dos amigos, bem como para as formas de ocupação do tempo livre, em duas dimensões constitutivas da condição juvenil: o grupo de pares e o tempo de lazer. A convivência continuada em grupos, ou mesmo em dupla, possibilita a criação de relações de confiança, a aprendizagem de relações coletivas, servindo também de espelho para a construção de identidades individuais (Dayrell & Carrano, 2003, p.21).

O grupo é espaço privilegiado de apropriação de linguagens textuais e corporais, de uma estética, e de um conjunto de símbolos que permite criar personagens. Estas expressões artísticas e simbólicas são manifestações da diversidade que constitui os grupos culturais juvenis.

Os estilos juvenis adquirem uma relevância própria para os jovens pobres. "Pelos estilos rap e funk os jovens estão reivindicando o direito à juventude". Para esses jovens é imposta uma identidade subalterna e o grupo musical é um espaço de construção de autoestima, possibilitando-lhes identidades positivas. O rap e o funk se apresentam como um espaço e um tempo onde esses jovens podem afirmar suas experências da condição juvenil. Ao mesmo tempo em que, por meio desses estilos, constroem detrminado modo de ser jovem, questionam as imagens e modelos construídos a respeito da juventude (Dayrell, 2001, p. 356).

Os investimentos na imagem corporal contribuem para a construção da identidade dos jovens, conferem-lhe uma expressão simbólica de poder, uma vez que se diferenciam entre si através de atributos distintivos. Os jovens não são só possuidores de um corpo como eles próprios são um corpo, e por isso o simbolizam quando o vestem (Pais, 2006, p. 19).

Os jovens participantes do break assumem um estilo próprio de ser, se diferenciando dos demais jovens do assentamento pelas características que carregam no corpo e nos gostos. Entre os acessórios mais usados pelos jovens encontram-se brincos, colares, pulseiras, bonés; na vestimenta se destacam os shorts e calças de pernas frouxas, que permitem mais movimento para a dança. Pelo gosto semelhante pelo mesmo estilo musical os jovens consomem produtos como CDs, DVDs para assistir e aprender passos novos da dança Break. Com isso, marcam encontros para comprar esses produtos, para assistirem aos vídeos juntos, para pesquisar mais sobre o assunto. Percebemos assim, que o grupo interfere no consumo, no lazer, e contribui com a construção e apropriação do social, da cidadania e do senso crítico, na forma de perceber a realidade.

Nesse sentido, é importante pontuar o papel que as novas tecnologias, sobretudo a internet tem produzido nas formas de sociabilidade e dos agrupamentos juvenis. Segundo os jovens do assentamento, a internet funciona como importante aliada para buscarem coreografias novas, assistir vídeos de outros grupos e terem acesso às músicas. O principal modo de acesso à internet é através de lan hauses, que fica próximo do assentamento. A proximidade do assentamento para o perímetro urbano da cidade é outro ponto que chama a atenção, pois percebemos que essa característica possibilita um contato maior entre os jovens do campo e da cidade, suas teias de amizade são alargadas produzindo formas de interação e experimentações diversificadas.

 

4. CONCLUSÕES

Em seus grupos culturais, os jovens formam sua visão crítica da realidade e o desejo de modificá-la. No grupo, os jovens produzem também os seus marcadores, seja através da indomentária, do estilo de música e ou pela performace que passam a desenvolver. Essa transitividade dos jovens nos diferentes espaços também repercute na construção de suas identidades, nos hábitos de consumo e nas referências que passam a assumir dentro e fora do grupo. Por isso, pensamos os jovens em relação com suas experiências, questionando a dicotomia entre campo e cidade, reconhecendo que cada um tem suas especificidades e particularidades.

Através do grupo de Break os jovens constroem alternativas de lazer, de pertencimento, de expressão cultural e de sociabilidade dentro do assentamento, se afirmam ainda como indivíduos que possuem vontades, desejos e que lutam por um reconhecimento ainda que seja em forma de arte e em locais improvisados. Estas iniciativas de movimento coletivo, que inclui o grupo, possibilitam aos jovens criarem suas linguagens, seus registros de comunicação, de autonomia, apoio e cumplicidade entre seus pares.

A pesquisa mostrou a importância do grupo para os jovens, uma vez que, representa um espaço de amizade, aprendizagem, conviviabilidade e lazer.

O grupo de Break do assentamento José Lourenço significa para os jovens o grupo de amigos, onde criam laços de confiança; significa espaço de lazer, onde se divertem e são felizes; significa sonho, pois permite projetar os planos futuros; significa o local onde se sentem a vontade para serem eles próprios; a dança significa saúde, sentir-se bem; representa o local de aprendizagem, onde encontram espaço para desenvolver o senso crítico e novas formas de olhar a realidade.

 

Referências

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Notas sobre os autores

Ana Paula Neves Lopes
Bacharela em Economia Doméstica.
Mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará-UECE.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES. E-mail: apnevesl@yahoo.com.br

Celecina de Maria Veras Sales
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará-UFC (1995).
Pós-doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2008).
Professora adjunta da Universidade Federal do Ceará
do Curso de Economia Doméstica e do Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: celecinavs@gmail.com

Jaiane Araujo de Oliveira.
Bacharela em Economia Doméstica.
Mestranda em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará-UECE.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES. E-mail: jaianeangelina@yahoo.com.br

Francisca Lidiane Araújo de Souza.
Bacharela em Economia Doméstica.
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará-UFC. E-mail: lidyaraujosouza@yahoo.com.br

Recebido em maio de 2013
Aceito em Junho de 2014

 

 

2 Sobre o funk: Carrano (2002), Dayrell (2001), Herschamann (2000), Sansone (1997), Viana (1987 e 1997). Sobre o hip hop Dayrell (2001) e Sposito (1993).