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Revista do NUFEN

versión On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.16  Belém  2024  Epub 25-Nov-2024

https://doi.org/10.26823/rnufen.v16i01.24346 

ENSAIO/TEÓRICO

Refletindo sobre conceitos das psicologias fenomenológicas/existenciais de Frankl, Rogers e Kierkegaard

Reflecting on concepts of the phenomenological/existential psychologies of Frankl, Rogers, and Kierkegaard

Reflexionando sobre los conceptos de las psicologías fenomenológicas/existenciales de Frankl, Rogers y Kierkegaard

Ítalo Morais Soares de Souza1 
http://orcid.org/0000-0001-5459-6813

Thiago Antonio Avellar de Aquino2 
http://orcid.org/0000-0002-3903-8378

1Psicólogo clínico em demandas como suicídio, depressão, ansiedade, esquizofrenia, dependências químicas e comportamentais

2Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professor do Departamento de Ciências das Religiões (UFPB)


RESUMO

O presente artigo apresenta uma visão que aproxime as questões psicológicas da concretude da vida através de psicologias fenomenológicas/existenciais de Frankl, Rogers e Kierkegaard. Assim, investigou-se os conceitos ‘sentido de vida’, na psicologia fenomenológica/existencial de Viktor Frankl, de ‘congruência’ em Carl Rogers e de ‘ser si mesmo’ em Kierkegaard; objetivando refletir a respeito das semelhanças e divergências localizadas nos conceitos-chaves de cada um desses. Foram encontradas semelhanças, como as tensões existenciais. Também diferenças: a transparência das emoções para o ser congruente em Rogers e variedade de tensões em Kierkegaard. Nos propusemos a refletir sobre uma interseção dos conceitos dos autores para relações de ajuda psicológica, que trouxe a consideração de todas as tensões e a expressão de emoções para a realização de sentido. O presente trabalho considera o indivíduo congruente sendo quem verdadeiramente se é. Assim, é possível enxergar os autores dentro de encruzilhamentos teóricos com as delimitações deste artigo.

Palavras-chave: Viktor Frankl; Carl Rogers; Kierkegaard; Psicologia clínica; Relação terapêutica

ABSTRACT

This paper presents a view that brings psychological issues closer to the concreteness of life through the phenomenological/existential psychologies of Frankl, Rogers, and Kierkegaard. For that task, three main concepts will be analysed according to their correspondence and divergences in each phenomenological and existential psychology, i.e., Viktor Frankl “sense of life” concept, Carl Rogers “congruence” concept, and Kierkegaard “being oneself” concept. Similarities were found, such as existential tensions. Also, differences: the transparency of emotions for being congruent in Rogers and variety of tensions in Kierkegaard. We propose to reflect on an intersection of the authors’ concepts for psychological help relationships, which brought the consideration of all tensions and the expression of emotions to the realization of meaning. The present work considers the congruent individual to be who he truly is. Thus, it is possible to see the authors within theoretical crossroads with the boundaries of this article.

Keywords: Viktor Frankl; Carl Rogers; Kierkegaard; Clinical psychology; Therapeutic relationship

RESUMEN

Este trabajo presenta una visión que acerca las cuestiones psicológicas a la concreción de la vida por medio de las psicologías fenomenológicas/existenciales de Frankl, Rogers y Kierkegaard. Así, se investigaron tres conceptos principales según sus correspondencias y divergencias en las psicologías fenomenológicas y existenciales: ‘sentido de la vida’ (Viktor Frankl), ‘congruencia’ (Carl Rogers) y ‘ser uno mismo’ (Kierkegaard). Se han encontrado similitudes: las tensiones existenciales. También diferencias: la transparencia de las emociones para el ser congruente en Rogers y la variedad de tensiones en Kierkegaard. Hemos propuesto reflexionar sobre una intersección de conceptos de los autores para las relaciones de ayuda psicológica, que trajo la consideración de todas las tensiones y la expresión de las emociones para la realización del sentido. Este trabajo considera el individuo congruente siendo quien realmente es. Así, es posible ver a los autores dentro de los cruces teóricos con las delimitaciones de este artículo.

Palabras clave: Viktor Frankl; Carl Rogers; Kierkegaard; Psicología clínica; relación terapéutica

A temática desta pesquisa delimita-se em investigar os conceitos ‘sentido de vida’, na psicologia fenomenológica/existencial de Viktor Frankl (1978; 2014), de ‘congruência’ em Carl Rogers (2003; 2009) e de ser si mesmo’ em Kierkegaard (2010a; 2010b); objetivando refletir a respeito das semelhanças e divergências localizadas nos conceitos-chaves de cada um dos sistemas teóricos estudados. A Revolução industrial, a partir da segunda metade do século XX, trouxe-nos grandes mudanças e para as ciências humanas e médicas não foi diferente. Aquela época deu início “a instrumentalização da natureza humana e da cultura pelo poder do capital” (Oliveira, 2014). Nascia nesse período a indústria de psicofármacos, que serve à população como solução rápida para suas angústias e conflitos existenciais, através do diagnóstico e tratamento psiquiátrico. Uma das principais marcas deixadas para o século XXI é a medicalização da vida. Fruto dessa visão exclusivamente instrumental e biomédica de ser humano, que vê emoções fortes, sentimentos intensos ou comportamentos incomuns com olhar de desconfiança e sinal de distúrbios e deve ser compulsivamente tratado com medicamentos (Oliveira, 2014). Logo, essas apropriações da cultura psiquiátrica possuem até um código geral de doenças mentais (DSM) com aquilo que deve ser considerado sadio ou patológico, mas distanciam-se da vida concreta, aquela vida do homem que possui seus motivos para chorar ou sorrir, sofrer ou suportar seus sofrimentos:

Nesse sentido, a psicologia fenomenológica abre-se para uma reflexão de tonalidade psicoterápica, por mostrar as condições essenciais que se dão em um encontro entre pessoas. Essas condições marcam fundamentalmente aquilo que determinará qualquer encontro denominado terapêutico ou analítico, porque antes de termos quaisquer relações profissionais, nós já estamos aí com os outros, inseridos em uma comunidade intersubjetiva humana (Goto, 2007, p. 202).

Desse modo, faz-se necessário artigos que apresentem uma visão que aproxime as questões psicológicas da concretude da vida e consequentemente tragam abordagens sensíveis de tratamento terapêutico. O presente trabalho se baseia na psicologia fenomenológica e existencial como essa fonte para um tratamento mais próximo a concretude da vida. Essa perspectiva, de forma geral, teve fortes influências de Husserl e outros filósofos da existência, tais como: M. Heidegger, E. Lévinas, E. Stein e A. Schultz de acordo com Goto (2007). Essa área da psicologia possui vastos autores e produções riquíssimas, no entanto, iremos nos ater a um número delimitado de autores para atingir nossos objetivos. Os autores em questão são: o neuropsiquiatra Viktor Emil Frankl, o psicólogo Carl Ransom Rogers e o filósofo Soren Aabye Kierkegaard. Os dois primeiros fundaram duas abordagens terapêuticas no século XX que cresce até os dias atuais, já o Kierkegaard é tido como o pai do existencialismo e quem lançou as bases para uma psicologia fenomenológica e existencial.

A metodologia deste estudo se constitui de base qualitativa e caráter descritivo reflexivo com base em revisão bibliográfica dos autores Frankl, Rogers e Kierkegaard visando atingir o objetivo acima mencionado. Foram escolhidos os conceitos-chave de ‘sentido de vida’, ‘congruência’ e ‘ser si mesmo’, pois esses autores o descrevem em suas respectivas psicologias para explicitar a existência concreta humana quando livre e realizada em seu agir no mundo. Assim, tem como fonte primária os livros desses onde se debruçaram na explicitação dessas ideias essenciais e suas repercussões na vida humana. A fonte secundária escolhida para a pesquisa foram atuais da área que esclarecem os conceitos-chave, que norteiam nossa pesquisa, dentro das vivências terapêuticas, bem como a sua interseção com os demais autores do presente estudo. Buscamos obras que demonstram como esses conceitos se traduzem em encontros terapêuticos nas psicologias fenomenológicas existenciais, conectando o desvelamento da existência, por seus precursores, e as demonstrações nas relações.

O período de coleta de dados se desenrolou entre 19 de junho e 31 de agosto de 2020. Para isso, exploramos as seguintes bases de dados: Scielo, Indexpsi, LILACS, BDTD e google acadêmico. Os seguintes buscadores foram utilizados: “sentido da vida” e “congruência”; “sentido da vida” e “ser si mesmo”; “congruência” e “ser si mesmo”; “Frankl” e “Rogers”; “Frankl” e “Kierkegaard”; “Rogers” e “Kierkegaard”. Além de: “psicologia fenomenológica” ou “psicologia existencial” ou “psicologia fenomenológica-existencial” e os autores ou seus conceitos-chave supraditos. Os artigos foram incluídos quando ou mencionavam as ideias centrais e suas nuances na existência ou quando dialogavam com os demais autores e suas psicologias fenomenológicas-existenciais. Com base na análise dos textos, agrupamos os conceitos em categorias temáticas que representam os principais aspectos convergentes e divergentes entre os diferentes sistemas teóricos.

A estrutura das seções no texto são: Frankl, Rogers e Kierkegaard e suas principais contribuições para a psicologia (através dos subtópicos: Viktor Frankl, Carl Rogers e Kierkegaard); semelhanças e divergências entre as psicologias dos autores centradas nos conceitos-chave (através dos subtópicos: Frankl e Rogers; Frankl e Kierkegaard; Kierkegaard e Rogers); refletindo sobre a interseção dos conceitos em relações de ajuda psicológica e considerações finais.

FRANKL, ROGERS E KIERKEGAARD E SUAS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES PARA A PSICOLOGIA

Viktor Frankl

Viktor Frankl (1905-1997) é o fundador da Análise existencial centrada no sentido e da Logoterapia, abordagem terapêutica que tem como primazia a cura/tratamento através do sentido de vida. Frankl foi um Neuropsiquiatra austríaco que desde muito cedo já se perguntava a respeito do sentido da vida. Após ter vivenciado em sua adolescência o ateísmo e se preocupado com uma visão de mundo reducionista e niilista, desenvolveu suas ideias antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. No entanto, em meio a guerra, e sua experiência nos campos de concentração nazista, pôde pôr à prova sua teoria na observação de homens - incluindo o próprio Frankl que padeceram tamanho sofrimento e:

Após a guerra, lança os principais pressupostos, constituindo os fundamentos de uma antropologia filosófica para uma psicoterapia centrada no sentido da existência. Para tanto, propõe tanto uma terapia específica, para aplacar o vazio existencial, quanto uma terapia não específica, por ocasião de transtornos psicogênicos (Aquino, et al., 2015 citado porAquino 2020, p. 232).

A Logoterapia traz uma visão de homem e mundo que está relacionada com o existencialismo, pois considera o homem, independentemente de quaisquer condicionamentos, livre e responsável. Para Frankl (2005), o ser humano não apenas reage aos contingentes internos e externos, mas responde a eles, e ao escolher dar uma resposta à vida, torna-se responsável pelo que vai ser no momento seguinte. Dessa forma, a liberdade e a responsabilidade constituem as duas características essenciais dos fenômenos humanos (Frankl, 1978). Ainda para Frankl, a motivação básica do ser humano é a vontade de sentido, o que lhe é sucedido pela liberdade da vontade (o ser livre e responsável), e consequentemente gera o sentido de vida no ser humano. Estes três conceitos são os pilares básicos da análise existencial de Frankl: liberdade da vontade, vontade de sentido e sentido de vida. Eles são para Frankl como diz Aquino (2012) o eixo antropológico, o principal fator de proteção da saúde mental e a visão filosófica do mundo, respectivamente. Ainda para o autor o homem se constitui por três dimensões: a somática, a psíquica e a noética. Na primeira dimensão é onde se encontra o corpóreo com sua anatomia e fisiologia. A segunda diz respeito aos processos psicológicos subjacentes como: atenção, percepção, memória, entre outros. Essas duas dimensões já eram entendidas no século XX como características do ser humano. No entanto, Frankl conceituou uma terceira dimensão, onde encontra-se a diferenciação fundamental entre os seres humanos e os animais, nela encontra-se segundo Lukas (1989) à preocupação com valores (a ética e a estética), os atos intencionais, a criatividade, o humor, o censo religioso, a preocupação com o sentido e todos os atos que diferenciam os homens dos animais.

O sentido de vida em Frankl é postulado como núcleo protetor do sujeito diante dos sofrimentos da vida. É exatamente este conceito que iremos pesquisar e buscar semelhanças com os demais autores no presente artigo. Segundo análise existencial de Frankl (1978) a busca de sentido é o centro gravitacional da existência humana bem como o principal fator de proteção à saúde da dimensão psicofísica. Uma característica importante relacionada com sentido de vida é sua autotranscedência, pois o indivíduo irá transcender sua própria existência no mundo apontando para algo ou alguém, que é seu sentido de vida. A autotranscedência se manifesta através do amor ou da consciência. Desse modo, tendo na vida um sentido o indivíduo realizará através de ações valorativas. Esses valores podem ser: valores de criação, valores de experiência ou valores atitudinais, que o próprio Frankl descreve como:

… se puede encontrar por el hecho de realizar una acción o crear una obra, es decir, creativamente. Pero también a través de una vivencia, es decir, a través de que experimentemos vivencialmente algo o a alguien, y experimentar vivencialmente a alguien en toda su realidad única e irrepetible significa amarlo. Pero la vida se revela como incondicionalmente llena de sentido - posee sentido y lo conserva -, y lo es de forma permanente bajo todas las condiciones y circunstancias (Frankl, 2014, p. 48).

Diante do sofrimento indubitável da vida, para Frankl, o ser humano exerce outra característica que lhe é própria: o auto distanciamento, que está relacionado com atitudes como humor, heroísmo ou autocompreensão do sofrimento. Há ainda uma tensão no ser humano mencionada por Frankl. É a tensão do ‘ser’ do humano entre o ‘dever-ser’, ou seja, é um campo polar estabelecido entre a realidade vivida pela pessoa e seus ideais que se tem de materializar.

Carl Rogers

Carl Rogers (1902-1987) foi um psicólogo norte-americano criador da Psicologia Humanista, chamada de Terceira Força da Psicologia, as duas anteriores são a psicanálise e o comportamentalismo. A Abordagem Centra na Pessoa (ACP) é decorrente de sua Psicologia Humanista e para autores como Messias (2001) a ligação da psicologia de Rogers e o movimento humanista e existencial é significativa. O próprio Rogers (1980) expressa a identificação com o modo existencialista em seu artigo “Duas tendências divergentes” no qual diz que o sujeito torna-se o arquiteto de seu próprio futuro a partir de sua consciência. Já em se tratando da fenomenologia Rogers não apontou esse paralelo, no entanto Fonseca (1998) é um dos autores que considera Rogers como um autor de grande contribuição para um modelo fenomenológico-existencial de psicologia e de psicoterapia. Assim como Frankl sua experiência de vida foi de grande contribuição para fundamentar sua abordagem, começou no Institute for Child Guidance atendendo crianças e pais com bases psicanalíticas e comportamentalistas, mas em Rochester atingiu novas percepções a respeito do tratamento terapêutico. O que o levou a escrever a respeito de sua teoria através do livro Counseling and Psychotherapy (1942).

O autor em questão tratou de modificar as relações na terapia de sua época, século XX, pois trouxe a direção do processo terapêutico a partir daquilo que o sujeito experiencia, como diz Rogers e Kinget (1975) a reorganização de sua própria experiência só pode ser realizada por ele mesmo, o cliente. Por isso que a terapia é centrada no cliente, anos mais tarde foi apresentada e reconhecida como Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). A ideia mestra da teoria de Rogers é a tendência atualizante, que diz respeito a capacidade latente no ser humano de se autorregular. Nas palavras do Rogers e Kinget (1975, p. 159) ao descrever essa tendência, dizem que todo organismo é movido por uma tendência inerente para desenvolver as suas potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu enriquecimento. Já o pivô de sua teoria da personalidade é a noção de eu, mais tarde conceituada como “self” do indivíduo. Ele pode ser entendido como:

... uma configuração organizada de percepções do self acessíveis à consciência. É formado por elementos tais como as percepções das características e das capacidades individuais; objectos da percepção e os conceitos do self na relação com os outros e com o meio os valores que se percepcionam como estando associados a experiências e a objectos; os objectivos e ideais percepcionados como tendo valor positivo ou negativo (Rogers, 2003, p. 141).

Dentro do conceito de self há duas divisões que são: o self real e o self ideal. O self real diz respeito aos comportamentos, atributos, valores e capacidades reais do indivíduo. Já o self ideal está relacionado com uma imagem idealizada do eu que o sujeito tem para si. Nesse sentido, as pessoas que buscam ajuda psicológica em geral possuem uma distância entre esses dois self’s, o que os fazem estar em um estado de incongruência. O que a psicoterapia objetiva proporcionar a essas pessoas é: chegar a um estado de congruência entre a imagem que idealiza para si e aquilo que verdadeiramente é em sua vida concreta. Consequentemente podendo “indicar uma correspondência mais adequada entre a experiência e a consciência” (Rogers, 2009). Isso nos remete a outra ideia fundamental na ACP que são as atitudes facilitadoras: congruência, aceitação incondicional e compreensão empática. Elas estão atreladas as relações saudáveis de quaisquer tipos na vida, em se tratando da relação terapêutica quando o terapeuta mantém atitudes baseadas nesses três pressupostos o cliente as reconhece e internaliza, tendo as mesmas atitudes para consigo e com os outros. Desse modo, ele se torna um indivíduo mais congruente (autêntico), aceitando melhor a si e aos outros e sendo mais empático em suas relações pessoais, além de conseguir ser mais exato (congruente) na expressão daquilo que sente, experiência e age diante dos outros. O que o presente artigo irá pesquisar na teoria de Rogers é exatamente essa ‘congruência’ no indivíduo e como ela relaciona-se dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, refletindo com os conceitos dos outros autores.

Kierkegaard

Soren Kierkegaard (1813-1855) foi um filósofo dinamarquês, considerado pai do existencialismo, combateu a filosofia hegeliana, considerando-a como um conceito puramente racional, não levando em importância a existência humana como caráter concreto. Esse filósofo é de fundamental importância para a psicologia fenomenológica-existencial, pois lançou as bases de uma psicologia centrada na existência concreta do indivíduo. Psicologia é o que precisamos e, acima de tudo, conhecimento hábil (expert) da vida humana e simpatia com seus interesses (Kierkegaard citado porProtasio 2014). Esse autor trouxe à tona o resgate da individualidade humana, pois para ele:

... o indivíduo singular que não se perde no geral ou na multidão, é fiel a sua singularidade tendo responsabilidade por sua ação e assumindo a autoria da sua vida. Diferente da postura do indivíduo que se mantém como multidão, onde ninguém é responsável, nem assume a autoria, sem consciência de si, perde-se na multidão (Feijoo, 2008, p. 11).

Para Kierkegaard o homem só pode ser pensado e não teorizado, reduzido a conceitos científicos. Grande parte de suas obras foram publicadas por pseudônimos e não são um tratado filosófico. Entretanto, trazem à tona as situações da existência marcadas pela liberdade e indeterminação. O filósofo se debruça sobre algumas ideias importantes em sua análise existencial, como a de angústia. Para Kierkegaard (2010a) ela se torna a evidência mais ferrenha da liberdade do homem, só experimentamos a angústia quando há liberdade no momento da escolha, a liberdade que se encontra sobre o controle da angústia.

Outra ideia tratada pelo autor é a de desespero humano, dizia ele que a existência humana é marcada pelo desespero. No livro “O desespero humano - doença até a morte” Anti Climacus, seu pseudônimo, traz três tipos de desespero: querer ser si mesmo, não querer ser si mesmo e ignorar ser um si mesmo. Esse conceito de ‘ser si mesmo’ será investigado neste texto e correlacionado com as ideias dos outros autores. Kierkegaard traz ainda que a existência humana é marcada por algumas ambiguidades: do finito e infinito, temporal e eterno, possibilidade e necessidade.

Essa última ambiguidade está relacionada com a liberdade humana, pois o homem vivencia esta dialética possibilidade-necessidade em seu viver. Há possibilidades que estão diante do homem, no entanto, dentro dessas há uma necessidade que implica na realização de determinada escolha. O teórico postulou ainda três estágios da existência humana: No primeiro estágio - estético - o prazer é o alvo da vida. Buscase alegria momentânea, onde somente o “agora” importa. Nesse estágio não há um envolvimento profundo com relacionamentos, e vai-se contra obrigatoriedades, em constante mudança (Brandt, 1963 citado porJanzen, & Holanda, 2012). Nesse sentido, o esteta vive fugindo do tédio de um presente sem sentido através do passado irreal ou de um futuro impossível. Sua existência é marcada por uma não introspecção, mas sim deleite em exterioridades que lhe tragam prazeres sem angústias existenciais.

O estágio ético caracteriza-se pela responsabilidade e pelo dever, onde o casamento é uma obrigação. Enquanto o esteta vive no momento, o homem ético acredita que sua vida tem uma continuidade histórica. O fator decisivo é fazer uma escolha entre as categorias do bem e do mal, as categorias do ético (Brandt, 1963 citado porJanzen, & Holanda, 2012).

Desse modo, o ético é marcado pelo dever, o que traz profunda preocupação, por ser uma existência demasiadamente idealizada pela busca de perfeições e sem erros.

O estágio religioso se caracteriza por uma profunda relação com Deus. A vida terrena, instantânea, não possui importância se for comparada com o futuro eterno de um homem religioso. Muito mais vale a pena investir seus esforços focando na eternidade religiosa do que com o breve da Terra. Enquanto o esteta vive no momento e o ético vive no tempo, o religioso vive com sua atenção voltada ao eterno (Brandt, 1963 citado porJanzen, & Holanda, 2012).

Os três estágios não são lineares, exigindo uma transição no sentido hegeliano, são na verdade possibilidades de existência. A passagem de um estágio para outro se dá através de um salto, um movimento que não é racional, mas sim existencial. “Salto” é uma metáfora kierkegaardiana para o movimento da existência, “movimento essencialmente distinto do devir lógico-metafísico propugnado por Hegel” (Mora, 2001, p. 2582 citado por Janzen & Holanda, 2012).

SEMELHANÇAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE AS PSICOLOGIAS DOS AUTORES CENTRADAS NOS CONCEITOS-CHAVE

Frankl e Rogers

Em Frankl, como mencionado, temos o sentido de vida como uma das ideias centradas na Logoterapia e para o processo terapêutico da pessoa ele serve como núcleo protetor diante dos sofrimentos e dores existenciais. ‘Quem tem um porquê viver consegue suportar quase todo como’, assim menciona Frankl através da fala de Nietzsche, que segundo feedback da banca deste trabalho (20/11/2020) está incompreensível nos escritos originais. Em Rogers o indivíduo autêntico ou congruente é aquele que está com seu self ideal mais próximo do seu self real, ou seja, que tem uma imagem real com suas ações mais congruente com a imagem que idealiza para si. Para os dois autores há uma tensão no sujeito, onde em Frankl é entre o ser e o dever-ser; em Rogers é entre o self real e o self ideal, nesse caso quando existe uma distância entre essas duas dimensões a pessoa está em um estado de incongruência.

Podemos perceber semelhanças entre os dois autores, onde em Frankl o sujeito autêntico é aquele que vive em termos de autotranscedência, que seria o caso de quem vive a realidade segundo ideias e valores. Nesse sentido, o conceito de sentido de vida relaciona-se com congruência, a partir do momento que os dois autores enxergam o ser humano dentro da tensão realidade e ideais (em Frankl) e self real e self ideal (em Rogers). Com relação as diferenças entre os autores a respeito desses conceitos, temos que: Rogers relaciona a adequada expressão de sentimentos, quer positivos ou não, ao indivíduo que é congruente:

... é provável que a congruência seja o fator mais importante. Ser genuíno significa revelar à outra pessoa “onde estamos” emocionalmente. Pode abranger o confronto e a expressão pessoal e franca de sentimentos negativos e positivos. Portanto, a congruência é um aspecto fundamental da vida em comum num clima de autenticidade (Rogers & Rosenberg, 1977, p. 86).

Já Frankl não se atém a expressão de sentimentos autênticos na percepção do sujeito, mas sim uma vida que é autêntica, pois é vivida em termos de autotranscedência. Essa, por sua vez, diz respeito ao voltarse para algo ou alguém para além do próprio sujeito, que pode ser uma pessoa, um animal, uma causa ou uma missão a cumprir no mundo.

Frankl e Kierkegaard

Como mencionado anteriormente, Frankl fala de uma tensão existencial no ser humano entre o ser e o dever-ser que emerge dentro da realidade ontológica da liberdade humana. Essa tensão, por sua vez, influenciará nas possibilidades de realização do sentido de vida no sujeito. Aquele que vive a vida concreta de acordo com seus valores é um sujeito autêntico que tem um porquê viver desse modo que lhe é próprio. Em Kierkegaard o conceito de ‘ser si mesmo’ ou ‘tornar-se si mesmo’ pressupõe a área das possibilidades, pois o homem por ser livre escolhe diante daquilo que lhe é possível. Para este autor também há uma tensão, no entanto está relacionada com as seguintes ambiguidades: entre eterno e temporal, entre finito e infinito, entre possível e necessário.

Desse modo, podemos refletir em uma aproximação com a tensão relatada em Frankl no que tange ao possível e necessário, pois para Kierkegaard o homem dentro dos possíveis realizará aquilo que lhe é necessário, o que nos leva a pensar na realização do sentido de vida evocada por perguntas da vida. Como o próprio Frankl chega a dizer: Sentido es lo que se quiere decir, ya sea por una persona que me hace una pregunta, ya sea por una situación que, asimismo, implica una pregunta que demanda una respuesta (Frankl, 2012). Ainda nessa tensão do ‘possível e necessário’ podemos ver correspondência quando Frankl cita o poeta Goethe “como pode uma pessoa conhecer a si mesma? Nunca pela reflexão, mas sim pela ação. Tenta cumprir o teu dever e logo saberás o que há em ti. Mas, o que é teu dever? A exigência do dia.”.

Para o autor dinamarquês o desespero caracteriza a existência e dentro deste há três tipos de desespero: querer ser si mesmo, não querer ser si mesmo e ignorar ser um si mesmo. O desespero de ‘ser si mesmo’ está atrelado a consciência do indivíduo em lutar por aquilo que idealiza ser. Antes disso, afirma Kierkegaard (2010b) que o homem é espírito, e o espírito é o eu, que seria a síntese do finito e infinito, do temporal e eterno, da liberdade e da necessidade, sendo o eu a relação que se volta sobre si própria depois de estabelecida. Dessa maneira, o ‘ser si mesmo’ para o autor está relacionado com a relação do eu que não é apenas consigo própria, mas sim com outrem. Temos aqui uma ideia correlata a sentido de vida, pois em Frankl há uma transcendência a algo ou alguém que não a pessoa mesma para a realização de valores. Em “O desespero humano - Doença até a morte” Kierkegaard (2010b, p. 27) afirma: Eis a fórmula que descreve o estado do eu, quando deste se extirpa completamente o desespero: orientando-se para si próprio, querendo ser ele próprio, o que mergulha, através da sua própria transparência, até ao poder que o criou. Nessa passagem vemos outra possível relação entre os dois conceitos, pois em Frankl o sentido de vida é o fator protetor e em Kierkegaard o ‘ser si mesmo’ o que faz extinguir o desespero.

Apesar de ter mais tensões relatadas, em Kierkegaard, como as de finito e infinito e temporal e eterno, encontramos similaridades a respeito da condição ontológica humana postulada também por Frankl, a liberdade, na ambiguidade ‘liberdade e necessidade’ do Filósofo dinamarquês. Como diz Gomes (2016), a liberdade é o fenômeno possível para a existência e a angústia seria o pressentimento de libertar-se. Ideia que está relacionada ao ‘ser si mesmo’, pois o homem só pode angustiar-se, desesperar-se e escolher ‘ser si mesmo’ por ser indubitavelmente livre. Já em Frankl a liberdade é condição que pressupõe o encontro ao sentido de vida único e irrepetível de cada indivíduo. Logo, podemos dizer que o fundamento ontológico é o mesmo nos dois autores para se alcançar tanto o sentido de vida como o ‘ser si mesmo’.

Kierkegaard e Rogers

A tensão já mencionada em Kierkegaard entre possível e necessário pode ser comparada também com a tensão em Rogers entre o self real e o self ideal. Em Rogers o ser congruente está atrelado a duas situações no indivíduo: 1) quando a uma aproximação de seu self ideal na vida concreta, em suas ações (self real), como mencionado em Rogers (2009) “o eu que o cliente percebe seria avaliado de uma forma mais positiva, ou seja, se tornaria mais congruente com o eu-ideal ou o eu valorizado” e 2) quando “sua consciência se manifesta como adaptada a essa experiência e a comunicação é igualmente congruente com sua experiência” (Rogers, 2009).

Congruência é uma correspondência mais adequada entre a experiência e a consciência. É uma integração entre a noção de eu e a experiência organísmica. ‘Ser o que se é’ é ser a própria experiência de um dado momento, sendo esta experiência também adequadamente representada na consciência, sem distorções para adaptá-la ao conceito existente de eu (Rogers, 1961; 2009). Já aquele que na vida concreta consegue ser o que idealiza ser, em Kierkegaard, é chamado de ‘ser si mesmo’, ou ainda, aquele que ‘tornar-se si mesmo’. Desse modo, podemos enxergar similaridades entre a congruência em Rogers e o ‘ser si mesmo’ em Kierkegaard no que se relaciona em um sujeito que encontra uma autenticidade em sua vida concreta.

O que pressupõe tanto esse ‘ser si mesmo’ quanto o ser congruente em ambos os autores podemos dizer que é a liberdade humana, pois em Kierkegaard isso é evidente. Gomes (2016) ao falar do conceito em Kierkegaard diz: A liberdade acarreta a angústia no ser humano e pode levá-lo ao desespero, pois cada decisão é um risco que causa incerteza, a pessoa é pressionada todo tempo. O que nos leva a pensar na capacidade inata que Rogers postula, tendência atualizante, em que cada ser humano tem condições de seguir seus próprios valores, para atualizar-se e seguir um funcionamento adequado. Nesse sentido, a responsabilidade e liberdade está correlacionada com a tendência atualizante. Em Rogers temos o que Bezerra (2012) esclarece a respeito da angústia: Quanto ao conceito de angústia, na teoria da personalidade formulada por Rogers, ela aparece enquanto uma resposta funcional ao alto grau de incongruência entre self e experiência organísmica. Logo, quando não há congruência e o ‘ser si mesmo’ o eu se depara com a incongruência, em outras palavras, a inautenticidade.

Nos estudos de Rogers (2009), no livro “Tornar-se pessoa”, vemos que o caminho para congruência não está na modificação dos valores (eu-ideal), mas em uma aceitação de si modificando assim a sua noção de eu (eu-real) o levando a um estado de maior congruência. Em Kierkegaard (2010b) vemos que um estado de discordância em meio ao desespero de ser si mesmo leva até ao infinito na sua relação com o seu autor; e a fórmula de extirpar o desespero é ser si mesmo, através da sua própria transparência. Rogers traz ainda que durante a relação de ajuda na terapia:

... o conceito do eu toma-se mais congruente com o conceito do eu-ideal; ao longo e depois da terapia o comportamento observado do cliente torna-se mais socializado e mais amadurecido; durante e depois da terapia, o cliente mostra uma atitude de maior autoaceitação, atitude que está em correlação com uma maior aceitação dos outros (Rogers, 2009, p. 119).

Nesse sentido, podemos refletir que a aceitação de si mesmo aparece também em Kierkegaard como transparência, para eliminar o desespero ou como diria Rogers, levar a um estado maior de congruência e consequentemente diminuir o estado de incongruência, que produz desespero.

REFLETINDO SOBRE A INTERSEÇÃO DOS CONCEITOS EM RELAÇÕES DE AJUDA PSICOLÓGICA

Diante do exposto, queremos agora refletir sobre a possibilidade de relações de ajuda pautadas na interseção dos conceitos considerados neste artigo. Como mencionado anteriormente, as três psicologias estudadas enxergam o ser humano concreto. Sendo assim, uma prática terapêutica pautada nesses parâmetros deve sempre enxergar a pessoa tal como ela aparece (visão fenomenológica) em busca de ajuda psicológica, mesmo que tenham a rotulado ou definido previamente com algum adoecimento psicológico dos manuais de diagnósticos mentais. “Se aceitamos o homem como ele é, nós o tornamos pior. Mas se o aceitarmos como deve ser, nós o tornamos o que ele poderá ser” (Goethe citado porAquino, 2015). Desse modo, o terapeuta pautado nas psicologias estudadas deve também enxergar a pessoa em seu vir a ser (visão existencialista) e não como um ser humano terminado.

Ao refletirmos sobre as interseções dos conceitos em relações de ajuda psicológica, poderíamos imaginar uma relação nos seguintes modos: em que o terapeuta irá enxergar o indivíduo entre tensões existenciais que refletem aquilo que ele é e aquilo que ele pretende ser. Os três autores em questão trazem em suas psicologias tensões existenciais, que há no ser humano, que se assemelham em muitos sentidos como foi tratado até aqui. Entretanto, as tensões ‘infinito e finito’ e ‘temporal e eterno’, de Kierkegaard, podem ser mais exploradas em relações de ajuda baseadas nessas abordagens. Pois o homem que é ‘si mesmo’ se constitui como sendo a síntese não só da tensão que se relaciona com a liberdade e necessidade, ser e dever-ser ou eu-ideal e eu-real, mas também nessas outras tensões.

Nesse sentido, o terapeuta não só enxergaria aquilo que na pessoa a ser ajudada traz o que idealiza ser e aquilo que é no presente momento, mas o compreenderia nesta tensão de finitude e infinitude. Facilitando o processo para a pessoa perceber o que a delimita e a confunde no rebanho das pessoas que a cerca e o que a faz imaginar para além desse rebanho, sem limitações e aberta a um vir a ser autêntico. Dar suporte a pessoa perceber esse tensionamento, entre finito e infinito no seu cotidiano, é o que a proporcionaria a ser si mesma com realizações segundo o que os outros querem de si ou o que ela quer para além das visões do social que a cerca.

O que nos leva ao outro tensionamento que pode ser utilizado em relações de ajuda, o ‘temporal x eterno’. Facilitar o processo nesses tensionamentos faria com que o indivíduo perceba melhor aquilo que existe e é sujeito ao tempo (temporal) e o que permanece para além do tempo (eterno). Nesse caso, a pessoa se percebe como alguém que almeja manter uma realidade social que lhe é familiar (temporal) ou deixar um legado atemporal, que a faz sentir participante da eternidade com aquilo que deixará no mundo. Para uma prática terapêutica nesta perspectiva, seria uma continuidade das bases existenciais e fenomenológicas de cada uma das psicologias estudadas. Ter essas atitudes em relações de ajuda é simplesmente perceber a liberdade das pessoas, enxergando o seu dever como humano, que ou reproduz o que lhe é familiar (temporal) ou produz um legado (eternidade).

Uma vida que é congruente em Rogers é aquela que também está relacionada com a expressão exata de onde estamos emocionalmente. Desse modo, podemos refletir que uma análise, por parte do terapeuta, a questões emocionais do sujeito pode vir a agregar na autotranscedência que menciona Frankl. Pois o indivíduo que tem uma vida autêntica deve se encontrar com valores que brilham mais para sua vida. Em vista disso, a compreensão de como está o indivíduo emocionalmente no decorrer de sua vida é de fundamental importância para o encontro de seus valores pessoais. Dessa maneira, perceber o que sente (dimensão psicológica) o sujeito é também perceber o sentido (dimensão espiritual) naquele momento existencial.

Assim sendo, os sentimentos vêm a agregar no ser autêntico, que possui uma capacidade de transcender sua própria vida encontrando sentido. Dessa forma, a autotranscedência poderia ser na prática terapêutica também uma base que se relaciona com o ser congruente. Aquele sujeito que é autêntico e consegue expressar seus sentimentos tal qual os vivencia internamente, realiza esse feito com a intencionalidade em dizer ao outro algo de valor pessoal ou até mesmo realizar algo com seus valores no mundo. O que remete a uma prática pautada na realização do seu sentido de vida, como mencionado por Frankl, por meio de valores existenciais, vivenciais ou atitudinais.

Em tal caso, os valores são de crucial importância para um viver autêntico, que consegue expressar o que sente, mas que também vivencia aquilo que valoriza. E a prática de ajuda terapêutica nos parâmetros aqui concebidos, conseguiria enxergar através dos sentimentos aquilo que seria transformado em atos intencionais de realizações no mundo. Olhando um ser humano que se preocupa com o outro empaticamente, como diria Rogers, mas que consegue agir proativamente transformando seus sentimentos empáticos em realizações neste mundo que faz brilhar um sentido a ser realizado pela pessoa.

A aceitação na relação de ajuda vem a agregar com essa questão dos valores, pois é ela quem faz o sujeito ser congruente, como cita Rogers ou a transparência que faz ‘ser si mesmo’, como menciona Kierkegaard. Tendo em vista que aquele que vive de acordo com seus valores para realizar seu sentido de vida, precisa viver em transparência daquilo que se é e não outros quaisquer que sejam. Nesse sentido, o encontro terapêutico seria relevante na medida em que se considera a aceitação incondicional de toda e qualquer existência. O que é muito relevante em nossos dias modernos, onde as existências ainda não são aceitas por julgamentos étnicos, políticos, sexuais ou religiosos.

Nesse sentido, ao refletir acerca da prática terapêutica dentro dos princípios analisados, percebemos que antes de acreditar nos conceitos de sentido de vida, congruência, ser si mesmo e nas interseções desses, o terapeuta deve vivenciá-los em sua própria vida. Incorporando-os ao mundo do possível em seu viver, responsabilizando-se diante de algo ou alguém, sendo verdadeiro com base em seus valores e ideais e sendo ele mesmo em um encontro único diante de outro ser único que está diante de si. Logo, o fator propriamente existencial precede quaisquer teorizações ou visões de mundo para o estabelecimento de uma relação de ajuda psicológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi investigar os conceitos ‘sentido de vida’, na psicologia fenomenológica/existencial de Viktor Frankl, de ‘congruência’ em Carl Rogers e de ‘ser si mesmo’ em Kierkegaard; objetivando refletir a respeito das semelhanças e divergências localizadas nos conceitos-chaves de cada um dos sistemas teóricos estudados. Consideramos, de forma geral, que tal escopo foi alcançado. Assim, passaremos a apresentar uma síntese dos principais achados do presente manuscrito.

O artigo apresentado nos fez refletir como é uma relação terapêutica nas confluências dos conceitos que lhe são fundamentais, o dando maior suporte para uma atuação proveitosa nas psicologias fenomenológicas e existenciais. Em Frankl o sentido de vida é algo que transcende nosso eu, sendo algo ou alguém para além de nós próprios, que nos motiva a viver. Ele serve como núcleo protetor diante dos sofrimentos e dores existenciais, pois quem tem um porquê viver consegue suportar quase todo como. Em Rogers a congruência é um estado de autenticidade entre aquilo que a pessoa idealiza sobre si e aquilo que ela verdadeiramente é, abarcando também a dimensão sentimental e suas expressões autênticas para os outros, bem como um estado psicológico saudável. Em Kierkegaard o ‘ser si mesmo’ está ligado a querer ser o eu que se é verdadeiramente, que é o contrário do desespero. Esse eu é a síntese entre tensões existenciais que se volta sobre si própria depois de estabelecida.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que tais conceitos descrevem uma dimensão saudável da experiência humana e que servem como núcleos protetores diante de sofrimentos psicológicos/existenciais. Por de trás de todos os conceitos há uma tensão existencial, que quando resolvida dá lugar a uma vida autêntica e congruente com seus valores. No que se refere as divergências, encontramos que os valores são tratados mais amplamente em Frankl do que nos outros autores, dando importância para a realização desses para uma vida autêntica. Já Rogers traz um aspecto relacionado a transparência das emoções para o ser congruente, que os outros autores não abarcam. E Kierkegaard amplia o ser si mesmo com as tensões ‘finito x infinito’ e temporal x eterno, que vai para além da tensão que pode ser assemelhada com os outros autores, ‘possibilidade e necessidade’.

Mediante a possibilidade de integrar os autores supracitados, imaginamos a atuação do terapeuta na interseção dos conceitos abordados. Ele não só enxergaria aquilo que na pessoa a ser ajudada traz o que idealiza ser e aquilo que é no presente momento, mas o compreenderia nas tensões ‘finito x infinito’ e temporal x eterno também. Ter essas atitudes em relações de ajuda é simplesmente perceber a liberdade das pessoas, enxergando o seu dever-ser como humano, que ou reproduz o que lhe é temporal ou produz algo para a perpetuidade. Refletimos também que uma percepção, por parte do terapeuta, a questões emocionais do sujeito pode vir a agregar na autotranscedência que menciona Frankl, pois o indivíduo que tem uma vida autêntica deve se encontrar com valores que brilham mais para sua vida. Em vista disso, a compreensão de como está o indivíduo emocionalmente no aqui e agora (hic et nunc) de sua existência é de fundamental importância para o encontro de seus valores pessoais. Assim sendo, os sentimentos vêm a agregar no ser autêntico, que possui uma capacidade de transcender sua própria vida encontrando sentido.

Nessa direção, uma prática de ajuda terapêutica nessa interseção só seria relevante se conseguíssemos enxergar os modos de existência do indivíduo, facilitando o seu vir a ser.

Em síntese, a Psicologia Existencial e Fenomenológica dos autores Frankl, Rogers e Kierkegaard são fontes de indubitável proveito para relações de ajuda terapêutica e trazem para nós, tanto do campo científico como cidadãos, visões de homem e mundo extremamente pertinentes para nosso tempo de escassez de sentido, congruência e autenticidade. Não obstante, faz-se necessário outras pesquisas sobre esses temas para elucidar melhor os variados conceitos dos autores e as principais e sutis diferenças. Há pouco sobre a presente questão nos periódicos brasileiros e o aumento de publicações beneficia não só o leitor da área de Psicologia como também das demais áreas que estabeleçam algum tipo de relação de ajuda terapêutica. Concluo com a frase de um poeta brasileiro, que demonstra com delicadeza a relação dos conceitos aqui apresentados na dinâmica existencial do ser humano: “Ser verdadeiro é em essência ser livre e ser livre é essencialmente andar em verdade” (Morais, 2020, p. 128).

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Recebido: Novembro de 2023; Aceito: Março de 2024

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