Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicologia e Saúde
versão On-line ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.4 no.2 Campo Grande dez. 2012
ARTIGOS
"Novas" formas de masculinidade? O jovem carioca de classe média morador da barra da Tijuca, Rio de Janeiro
"New" forms of masculinity? Young middle-class men who live in barra da Tijuca, Rio de Janeiro
¿"Nuevas" formas de masculinidad? El joven carioca de clase media que vive en barra da Tijuca, Rio de Janeiro
Alice Iwa Silva YamadaI; Maria Lúcia Rocha-CoutinhoII
IUniversidade Salgado de Oliveira. UNIVERSO
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ
RESUMO
As profundas e rápidas transformações por que vêm passando as identidades de gênero nas últimas décadas fizeram emergir o que alguns autores vêm denominando o "novo" homem, alguém que ainda oscila entre valores modernos e arcaicos. Objetivando melhor entender esse "novo" homem, foram entrevistados 4 jovens de classe média da Barra da Tijuca, solteiros, sem filhos, com idades entre 25 e 35 anos e nível superior completo. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e os textos resultantes submetidos a uma análise de discurso a partir das seguintes categorias: Ser Homem; Ser Mulher; Sexualidade; Cuidados Estéticos; Relacionamentos Afetivos; e Trabalho. Apresentamos aqui os resultados relativos à primeira categoria, que reforçam a idéia de que, apesar de estarem assimilando novos valores e, desse modo, estarem construindo novas formas de masculinidade, nossos entrevistados continuam presos, em maior ou menor grau, a antigos valores que ainda se fazem presentes no discurso social.
Palavras-chave: Masculinidade; Identidade; Contemporaneidade.
ABSTRACT
The rapid and profound changes gender identity has been undergoing during the last decades gave rise to what some researchers have been calling the "new" man, someone who still oscillates between old and new values. However, we interviewed 4 young men for understanding this process from Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, aged 25 to 35, who have completed their undergraduate studies. The interviews were tape-recorded, fully transcribed, and the resulting texts were submitted to a discourse analysis based on the following categories: Masculinity; Femininity; Sexuality; Aesthetic Care; Close Relationships; and Work. We focus here on the results related to the first category, which pointed out the fact , although assimilating new roles and functions in society and thus constructing new forms of masculinity, the interviewees still held old values still present in social discourse to some degree.
Key-words: Masculinity; Identity; Contemporaneity.
RESUMEN
Los profundos y rápidos cambios por que han pasado las identidades de género en las últimas décadas hicieron surgir lo que algunos autores ven denominando el "nuevo" hombre, alguien que todavía oscila entre valores modernos y arcaicos. Con el objetivo mejor comprender ese "nuevo" hombre, entrevistamos a 4 jóvenes de clase media, solteros, sin hijos, con edades entre 25 y 35 años, nivel superior completo y que viven en el barrio de Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Las entrevistas fueron gravadas e integralmente transcritas y los textos de ahí resultantes sometidos a un análisis de discurso a partir de las categorías siguientes: Ser Hombre; Ser Mujer; Sexualidad; Cuidados Estéticos; Relaciones Afectivas; y Trabajo. Presentamos en este trabajo los resultados relativos a la primera categoría, que refuerzan la idea de que, a despecho de asimilar nuevos valores y, por tanto, construir nuevas formas de masculinidad, nuestros entrevistados siguen reproduciendo, en mayor o menor grado, los antiguos valores todavía presentes en el discurso social.
Palabras-clave: Masculinidad; Identidad; Contemporaneidad.
Introdução
Como aponta Jablonski (1999), responder à pergunta "O que é ser homem?" não é uma tarefa simples, e vem se tornando, a cada dia, mais difícil. Para este autor, ser homem, há algumas décadas atrás, seria ter algumas características muito específicas, como ser ambicioso, racional, competitivo, dominador, agressivo, corajoso, não demonstrar emoções, prover a família, atuar como líder, entre outras coisas. Com a emancipação feminina, contudo, foi necessário que o homem desenvolvesse novas posturas, a fim de conviver com essas "novas" mulheres, tanto no ambiente de trabalho como no espaço doméstico. Nesta última esfera, inclusive, foi cobrada dele uma participação mais igualitária na divisão das tarefas e responsabilidades dentro de casa.
Esse movimento levou os homens a uma reavaliação de seus próprios papéis sociais, que incluía também um questionamento dos antigos valores acerca da masculinidade. Como assinala Silva (2000, p. 8),
Nos últimos anos, o debate em torno da identidade masculina tem apontado para uma verdadeira crise da masculinidade do homem contemporâneo. O homem estaria sendo colocado em xeque, porque estaria perdendo a noção de sua própria identidade, passando a buscar uma melhor descrição de si.
A verdade é que, ao longo de vários séculos, a masculinidade tem sido associada à independência, autonomia, autoconfiança e liderança nas relações de gênero, e o próprio homem se sente pressionado a mudar, diante destas exigências externas e internas, que podem ser observadas em falas como "o homem de verdade é 'macho', firme, provedor, e na hora 'H' resolve tudo sozinho e na base da pancada!" (Jablonski, 1995, p. 157).
E aqui cabe acrescentar que não acreditamos ser possível falar do homem, isto é, do masculino, sem relacioná-lo ao feminino e vice-versa. Isto porque, um dos frutos dos Movimentos Feministas das décadas de 1960/1970 foi trazer à tona a idéia de que um não pode ser entendido a não ser em relação com o outro, o que levou, inclusive, os chamados Estudos de Mulheres a serem denominados Estudos de Gênero. Como assinalam Pires e Ferraz (2008), foi a partir do referencial das teorias críticas feministas que o tema gênero desenvolveu-se no campo das Ciências Humanas e Sociais para se referir ao estudo das relações sociais que envolviam mulheres e homens, não sendo possível falar no masculino, portanto, sem relacioná-lo ao feminino e vice-versa.
Também para Welzer-Lang (2001), a proposta de desconstrução do gênero passa pelo estudo de homens e mulheres em conjunto e, deste modo, para que se compreenda as práticas femininas e masculinas, bem como as relações sociais entre homens e mulheres, é necessário comparar como ambos enunciam e definem suas práticas sociais. E aqui cabe lembrar também que as relações de gênero, ao nosso ver, são construídas e determinadas pela cultura de um determinado grupo social em um momento histórico específico. Assim sendo, elas se alteram ao longo do tempo e podem ser distintas para diferentes grupos sociais.
A idéia de que não é possível estudar o homem, bem como o ser humano, de modo geral, isolado do contexto em que ele está inserido, bem como dissociado de suas relações com seus "outros" sociais não é nova. Margaret Mead (1949, p. 54), já no final dos anos de 1940 havia assinalado que
O comportamento de um indivíduo só pode ser entendido em termos do comportamento de todo o grupo social do qual é membro, posto que seus atos individuais estão envolvidos em atos sociais mais amplos, que vão além dele e abarcam outros membros deste grupo social.
Ao se debruçar sobre o tema, pode-se perceber que, embora um número cada vez maior de estudos tenha se voltado para uma maior compreensão da identidade masculina nos últimos anos, ainda restam muitas questões sem resposta, talvez até mesmo porque o homem, como a mulher, ainda se encontra em pleno processo de transformação. Para alguns autores (Figueira, 1987; Gomes e Resende,2004; Negreiros & Fères-Carneiro, 2004; Petrini, 2005; Rocha-Coutinho, 1994, 2004), ambos, em seu processo de intensa mudança, parecem transitar atualmente entre antigos e novos valores. Isto porque, segundo esses autores, o modelo de família, pautado na hierarquia e regido pela severidade de princípios, está sendo substituído por formas diferenciadas de organização. O pai autoritário e provedor e a mulher submissa, ocupada exclusivamente com o lar e a família estão abrindo espaço para o surgimento de novas alternativas de convivência familiar, criando-se espaço para a manifestação diferenciada tanto da maternidade quanto da paternidade.
Mudanças sociais - como aquelas decorrentes da entrada da mulher de classe média no mercado de trabalho - estimularam o enfraquecimento do pai provedor, levando à formação de casais de dupla renda e/ou de dupla carreira (Perlin & Diniz, 2005) como novas formas de organização familiar. Emerge, assim, a figura do homem que não é mais considerado o único responsável pelo provimento financeiro de sua família. A emancipação sexual e financeira da mulher, levou, ainda, o homem a sofrer hoje, inclusive, a ameaça de ser reduzido ao papel de mero reprodutor, como acontece no caso de mulheres mães que optam pela "produção independente" (Szapiro & Fères-Carneiro, 2002), isto é, de mulheres que preferem assumir a criação e educação de seu filho sem a presença de um pai, usando o homem como reprodutor ou, mesmo, fazendo uso de um banco de sêmen. Badinter (1993, p. 172) assim esboça o novo perfil de pai:
É um homem oriundo das classes médias ou altas, que se beneficia de uma formação e de uma renda mais elevada que a média. Tem uma profissão liberal que lhe permite, bem como à mulher, dispor livremente de seu tempo e rejeita a cultura masculina tradicional. A maioria se diz em ruptura com o modelo de sua infância e não quer, por nada, reproduzir o comportamento do pai, considerado "frio e distante". Eles almejam "reparar" sua própria infância. Finalmente, vivem com mulheres que não têm vontade de ser mães em tempo integral.
Este homem traçado por Badinter (1993) se faz presente em nosso contexto familiar e é movido pelas transformações sociais ocorridas nas últimas décadas. Gomes e Resende (2004) desenvolveram uma pesquisa objetivando investigar a realidade desse novo homem no Brasil, procurando pistas acerca do papel paterno e das transformações por que vem passando a paternidade e a figura masculina. Os resultados apontaram para o fato de que os participantes da pesquisa vêm adotando posturas de um pai mais presente, afetivo, mais identificado com as exigências contemporâneas da família e que, assim, busca romper com a imagem paterna fria e distante passada por seus pais e avôs. Segundo as pesquisadoras (Gomes & Resende, 2004, p. 124),
A experiência com a ausência de uma figura paterna calorosa, que conseguia alimentar a imagem de pai severo e autoritário, levou-os a idealizar um pai mais tolerante e afetuoso, e a se proporem a assumir este lugar.
A sociedade atual tem imposto muitas exigências e obrigações sexuais para os homens (Badinter, 1993; Goldenberg, 2005). Sentindo-se pressionados por elas, muitos homens acabam se refugiando em drogas, no álcool, no abuso indevido de remédios, na utilização de "bombas" para ter o corpo mais "sarado", entre outras coisas, a fim de tentar dar conta dessas inúmeras cobranças que recaem hoje sobre eles. Isto porque, até há algum tempo atrás, o papel do homem era bem delimitado, restringindo-se a seu desempenho na esfera pública do trabalho. Assim, ele passava o dia fora de casa, garantindo o provimento financeiro da família, e, ao voltar, era servido por sua esposa, sem precisar se preocupar com nada a não ser descansar e estar pronto para a jornada do dia seguinte.
Esta cena, no entanto, mudou. Agora o mercado de trabalho é mais competitivo, as mulheres estão tão ou melhor preparadas que eles, disputando vagas nas diversas áreas profissionais. Em casa, as esposas exigem uma maior divisão das tarefas domésticas e o compartilhamento da educação dos filhos, uma vez que elas mesmas já não dispõem de um tempo exclusivo para se dedicar à família como ocorria outrora, visto que muitas delas têm uma carreira profissional e, assim, são submetidas diariamente a uma dupla jornada de trabalho que querem agora compartilhar com o homem. Além disso, se antes as mulheres eram reprimidas em sua sexualidade e viviam para satisfazer seus maridos e para "parir", hoje elas cobram dos homens prazer, buscando uma vida sexual satisfatória em sua relação conjugal.
Acresce-se a isso o fato de que as mulheres atuais desejam também ter um homem atencioso, atraente e com boa aparência a seu lado. Badinter (1993) afirma que este novo ideal masculino está custando caro para os homens, que fazem um enorme esforço para se adequar a esse novo modelo masculino de companheiro amoroso e atencioso, mas que ainda continua a supervalorizar o bom desempenho sexual do homem, algo que vem desencadeando angústia, depressão, ansiedade, stress, dificuldades afetivas, medo do fracasso e comportamentos compensatórios potencialmente perigosos e destruidores em muitos homens.
Pode-se dizer, assim, que os homens atuais, de certa forma, acabam sendo prisioneiros e vítimas de si próprios. De um lado, continua-se a esperar dele - de acordo com os ideais para eles construídos e que foram por eles internalizados ao longo de seu processo de socialização - que mantenha seus antigos traços de "masculinidade" em tempo integral, através de uma postura que demonstre virilidade e poder. Assim, quando atacados ou ameaçados em sua virilidade, ou acabam perdendo o controle e apelam pela violência física contra quem os desrespeita ou são, muitas vezes, vítimas de ironias preconceituosas relacionadas à sua virilidade, como ser chamados de homossexuais ou "mulherzinhas". De outro, valoriza-se hoje - algo que também é almejado por muitos deles - que seja um companheiro amoroso e atencioso, um amante que leve em conta os desejos de sua parceira e que com ela compartilhe os problemas e divida as tarefas e responsabilidades dentro de casa, bem como um pai presente que demonstre seu amor e afeto pelos filhos. Esse novo cenário, em que o homem se encontra pressionado não apenas pelo meio social em que vive mas também por ele próprio acabou, em parte, desencadeando o que vem sendo denominado "crise da masculinidade".
Como assinala Silva (2006), essa chamada "crise da masculinidade" a que muitos autores vêm se referindo (Badinter, 1993; Ghilardi-Lucena & Oliveira, 2008; Jablonski, 1999; Nolasco, 1995) é fruto da pressão exercida pelas mudanças sociais que levaram o homem atual a, de um lado, tentar se manter dentro do modelo de masculinidade tradicional - calcado na visão antiga do homem "machista, viril e heterossexual" -, que vem garantindo a posição de domínio dos homens e de subordinação das mulheres há séculos na sociedade, e, de outro, ele tenta se adequar à posição que vem sendo traçada para eles nas sociedades contemporâneas, e que acrescentou a este antigo modelo, a visão do pai amoroso, envolvido nas tarefas e problemas familiares, e do marido delicado, doce, meigo e, ao mesmo tempo, viril e preocupado com sua aparência física, que atende às necessidades das novas mulheres.
Parece, assim, que o novo modelo de masculinidade estaria baseado na possibilidade do homem se permitir ser mais sensível, deixar um pouco de lado o antigo papel do pai todo poderoso e distante dos filhos por um pai mais próximo e presente na vida dos filhos, do marido voltado unicamente para o mundo público e para o provimento financeiro de sua família por um companheiro mais participativo na vida doméstica, que vê no sexo com sua mulher uma parceira de fato e não apenas alguém que pode satisfazer seus instintos e dar a ele uma família. Enfim, o novo homem seria alguém mais aberto, ainda que não totalmente livre dos antigos estereótipos que o aprisionavam, mas que agora pode e deve se emocionar e demonstrar emoção, sendo, até mesmo, capaz de chorar sem se envergonhar ou temer ser visto como menos homem por isso.
Tendo em vista essas mudanças que vêm sendo apontadas na figura masculina, resolvemos investigar como homens solteiros atuais se percebem enquanto homens, objetivando, não apenas, ter uma maior compreensão acerca das identidades masculinas contemporâneas, como também melhor entender como eles percebem as mulheres atuais, o que esperam delas e quais são suas expectativas no que diz respeito ao relacionamento com o sexo oposto, entre outras questões.
Nosso Estudo
Metodologia
Para melhor entender esse "novo" homem a que se referem alguns autores, entrevistamos quatro jovens heterossexuais solteiros de classe média, moradores da Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, com curso superior completo e que se encontram na faixa etária dos 25 aos 35 anos, com o objetivo, entre outras coisas, de observar como eles se percebem e se posicionam frente aos relacionamentos afetivos, à carreira profissional e às mulheres, bem como que significados atribuem à masculinidade e que tipo de cuidados têm com sua aparência. Todos os participantes foram indicados por amigos e conhecidos ou pelos próprios entrevistados. Todos trabalhavam, dois deles ainda moravam com os pais e dois tinham namorada na época da pesquisa de campo. Fizemos uso de entrevistas semi-estruturadas, que seguiram um roteiro previamente elaborado, em que se buscou contemplar todos os temas de interesse para a pesquisa. As entrevistas foram individuais, gravadas e transcritas na íntegra e os textos resultantes foram submetidos a uma análise de discurso a partir das seguintes categorias, que emergiram dos estudos teóricos a respeito do tema, bem como das questões levantadas na fala dos entrevistados: Ser Homem; Ser Mulher; Sexualidade; Cuidados com a Aparência Física; Relacionamentos; e Trabalho.
Neste artigo focalizaremos apenas a primeira categoria de análise, Ser Homem. Nela abordamos o que nossos entrevistados consideram ser homem, os pontos negativos e positivos de ser homem, bem como que mudanças acreditam ter ocorrido na masculinidade das gerações anteriores para a sua.
Análise
Para a maioria dos entrevistados, ser homem significa ser líder, coordenar, ter uma palavra firme, dirigir e ser o "cabeça" da casa. E2 e E3 acrescentaram, ainda, que o homem deve ser responsável por fornecer segurança e força em casa, protegendo sua família de possíveis perigos, além de "comandar" e "direcionar" a mulher e os filhos, passando a eles confiança:
Ser homem prá mim... significa ter uma responsabilidade de liderar, de coordenar, de ser cabeça, de ter uma palavra firme, de não ponderar [...] [ter] força, é ser amigo [...] [ter] atitude (E4).
Ser o cabeça da casa, [...] prá dirigir, prá tá à frente das responsabilidades, dos compromissos [...] Alguém, tem que comandar, [...] tem que tá direcionando as coisas, e o homem por si próprio normalmente passa essa confiança na casa, passa a força da casa, passa a direção, [...] e a mulher tem a mesma importância, porém a mulher tem o homem como líder, como estando à frente até pra proteger a casa, a família (E3).
A maioria dos entrevistados afirmou, ainda, que ser homem não é ser garanhão, mas, antes, é ter personalidade e caráter, é ter atitudes, princípios, ser honesto, correto, sincero e maduro. Assim, quando perguntados sobre que comportamentos melhor definiriam os homens, a maioria dos entrevistados afirmou que é agir de forma correta, madura e responsável, sem mentiras, falsidades, com lealdade. Como afirma E1:
Significa ter atitude, princípios, personalidade. O que identifica o homem não é se ele é pegador, se ele é garanhão, e sim ter atitude, maturidade [...] É [...] responsabilidade acima de tudo, pra mostrar que a pessoa [...] já tem um nível de maturidade, [...] acho que isso leva a pessoa a ser homem .
Para E3, além de sinceridade e honestidade, o que definiria um homem seria reconhecer seus erros, corrigi-los e tentar não repeti-los, como se pode observar na fala abaixo:
[Tentar] errar o menos possível, quanto a gente erra, [...] a gente cria discernimento de saber que a gente [...] fez a coisa errada e pedir perdão e tentar se corrigir, que todos nós estamos sujeitos a errar, e quando a gente erra, quando você é [...] uma pessoa correta, [...] íntegra, [...] você sabe que errou, você pede desculpa, você tenta não errar de novo da mesma forma.
Já E2 assinalou que o homem gosta de expor sua força física e segurança, fazendo questão de mostrar que é o homem da casa. Além disso, acrescentou que ser menos sensível, mais "fechado" e ter dificuldades para conversar com outros homens sobre certas coisas, para se abrir com eles, seriam características tipicamente masculinas:
O homem gosta talvez [...] de representar esse lado masculino, eu sou o homem da casa, eu represento de certa forma a força física ou a segurança, o homem talvez seja [...] menos sensível que a mulher pra certas coisas [...] A forma de ser, tomar decisões, a forma como a gente age, você acaba não sendo tão sensível [...] o homem talvez seja mais fechado, você tá conversando com o homem, você tem que ta que nem ele, por mais que não seja como ele. O homem não se abre com outro homem, ele precisa se abrir com outra mulher, porque o homem, na verdade, tem um lado sensível, só que ele não sabe lidar com isso.
Todos os entrevistados acreditam ter havido mudanças no homem das gerações passadas para as atuais. A maioria deles afirmou que, antigamente, as pessoas, de modo geral, eram mais educadas. Quanto aos homens, eram mais companheiros e cavalheiros, sabiam o que era certo e o que era errado, e esses valores estão se perdendo. Para E2, inclusive, a emancipação feminina teria contribuído para a perda do cavalheirismo masculino:
Antigamente, acho que não só os homens, as pessoas eram muito mais educadas. Hoje em dia, acho que perdeu esse conceito de educação, sei lá, de companheirismo (E1).
Acho que tem mudado sim, tanto homem quanto mulher, [...] talvez o homem antigamente fosse mais educado em algumas situações, talvez tivesse mais cavalheirismo, acho que o homem hoje em dia já perdeu um pouco do cavalheirismo. Talvez, não sei [...], mas penso que talvez pela ação feminista da mulher, a mulher querendo tomar essa postura, [...] você acaba deixando o homem perder um pouco desse cavalheirismo, como uma mulher que exige ser hoje tudo que o homem é, e ao mesmo tempo querendo ser "ah, eu sou uma bonequinha de pano, de porcelana (E2).
Para E3, em decorrência da globalização e de tantas outras mudanças que estão ocorrendo atualmente, o homem perdeu um pouco da sua identidade e, com isso, perdeu também o discernimento do que é certo e errado, fazendo com que quem age corretamente seja visto como bobo ou tradicional:
Eu acho que[...] pela mudança, pela globalização, pelas coisas que acontecem hoje, [...] [o homem] perdeu um pouco da identidade. Não que não tenham pessoas corretas hoje, ou que antigamente todos eram corretos, mas eu acho que antigamente [...] o homem, o ser humano, tinha mais discernimento do que era certo, do que era errado. Hoje as coisas estão muito invertidas, [...] Quem age corretamente é considerado bobão, tradicional, não sei o que, e as coisas erradas hoje tão [...] passando a frente da correta.
Já E4 acredita que, ao contrário dos homens de algumas gerações atrás que não eram vaidosos, os homens de hoje se preocupam mais com sua aparência física e bem-estar:
Acho que os homens de hoje são mais modernos, pela questão [...] da vaidade, até pelo que a sociedade impõe. Antigamente, o homem não ligava muito pra essa coisa de vaidade, de se cuidar muito. Hoje em dia o homem se preocupa um pouco mais com a vaidade, com o bem-estar próprio.
Dentre as vantagens de ser homem, dois dos quatro participantes apontaram ser não engravidar, não menstruar e não ter TPM:
Acho que só de não engravidar, de não menstruar, [...] já é bem positivo (E1).
Primeiro é não poder engravidar, é [...] não menstruar [...] isso aí é muito positivo [...] não ter essa parada de TPM, essas coisas que mulher normalmente tem (E4).
E3 acrescentou que uma das vantagens de ser homem é poder fazer as coisas que eles fazem no cotidiano, como jogar futebol e sair com os amigos, enquanto E4, na mesma direção, mas de forma mais abrangente, considerou como vantagem a liberdade, de modo geral, desfrutada pelo homem desde menino:
O aspecto positivo é [...] fazer as coisas do dia a dia de um homem [...] sair com os amigos, jogar futebol, as coisas que normalmente homem faz (E3).
Acho que é a facilidade pra tudo, né? O homem eu acho que tem mais acesso as coisas do que a mulher [...] O homem já cresce com mais liberdade do que a mulher de um modo geral, dentro de casa (E4).
Já E2 apontou o prazer de exercer a função de comando dentro da família, de dar a ela segurança, força, tranquilidade, como outra vantagem de ser homem, algo que foi passado para ele desde cedo:
Eu gosto de tá nessa posição [...] porque eu quero mandar [...] a gente sente a necessidade de tá ali no comando, de tá ali dando segurança, aquela força, dando o abrigo, dando paz, dando tranquilidade. Em certas situações tem que ter aquela pessoa que não passa o medo, aquela pessoa que ta sempre "oh, fica tranquilo", aquela figura, aquela imagem, e isso foi passado pra mim.
Dois dos nossos entrevistados afirmaram não ver pontos negativos no fato de ser homem, ainda que E1 tenha apontado o fato do homem ter que tomar certas atitudes, como proteger a mulher e se expor mais, como uma diferença em relação à mulher, embora não necessariamente uma desvantagem:
Acho que não tem aspecto negativo não. Acho que [...] às vezes o homem tem que tomar certas atitudes [...] que a mulher às vezes não precisa, numa discussão de proteger a mulher, de se expor mais do que a mulher [...] mas não vejo isso como negativo, mas é uma diferença.
E3 considerou ser a "cabeça da casa, da família" como uma das diferenças entre os sexos e um aspecto negativo de ser homem:
De repente, ter um pouco mais de responsabilidade, de ter que trabalhar [...] o homem tem que estar sempre a frente da família, tem que tá normalmente sempre de cabeça da casa, da família, então tem que dá um jeito de correr atrás de um emprego melhor, de ganhar mais pra poder sustentar sua família, isso é uma das coisas [...] que eu vejo como mais responsabilidade do homem, não que a mulher não tenha que ter, mas o homem tem mais responsabilidade quanto à casa, à família.
Para E4, um aspecto negativo de ser homem é a dificuldade que eles têm para se abrir com a família quando passam por um problema, o que os leva a "sofrer muito sozinho":
A mulher [...] tem muito mais facilidade quando ela passa por problema do que o homem. Homem tem [...] uma barreira em relação a isso, isso é um ponto negativo pro homem [...] o homem sofre muito sozinho.
Apesar disso, todos os entrevistados afirmaram que homem também chora e que isso não os torna menos masculinos. Embora alguns tenham dito que não vêem problema algum nisso, outros sentiam ou ainda sentem vergonha de chorar em público:
[Homem chora], com certeza. Pá falar a verdade, eu já senti [vergonha de chorar], hoje em dia não sinto mais [...] A pessoa não vai deixar de ser homem porque está chorando, é questão de sentimento (E1).
É lógico que homem chora. Cara, eu sou um cara, por exemplo, que choro muito em despedida, eu não agüento despedida. Tem cara que chora em casamento, tem cara que chora porque o outro morreu e tal, eu choro em várias situações, não todas (E2).
[Homem] chora, chora muito [...] às vezes [tenho vergonha de chorar na frente das pessoas], dependendo da ocasião [...] Quando é uma coisa muito feliz, por exemplo, uma vitória, um título, tá entre amigos [...] comemorando junto com você eu não ligo. Agora se for alguma coisa triste, de repente tem outras pessoas que não têm nada a ver com a situação, te vê chorando eu não me sinto tão à vontade (E3).
Agora eu aprendi a chorar. Sinto vergonha [de chorar na frente das pessoas]. Ridículo, eu acho...eu cresci, o meu pai nunca chorou na minha frente, então eu sempre via isso como uma forma de força e hoje eu aprendi que chorar não é... feio, ou não quer dizer que sou fraco, mas mostra que, [...] sei lá. Quando eu choro, eu coloco prá fora uma coisa que eu não gosto de mostrar prás pessoas, eu acho que quando eu choro eu me exponho (E4).
Todos os entrevistados afirmaram existir diferentes tipos de homem. Alguns homens são, segundo eles, mais sensíveis, cavalheiros, educados, respeitadores, enquanto outros seriam mais "machões", brutos, sem educação, machistas. Do mesmo modo, alguns homens são mais responsáveis, trabalham e pensam em constituir família, enquanto outros seriam mais "descompromissados", não têm nenhuma responsabilidade com relação ao trabalho, às pessoas e à família:
Eu me considero educado [...] respeitador [...] tem homem que [...] não tem educação, não respeita as mulheres (E1).
Acho que [...] não são iguais. Tem homem mais sensível sim, tem homem mais bruto, [...] existem diversos [...] Existe o cara extremamente sensível, [...] o cara extremamente machista, que não trata bem mulher, que talvez pra ele a mulher seja um objeto, a mulher acaba sendo um tipo de escrava, o cara põe em segundo plano, lá embaixo (E2).
Eu acho que ninguém é igual, nem homem, nem mulher [...] Existem homens diferentes, existem homens que têm que provar prá sociedade que são durões e machões, e são homens [...] e tem homens que [...] têm uma sensibilidade um pouco mais apurada, que não altera em nada a sexualidade [...] que sentem a emoção à flor da pele, que vivem isso de verdade (E4).
Tem vários tipos de homens [...] existe homem [...] compromissado, que tem seus compromissos, tem homem relaxado, que não quer nada com a hora do Brasil, tem homem [...] que se dedica a cada dia prá melhorar, prá conseguir coisas melhores, tem o que não quer saber de nada. Tem homem que pensa em construir uma família, tem outro que já não, que já [...] não quer saber de responsabilidade com outras pessoas, com família (E3).
Quando perguntados sobre o tipo de homem que seria, para eles, o mais "masculino", afirmaram que a masculinidade não tem nenhuma ligação com o tipo de homem que se é. Como afirmou E1, "masculinidade não tem nada a ver com isso não, da pessoa ser grossa ou educada". Ainda a esse respeito, o homem de verdade, como assinalou E4, "não precisa provar nada prá ninguém... acho que esse é o mais masculino".
A maioria dos entrevistados disse não se considerar machista, ou, pelo menos, se considerar pouco machista, acrescentando, inclusive, que acha "ruim" o machismo, embora tenha afirmado ter muitos amigos machistas. No entanto, podemos observar algumas contradições em suas falas. E1, por exemplo, apesar de ter afirmado, inicialmente, não ser "nem um pouco machista", logo a seguir, diz ser "até pouco machista". Ele assinalou, ainda, que foi o fato das mulheres de antigamente serem dependentes do homem, estarem presas a ele, sob seu domínio, que reforçou o machismo masculino. Como atualmente elas estão no mesmo nível dos homens e são financeiramente independentes, não há mais espaço para o machismo, ainda que alguns homens pensem que elas têm que ficar em casa servindo a eles:
[Não sou] nem um pouco machista. Eu sou até pouco machista. Não tenho esses preconceitos que com mulher tem que agir firme, tem que fazer isso, aquilo [...] machismo é coisa ruim... até pro relacionamento... hoje em dia as mulheres estão no mesmo nível do homem, tanto em questão de trabalho, de qualquer coisa, né? Antigamente não, tinha o machismo, a mulher não podia trabalhar, [...] não podia sair, só com autorização do marido [...] Hoje [...] a mulher tem que trabalhar, tem que ser independente, não pode depender do homem [...] mas tem muitas pessoas que ainda pensam [...] que a mulher tem que ficar em casa, lavando e passando roupa.
Já E2 acredita que, com o Feminismo, muitas mulheres hoje são também machistas, desencadeando uma guerra entre os sexos que não leva a lugar nenhum, uma vez que o homem precisa tanto da mulher como ela do homem:
Eu não [me considero], eu não gosto de machismo, nem de feminismo. As pessoas falam "ah, machista!", mas muitas mulheres são machistas [...] eu acho que é sempre aquela [...] guerra dos sexos. Eu acho que isso não vai levar a lugar nenhum [...] eu acho que não tem nada a ver, eu acho que um sem o outro não vai a lugar nenhum.
E3, apesar de afirmar que se considera pouco machista e acreditar que homens e mulheres têm os mesmos direitos, disse ser machista com relação à namorada, não gostando que ela goze dos mesmos privilégios que ele:
Ser machista é, na minha opinião é [...] você abusar um pouco do poder de ser homem, você achar que o que você faz não tem problema nenhum, agora quando a mulher vai fazer você vê problema, cria confusão [...] na minha opinião, nisso os dois têm os mesmos direitos. Às vezes [me considero machista], quando às vezes tô namorando [...] "ah, vou sair com o meu amigo, não tem problema nenhum, vou jogar futebol", mas quando [...] é a namorada "ah pô, vou sair com uma amiga minha, vou no shopping com a amiga e tal", por mais que você saiba que não tem nada a ver, você não se sente tão bem, você acha que tá errado.
Finalmente, E4, apesar de ter afirmado não se considerar machista, tem uma opinião rígida em relação aos homossexuais, algo que considera inaceitável:
Depende do ponto de vista [...] é [...] com relação a homossexuais. Assim, antes eu via como um preconceito [...] tem umas coisas que eu acho inadmissível assim, só nesse sentido, mas aí não me considero um homem machista, [...] não é que eu tenha preconceito com relação a homossexuais, mas é uma coisa que, no meu entendimento, é uma coisa incompreensível, então com relação a isso eu acho que a minha opinião e decisão é muito rígida, dura.
Por fim, quando perguntados sobre o significado da expressão "Seja homem!", três dos entrevistados afirmaram ser ter atitudes de homem, como ser maduro, correto, honesto, ter caráter, não mentir, cumprir com a palavra, atitudes que, logo a seguir, dois dos entrevistados afirmaram ser esperadas de qualquer pessoa e não apenas dos homens. Somente para E2 a expressão significa "seja forte", no sentido de ter determinadas posturas, como não enfraquecer e chorar na frente de qualquer pessoa:
Ah [...] ter atitude de homem, não ter atitude de moleque, né? Falar uma coisa e fazer outra [...] você mentir [...] ter duas palavras. Isso eu não considero atitude de homem, e nem de mulher, atitude de uma pessoa correta, não só homem.
[É] andar de cabeça erguida, fazer as coisas corretas é [...] não mentir, não [...] ser desonesto, eu acho que isso é o principal de ser homem (E3).
Ser eu mesmo. O que um homem tem que fazer prá provar que é homem? Ele tem que ser homem, honrar suas palavras, eu acho que [...] tem que ter caráter, isso é uma característica de qualquer pessoa não só de homem (E4).
Significa ser forte, tá? A pessoa vai te dizer isso em algum momento, "ah, não chora não", ou seja, mostra a sua postura [...], seu filho tá te olhando, talvez a mulher é adulta, ela entenda, mas o moleque tá olhando prá você, o pai não vai querer desmunhecar, desmanteigar na frente do filho, vai ter que mostrar aquela postura. Talvez ele goste de chorar sozinho, como eu, eu gosto de chorar no meu quarto quando eu tô com medo, sozinho, eu acho que devo chorar sim, só acho que não devo mostrar prá todo mundo (E2).
Conclusão
Como pudemos observar, para a maioria dos nossos entrevistados, ser homem hoje ainda significa assumir uma posição de liderança e comando e, assim, ele deve ser firme. A ele caberia dirigir sua casa, ser responsável por fornecer segurança e força para a família, protegendo-a dos possívelis perigos, "comandar" e direcionar a mulher e os filhos, passando a eles confiança, idéia que reforça a antiga imagem do homem como a autoridade máxima dentro de casa, responsável pela tomada das grandes decisões da família, responsável por protegê-la dos perigos externos.
Além disso, para nossos entrevistados, ser homem não é ser "garanhão", mas, antes, é ter personalidade e caráter, é ter princípios, ser honesto, correto, sincero e maduro, algo que, segundo eles próprios, se aplicaria a qualquer pessoa, seja ela homem ou mulher. Para eles, o homem que não possuisse tais características não poderia ser considerado um homem de verdade, ou seja, para ser homem de verdade é preciso ter uma conduta social exemplar. A maioria dos entrevistados fez questão de assinalar, contudo, que esta conduta exemplar não seria própria do homem, mas algo esperado de todo ser humano, homens e mulheres. Assim, se o antigo modelo do homem honesto, de princípios e de caráter permanece, parte destes traços hoje parece também se aplicar às mulheres.
Alguns entrevistados apontaram como uma característica do homem a dificuldade de conversar, de se abrir com outras pessoas sobre seus sentimentos, algo que estaria coerente com a antiga idéia de masculinidade, que pregava que o homem não deveria se expor e demonstrar suas fraquezas, o que fez com que ele parecesse insensível justamente devido a essa sua suposta racionalidade. Embora todos tenham afirmado que homem também chora, a maioria dos entrevistados afirmou ter dificuldades de se abrir com as pessoas, de conversar sobre o que sentem - algo que foi, inclusive, apontado como um aspecto negativo de ser homem -, bem como de chorar na frente de outras pessoas.
A respeito do machismo, cabe apontar que, apesar da maioria dos entrevistados ter, a princípio, afirmado não ser machista, logo a seguir se disseram "até pouco machistas". Dois entrevistados, inclusive, assinalaram que os Movimentos Feministas contribuíram para essa mudança de comportamento masculino, sendo que um deles acredita que hoje muitas mulheres também são machistas. Apesar disso, todos os entrevistados concordaram em que há diferentes tipos de homem, dos mais sensíveis, cavalheiros, educados, respeitadores aos mais "machões", brutos, sem educação, machistas. No mesmo sentido, segundo eles, enquanto há hoje homens mais responsáveis, que trabalham e objetivam constituir uma família, outros não têm nenhuma responsabilidade com relação ao trabalho, às pessoas e à família.
Dentre as vantagens de ser homem, a maioria apontou a liberdade que eles desfrutam desde meninos, como poder sair com os amigos quando assim o desejarem. E aqui cabe acrescentar que, apesar de um dos entrevistados não se ver como machista e acreditar que as mulheres, como os homens, têm direito de sair com as amigas, se aborrece quando isto ocorre com sua namorada. Além disso, nossos entrevistados mencionaram também como uma vantagem o fato de exercerem a função de comando dentro da família, de dar a ela segurança, força e tranqüilidade.
Finalmente, em relação às mudanças ocorridas das gerações passadas para a deles, a maioria afirmou que o homem antigo era mais educado, companheiro e cavalheiro e sabiam o que era certo e errado, valores que, segundo eles, estariam se perdendo. Segundo um dos entrevistados, inclusive, o homem atual perdeu um pouco da sua identidade e, com isso, perdeu também o discernimento do que é certo e errado, fazendo com que quem age corretamente seja visto como bobo ou tradicional. Já outro entrevistado apontou, ainda, que os homens atuais são mais vaidosos, se preocupando mais com a aparência física e seu bem-estar.
Como se pode observar, nossos entrevistados parecem ainda oscilar entre posturas modernas e arcaicas, presentes, muitas vezes, em uma mesma fala. Assim, se, para seus pais, o homem devia ser forte, não demonstrar emoções, uma vez que ele era o esteio da família, para nossos entrevistados, o homem atual também chora, ainda que, na maioria das vezes não o faça na frente de outras pessoas, uma vez que isso o faria parecer fraco, algo que foi apontado por eles como um aspecto negativo de ser homem. Parece, assim, que, a despeito de se poder sentir uma mudança a este respeito, esta questão parece ainda pesar sobre eles.
A idéia de que o homem deve ter responsabilidade, buscar um emprego melhor para estar à frente da família, para ser seu provedor parece também ainda ser forte, algo que se, por vezes, é visto com um certo prazer, em outros momentos é sentida como um peso que recai sobre seus ombros. A maioria deles menciona, no entanto, que a mulher atual também trabalha e é financeiramente independente, o que, se não a torna igual ao homem, pelo menos faz com que não haja mais tanto espaço para o "machismo", visto, ora como negativo, ora como algo que, se não é positivo, ainda faz parte de ser homem.
Para concluir, podemos dizer que, em grande parte, por força de pressões externas, principalmente desencadeadas pelos movimentos de emancipação feminina dos anos de 1960/1970, como, inclusive, assinalaram alguns de nossos entrevistados, o homem brasileiro atual vem sendo levado a desenvolver novas posturas, a fim de conviver com essas "novas" mulheres, tanto no ambiente de trabalho como no espaço doméstico. Assim, embora oscilando entre posturas arcaicas e modernas, as novas visões vêm sendo, pouco a pouco, internalizadas pelos jovens por nós entrevistados, ainda que a masculinidade continue a ser associada à independência, autonomia, autoconfiança e liderança nas relações de gênero.
Referências bibliográficas
Badinter, E. (1993). XY: Sobre a identidade masculina. Trad. M.I.D. Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [ Links ]
Figueira, S.A. (1987). O "moderno" e o "arcaico" na nova família brasileira: notas sobre a dimensão invisível da mudança social. In S. A. Figueira (org.). Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, pp. 11-30. [ Links ]
Ghilardi-Lucena, M.I. & Oliveira, F. (2008). Representações do masculino: mídia, literatura e sociedade. Campinas: Alínea. [ Links ]
Goldenberg, M. (2005). Dominação masculina e saúde: usos do corpo em jovens das camadas médias urbanas. Ciência e Saúde Coletiva, 10(1):91-96. [ Links ]
Gomes, A.J.S. & Resende, V.R. (2004). O pai presente: o desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2):119-125. [ Links ]
Jablonski, B. (1995). A difícil extinção do boçalossauro. In S. Nolasco (org.). A desconstrução do masculino. Rio de Janeiro: Rocco, pp. 156-169. [ Links ]
______. (1999). Identidade masculina e o exercício da paternidade: de onde viemos e para onde vamos. In T. Féres-Carneiro (org.). Família e casal: entre a tradição e a transformação. Rio de Janeiro: NAU, pp. 55-69. [ Links ]
Mead, M. (1949). Male and female. New York: William Morrow. [ Links ]
Negreiros, T.C.G.M. & Féres-Carneiro, T. (2004). Masculino e feminino na sociedade contemporânea. Estudos e Pesquisa em Psicologia, 4(1):44-55. [ Links ]
Nolasco, (1995). O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco. [ Links ]
Perlin, G. & Diniz, G. (2005). Casais que trabalham e são felizes: mito ou realidade?. Psicologia Clínica, 17(2):15-29. [ Links ]
Petrini, J.C. (2005). Mudanças sociais e familiares na atualidade: reflexões à luz da história social e da sociologia. Memorandum: Memória e História em Psicologia, 8:20-37. [ Links ]
Pires, V.L. & Ferraz, M..M.S. (2008). Do machismo ao masculino: o vínculo das relações de gênero transformou o homem? In M.I. Ghilardi-Lucena & F. Oliveira (orgs.). Representações do masculino: mídia, literatura e sociedade. Campinas: Alínea, pp. 23-38. [ Links ]
Rocha-Cutinho, M.L. (1994). Tecendo por trás dos panos. A mulher brasileira nas relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco. [ Links ]
______. (2004). Novas opções, antigos dilemas: mulher, família, carreira e relacionamentos no Brasil. Temas em Psicologia, 12(1):2-17. [ Links ]
Silva, S.G. (2000). Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos. Psicologia: Ciência e Profissão, 20(2):8-15. [ Links ]
______ (2006). A crise da masculinidade: uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculinista. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(1):118-131. [ Links ]
Welzer-Lang,, D. (2001). A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos Femininos, 9(2):460-482. [ Links ]
Recebido: 28/08/2012
Última revisão: 29/10/2012
Aceite final: 30/10/2012
Sobre os autores:
Alice Iwa Silva Yamada. - Mestre em Psicologia - Universidade Salgado de Oliveira. UNIVERSO.
E-mail: aliceyamada@hotmail.com
Maria Lúcia Rocha-Coutinho - Curso de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Salgado de Oliveira. UNIVERSO. Programa EICOS. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
E-mail: mlrochac@imagelink.com.br ou malurochacoutinho@globo.com