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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.1 Campo Grande June 2015

 

RELATO DE PESQUISA

 

Os significados do cuidado na gestação

 

The meaning of care in pregnancy

 

El significado de la atención durante la gestación

 

 

Danielle Abdel Massih Pio; Mariana da Silva Capel

Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA)

Endereço 1

Endereço 2

 

 


RESUMO

A gravidez, considerada um período de transição normal, favorece o desenvolvimento emocional da mulher e da família para a chegada do bebê. Esse período, no entanto, dotado de turbulências deve ser acompanhado e apoiado por familiares, amigos e pessoas capazes de fortalecer as mulheres a enfrentar inseguranças propícias a aparecer. Este estudo identifica o entendimento, expectativas e significados atribuídos pelas mulheres ao seu cuidado no período gestacional, permeando a existência de apoio e seus diferentes tipos. Trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa com amostra de oito gestantes, primíparas e/ou multíparas, internadas em um Hospital Materno-Infantil de referência para gravidez de risco, com uso de entrevista semiestruturada, incluindo questão disparadora para o entendimento da experiência. Quatro temáticas foram elaboradas para discussão, sendo possível perceber que o apoio através da rede, seja familiar, social ou do profissional da saúde, facilita a segurança e orientação dessas mulheres para seguimento mais efetivo da gestação.

Palavras-chave: Gestação; Pré-natal; Cuidados na gestação; Apoio familiar; Apoio de rede de serviços.


ABSTRACT

Pregnancy is considered a normal transition period, it favors the normal emotional women growth and for the baby's arrival in the family. However, this period, provided with turbulences, must be followed and supported by family, friends and people able to power women to face insecurities conducive to appear. This study identifies the understanding, expectations and meanings for women in their care during pregnancy, showing the existence of different kinds of support. This is an exploratory qualitative research with eight pregnant women used as samples, primiparous/multiparous, admitted in a Maternity Hospital referenced by risk pregnancy, using semi-structured interviews with triggering issue for understanding the experience. Four theme have been prepared for discussion, and it has been possible to realize that through the support of a network, made by family, social or health professional, lead the safety and guidance of women for more effective monitoring of pregnancy.

Key-words: Pregnancy; Prenatal; Care during pregnancy; Family support; Health network support services.


RESUMEN

El embarazo se considera un período de transición que favorece el desarrollo emocional de la mujer y de su familia ante la llegada del bebé. Ese período, sin embargo, dotado de inquietudes debe ser acompañado y apoyado por la familia, amigos y personas capaces de empoderar a las mujeres para hacer frente a las inseguridades que puedan surgir. Este estudio identifica la comprensión, expectativas y significados atribuidos por las mujeres respecto a su atención durante el embarazo, en relación a la disponibilidad de apoyo y sus diferentes tipos. Se trata de un tipo de investigación cualitativa exploratoria realizada con una muestra de ocho mujeres embarazadas, primíparas y / o multíparas ingresadas al Hospital Materno Infantil de referencia para embarazos de riesgo, mediante una entrevista semi-estructurada, incluyendo una pregunta disparadora para la comprensión de la experiencia. Cuatro temas fueron preparados para la discusión, donde se puede notar que, a través del apoyo de la red, ya sea familiar, social o profesional de la salud, la consecuente seguridad facilita la orientación, durante el seguimiento del embarazo de las mujeres, de forma más efectiva.

Palabras-clave: Embarazo; Cuidado prenatal durante el embarazo; Apoyo familiar; Servicios de red de apoyo.


 

 

Introdução

A gravidez representa uma transição que faz parte do processo normal de desenvolvimento, envolvendo mudança de identidade e nova definição de papéis. No caso da primípara, além de filha e de mulher, ela passa a ocupar o lugar de mãe (De Felice, 2000).

Segundo Maldonado (1992) trata-se de um período de crise pelo qual perpassam pontos conflitivos de decisões e crescimento emocional, determinantes do estado de saúde ou de doença mental da mulher e da família que vivencia esse momento. Refere ainda que a maternidade toca no âmago das matrizes vinculares da mulher e altera significativamente os padrões interacionais com a família de origem.

Tais eventos, considerados essenciais, tendem a favorecer as transformações decorrentes da gravidez e a adaptação a ela, além de preparar para a chegada do bebê, evento marcado pelo estado de tensão pelas expectativas e ansiedades que ocorrem neste período e pelo papel concretizado do 'ser mãe" (Camacho, Vargens, Progianti & Spíndola, 2010).

Os sentimentos e os desejos desenvolvidos durante a gestação, incluindo as expectativas e planos após o parto, podem influenciar os próximos 12 meses da criança, principalmente em seu vínculo com a mãe (Sabroza, Leal, Souza & Nogueira da Gama, 2011).

No momento do nascimento, quando se encerra esse primeiro período de expectativas, iniciam-se outros sentimentos, influenciados pelo vínculo desenvolvido durante a gestação. O bebê passa a ser considerado efetivamente como um novo integrante da família, agora não mais imaginário (Camacho et al., 2010).

Conforme o referido autor, a base da relação mãe-bebê, após o nascimento, pode ser determinada desde a gestação, influenciada pelas expectativas e pelas emoções ocorridas neste período turbulento para maioria das primíparas, mas não menos importante para as multíparas (Camacho et al., 2010).

Em vista disso, esse período de mudanças para a mulher deve ser acompanhado e apoiado por familiares ou amigos capazes de diminuir as inseguranças que podem aparecer, inclusive, quando associadas à presença de patologias. Nessa situação, por parte dos médicos, as gestantes requerem uma assistência ainda maior, por haver possível intensificação dos conflitos tanto internos, da gestante em relação ao seu eu, quanto externos, afetando seus relacionamentos interpessoais (Evazian, Quayle, Fusco, Angelo & Zugaib, 1995).

Quayle, Kahhale, Sabraga, Neder & Zugaib (1998) acrescentam que a maioria das patologias surgidas durante a gestação pode levar à internação. Sabe-se que a hospitalização pode ser um fator estressante na gestação devido a inúmeros fatores circunstanciais, como afastamento do ambiente familiar, perda da privacidade, dando a gestante o rótulo de 'doente" diante da leitura feita da gravidez de risco. No momento de internação, muitas dúvidas podem surgir, assim como durante a visita médica, momento em que as mulheres têm interesse de saber sobre seu estado. Infelizmente na maioria das vezes tais momentos não são devidamente valorizados, aumentando seu nível de ansiedade, o que pode ainda mais agravar a situação.

Os autores referidos salientam ainda que a relação médico/paciente deve ser bem estabelecida, pois estudos mostram que a visita médica, quando não há a troca de informações, tende apenas a diminuir a confiança entre ambas as partes (Quayle et al., 1998).

Sabe-se que a adesão ao programa de assistência pré-natal no Brasil ainda é insatisfatória e, para seu êxito, são necessários o início precoce e a periodicidade de atendimentos, comparecimentos a um número mínimo de consultas e integração com ações coletivas. Enfim, para que isso realmente ocorra, Durães-Pereira, Novo e Armond (2007) nos colocam que a gestante precisa sentir-se bem acolhida pelos profissionais de saúde que a atenderão durante esse período de tantas incertezas.

De acordo com o discurso de gestantes portadoras de patologias que, em sua maioria, somam diabetes e hipertensão, é possível observar a preocupação com o bem estar da criança, referenciando também o posicionamento do pai que, de forma positiva, pode auxiliar nas angústias vividas pela mãe. Algumas ainda explicitam o valor negativo da gestação, quando a criança não é gerada de maneira planejada, acentuando seus sentimentos negativos pela falta de apoio do parceiro e da família (Silva, Santos & Parada, 2004).

Instituir um recurso para que ocorra a confiança e a vinculação da gestante com o profissional e o serviço de saúde auxilia a troca de informações. Ao serem sanadas as dúvidas existentes, minimizam-se os medos e, consequentemente, aumenta-se a co-responsabilização da gestante em relação ao tratamento (Durães-Pereira et al., 2007).

Os autores ainda referenciam que pequenas atitudes podem auxiliar a adesão ao tratamento, como chamar a gestante pelo nome, dispor-se a entendê-la como pessoa, participar de decisões de maneira informal; enfim, maneiras simples de acolher fazem uma grande diferença, não sendo preciso envolver grandes tecnologias (Durães-Pereira et al., 2007).

Vindo ao encontro desse mesmo pensamento, Bonadio (1998) enfatiza que as gestantes têm a necessidade de saber o que está acontecendo com seu filho, o que mobiliza nelas a disposição para o enfrentamento de obstáculos nesse período, pela percepção de que estão cumprindo seu dever. O que na maioria das vezes parece ser obrigação, na verdade, é o acompanhamento do desenvolvimento de seu próprio corpo, o que não fazia dessa maneira antes da gravidez.

Esses autores nos fazem refletir sobre o fato de que a gravidez é um momento de grandes mudanças, definido por Borsa (2007) como um 'terremoto físico e emocional". Trata-se de um período que pode ser superado em sua ambivalência em pouco tempo e, após o nascimento, se o vínculo da mãe com o bebê tiver sido fortalecido durante a gestação. Neste caso, o grande incentivador é o profissional da saúde, que a acompanha e a apoia.

Considerando, portanto, que a comunicação é uma necessidade humana básica, sem a qual seria dificílima a existência, Silva (2002) ressalta que empregando a comunicação de forma adequada, o profissional consegue estimular mudanças de atitude e de comportamento do indivíduo, atingindo os objetivos da assistência. A comunicação não-verbal, em que posturas, expressões faciais e/ou gestos podem revelar sentimentos e dúvidas não relatados, deve ser entendida pelo profissional. Se, além disso, ele ainda considerar as crenças e valores culturais da gestante, a comunicação e o estabelecimento da relação entre ambos serão efetivos, criando-se, portanto, um clima mais empático e humanizado.

Assim sendo, torna-se relevante identificar os significados do cuidado na gestação atribuídos pelas mulheres com intuito de pensar em novas formas de assistência que sejam capazes de minimizar suas ansiedades de uma gestação, tendo em vista uma vivência positiva do processo gravídico e o bem-estar da criança. De acordo com Bonadio (1998), o fato de haver interação efetiva e estabelecimento de vínculo de confiança entre a mulher e o profissional da saúde, aumenta sua autoestima e confiança, fazendo-a sentir que pisa em 'chão seguro", fato tão importante e necessário nessa época de transição existencial.

Pela observação desse fato em meu campo de atuação, como enfermeira e como parte da equipe de uma Residência Integrada Multiprofissional em Saúde, na área Materno-Infantil, pude perceber o quanto foi importante a orientação em grupo feita na Unidade Básica de Saúde às gestantes, algumas com acompanhantes. Ao serem encaminhadas para a atenção terciária para internação e realização de seu parto, no hospital de referência para alto risco da região, elas pareciam mais seguras quando comparadas às outras gestantes que podem não ter recebido informações e/ou acompanhamento suficiente em seu pré-natal, ao realizá-lo em sua unidade de saúde de referência.

A partir de então, meu interesse em estudar a importância do cuidado com as gestantes, seja com os profissionais da saúde e/ou seu relacionamento com os familiares e amigos, somente aumentou.

Com o objetivo de identificar, nas falas das mulheres, o entendimento, as expectativas e os significados atribuídos por elas ao seu cuidado no período gestacional, permeando a existência de apoio e seus diferentes tipos, familiar, social e profissional, a pretensão deste estudo é contribuir para que melhorias na assistência à saúde aconteçam por meio da qualificação em todos os níveis de atenção. Há necessidade de um apoio mais ampliado às gestantes, de forma a fortalecer o vínculo e a segurança das mesmas nesse momento tão ímpar na vida de cada uma - a gestação e a maternidade propriamente dita.

Trata-se de uma pesquisa exploratória de natureza qualitativa. A amostra foi de oito gestantes com idade compreendida entre 19 e 42 anos, escolaridade até 2ºgrau incompleto, idade gestacional de 18 a 39 semanas, primigestas e multigestas, todas internadas na Unidade de Obstetrícia do Hospital das Clínicas de Marília II, Unidade Materno Infantil, que é referência para 62 cidades da região para gravidez de risco, sendo todas atendidas pelo SUS.

Foi utilizada entrevista semiestruturada, em que as participantes responderam à questão disparadora e abrangente: 'Conte-me sobre seus sentimentos e experiências que surgiram desde a descoberta da gestação, incluindo a relação com a família e o atendimento pré-natal até o momento." O instrumento contemplava dados sócio-econômicos e familiares da mulher, a abordagem da experiência da gestação, o entendimento do cuidado, a avaliação sobre o atendimento e as informações dadas a ela sobre seu estado gravídico, além do entendimento sobre sua patologia ou motivo que a levou à internação.

As entrevistas foram gravadas em um mini-gravador, com posterior transcrição dos discursos. Os conteúdos expressos pelas entrevistadas foram avaliados metodologicamente, utilizando-se a análise de conteúdo temática categorial proposta por Bardin (2004).

 

Discussão de resultados

A partir da leitura de revisões bibliográficas, das transcrições de entrevistas realizadas e de sua categorização, com base em agrupamentos de conteúdos similares, serão apresentados os eixos temáticos propostos a seguir.

O que pode despertar uma gravidez considerada não planejada

De acordo com Borsa (2007), após a confirmação da gestação, o primeiro sentimento despertado é a dúvida. Inicia-se, nesse momento, reflexões acerca de seu estado psicológico, social e financeiro para criar uma criança, sobre seu relacionamento com o marido e, ainda, em relação à aceitação da família. Corroborando as afirmações do autor acima, as gestantes entrevistadas relataram sentimentos de dúvida, medo e ambivalência a respeito desse momento de tantas turbulências vivenciadas e o início de mudanças: 'Ah, no começo eu não queria. No começo quando eu descobri, eu fiquei meio em choque. Assim, eu não queria..." (G1, 19 anos)

'Aí eu fiquei muito triste, porque eu não esperava...quase entrei em depressão. Foi culpa minha né. Mas tem que se conformar, mas depois eu vi que é uma menina. Aí eu fiquei mais alegre" (G8, 42 anos)

Considerado um momento singular para a mulher, nesse período há alguns pontos relevantes para o modo como cada uma vai lidar com sua gravidez, como sua história, o relacionamento familiar e a história do casal (Magalhães, 2008). É importante destacar, a respeito de gestações não planejadas, a possibilidade de os sentimentos de rejeição inicial e as dúvidas darem lugar a sentimentos de aceitação (Scavone, 2001). Segundo Magalhães (2008), a mulher começa a ponderar sua relação com o companheiro e com sua família, refletindo sobre os prós e contras de ter um bebê em casa.

Embora essa transição seja vista como um processo normal do desenvolvimento, a mulher sofre reajustamentos em várias dimensões em sua vida, passando por uma nova definição de papéis (Zampieri, 2001).

Algumas gestantes trazem inquietações em relação aos papéis sobre a difícil transição de já ter um filho e adaptar-se à presença de outro: 'Foi uma surpresa, né. Porque eu tenho um nenê de oito meses (pausa) e eu fiquei grávida na dieta...Com um nenê de quatro meses nos meus braços, descobri que ´tava com outro. Foi difícil né?!" (G6, 38 anos)

'Quando descobri foi surpresa, porque minha menina é muito nova, e não ´tava pronta ainda para ter mais um" (G7, 23 anos).

'No começo ela aceitou (outra filha). No começo, ela aceitou, mas agora não aceita não. Ela fala que é irmã, mas o que é dela é dela, e o que é da irmã é da irmã" (G7, 23 anos). Quando as mães se referem ao segundo filho como uma preocupação, ou quanto à aceitação pelos primogênitos, é possível perceber uma mudança no comportamento deles, pois a tríade pai-mãe-primogênito começa a se desfazer. Estudos mostram que mesmo antes do nascimento do bebê, o primogênito já sofre transformações, principalmente em seu comportamento, intensificados no último mês do pré-parto e primeiro mês do pós- parto (Pereira & Piccinini, 2011).

O desenvolvimento da família com o nascimento do segundo filho torna o processo mais complexo, pois não se trata mais do casal e seu primogênito. Além de os pais terem que aprender a lidar com dois filhos, o primogênito passa a ser o filho mais velho (Pereira & Piccinini, 2007).

É preciso considerar, portanto, que as mudanças também ocorrem na vida do marido/companheiro e dos familiares, que vem ao encontro do que Milbradt (2008) descreve sobre a ambivalência paterna e o sentimento de culpa, ora pelo momento inesperado da gravidez, ora pelas mudanças ocorridas no relacionamento conjugal. Podemos perceber em algumas falas descritas, que a família da gestante influencia seus sentimentos, fazendo-a sentir os mais variados deles: 'No começo que eu falei que estava grávida, ele falou que não era dele. Aí eu falei, tá bom. Aí cada um ficou no seu canto, até agora" (G2, 26 anos).

'Só minha sogra que não gostou muito, mas tá bom" (G4, 30anos).

No começo ficava tudo meio assim né, porque ninguém esperava menina, foi uma coisa surpresa, eu tenho 42 anos, (...), mas agora está tudo contente. Ele está feliz também, só que ele queria um menino. Só que agora vem uma menina. Tem que né, tem que aceitar, fazer o quê? Mas está conformado já (G8, 42 anos).

Pode-se perceber que o vínculo é um processo contínuo, em que a comunicação é bidirecional e, mesmo na gravidez não planejada, 'há uma reciprocidade na relação de forma que o comportamento de um desencadeia a comunicação do outro e vice-versa" (Milbradt, 2008, p.07).

As experiências vivenciadas pela gestante e as responsabilidades trazem uma carga muito grande, podendo gerar os sentimentos mais variados possíveis, desde o amor materno, tão esperado, chegando à rejeição, muito discriminada, gerando a culpa (Milbradt, 2008).

 

Medo das complicações: essa gravidez é uma perda ou ganho vital?

As várias transformações ocorridas no organismo da mulher podem também despertar sentimentos não positivos, enquanto para algumas o momento é especial, sendo preciso considerar as alterações gestacionais, de autoimagem e autoestima (Camacho et al., 2010).

Ressalta-se que, em uma gestação de risco, o temor da perda pode fazer-se mais presente. Existe uma noção de fragilidade da vida que pode terminar a qualquer momento, com a percepção de que tanto a gestante pode gerar vida quanto abrigar a morte dentro de si (Maldonado, 1989). Tal vivência é relatada por uma gestante que traz a experiência de perdas anteriores, em que o desejo de gerar vida se entrelaça ao risco e ao temor de perda, da morte:

Não é só feliz. Eu tenho medo. Eu tenho medo de perder mais um e a idade também depois não ajuda, né. Eu to quase nos 40 e se eu perder ela, eu não vou poder ter outra. Essa é minha última chance de ser mãe, eu falei pra ele (marido), porque na verdade eu acho que é mesmo (G3, 39 anos).

De um modo geral, a idade da mulher influencia nesse momento, considerando sua experiência. De acordo com a visão da sociedade, a mulher, depois de determinada idade, não deveria mais se preocupar em reprodução, fato que, de certo modo, pode fragilizar as mulheres com mais idade que engravidam (Camacho et al., 2010).

Concomitante a isso, a mulher na qual se identificou fator de risco pode ter suas dificuldades para adaptações emocionais intensificadas:

... eu confesso que fiquei mais com medo do que contente, porque pra uma mulher, passar dois abortos é complicado, né. A gente fica assustada, e eu tenho medo também por conta da idade, todo mundo fala que eu tô com 39, a gravidez é mais complicada, é de risco. Então, no momento que eu fiz o teste de farmácia e deu positivo, eu fiquei assustada né (G3, 39 anos).

Na fala acima podemos perceber o sofrimento expressado pela gestante que já vivenciou e está novamente vivenciando o sofrimento durante a gestação, deixando claro o medo de não conseguir realizar o sonho da maternidade, intensificando seu nível de ansiedade conforme encontrado na literatura (Tedesco, 1997). O fato também é confirmado pela fala de outra participante:

Ao mesmo tempo eu quero tirar, mas não pode tirar. Ao mesmo tempo eu penso em não tirar, deixar mais um pouquinho. Ai eu fico naquela dúvida: se acontece alguma coisa, a consciência vai pesar, e se eu fica aqui, está pesando do mesmo jeito, então eu fico indecisa (G7, 23 anos).

Devido à hospitalização, podem ocorrer algumas alterações no ritmo familiar e na vida da gestante, como afastamento da mulher de sua casa, da família, de suas atividades profissionais/do lar, acarretando, ainda, uma sobrecarga de funções para o marido, que normalmente assume o papel de cuidar dos filhos e da casa (Zampieri, 2001).

Conforme esse autor as gestantes internadas, principalmente as de risco, tendem a se preocupar com a vida do bebê, uma vez que têm consciência sobre os agravos que podem ser gerados a ele, além da preocupação com sua própria vida.

Contudo, apesar da hospitalização e do tratamento, elas continuam com seus sonhos e idealizações referentes ao nascimento do bebê. É possível perceber nas falas das gestantes que a relação da mãe com o bebê é algo singular, que inclui a percepção dos acontecimentos do dia a dia através da mãe: 'Você percebe que, também, quando você passa por alguma coisa, o bebê juntamente responde. Então é uma ligação bem forte" (G5, 32 anos)

A mãe sente mais, é a mãe que ´tá com o nenê na barriga. É a mãe que confia, não é? Então eu falo pra ele (marido), não é assim, não é assim, é porque você é homem, acho que ele não sente igual a mãe sente (G3, 39 anos).

O bebê, durante a gestação, desperta a imaginação e a mãe tende a fantasiar situações que podem acontecer mesmo antes de seu nascimento. A ansiedade, relacionada ao encontro com o bebê e ao seu nascimento, aumenta a cada dia durante a gestação, levando a mulher a procurar alternativas para tentar amenizar essa ansiedade tão evidente, como aparece pelos depoimentos seguintes: 'Tô ansiosa, não sei nem se eu durmo essa noite... Eu fiz até aquela terapia ocupacional hoje pra relaxar um pouco! Mas não vejo a hora de ver o rostinho dele"(G1 19 anos).

O último mês parece que não passa, não passa, não passa.... é mais expectativas assim, tudo, né, da ligação com o bebê. Tudo, é uma expectativa de você pegar no colo, de amamentar é maior... Minha filha mesmo, ela mamou até um ano e quatro meses, e é, eu não tinha pressa assim, eu tinha prazer em amamentar. Aí por isso que to nessa expectativa assim, da amamentação, de poder brincar. (G5, 32 anos)

A afeição e o amor pelo filho, formados durante a gestação, juntamente com a ansiedade do nascimento e a experiência de outras gestações, oferecem uma base para o momento tão esperado: o nascimento (Borsa, 2007).

Assim, o papel de mãe vai ser despertado, influenciando na vida inclusive dos familiares, pois o vínculo que se constrói na relação estabelecida com o bebê é muito mais do que apenas alimentar, trocar ou tomar conta. É cuidar, colocar-se no lugar, perceber e responder às suas necessidades (Borsa, 2007).

Essa experiência pode transformar-se em um ganho apesar da ocorrência de circunstâncias adversas da vida. Após o nascimento do bebê, Milbradt (2008) descreve que o sentimento de amor fica evidente. A superproteção, o cuidado, a preocupação são coisas que vão aparecendo no transcorrer dos dias, além da euforia e do cansaço que também ficam presentes. Ainda que a realidade da gravidez possa ter sido difícil e conflituosa, as pessoas envolvidas nesse processo, como irmãos, pais, familiares, amigos e profissionais da saúde, também passarão por mudanças que vão depender não só das exigências internas, mas também das influências do meio vivenciado no momento. Segundo Milbradt (2008) com o nascimento, as adversidades ficarão no passado.

 

Importância da atenção familiar e da rede de serviços (UBS/PSF/hospital)

É possível perceber na fala da gestante o quanto ela considera importante a realização das consultas do pré-natal e como isso pode servir de suporte para que possa confiar nesse momento, frente a tantas dúvidas e transformações:

É um procedimento (pré-natal) né, é um procedimento que acho que a gente tem que fazer né, são os cuidados da gente e da criança. Aí a gente fica sabendo tudo o que se passa. Então eu acho que todo mundo deveria fazer isso. É o certo, correto (G6, 38 anos).

'A médica é super atenciosa sabe. Acho que, por ser o primeiro bebê, ela procurava me explicar tudo. Todo dia, a hora que eu chegava lá, ela sentava e conversava comigo" (G1, 19 anos).

A mulher, vivenciando esse momento de transição, necessita de suporte e confiança, o que pode vir de pessoas que sejam significativas para ela, como parentes e amigos ou pessoas disponíveis, como o médico ou equipe de saúde que a acompanha, proporcionando-lhe assim, maior segurança para enfrentar as dificuldades do processo gravídico- puerperal (Tsunechiro & Bonadio, 1999).

É importante salientar, então, que o pré-natal pode favorecer a interação entre o profissional, a gestante e sua família. Isso contribui para que a gestante mantenha o vínculo com o serviço de saúde, reduzindo consideravelmente os riscos de intercorrências durante a gestação.

Nota-se que, a respeito da qualidade do vínculo na instituição em que realizou o parto, algumas mulheres referiram pouca comunicação com a equipe que a acompanha:

Eu tomei uma dose da vacina ontem e uma hoje pra amadurece o pulmãozinho dele. Agora eu não sei, porque as dores vão e volta, vão e volta, então eu não sei. E eu estou perdendo líquido ainda, tendo sangramento, eu não sei ainda. E hoje não veio nenhum médico falar comigo. Então eu não sei (G2, 26 anos).

'Eles sempre são bem atenciosos, mas agora o que está pesando, é que eles entram, falam, falam, falam, falam o que eles entendem, e eu não entendo nada e sai. Isso tá pesando bastante." (G7, 23anos).

Os profissionais da saúde devem ter noção de seu papel de coadjuvante nesse momento, colocando sua sensibilidade e conhecimento a serviço da mulher e sua família, pois para elas, a hospitalização pode aumentar ainda mais sua ansiedade. A preocupação com outros filhos, o marido em casa, as contas a pagar. Mesmo sabendo que tudo está sendo cuidado por alguma pessoa, a sensação de incômodo e poucas informações durante a internação fazem com que o tempo demore ainda mais a passar (Landerdahl, Ressel & Martins, 2007)

Segundo os autores referidos, é evidente que a atenção dada às mulheres durante a realização do pré-natal, que acontece na Unidade Básica de Saúde, deve ter continuidade no atendimento hospitalar. O trabalho em rede possibilita que a gestante caminhe nos serviços de modo a ser acompanhada igualmente de acordo com suas necessidades e não que ela caminhe sem rumo. Ela necessita manter interação com a equipe toda durante sua internação, diminuindo seus medos. Assim, a equipe deve adotar condutas que busquem o bem estar da gestante.

Mudanças, percepção de riscos e prevenção: o autocuidado para o cuidado.

As alterações que ocorrem durante a gravidez podem ser consideradas as mais significativas modificações que o corpo do ser humano pode sofrer. Como já dito antes, a gestação e o nascimento de uma criança alteram a vida dos pais e da família. Camacho et al. (2010) acreditam que elas favorecem a adaptação e todas essas mudanças podem ocorrer em todos os sentidos, tanto no corpo da mulher, na alimentação, como no relacionamento com amigos e familiares, enfim, em todos os processos relacionais da gestante.

É dessa forma, pelas mudanças, que a mulher vai se adaptando a seus novos formatos e diferentes sensações, pois a gravidez é considerada um momento especial, gerando sentimentos positivos, mesmo que isso possa influenciar na avaliação da autoimagem da mulher (Camacho et al., 2010).

A vaidade muda um pouco, porque você mantém, mantém, mantém pra não engordar e de repente você se vê engordando, engordando, engordando. Então, um pouco da preocupação que você tem, é logico, ainda mais mulher que eu sei que tem, mas ao mesmo tempo eu to levando numa boa, num tenho tanta, você percebe mais na parte do quadril, abdome, mas você vai levando numa boa (G5, 32 anos).

Ah, no começo eu não sentia nada, comecei a me sentir feia, gorda, mas depois eu comecei a gostar. Assim, comecei a comprar roupinhas de gestante, eu gostei, ai, [sic] porque eu não engordei muito, então andava por tudo, era só barriga, foi uma mudança assim que eu curti junto, que pra mim tava gostoso (G2, 26 anos)

O ser materno se transforma a cada dia, conforme descrito nas falas. O corpo se molda em novas formas e cada mulher, com suas adaptações psicológicas, começa a considerar como será seu futuro, e olha para si mesma, criando sua identidade materna (Camacho et al., 2010). Ela começa a perceber cada emoção que sente, conectada a cada mudança em seu corpo. Além disso, nessa fase, ainda se iniciam as preocupações, principalmente com a alimentação, pois já começa a entender os riscos que podem trazer neste período. Logo, tenta adaptar seu dia a dia para prevenir futuras intercorrências.

Eu me preocupo com a alimentação, em ter uma alimentação mais saudável, nada de porcarias. Então você se preocupa. Tudo que você vai comê, você pensa, será que vai fazer mal? Cada refrigerante que você vai tomar, e.... tudo, tudo você se preocupa, não fica comendo gordura, então, me preocupo com alimentação, e eu também fazia muito regime, coisa diet, ligth, coisa que agora na gravidez não pode né. Aí tem que se preocupar mais em comer coisa saudável (G5, 32 anos).

Pode-se perceber que as mudanças e adaptações da mulher durante a gravidez são inúmeras, e elas têm ciência da importância do cuidado de si, tanto quanto do bebê, pois, a cada nova gestação, as adaptações ocorrem como um ciclo, novas mudanças, novos riscos e novos cuidados a serem realizados e considerados (Piccinini, Ferrari, Levandowski, Lopes & Nardi, 2003).

O tornar-se mãe é um processo de construção durante toda a vida da mulher, desde sua infância, quando surge a primeira fantasia com um filho, fato prolongado por toda sua vida até o estar grávida, quando tudo começa a se tornar realidade (Magalhães, 2008).

 

Considerações Finais

O processo de gestação é complexo, transformador, dinâmico. Entender a gestação marcada pelas transformações do corpo significa considerar a gravidez no seu âmbito psicológico, social, cultural, e em todas suas faces.

Com este estudo, foi possível perceber que o apoio à gestante por meio da rede de apoio, seja ela familiar, social ou por um profissional da saúde, promovendo a integralidade das ações, dá às gestantes maior segurança e melhor orientação para seguir o processo gestacional.

Percebe-se, pelo estudo, o quanto o apoio profissional acresce de importância. É preciso ouvir mais o que as mães têm a dizer, suas necessidades e seus desejos, pois elas precisam de apoio, de compreensão, de momentos que lhes permitam compartilhar suas vivências, cheias de angústias, tristezas, preocupação, culpa, enfim, todos os sentimentos que podem lhes acometer e repercutir em suas vidas neste momento.

Esperamos que o estudo realizado sirva de incentivo a novas buscas para melhorias no atendimento às gestantes, a fim de se considerar a integralidade delas, assegurando-lhes um atendimento com informações consistentes, que possam subsidiar o período de turbulências e estimular os profissionais da saúde a criarem um espaço de escuta para acolher essas mulheres.

Além disso, é preciso que os profissionais da saúde reflitam sobre seu papel, diminuindo o autoritarismo, trabalhando em equipes multiprofissionais para que se possa estabelecer um plano de cuidados, que considera as necessidades de saúde de cada gestante de maneira cada vez mais integral.

 

Referências

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Recebido: 30/08/2012
Última revisão: 11/04/2014
Aceite final: 17/07/2014

 

 

Sobre os autores:

Danielle Abdel Massih Pio - Mestre em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Unesp/Botucatu. Tutora da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde - Materno Infantil da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Assistente de Ensino na FAMEMA.

Mariana da Silva Capel - Enfermeira. Especialista em Saúde Materno Infantil. Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA).

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