Introdução
Ainda que a segurança do paciente não constitua preocupação recente, uma vez que está essencialmente interligada aos cuidados de saúde, perdura o interesse de pesquisadores e profissionais por obter conhecimentos teóricos e práticos que sejam baseados em evidências geradas por rigorosas pesquisas. De fato, essa é uma tendência que pode ser identificada na literatura especializada ao longo das últimas décadas, a qual foi bastante impulsionada pela ampla divulgação do documentário To Err is Human: Building a Safer Health System, fruto de um estudo sobre prática profissional realizado pela Universidade de Harvard (Kohn et al., 2000). Assim, desde os anos 1990, trabalhadores da saúde vêm sendo alertados sobre as extensas repercussões dos danos causados a pacientes; e o erro laboral tornou-se um tópico prioritário das agendas de instituições e sistemas de saúde em diversos países (Harrison et al., 2019; Janes et al., 2021).
Alinhada com essas expectativas internacionais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem estimulado o debate e instaurado medidas para fomentar políticas e programas destinados à melhoria dos indicadores de segurança. Em 2002, lançou uma resolução específica e, em 2004, criou a Aliança Mundial para Segurança do Paciente (World Health Organization, 2021). No contexto brasileiro, a Portaria n. 529, publicada em 2013, instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), com o intuito de orientar a elaboração de protocolos, capacitação de equipes e avaliação de serviços (Ministério da Saúde, 2013). Naquele mesmo ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Ministério da Saúde & Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2013) regulamentou estratégias e recomendou a implantação do Núcleo de Segurança do Paciente em organizações situadas no território nacional.
Inicialmente, a expressão “cultura de segurança” surgiu no documento Summary Report on the Post-Accident Review Meeting on the Chernobyl Accident. Ou seja, seu uso começou após o desastre nuclear, ocorrido em 1986, expandindo-se, posteriormente, para outros campos (Bienassis et al., 2020). Segundo Aspden et al. (2004), essa cultura pode ser definida como um padrão integrado de comportamentos individual e organizacional - baseado em crenças e valores compartilhados - que visa minimizar, consistentemente, danos resultantes dos processos de prestação de cuidados. No contexto nacional, o Ministério da Saúde definiu cultura de segurança na portaria supracitada.
Considerando os pressupostos aludidos, é importante enfocar o cenário contemporâneo, marcado por surtos de variadas doenças e, ultimamente, pela pandemia disseminada pela covid-19 (Gudi & Tiwari, 2020; WHO, 2021). Nessas circunstâncias, acentuam-se desafios associados ao exercício profissional em saúde, tais como os erros decorrentes das múltiplas exigências impostas em condições de baixa controlabilidade, em razão da carência de informações suficientemente fundamentadas. Diante disso, é crucial ampliar a compreensão sobre a atuação dos profissionais de saúde, a qual se desenvolve no âmbito da cultura organizacional de uma dada instituição em que subsiste uma determinada cultura de segurança. Compete relembrar de maneira breve que, no caso dos hospitais, equipes especializadas estruturam e coordenam as ações das diferentes categorias de trabalhadores, sendo que uma cultura de segurança apropriada pode ser reconhecida pela diminuição das taxas de readmissão e de mortalidade, bem como pelo incremento dos indicadores de satisfação de pacientes e de seus familiares e/ou acompanhantes (Kohn et al., 2000).
Numerosos estudos internacionais têm sido feitos sobre saúde e estresse ocupacional no campo da saúde, inclusive com publicações periódicas. No Brasil, investigações também têm sido divulgadas, a exemplo da pesquisa de Queiroz e Araujo (2009) sobre percepção de profissionais acerca da influência de aspectos interacionais e comunicacionais (por exemplo: apoio interprofissional) na superação de adversidades e efetividade do trabalho de equipe e tomada de decisão grupal. Com preocupações semelhantes, Sousa e Araujo (2015) buscaram indicadores de resiliência profissional diante dos fatores de risco. As autoras destacaram que as oportunidades de interação colaborativa possibilitam mais satisfação no trabalho. Igualmente, corroboraram dados da literatura que evidenciaram mais vulnerabilidade em profissionais de enfermagem (Chen et al., 2016; Maia & Guimarães Neto, 2021). É válido frisar que muitas intervenções hospitalares perpassam experiências de morte e incapacidades, deflagrando possíveis dificuldades pessoais de profissionais para lidar com o luto e as perdas, as quais podem reverberar na cultura institucional (Kovács, 2011). Em síntese, tendo em vista os interesses assistenciais e científicos do tema, anteriormente delimitados, foi realizada uma investigação com o objetivo geral de descrever, analisar e compreender a percepção de profissionais sobre cultura de segurança do paciente.
Método
Empreendeu-se um estudo de natureza descritiva, correlacional e analítica, em um hospital público de grande porte, no Distrito Federal. Trata-se de uma instituição de complexidade funcional terciária, com atividades nas áreas assistencial, de ensino e de pesquisa, que tem como missão precípua promover a saúde integral dos usuários.
Participantes
No total, a amostra foi composta por 378 profissionais de diferentes serviços, em um universo de 2.358 servidores. Além daqueles vinculados à assistência, foram convidados profissionais sem contato com pacientes, mas que exerciam funções com repercussões diretas nos cuidados fornecidos. Adotaram-se como critérios de inclusão suplementares: ter uma carga horária semanal de pelo menos 20 horas e estar presente em um dos turnos de trabalho. Houve a exclusão de estudantes de graduação que se encontravam em estágio de formação.
Instrumento
Mundialmente, o Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC) tem sido um dos instrumentos de mensuração mais empregados para avaliação da cultura de segurança do paciente. Na pesquisa aqui relatada, a opção pelo HSOPSC foi norteada pelos seguintes requisitos: livre disponibilidade por via eletrônica, uso em diferentes contextos e estudos prévios de confiabilidade e validade. Vale esclarecer que esse questionário apresenta 42 perguntas objetivas para avaliação de 12 dimensões, que estão reproduzidas em cada uma das figuras deste artigo. Ao final desse instrumento, uma questão aberta permite a expressão por escrito de impressões e/ou quaisquer comentários sobre segurança, erros ou eventos correlatos. É necessário clarificar que as recomendações de execução do HSOPSC dispensam o participante de responder integralmente ao questionário, caso alguma pergunta não se aplique ao seu contexto de trabalho (Prieto et al., 2021; Reis et al., 2012).
Procedimentos para Coleta e Análise dos Dados
Preliminarmente, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Obtida a autorização para sua condução (CAAE 59896716.3.0000.0025), a pesquisadora responsável contatou as chefias de cada setor, visando detalhar a proposta de investigação. Não foi necessário agendamento prévio com os profissionais, pois cada um participou conforme sua disponibilidade durante o período de trabalho. Todos os respondentes manifestaram concordância por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Não houve recusa em participar. Os profissionais foram abordados em seu ambiente de trabalho. De modo geral, a coleta durou entre 20 e 45 minutos. O questionário HSOPSC foi aplicado pela pesquisadora responsável ou por profissionais de saúde da própria instituição, os quais foram previamente treinados no que tange às exigências éticas e do HSOPSC.
Os dados foram organizados por meio do pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 22. As respostas às questões objetivas do HSOPSC foram submetidas a: exame da fatorabilidade dos dados, Kruskal Wallis de amostras independentes, análises post-hoc, pelo método de Tukey, teste de Correlação de Pearson, teste T de amostra única e análise multivariada Alpha de Cronbach. Os dados descritivos de média e desvio-padrão foram utilizados em um teste t de amostra única, usando-se como ponto de comparação o valor 3, o qual representa o ponto médio de uma escala Likert de 5 pontos. A partir deste teste, foi possível calcular o tamanho de efeito r. Esse tamanho de efeito aferiu a magnitude média da percepção dos profissionais de determinada área/categoria em uma das dimensões do HSOPSC. O tamanho do efeito r variou em uma escala de -1 a 1, em que -1 indicou total discordância com uma dimensão, zero correspondeu à “neutralidade” nessa avaliação e 1 indicou total concordância. Estipulou-se como nível de significância p ≤ 0,05. O valor de r foi definido como zero quando a média obtida em uma dimensão para dada área ou categoria não diferiu significativamente de 3. Cumpre mencionar que os relatos recolhidos com a questão aberta não serão examinados neste artigo.
Resultados
Caracterização Sociodemográfica e Ocupacional
Predominaram participantes com formação em nível de especialização (n = 166; 43,91%) e do sexo feminino (n = 274; 72,48%), sendo que 18 pessoas não declararam gênero. Vinte e sete respondentes não informaram idade e, no restante da amostra, a idade variou de 19 até 67 anos (M = 37,7 anos). Prevaleceram profissionais (n = 161; 45,10%) com seis a 10 anos de atuação no hospital, sendo que a maioria (n = 137; 38,27%) trabalhava entre um a cinco anos na mesma unidade/área. Grande parte (n = 104; 27,51%) desempenhava suas atividades no Centro Cirúrgico. Outros setores mais frequentemente citados foram: Clínica Médica (n = 66; 17,46%), Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (n = 26; 6,88%), Administração (n = 22; 5,82%), Emergência (n = 21; 5,55%), Fisioterapia (n = 20; 5,30%), Farmácia (n = 13; 3,44%), Psiquiatria (n = 10; 2,65%), Laboratório (n = 9; 2,38%), Nutrição (n = 9; 2,38%) e Odontologia (n = 9; 2,38%). Outras áreas (n = 44; 11,64%) e diferentes serviços especializados (tais como: medicina hiperbárica, oncologia, medicina nuclear, nefrologia e agência transfusional) também foram mencionados (n = 25; 6,61%). Quanto à carga horária semanal, sobressaíram profissionais que cumpriam entre 20 e 39 horas.
Majoritariamente, a amostra foi composta por participantes (n = 300; 79,36%) que tinham contato direto com os usuários. Verificou-se a seguinte distribuição por categoria profissional: técnico de enfermagem (n = 129; 34,12%); enfermeiro (n = 66; 17,46%); médico (n = 47; 12,43%); administrador (n = 30; 7,93%); fisioterapeuta (n = 25; 6,61%); odontólogo (n = 12; 3,2%); farmacêutico (n = 11; 2,91%); psicólogo (n = 9; 2,28%); nutricionista (n = 7; 1,85%) assistente social (n = 4; 1,06%). Outras categorias totalizaram 38 participantes (10,05%), incluindo-se 19 respondentes (5,02 %) que não informaram cargo/função. Percebe-se que enfermeiros e técnicos de enfermagem foram mais representativos. É imperativo elucidar que os valores percentuais aqui relatados foram calculados tomando como base a totalidade da amostra, a despeito da ausência de resposta em algum item.
Percepção sobre Cultura de Segurança de Acordo com Área de Atuação e Categoria Profissional
O quadro 1 ilustra o nível de concordância (células em tons azulados e em verde), neutralidade (células em branco) ou discordância (células em tons alaranjado e amarelo) dos participantes de uma mesma área de atuação institucional, em relação a cada uma das 12 dimensões avaliadas pelo HSOPSC. Nota-se que em mais da metade das áreas predominou a percepção de “neutralidade”. Na maioria dos setores estudados, houve concordância dos profissionais no que se refere a: “trabalho em equipe na unidade”, “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente” e “aprendizado organizacional/melhoria contínua”. Também foi possível constatar discordância moderada quanto à dimensão “resposta não punitiva aos erros” por parte daqueles que estavam exercendo suas atividades na Administração, Emergência, Psiquiatria e UTI.
Dimensão do HSOPSC | Área de Atuação no Hospital | |||||||||||||||
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Administração | Serviços Especializados | Centro Cirúrgico | Clínica Médica | Emergência | Farmácia | Fisioterapia | Laboratório | Nutrição | Odontologia | Psiquiatria | UTI | Outras Áreas | ||||
1 | ||||||||||||||||
2 | ||||||||||||||||
3 | ||||||||||||||||
4 | ||||||||||||||||
5 | ||||||||||||||||
6 | ||||||||||||||||
7 | ||||||||||||||||
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Nota. | ||||||||||||||||
valor de r positivo - forte tamanho de efeito | valor de r neutro | |||||||||||||||
valor de r positivo - mediano tamanho de efeito | valor de r positivo - fraco tamanho de efeito | |||||||||||||||
valor de r positivo - fraco tamanho de efeito | valor de r negativo - fraco tamanho de efeito |
1) Trabalho em equipe na unidade hospitalar de atuação do respondente; 2) Expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente; 3) Aprendizado organizacional/melhoria contínua; 4) Apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente; 5) Percepção geral da segurança do paciente; 6) Retorno das informações e comunicação sobre erro; 7) Abertura à comunicação; 8) Frequência de eventos notificados; 9) Trabalho coordenado entre unidades hospitalares da instituição; 10) Adequação de profissionais; 11) Passagem de plantão/turno e transferências internas; e 12) Resposta não punitiva aos erros.
Como foram realizados testes de multicomparação entre a diferença da média de cada uma das 13 áreas de atuação para cada uma das 12 dimensões do HSOPSC, cabe assinalar que diferenças significativas (p < 0,05) foram detectadas somente em duas dessas dimensões. Assim, Clínica Médica (I) e UTI (J) tiveram diferença significativa na dimensão “expectativas e ações da direção/supervisão da unidade/serviço que favorecem a segurança”: I - J (0,6172), desvio-padrão (0,17062), nível de significância (0,020), limites (0,0480 e 1,1864). Quanto à dimensão “passagem de plantão ou de turno/transferências”, apuraram-se os seguintes dados: I - J (- 0,4283), desvio-padrão (0,11691), nível de significância (0,018), limites (- 0,8186 e -0,0380).
O quadro 2 apresenta o nível de concordância (células em tons azulados e verde), neutralidade (células em branco) ou discordância (células em tons alaranjado e vermelho) das diversas categorias com as dimensões propostas pelo HSOPSC. Observou-se prevalência de “neutralidade” no que diz respeito às dimensões: “trabalho em equipe na unidade”, “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente” e “aprendizado organizacional/melhoria contínua”. Discordância foi registrada apenas na dimensão “resposta não punitiva aos erros”, destacando-se o grau elevado manifestado pelos psicólogos do hospital estudado. Revelaram discordância moderada: pessoal administrativo, enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem e participantes que não informaram categoria/função.
Dimensão do HSOPSC | Categoria Profissional | |||||||||||||
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Administrador | Assistente Social | Enfermeiro | Farmacêutico | Fisioterapeuta | Médico | Nutricionista | Odontólogo | Psicólogo | Residente Médico | Técnico de Enfermagem | Outros | Não Informou | ||
1 | ||||||||||||||
2 | ||||||||||||||
3 | ||||||||||||||
4 | ||||||||||||||
5 | ||||||||||||||
6 | ||||||||||||||
7 | ||||||||||||||
8 | ||||||||||||||
9 | ||||||||||||||
10 | ||||||||||||||
11 | ||||||||||||||
12 | ||||||||||||||
Nota. | ||||||||||||||
valor de r positivo - forte tamanho de efeito | ||||||||||||||
valor de r positivo - mediano tamanho de efeito | ||||||||||||||
valor de r positivo - fraco tamanho de efeito | ||||||||||||||
valor de r neutro | ||||||||||||||
valor de r negativo - moderado tamanho de efeito | ||||||||||||||
valor de r negativo - forte tamanho de efeito |
1) Trabalho em equipe na unidade hospitalar de atuação do respondente; 2) Expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente; 3) Aprendizado organizacional/melhoria contínua; 4) Apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente; 5) Percepção geral da segurança do paciente; 6) Retorno das informações e comunicação sobre erro; 7) Abertura à comunicação; 8) Frequência de eventos notificados; 9) Trabalho coordenado entre unidades hospitalares da instituição; 10) Adequação de profissionais; 11) Passagem de plantão/turno e transferências internas; e 12) Resposta não punitiva aos erros.
Excluindo-se aqueles que não comunicaram nível de contato com usuários, apurou-se percepção de “neutralidade” (células em branco) vis-à-vis “trabalho coordenado entre unidades hospitalares da instituição” pelos profissionais com ou sem contato (ver Quadro 3). Merece destaque, ainda, que esses dois segmentos concordaram plenamente (células em tom azul-escuro) com as dimensões “trabalho em equipe na unidade” e “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente”. Os participantes que tinham ou não contato concordaram quanto à dimensão “aprendizado organizacional/melhoria contínua” (células em tons azul-escuro e azul-claro). Discordância de fraca magnitude (células em amarelo) ocorreu nas dimensões “resposta não punitiva aos erros” (com e sem contato) e “passagem de plantão/turno e transferências internas” (com contato).
Dimensão do HSOPSC |
Contato com Usuário | |||
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Não | Sim | Não informou | ||
1 | ||||
2 | ||||
3 | ||||
4 | ||||
5 | ||||
6 | ||||
7 | ||||
8 | ||||
9 | ||||
10 | ||||
11 | ||||
12 | ||||
Nota. | ||||
valor de r positivo - forte tamanho de efeito | ||||
valor de r positivo - mediano tamanho de efeito | ||||
valor de r positivo - fraco tamanho de efeito | ||||
valor de r neutro | ||||
valor de r negativo - fraco tamanho de efeito |
1) Trabalho em equipe na unidade hospitalar de atuação do respondente; 2) Expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente; 3) Aprendizado organizacional/melhoria contínua; 4) Apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente; 5) Percepção geral da segurança do paciente; 6) Retorno das informações e comunicação sobre erro; 7) Abertura à comunicação; 8) Frequência de eventos notificados; 9) Trabalho coordenado entre unidades hospitalares da instituição; 10) Adequação de profissionais; 11) Passagem de plantão/turno e transferências internas; e 12) Resposta não punitiva aos erros.
Análise Comparativa das Dimensões de Cultura de Segurança do Paciente
Conforme explanado precedentemente, realizou-se teste de Pearson, e a análise foi feita adotando-se nível de significância 0,01 e 0,05. Encontrou-se correlação positiva significativa entre a maioria das dimensões analisadas. Não foram aferidas correlação forte (entre 0,7 e 0,9) ou extremamente forte (acima de 0,9) entre as dimensões, porém os resultados apontaram correlação moderada (0,5 e 0,7) ao se comparar as seguintes dimensões: “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente” versus “abertura à comunicação”; “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente” versus “retorno das informações e comunicação sobre erro”; “apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente” versus “trabalho coordenado entre unidades hospitalares da instituição’; e “retorno das informações e comunicação sobre erro” versus “abertura à comunicação”.
Não foram obtidas correlações significativas entre “trabalho em equipe na unidade hospitalar de atuação do respondente” versus “resposta não punitiva aos erros”; “expectativas sobre seu supervisor/chefe e ações promotoras da segurança do paciente” versus “adequação de profissionais”; “aprendizado organizacional/melhoria contínua” versus “adequação de profissionais”; “apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente” versus “adequação de profissionais”; “retorno das informações e comunicação sobre erro” versus “adequação de profissionais”; “frequência de eventos notificados” versus “adequação de profissionais”; “adequação de profissionais” versus “resposta não punitiva aos erros”; “passagem de plantão/turno e transferências internas” versus “resposta não punitiva aos erros”.
Mais precisamente, muitos participantes concordaram (n = 150; 39,68%) que o supervisor/chefe expressava elogios quando avaliava que um procedimento de segurança tinha sido adequadamente efetivado. Além disso, uma parte da amostra (n = 100; 26,45%) afirmou se sentir à vontade para questionar decisões ou ações de superiores hierárquicos. Vários profissionais (n = 128; 33,86%) também reconheceram que frequentemente discutiam meios para prevenir erros visando evitar reincidências. Aproximadamente metade dos participantes (n = 183; 48,41%) manifestou concordância sobre a existência de um clima institucional que estimulava a segurança do paciente. Diversos respondentes (n = 123; 32,54%) admitiram boa colaboração entre unidades do hospital. Outrossim, é pertinente ressaltar que, ao se correlacionar as variáveis sociodemográficas idade e sexo com dimensões de segurança do paciente, não foram extraídos resultados estatisticamente significativos.
Discussão
A amostra foi constituída principalmente por mulheres, o que converge com a literatura que aponta uma crescente feminização das profissões de saúde no Brasil (Borges & Cruz, 2021; Silva & Silva, 2020). Soma-se a esse fato a hegemonia dos profissionais de enfermagem (n = 195; 51,58 %), os quais historicamente são do gênero feminino e representam um importante segmento profissional diretamente envolvido na gestão dos serviços de saúde e nos cuidados dos usuários e, em especial, aqueles voltados para segurança hospitalar (Mello et al., 2021). Vale enfatizar que, de modo geral, os técnicos de enfermagem diferiam moderadamente em relação aos enfermeiros no que concerne às dimensões “aprendizado organizacional/melhoria contínua”, “apoio da gestão hospitalar para segurança do paciente”, “retorno das informações e comunicação sobre erro”, “abertura à comunicação”, “adequação de profissionais” e “passagem de plantão/turno e transferências internas”. Tais percepções, de nível mais discordante, reafirmaram numerosos estudos nacionais e internacionais que advertem quanto à exposição ao estresse laboral de técnicos e auxiliares de enfermagem (Silva et al., 2016; Sousa & Araujo, 2015). Nessa mesma perspectiva, Araujo e Negromonte (2010) identificaram mais fatores de estresse entre técnicos de enfermagem, comparativamente a outras categorias de saúde pesquisadas. As autoras associaram esses resultados desfavoráveis à forte hierarquização dos serviços.
Na investigação aqui reportada, também chama atenção que tanto enfermeiros como técnicos de enfermagem manifestaram discordância semelhante acerca da dimensão “resposta não punitiva aos erros”. Em outras palavras, é possível supor que perduram necessidades de treinamento e capacitação, uma vez que a tendência mais atual prevê redução de estratégias organizacionais de ordem punitiva. Nesse sentido, é fundamental ponderar a imbricação de vários fatores na formação profissional, como estressores ocupacionais e modalidades de enfrentamento já empregadas pelos trabalhadores (Tavares et al., 2018).
O longo tempo de permanência no hospital estudado pode ser entendido em razão do modo de contratação por concurso público, concedendo alguma estabilidade e, por conseguinte, propiciando baixa rotatividade. Os dados referentes ao tempo de atuação na mesma unidade indicaram que quanto menor era sua duração, maiores eram as expectativas quanto às ações de promoção de segurança por parte de supervisores ou chefes. Presume-se que os profissionais em início de carreira na organização tinham uma percepção menos “rígida” e podiam admitir necessidades de aprimoramento (Carneiro et al., 2021).
A discordância manifestada por respondentes das áreas de Administração, Emergência, Psiquiatria e UTI sobre a existência de “resposta não punitiva aos erros” pode ser compreendida em função da participação do pessoal administrativo no andamento de processos atinentes a questões jurídicas e de o pessoal destas outras unidades vivenciar mais episódios de urgência e de risco elevado, os quais podem engendrar mais dificuldades (Kovács, 2011).
As diferenças observadas no Centro Cirúrgico e na Clínica Médica, no tocante à dimensão “passagem de plantão/turno e transferências internas” podem ser esclarecidas ao se considerar que a primeira era uma unidade de alta rotatividade de pacientes, o que limitava as condições de registro mais completo e acurado da evolução de cada caso e possíveis intercorrências; e a segunda unidade caracterizava-se pelo grande número de pacientes que exigiam mais atenção, como: idosos; instabilidade de quadros clínicos e muitas transferências para UTI.
A prevalência de participantes que tinham contato com usuários merece ser discutida, pois as vivências nesse tipo de atuação envolvem interações profissional-paciente que tendem a gerar repercussões afetivas, sendo que essa proximidade relacional pode influenciar a cultura de segurança implementada na instituição, assim como os resultados assistenciais buscados pela organização. Cumpre insistir que a redução de riscos e danos deriva em grande parte de uma cultura organizacional na qual profissionais de variadas categorias exercem cuidados, que, de acordo com a literatura especializada, devem estar centrados nas necessidades dos pacientes. Há algumas décadas, muitas pesquisas ressaltaram a importância da participação ativa dos usuários no processo de tomada de decisão e alcance das metas terapêuticas hospitalares (Araujo & Negromonte, 2010; Queiroz & Araujo, 2009).
É preciso destacar que esta pesquisa evidenciou que quanto maior era o grau de escolaridade do respondente, maior era sua abertura à comunicação. Isso reforça a relevância de ações educativas em prol da segurança do paciente. A exemplo de outras investigações, sugerem-se a elaboração e o desenvolvimento de programas para treinamento e capacitação em habilidades de comunicação dos integrantes das equipes multiprofissionais (Ministério da Saúde & Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2013; Araujo, 2009; Ministério da Saúde, 2013; Queiroz & Araujo, 2009).
A constatação relativa a elogios e incentivos expressados por líderes das unidades do hospital, por ocasião da efetivação de práticas seguras de saúde, confirma a necessidade de estímulos para manutenção desses comportamentos e formação profissional permanente (Reis et al., 2013; Souza et al., 2015). Há bastante tempo, pesquisas sobre liderança têm sido empreendidas em diferentes campos do conhecimento, visando melhor compreender fatores associados, como: tipo de organização, grau de hierarquização, atitudes e características de personalidade do líder. Ao que parece, um estilo mais democrático de liderança vincula-se ao compartilhamento de responsabilidades fomentando um trabalho mais coeso e coordenado entre integrantes de um grupo em que se estimula a negociação de conflitos. Essas condições influenciariam a percepção de segurança coletiva. No entanto, de modo geral, persistem estruturas hierárquicas conservadoras no campo da saúde, que restringem a comunicação e a participação plenas (Reis et al., 2013).
Esta pesquisa mostrou um clima de trabalho favorável à segurança do paciente, o que reitera a primordialidade dos gestores para incremento de medidas adequadas e indispensáveis. Ou seja, uma cultura de segurança depende dos níveis políticos, estratégicos e operacionais da organização hospitalar (Prieto et al., 2021). Nessa direção, é oportuno comentar que a comunicação imediata de erro, dano ou risco provocado por um profissional pode diminuir futuras ocorrências, notadamente quando há possibilidades de análise e discussão com o restante da própria equipe e líderes organizacionais (Reis et al., 2013; WHO, 2021). Convém mencionar que, no cenário nacional e internacional, inúmeros trabalhos têm sido desenvolvidos sobre comunicação em saúde, e o aspecto específico da segurança atravessa esse domínio do conhecimento (Araujo, 2009; Northouse & Northouse, 1997).
Os resultados obtidos acerca da “resposta não punitiva aos erros” revelaram que algumas categorias, especialmente os psicólogos, foram capazes de perceber a existência de uma cultura punitiva institucional. É incontornável lembrar que a natureza da atuação dessa categoria pode propiciar relatos de apreensões e medos de punições provocadas por condutas profissionais individuais e grupais (Kohn et al., 2000). Tal conjectura remete à necessidade de alguma colaboração dos psicólogos do hospital na construção e no planejamento de ações educativas de segurança do paciente, ainda que não seja recomendável sua participação direta em razão dos vínculos institucionais. Ou seja, medidas de ordem psicossocial devem ser realizadas por consultores especializados. Ademais, segundo a literatura, erros, negligências e danos derivam dos modelos assistenciais, nos quais uma diversidade de fatores engendra tais desfechos. A “análise de causa raiz” não pode se limitar à individualização da culpa e da vergonha, sob pena de ser ineficaz ao longo do tempo (Prates et al., 2021).
O quadro 2 permite notar que a percepção de médicos e a percepção de residentes médicos não se assemelharam. Essa constatação fortalece a discussão sobre aspectos de hierarquização no hospital pesquisado, ao mesmo tempo em que reitera o interesse em se examinar de maneira mais aprofundada programas de residência no contexto brasileiro, tal como propuseram Souza e Araujo (2018).
A neutralidade expressada pelos participantes em diversas dimensões do HSOPSC pode ser em parte decorrente de uma coleta de dados efetuada no âmbito da instituição de vínculo empregatício dos respondentes e da pesquisadora responsável. Ou seja, expectativas sociais podem ter influenciado as respostas, o que configuraria uma limitação da investigação. Todavia, entende-se que as garantias de sigilo atenuaram essas interferências. Cabe assinalar que a análise multivariada Alpha de Cronbach mostrou baixa consistência interna em três dimensões: “adequação de profissionais” (α = 0,411), “resposta não punitiva aos erros” (α = 0,478) e “percepção geral da segurança do paciente” (α = 0,541). Similarmente, um estudo brasileiro voltado para a adaptação deste instrumento obteve consistência interna boa e satisfatória, excetuando-se as dimensões “adequação de profissionais” e “respostas não punitivas aos erros” (Reis et al., 2012).
Importa realçar outras limitações relacionadas ao delineamento metodológico do estudo. Possivelmente, como o HSOPSC não requer preenchimento integral, alguns respondentes optaram por não declarar todas as informações sociodemográficas, omitindo idade e sexo. Tal flexibilidade do instrumento pode ter oferecido uma vantagem, quando se considera a disponibilidade restrita de profissionais de saúde para aderir a uma pesquisa, devido à sobrecarga laboral à qual costumam estar submetidos. Entretanto, é preciso sopesar que essa omissão pode ter atendido a uma preocupação exacerbada do participante quanto a uma eventual identificação, visto que algumas categorias profissionais tinham um quantitativo menor de integrantes. Com relação à composição da amostra, não foi possível incluir gestores e dirigentes máximos do hospital. Pressupõe-se que tal participação poderia contribuir para incentivar a responsabilidade compartilhada da segurança do paciente no âmbito organizacional.
Considerações Finais
Levando-se em consideração as limitações da presente pesquisa, discutidas anteriormente, sugere-se que futuras investigações sejam projetadas com técnicas de pesquisa-ação. São igualmente necessários estudos multicêntricos longitudinais, com instrumentos devidamente validados. Recomenda-se, também, o aprimoramento de protocolos de avaliação sistemática de segurança, em organizações de saúde brasileiras, visando ultrapassar medidas institucionais que tradicionalmente se restringem à culpabilização e à punição individualizadas. Ademais, cabe enfatizar a importância do envolvimento dos dirigentes institucionais no que diz respeito ao gerenciamento de risco e ao compartilhamento da responsabilidade ética com os danos, a fim de minimizar riscos e garantir a segurança do paciente no âmbito hospitalar.
A presente pesquisa reafirma tendências internacionais que advogam uma mudança cultural sistêmica destinada à melhoria dos processos de trabalho em saúde. Julga-se importante instaurar uma cultura mais justa que busca equilibrar a inevitabilidade de medidas diante de atos culposos e o aprendizado coletivo para o bem-estar da sociedade. Persistentes fatores negativos de natureza organizacional acarretam prejuízos para a segurança do paciente. É preciso fomentar uma mudança paradigmática que incentive o desenvolvimento de competências e habilidades profissionais e grupais por meio de ações de treinamento e capacitação.