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Perspectivas em análise do comportamento
On-line version ISSN 2177-3548
Perspectivas vol.1 no.1 São Paulo 2010
ARTIGOS
Ressurgência comportamental: construção conceitual sobre bases experimentais
Behavioral resurgence: conceptual construction upon experimental foundations
Alessandra Villas-BôasI; Verônica Bender HayduII; Gerson Yukio TomanariI
I Universidade de São Paulo
II Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Em uma dada situação, quando um comportamento recentemente reforçado deixa de sê-lo, comportamentos que foram previamente reforçados sob circunstâncias similares tendem a recorrer. Comportamentos que voltam a ocorrer em tais condições são objeto de estudo da análise do comportamento sob a denominação de ressurgência comportamental. No presente texto, iremos inicialmente historiar os estudos sobre ressurgência. Na sequência, vamos analisar comportamentos ressurgentes a partir de uma série de fatores que os afetam, entre os quais estão a extinção prévia do comportamento ressurgente, o grau de fortalecimento a que o comportamento ressurgente fora submetido, o papel do reforçador para a ressurgência, os efeitos das taxas de respostas e taxas de reforço do comportamento ressurgente, a demonstração de classes de estímulos ressurgentes, etc. Por fim, vamos proceder com uma análise crítica do conceito de ressurgência frente a outros fenômenos comportamentais inter-relacionados, por exemplo, a variação comportamental que tipicamente acompanha um processo de extinção e a recuperação espontânea de uma resposta. Com isso, procuramos identificar as especificidades do conceito de ressurgência, avaliando-o quanto à sua possível relevância.
Palavras-chave: ressurgência comportamental, variação comportamental, recuperação espontânea, análise do comportamento.
ABSTRACT
In a given situation, when a recently reinforced behavior is no more reinforced, behaviors that were previously reinforced under similar circumstances tend to re-occur. Behaviors that are re-emitted under such conditions have been analyzed in behavior analysis under the term behavioral resurgence. In the present article, we will initially describe historical studies on resurgence. Thereafter, we will analyze resurgence based on a series of factors that affect it, among which are the previous extinction of the resurgent behavior, the degree of reinforcement the resurgent behavior had been exposed to, the role of the reinforcer, the effects of response rates and reinforcer rates, the demonstration of resurgent stimulus classes, etc. Finally, we will analyze the concept of resurgence, considering other inter-related phenomenon, for instance, the behavioral variation that typically follows an extinction process, and the spontaneous recovery of a response. By doing that, we aim to identify the particulars of the concept of resurgence, assessing it with respect to its possible relevance.
Keywords: resurgence, behavioral variation, spontaneous recovery, behavior analysis
O psicólogo, em seu trabalho clínico, depara-se frequentemente com situações em que observa comportamentos do cliente que, até então, pareciam fazer parte do passado. Por exemplo, é bastante comum pais queixarem-se do fato de um filho mais velho voltar a apresentar episódios de enurese ou voltar a não querer frequentar a escola quando um novo filho ingressa na família. Comportamentos como esses ocorrem não apenas em crianças. Por exemplo, adolescentes, jovens e adultos, ao passarem pelo rompimento de uma relação amorosa, muito comumente voltam a relembrar ou mesmo a procurar por um antigo amor. Interessantemente, comportamentos como esses podem ocorrer ainda que não estivessem sendo emitidos há um longo tempo.
Genericamente falando, os comportamentos que voltam a ocorrer em condições presentes específicas são objeto de estudo da análise do comportamento sob a denominação de ressurgência comportamental (Catania, 1999; Cleland, Foster, & Temple, 2000; Cleland, Guerin, Foster, & Temple, 2001; Epstein, 1983; Epstein, 1985; Haydu, Batista, & Serpeloni, 2003; Lieving & Latal, 2003; Murayama, Villas-Bôas, Napolitano, & Tomanari, 2004; Reed & Morgan, 2006; Villas-Bôas, 2006; Villas-Bôas, Murayama, & Tomanari, 2005; Wilson, & Hayes, 1996). No presente texto, iremos inicialmente historiar esse fenômeno, defini-lo no que diz respeito aos fatores críticos que o envolvem e descrevê-lo à luz de outros fenômenos comportamentais inter-relacionados (a variação comportamental que acompanha um processo de extinção e a recuperação espontânea de uma resposta). A ênfase dada pelos analistas do comportamento à análise de contingências de reforço que possibilita controlar e prever a aquisição e a modificação de comportamentos permite que sejamos hoje capazes de analisar o que ocorre durante a extinção de um comportamento com a mesma propriedade com que analisamos o que ocorre durante o seu fortalecimento?
Aspectos históricos: "regressão" em Psicologia
O interesse de teóricos e pesquisadores por comportamentos ressurgentes tem acompanhado a história da psicologia. Em meados do século passado, por exemplo, Freud (1916/1969) descreveu o conceito de regressão. Segundo sua concepção psicanalítica, diante de alguma dificuldade no momento presente, a pessoa volta a se comportar à semelhança do modo como se comportava em alguma fase de sua infância que não desenvolvera satisfatoriamente. Nas palavras de Freud (1916/1969):
O . . . perigo em um desenvolvimento por etapas . . . reside no fato de que as partes que prosseguiram adiante podem também, com facilidade, retornar retrocessivamente a um desses estágios precedentes – o que descreveremos como regressão. A tendência ver-se-á conduzida a uma regressão desse tipo, se o exercício de sua função – isto é, a obtenção do seu objetivo de satisfação – depara, em sua forma posterior ou mais altamente desenvolvida, com poderosos obstáculos externos. É plausível supor que a fixação e a regressão não sejam independentes uma da outra. Quanto mais intensas as fixações em seu rumo ao desenvolvimento, mais prontamente a função fugirá às dificuldades externas, regressando às fixações – portanto, mais incapaz se revela a função desenvolvida de resistir aos obstáculos situados em seu caminho. (p. 135)
A partir da década de 1930, pesquisadores experimentais passaram a estudar esse fenômeno em laboratório, normalmente fazendo uso de ratos como sujeitos experimentais. Esses experimentos analisavam, de modo geral, a emissão de uma resposta previamente adquirida frente a uma situação aversiva que ocorresse posteriormente ao treino de uma segunda resposta. Ou seja, treinava-se primeiramente uma resposta (R1), seguida pelo treino de uma segunda resposta (R2). Posteriormente, os sujeitos eram submetidos a uma situação aversiva (punição) que poderia ou não ser contingente a R2 e, nesse momento, era em geral observada a volta da emissão de R1 (O'Kelly, 1940; Sanders, 1937). A Figura 1 representa esquematicamente as etapas experimentais realizadas durante os estudos experimentais sobre regressão.
Ressurgência: um modelo comportamental de regressão
Na década de 1980, Epstein (1983, 1985) passou a estudar um fenômeno semelhante ao da regressão sob a denominação de ressurgência (resurgence, em inglês). Segundo esse autor, o fenômeno denominado de regressão, por ser oriundo da psicanálise, diz respeito a "um mecanismo psicodinâmico que supostamente causa mudanças no comportamento" (Epstein, 1985, p. 144). Esta concepção conflita epistemologicamente com os preceitos da análise do comportamento e, por essa razão, justifica a criação de uma nova terminologia, essencialmente descritiva, para tratar do que parece ser o mesmo fenômeno comportamental. Além disso, na perspectiva de Epstein (1983, 1985), ressurgência diz respeito a respostas que tenham sido emitidas em qualquer momento da história do sujeito, e não apenas durante a infância, como aponta a concepção psicanalítica.
Sob essa nova denominação para o fenômeno, os estudos desenvolvidos por Epstein (1983, 1985) consistiam, em linhas gerais, em um procedimento caracterizado por reforçar positivamente uma determinada resposta (R1) de pombos. Em seguida, sob condições semelhantes, uma segunda resposta (R2) era reforçada. Finalmente, em um terceiro momento, ambas as respostas eram submetidas simultaneamente a um procedimento de extinção e não de punição, como nos estudos anteriores. Na ausência de reforçamento da R1 e da R2, o autor media a frequência com que cada uma dessas respostas era emitida. A ocorrência relativamente elevada de R1, nesse período de extinção, é interpretada pelo autor como sendo uma demonstração de ressurgência, no caso, induzida pela extinção vigente. Na Figura 2, pode-se observar o fenômeno da ressurgência esquematizada segundo a concepção de Epstein (1983, 1985).
Epstein (1983) apontou que "quando, em uma dada situação, um comportamento recentemente reforçado não é mais reforçado, comportamentos que foram previamente reforçados sob circunstâncias similares tendem a recorrer" (Epstein, 1983, p. 391). A partir dessa definição, o autor toma a extinção como uma variável crítica para a ocorrência da ressurgência e, em vista disso, denomina o fenômeno como "ressurgência induzida por extinção" (extinction-induced resurgense, Epstein, 1983, p. 391).
A Ressurgência de R1 em função de sua Extinção Prévia
Um aspecto da ressurgência explorado experimentalmente por Epstein (1983, 1985) diz respeito ao papel de uma possível extinção de R1 anterior ao início do treino de R2. A depender de R1 ter ou não sido previamente extinta, a ressurgência dessa resposta pode revelar diferentes e importantes aspectos desse comportamento. Por exemplo, em termos das variáveis controladoras, a ressurgência de respostas expostas previamente à extinção pode ser diferente da ressurgência de respostas que se mantêm no repertório do organismo.
Para investigar o efeito das condições de extinção, Epstein (1983) treinou R1 (bicar um disco à direita, para metade dos sujeitos, ou à esquerda, para a outra metade) até que esta estivesse bem estabelecida no repertório de pombos. Feito isso, R1 foi submetida a um procedimento de extinção. O número de sessões em extinção foi manipulado entre diferentes sujeitos. Na sequência, o autor iniciou o treino de R2 (respostas alternativas que variaram de pombo para pombo, como bater as asas ou mexer a cabeça ou o corpo em uma direção específica), enquanto R1 não era mais reforçada, ainda que pudesse ser emitida. Depois da emissão de determinado número de ocorrências de R2, ambas as respostas foram imediatamente submetidas a um procedimento de extinção. A Figura 3 apresenta o procedimento experimental realizado por Epstein (1983), sendo este bastante semelhante ao esquema apresentado na Figura 2. A diferença se dá na fase intermediária de extinção logo após o treino de R1 e antes do treino de R2, ausente apenas na Figura 2. No experimento de Epstein (1983), durante esse período final de extinção, foi observada a ressurgência de R1. Entre os diferentes sujeitos, a frequência com que R1 ressurgiu esteve inversamente correlacionada com o número de sessões intermediárias de extinção de R1, ou seja, quanto mais sessões de extinção foram realizadas após o treino de R1, menor a frequência da posterior ressurgência de R1.
Em estudo subsequente (Epstein, 1985), o pesquisador expôs um pombo a condições semelhantes às do experimento anterior, exceto pelo fato de ter eliminado a fase intermediária de extinção de R1 (reproduzindo o procedimento esquematizado na Figura 2) e por empregar topografias semelhantes de R1 e R2, isto é, bicadas a dois discos distintos. Comparativamente, os resultados desse estudo mostraram a ressurgência clara de R1 quando ambas as respostas (R1 e R2) foram submetidas à extinção. No conjunto de dados dos dois experimentos de Epstein, observou-se a ressurgência tanto de respostas que passaram (Epstein, 1983) quanto de respostas que não passaram (Epstein, 1985) por uma fase de extinção anterior ao treino de uma segunda resposta. Entretanto, a extinção de R1 não é inócua à sua ressurgência, uma vez que produz efeitos determinantes na frequência com que ocorre (Epstein, 1983).
Epstein (1983, 1985) avaliou, portanto, o papel da extinção de uma resposta sobre a sua posterior ressurgência em dois diferentes estudos, com diferentes sujeitos. Posteriormente, três outros experimentos investigaram esta questão por meio de análises intra-sujeitos (Cleland et al., 2000, com galinhas; Murayama et al., 2004 e Villas-Bôas, 2006, com ratos). Resumidamente, os procedimentos desses três estudos envolveram uma condição experimental em que se treinava R1, treinava-se R2 e, finalmente, ambas as respostas eram submetidas a um procedimento de extinção, conforme esquematizado na Figura 2. Em outra condição, o mesmo procedimento era realizado, porém R1 era submetida a um primeiro procedimento de extinção logo após ter sido treinada, conforme esquematizado na Figura 3.1 Nos três estudos, os autores observaram a ressurgência de R1 com uma frequência claramente mais alta na primeira condição, aquela em que R1 não havia sido extinta.
Em suma, a extinção ou não de R1 exerce um papel crítico para a sua posterior ressurgência de tal sorte que os fundamentos do próprio conceito de ressurgência encontram-se justamente na análise dos efeitos dessa extinção. Por exemplo, se fosse necessário que uma resposta não tivesse passado previamente por um período de extinção para ressurgir, não haveria distinção justificável entre ressurgência e o próprio conceito de operante (Villas- Bôas et al., 2005). Em outras palavras, se uma dada resposta foi condicionada e os antecedentes apropriados estão presentes, seria mais do que provável e esperado que ela voltasse a ocorrer. Portanto, o conceito de ressurgência adquire especial relevância quando se demonstra a re-emissão de respostas previamente extintas. É nesse caso que se observam respostas que voltam a ser emitidas na ausência de reforçamento direto e imediato.
Parâmetros que podem afetar a Ressurgência
Os estudos na área, ainda que não sejam numerosos, têm identificado diversos parâmetros que parecem afetar a ressurgência de uma resposta.
Fortalecimento de R1. Cleland et al. (2000), assim como Lieving e Lattal (2003), analisaram os efeitos da repetição do treino de R1, com e/ ou sem as suas subsequentes extinções, sobre sua posterior ressurgência. Ou seja, repetiram diversas vezes os procedimentos esquematizados nas Figuras 2 e 3 e não observaram efeitos marcantes da repetição do treino de R1 sobre sua ressurgência posterior.
Ausência do reforçador. Lieving e Lattal (2003) analisaram os aspectos da extinção que afetam a ressurgência de R1, em particular a ausência do reforçador e a quebra da relação resposta-consequência. Para isso, os autores introduziram um esquema de tempo variável no lugar do típico procedimento de extinção. Sob esse esquema, a relação de contingência entre a resposta e a apresentação do reforçador é interrompida, mas a liberação de comida continua a ocorrer independentemente de qualquer resposta. Nessa situação, não foi observada a ressurgência de R1. Em seguida, o procedimento de extinção substituiu o esquema de tempo variável e, nesse momento, a ressurgência de R1 foi verificada. Esses resultados parecem indicar, portanto, que a ausência da comida, e não necessariamente a ausência da contingência resposta-reforçador, deva ser um fator crítico para a verificação da ressurgência.
Intermitência do reforçador. Em uma segunda situação, Lieving e Lattal (2003) treinaram R1 e, em seguida, treinaram R2 sob esquemas de intervalo variável (VI). Na sequência, em vez do típico procedimento de extinção, os autores expuseram R2 a um aumento no valor do VI. Nessa situação, observaram a ressurgência de R1, ainda que com uma frequência bastante inferior àquela observada em situações de extinção. Frente a esse resultado, os autores apontaram a semelhança existente entre um procedimento de VI e um procedimento de extinção, na medida em que, em ambos, respostas ocorrem sem serem seguidas pelo reforçador. Murayama, Villas-Bôas, Napolitano e Tomanari (2004), utilizando ratos que emitiam respostas de focinhar, obtiveram resultados que apontam exatamente nessa mesma direção ao mostrar a ressurgência de respostas previamente treinadas durante esquemas de VI subsequentes.
Duração do treino de R2. Lieving e Lattal (2003) analisaram, ainda, a recência do treino de R1 sobre a sua posterior ressurgência. Para isso, utilizando um procedimento tal como esquematizado na Figura 2, variaram o número de sessões realizadas durante o treino de R2 e verificaram que essa variável pareceu não afetar a ressurgência de R1.
Treino de diversas respostas. Reed e Morgan (2006) treinaram ratos a emitir três sequências consecutivas, envolvendo três respostas de pressão a duas barras (R1, R2 e R3). Ao final do treino de R3, entrou em vigor um procedimento de extinção por duas sessões experimentais. Nesse momento, os autores observaram a ressurgência das três sequências treinadas, para a maioria dos sujeitos. Na primeira sessão de extinção, R3 foi significativamente predominante em relação a R1 e R2, seguida pela predominância de R1 em relação a R2. Na segunda sessão, R2 foi significativamente predominante em relação a R1 e R3. Ou seja, os resultados mostraram padrões sistemáticos que sugerem a tendência de, durante o período de extinção de uma resposta, a última treinada ser predominante, seguida pelas sequências com história mais antiga de treino.
Taxas de reforços e taxas de respostas prévias. Da Silva, Maxwell e Lattal (2008) investigaram, em três experimentos, a ressurgência de duas respostas concorrentes, em que cada resposta foi reforçada sob esquemas de reforço distintos. Na primeira fase do primeiro experimento, duas respostas de bicar diferentes chaves iluminadas (Rs1) foram reforçadas em esquema de intervalo variável (VI) de diferentes valores (VI 1 min e VI 6 min), enquanto a terceira chave (ao centro) permanecia inoperante e escura. Na segunda fase, respostas à chave do centro, agora iluminada, foram reforçadas em VI 3 min e as repostas às chaves laterais que permaneciam iluminadas foram submetidas à extinção. Na terceira e última fase, as três chaves permaneceram iluminadas e um procedimento de extinção estava programado em cada uma delas. Verificou-se que houve uma emissão maior de respostas na chave em que o esquema VI 1 min esteve em vigor. Os autores levantaram a questão sobre esse efeito ter sido decorrente tanto da diferença nas taxas de reforço quanto nas taxas de respostas que os dois esquemas produziam. Assim, no Experimento 2, primeiramente as taxas de reforços foram igualadas, colocando em vigor dois esquemas tandem, um em cada chave (tandem VI 27 s FR 5 e tandem VI 27 s e DRL 3 s). Na Fase 2, foi colocado em vigor um esquema DRL 20 s e Rs1 permaneceram em extinção. A fase final foi composta por um procedimento de extinção a todas as respostas. Nesse momento, houve maior ressurgência das respostas que foram treinadas com taxas maiores do que as que foram treinadas com taxas menores. Em um terceiro experimento (Experimento 3), foram estabelecidas condições para que as taxas das duas respostas concorrentes se igualassem. Na condição de treino das Rs1, foi executado um esquema tandem VI 30 s DRL x-s em uma chave e um tandem VI 30 s DRH y/3 s na outra. Os esquemas de DRL e DRH eram variados de forma interdependente para controlar as taxas de reforços proporcionais nas duas chaves. As demais condições experimentais foram semelhantes às do Experimento 1. Os resultados do Experimento 3 demonstraram que, quando as taxas das duas respostas (as Rs1 concorrentes) eram similares, a ressurgência não variava de forma sistemática com a taxa de reforços. Os autores concluíram que a taxa prévia das respostas (Rs1) é um melhor preditor da probabilidade de ressurgência do que a taxa de reforços.
Ressurgência em contingências complexas de controle de estímulos. Estudos com humanos também vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de identificar parâmetros da ressurgência através de procedimentos que envolvem equivalência de estímulos. (Haydu et al., 2003; Wilson & Hayes, 1996).
Wilson e Hayes (1996) submeteram estudantes universitários a um procedimento de pareamento com o modelo buscando a formação de classes de estímulos equivalentes. Para isso, na Fase 1, foram treinadas três classes arbitrárias de estímulos (Treino R1) com quatro estímulos visuais cada (um estímulo modelo era apresentado na tela de um computador, acompanhado de três estímulos de comparação). Quando o sujeito escolhia o estímulo que pertencia a mesma classe do estímulo modelo, um aviso de que a resposta estava correta era apresentado na tela. Quando escolhesse um dos outros dois estímulos, um aviso de que a resposta estava errada era apresentado. Depois de formada a classe de estímulos, foi conduzida a Fase 2, em que os mesmos estímulos foram reorganizados pelos experimentadores, de modo a comporem três novas classes treinadas (Treino R2). A Fase 3 (Extinção 1) foi constituída pela apresentação dos estímulos das classes anteriores, sob um procedimento de extinção, com o objetivo de verificar se os participantes responderiam de acordo com as relações treinadas nas Fases 1 ou 2 (R1 ou R2). Os resultados, na fase de Extinção 1, mostraram que as respostas emitidas foram, de modo geral, coerentes com aquelas treinadas na Fase 2, não evidenciando, portanto, ressurgência. Em seguida, na Fase 4 (Punição), quando o participante respondia de acordo com a fase de treino de R2, um aviso de que a resposta estava errada aparecia na tela. Quando respondia de acordo com a fase de treino de R1 ou selecionava um terceiro estímulo de comparação (que não estava de acordo com nenhum treino anterior), nenhuma consequência era apresentada. Nessa condição de suposta punição, respostas coerentes com a fase de treino de R1 ressurgiram. Finalmente, na Fase 5 (Extinção 2), o procedimento da Extinção 1 foi repetido. Neste caso, respostas coerentes com a fase de treino de R1 mantiveram-se presentes, sugerindo sua ressurgência.
Os dados descritos por Wilson e Hayes (1996) devem ser analisados à luz do fato de que, na ausência de reforço, a punição de respostas condizentes com a segunda classe de estímulos (R2) parece ter sido condição necessária para o aparecimento de respostas condizentes com a primeira classe de estímulos (R1). Aliado a esse fato, os autores não demonstraram em detalhes como se deu o responder ao longo do Treino R2 no que diz respeito à ocorrência de respostas condizentes com a primeira classe de estímulos. Portanto, é possível que ocorrências de R1 tenham sido expostas à extinção, ainda que um procedimento de extinção não fora explicitamente programado (Skinner, 1953/1970). Portanto, por desconhecer se R1 foram ou não extintas, podem ter vigorado tanto as condições esquematizadas na Figura 2 quanto na Figura 3, fato que, conforme discutido anteriormente, tem implicações para a ressurgência, em especial para a frequência com que ocorre.
Haydu et al. (2003) realizaram uma replicação parcial do estudo de Wilson e Hayes (1996). Em um primeiro experimento (Experimento 1), foi executado um procedimento que envolveu tarefas impressas, em que as respostas de escolher diante dos estímulos-modelo foram instruídas com o uso de protocolos de treino e teste semelhantes aos que foram propostos por Eikeseth, Rosales-Ruiz, Duarte e Bear (1997) e Smeets, Dymond e Barnes- Holmes (2000). As instruções apresentadas aos participantes eram do seguinte tipo: "quando o modelo for # , escolha". Consequências diferenciais eram fornecidas a respostas emitidas em acordo (ou desacordo) com as instruções juntamente com a informação do número de pontos obtido. Na fase de extinção, os blocos de teste foram repetidos sem a informação do total de pontos obtido. Nesse momento, não foram observadas respostas ressurgenO Experimento 2 visou verificar se a instrução pode ter sido responsável pela ausência de ressurgência. Desse modo, comparou-se o desempenho de dois grupos de participantes, um submetido ao procedimento instruído, como o anterior, e o outro a um procedimento modelado pelas contingências. Os resultados indicaram que as relações inicialmente treinadas não ressurgiram, mesmo com uma história mais extensa de extinção do que no Experimento 1 e do que no estudo de Wilson e Hayes (1996). Na discussão desses resultados, Haydu et al. (2003) sugeriram a hipótese de que o número de blocos de extinção, mesmo tendo sido maior, possa não ter sido suficiente para extinguir o responder de acordo com a segunda classe de respostas, devido à história experimental dos sujeitos, envolvendo testes em extinção.
Especificidades e propriedades do conceito de Ressurgência
A ressurgência, em diversos aspectos, mantém características comuns ou muito semelhantes a outros fenômenos comportamentais já descritos na literatura. A recuperação espontânea e a variação comportamental que acompanha a extinção de uma resposta seriam dois exemplos. Nesse sentido, é pertinente levantar a pergunta: em que medida ressurgência assemelha-se a outros fenômenos já identificados?
A recuperação espontânea refere-se a respostas que, expostas a sucessivas sessões de extinção, tendem a ocorrer em maior frequência no início de uma sessão do que a que ocorria no final da sessão imediatamente anterior, ainda que, ao longo das sessões, haja uma tendência clara de enfraquecimento do responder (Catania, 1999; Keller & Schoenfeld, 1950/1973; Lerman & Iwata, 1996; Skinner, 1938). A recuperação espontânea, portanto, trata da re-emissão de respostas ao longo de uma exposição à extinção e, nesse sentido, assemelha-se à ressurgência. Em termos de procedimento, a ressurgência e a recuperação espontânea têm sido investigadas sob procedimentos bastante distintos, o que dificulta identificar em que medida esses dois conceitos compartilham variáveis comuns e, até mesmo, referem-se a processos comportamentais semelhantes (Cleland et al., 2001; Villas-Bôas, 2006; Villas-Bôas et al., 2005).
Por sua vez, a variação comportamental que acompanha um processo de extinção vem sendo observada por vários autores, em diferentes sujeitos experimentais, como ratos (Antonitis, 1951; Villas- Bôas, 2006), pombos (Eckermann & Lanson, 1969) e humanos (Morgan & Lee, 1996). Nesses estudos, verifica-se que, diante de um procedimento de extinção, ocorre um aumento na variação do responder dos organismos quando comparada à variação existente tanto no período anterior de reforçamento, quanto em nível operante, antes de qualquer reforçamento da resposta treinada (Antonitis, 1951; Villas-Bôas, 2006). Seriam essas respostas que compõem a variação diante de extinção respostas ressurgentes? Em caso positivo, teríamos de admitir que as variações que acompanham a extinção seriam constituídas por respostas que compõem ou compuseram o repertório do organismo? Como ficaria, nesse caso, a variação como fonte de repertórios inovadores e criativos?
Para abordar a variação comportamental nos estudos sobre ressurgência, Epstein (1983, 1985) inseriu um disco de resposta adicional em sua situação experimental, além dos discos em que os pombos emitiam R1 e/ou R2. Nesse disco, não foi programada qualquer história de reforçamento, porém as respostas que eram emitidas a ele (R3) foram registradas durante todo o procedimento. Foi observado que, na fase de extinção após o treino de R2, quando ocorreu a ressurgência de R1, os pombos não emitiram R3. A partir desses resultados, Epstein (1983, 1985) concluiu que a re-emissão de R1 não deveria ser simplesmente um subproduto de variação comportamental, pois considerou que, se essa variação tivesse ocorrido, a extinção de R2 deveria gerar não apenas R1, mas também R3. Entretanto, há que se considerar a limitada história experimental pela qual passaram os sujeitos de Epstein (1983, 1985) naquele ambiente, seja em relação à exposição ao treino, seja na quantidade de respostas envolvidas (apenas duas, R1 e R2). Essa limitada história experimental pode ter diminuído a probabilidade de emissão de respostas que nunca haviam sido reforçadas, como era o caso de R3.
Para investigar essa possibilidade, Villas-Bôas (2006) expôs ratos a uma história de reforçamento mais prolongada e mais numerosa em termos do número de respostas treinadas, em comparação com a história realizada por Epstein (1983, 1985). Para isso, não apenas uma resposta unitária foi treinada, mas quatro respostas que, emitidas sucessivamente, formavam uma sequência. Ou seja, foram treinadas sequências de quatro respostas de pressão às barras que foram tomadas cada uma delas como um operante distinto. Desse modo, os sujeitos foram separados em dois grupos, um que passou por períodos de extinções intermediárias (Figura 3) e outro que não passou (Figura 2). Com os sujeitos do primeiro grupo, treinou-se primeiramente uma sequência. Quando esta estava bem estabelecida, a sequência foi submetida a um procedimento de extinção. Em seguida, uma segunda sequência foi treinada e também submetida à extinção. O mesmo foi feito com mais duas sequências até que quatro sequências tivessem sido treinadas e extintas. Com relação ao segundo grupo, os sujeitos passaram primeiramente pelo treino de uma sequência. Quando esta estava bem estabelecida, passou-se ao treino da segunda sequência e assim imediata e sucessivamente até que quatro sequências tivessem sido treinadas. Ao final dos treinos, os sujeitos foram submetidos a um procedimento final de extinção. O procedimento adotado ampliou significativamente tanto o repertório dos sujeitos, quando comparado ao de Epstein (1983, 1985), como as possibilidades de registro nas variações do responder.
Nesse caso, ao considerar as diferentes sequências de resposta como operante, Villas-Bôas (2006), diferentemente de Epstein (1983, 1985), observou uma clara variação das respostas dos sujeitos de ambos os grupos ao longo do período final de extinção. Essas respostas eram formadas não apenas por sequências ressurgentes, mas também por sequências completamente novas, ou seja, que não haviam aparecido anteriormente no repertório dos sujeitos. A variação comportamental que acompanha uma extinção, portanto, pode vir também acompanhada de respostas ressurgentes. Entretanto, esse fato não nos permite distinguir completamente a ressurgência da variação comportamental. Continua aberta, portanto, a possibilidade de que a ressurgência seja parte de um fenômeno mais amplo, a variação comportamental gerada por extinção.
Para concluir, a importância que justificaria o uso do conceito ressurgência, portanto, depende também da clareza com que este se diferencia de conceitos existentes e do quanto ele nos permite tratar de um fenômeno comportamental próprio. Caso contrário, o conceito não tem valor explicativo e tampouco descritivo, pois existem inúmeras situações em que comportamentos previamente adquiridos voltam a ocorrer sem ser necessário ou mesmo recomendável que os denominemos de ressurgentes.
Referências
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Gerson Yukio Tomanari
Email: tomanari@usp.br
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo –
Av. Prof. Mello Moraes, 1721.
São Paulo, SP,
CEP: 05508-030.
Submetido em 30/07/2009
Primeira decisão editorial em 20/01/2010
Aceito para publicação em 22/01/2010
1 Como será detalhado adiante, o experimento de Villas-Bôas (2006) contou com o treino e extinção de quatro respostas e não de apenas duas respostas, como os demais.