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Perspectivas em análise do comportamento
On-line version ISSN 2177-3548
Perspectivas vol.5 no.1 São Paulo 2014
ARTIGOS
O Papel da Comunidade Verbal no Ensino de Autocontrole: Implicações de Uma Visão Dualista de Homem
The role of verbal community on self control teaching: Implications of a dualist men view
Comunidad verbal e autocontrol: Implicaciones de una visión dualista del hombre
Beatriz Azem Corrêa; Claudia Razente Cantero; Camila Muchon de Melo
Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento/CCB/UEL
RESUMO
O presente artigo apresenta uma discussão teórico-conceitual do autocontrole na perspectiva behaviorista radical e a mediação da comunidade verbal na aquisição desse repertório. O ensino de comportamentos de autocontrole na sociedade prioriza "instâncias internas" como determinantes causais do comportamento. Discutem-se as estratégias utilizadas no ensino de autocontrole, decorrentes dessa visão dualista de Homem. São enfatizadas as possíveis contribuições da Análise do Comportamento, enquanto ciência monista, no desenvolvimento e modelagem desse repertório. A partir dessa perspectiva, os comportamentos de autocontrole apresentados pelos indivíduos podem ser aprimorados e pesquisas nessa área desenvolvidas. Conclui-se que a prática dualista e internalista causal atrasa a produção de análises úteis em esclarecer os processos envolvidos no desenvolvimento desse repertório especial de comportamento.
Palavras-chave: Autocontrole, autoconhecimento, eventos privados, comunidade verbal, dualismo.
ABSTRACT
This article presents a theoretical and conceptual discussion of self-control, in a behavior radical perspective, and the mediation of verbal community in the acquisition of such repertoire. The development of self-control in society emphasizes "internal agents" as causal determinants of behavior. Self-control teaching strategies are analyzed from this dualistic point of view. The contributions of Behavior Analysis, as a monist science, in the development and shaping of this repertoire are specially emphasized. From this perspective, self-control behaviors presented by individuals should be refined and researches developed. Concluding, the dualistic practice of searching "inside man" the causes for their behaviors, delays an actual useful analysis that clarifies the processes involved in the development of this special behavior repertoire.
Keywords: Self-control, self-knowledge, private events, verbal community, dualism.
RESUMEN
El presente artículo presenta una discusión teórica y conceptual del autocontrol en perspectiva conductista radical y la mediación de la comunidad verbal en la adquisición de este repertorio. La enseñanza de conductas de autocontrol en la sociedad prioriza las "instancias internas" como determinantes causales del comportamiento. Se discuten las estrategias utilizadas en la enseñanza del autocontrol, bajo esta visión dualista del Hombre. Son enfatizadas las posibles contribuciones del Análisis de Comportamiento, como ciencia monista, en el desarrollo y modelaje de este repertorio. Desde esta perspectiva, las conductas de autocontrol presentados por individuos pueden ser mejoradas e investigaciones desarrolladas en esta área. Se concluye que la práctica dualista y internalista causal retrasan la producción de análisis útiles para aclarar los procesos que intervienen en el desarrollo de este repertorio especial de comportamiento.
Palabras-clave: Autocontrol, autoconocimiento, eventos privados, comunidad verbal, dualismo.
O autocontrole é um assunto discutido não apenas pelas áreas especializadas, como a Psicologia, mas de maneira leiga no cotidiano. Livros de autoajuda, palestras, cursos, entre outras estratégias são comuns na tentativa de ensinar esta forma especial de comportamento. Em alguns momentos, o termo autocontrole não aparece sob essa nomenclatura, propondo que o próprio indivíduo pode ser capaz de controlar suas ações e direcioná-las de acordo com seus objetivos pessoais. Este repertório de autocontrole é incitado em diferentes esferas da vida.
Na cultura, frequentemente observa-se a prática de trabalhar além do horário estabelecido, de estudar em horários que poderiam ser dedicados a atividade que produzam outros reforçadores positivos mais poderosos, de utilizar finais de semanas para realização de cursos de capacitação, de acordar cedo todos os dias em cumprimento de objetivos profissionais, como exemplos de comportamentos de autocontrole. A grande mídia também exerce influência em divulgar que o autocontrole é um comportamento necessário na vida de pessoas bem-sucedidas. Encontram-se exemplos em campanhas publicitárias que estimulam mudanças estéticas a partir do desenvolvimento de um repertório autocontrolado de alimentação e exercícios, que propagam a possibilidade de conquistar bens materiais através de um bom planejamento financeiro, entre outras. Essas práticas que apresentamos diariamente dependem da emissão de comportamentos de autocontrole.
O presente artigo apresenta uma discussão teórico-conceitual do autocontrole na perspectiva behaviorista radical e da mediação da comunidade verbal para a aquisição desse repertório. Serão discutidas as estratégias utilizadas no ensino de autocontrole e sua efetividade, considerando a visão dualista de Homem presente na sociedade. Como alternativa, serão apresentadas possíveis contribuições e implicações práticas da Análise do Comportamento, enquanto ciência com pressupostos monistas, no desenvolvimento e modelagem desse repertório.
Entende-se por visão dualista aquela que defende a existência de um "mundo mental" que existe somado à existência de um "mundo físico", tese apontada como incompatível com o Behaviorismo Radical (Zilio, 2012). Como pressupostos monistas compatíveis com o Behaviorismo Radical pressupõe-se um monismo fisicalista (há apenas um tipo de substância no mundo e ela é física) atrelado à uma ontologia relacional (há nesse mundo comportamento) (Melo, 2008; Zilio, 2012). Nas palavras de Zilio (2012):
. . . a teoria dualista não é posição cabível no behaviorismo radical. A defesa da existência de um "mundo mental" em adição à existência de um "mundo físico", que além de tudo se relacionam entre si . . . (p. 111)
. . . com relação à natureza substancial do mundo, o behaviorismo radical é monista fisicalista. Seria desastroso, porém, se parássemos aqui na delineação da ontologia behaviorista radical . . . (p. 116)
Tal ontologia pode ser assim exposta: o comportamento é relação, mas é relação que ocorre no mundo físico. Não há comportamento sem relação, pois comportamento é relação, mas, por outro lado, não há relação sem substância. A essa tese ontológica sugere-se o nome de relacionismo substancial (p. 116).
O Autocontrole em Skinner
Skinner (1953/2003, 1974/2006) define autocontrole como a apresentação de respostas "controladoras", que manipulam variáveis ambientais, alterando a probabilidade de emissão da resposta "controlada". A necessidade de autocontrole surge a partir de dois aspectos: quando uma resposta produz consequências conflitantes (reforçadoras e punitivas), e quando essas consequências são separadas temporalmente (imediatas e atrasadas) (Batista & Tourinho, 2012; Tourinho, 2006). Quanto maior for o conflito entre as duas consequências, e quanto maior o intervalo temporal entre elas, mais complexo será o repertório de autocontrole que o indivíduo deverá apresentar (Nico, 2001).
Um exemplo de comportamento autocontrolado é o ajuste do despertador para tocar em determinado horário pela manhã, bem cedo. O primeiro toque do despertador expõe o sujeito a duas consequências conflitantes: primeira, a de ficar deitado em sua confortável cama e dormir mais um pouco, e a segunda consequência, levantar logo no soar do primeiro toque do despertador, e ser consequenciado com maior tempo para se arrumar, tomar café da manhã e chegar ao trabalho. Esse exemplo ilustra que diante de duas consequências conflitantes, uma reforçadora imediata (continuar dormindo) em concorrência com uma consequência aversiva imediata (levantar da cama confortável), porém reforçadora tardiamente (ter mais tempo para o desenvolvimento das atividades matinais) a consequência reforçadora imediata é mais provável de ocorrer, tornando necessária a resposta controladora (programar o despertador), que arranja as variáveis ambientais de forma a diminuir essa probabilidade.
As respostas "controladas" geralmente estão ligadas à produção de reforçadores filogeneticamente determinados (Batista & Tourinho, 2012) como comida, contato social, atenção, sexo, novidade, etc. Enquanto que as respostas "controladoras" são aprendidas ao longo da vida e construídas através da modelagem exercida pela comunidade verbal. Um exemplo disto envolve uma pessoa que deseja perder peso e precisa controlar a ingestão de alimentos calóricos. É preciso a apresentação de uma série de respostas autocontroladoras, entre elas são exemplos evitar encontros sociais nos quais é provável a presença de alimentos gordurosos, comprar alimentos leves e saudáveis para tê-los disponíveis, pesar-se regularmente, fazer pagamentos adiantados na academia, estabelecer cardápio e horário certo para realizar as refeições. A manipulação dessas contingências diminui a probabilidade de emissão do comportamento a ser "controlado", aumentando a ocorrência de comportamentos compatíveis com o objetivo de perder peso.
É importante considerar que respostas de autocontrole só são necessárias quando a resposta "controladora" (e.g. alimentar-se seguindo uma dieta específica) tem baixa probabilidade de ocorrer naturalmente. Caso a ingestão de alimentos calóricos fosse pouco provável, não haveria necessidade de apresentação de respostas autocontroladoras. Nesse sentido, alguns autores apontam que para que seja possível controlar o próprio comportamento, é necessário que o indivíduo tenha conhecimento prévio das consequências prováveis de cada ação.
O conhecimento anterior das consequências é característica do comportamento de autocontrole, ou seja, o indivíduo conhece, antecipadamente, tanto as respostas possíveis quanto as respectivas consequências do seu responder (ver Nico, 2001).
O estabelecimento de um repertório de autocontrole só é possível através da manipulação das variáveis ambientais das quais a resposta "controlada" é função (Skinner, 1953/2003). Nesse sentido, é útil que o indivíduo que está aprendendo controlar a si mesmo seja capaz de descrever seu próprio comportamento, público e privado, e as contingências nas quais ele ocorre. No Behaviorismo Radical esse repertório é designado como "autoconhecimento" (Baum, 1994/1999).
O Papel da Comunidade Verbal no Ensino de Autocontrole e Autoconhecimento.
Skinner (1974/2006) caracteriza o autoconhecimento como a descrição e a identificação de variáveis das quais o comportamento é função, podendo também ser definido como ter consciência a respeito de si mesmo (de Rose, Bezerra & Lazarin, 2012). Ao estabelecer um repertório de autoconhecimento, as pessoas se tornam capazes de conhecer o mundo debaixo de suas peles (nomear seus eventos privados), além de descrever seus próprios comportamentos públicos e privados, o contexto no qual ocorrem e as consequências que produzem no mundo. Como o desenvolvimento de autocontrole tem relação com esse repertório prévio de autoconhecimento (Nico, 2001), faz-se necessário discorrer sobre sua aquisição e o papel mediador da comunidade verbal nesse processo.
Skinner (1974/2006) descreve os meios através dos quais é possível conhecer o próprio comportamento. Segundo o autor, o corpo humano possui três sistemas nervosos especializados em reconhecer "traços internos" (p. 30): O sistema interoceptivo, proprioceptivo e exteroceptivo, que desempenham funções conspícuas e que são fundamentais na economia interna do organismo. No entanto, o funcionamento normal desses sistemas não garante que o indivíduo será capaz de reconhecer e relatar seus comportamentos, públicos e/ou privados.
Assim, a comunidade verbal assume papel fundamental nessa aprendizagem.
Ao considerar que o autoconhecimento é um fenômeno de origem social, Baum (1994/1999) corrobora com a visão de Skinner (1974/2006) na definição de autoconhecimento, ao afirmar: "O autoconhecimento é comportamento verbal, um produto social, sob controle de estímulos que são tanto públicos quanto privados" (p. 64). Quando o Homem controla seu comportamento, escolhe um curso de ação, pensa na solução de um problema ou se esforça para aumentar o autoconhecimento, ele está se comportando (Skinner, 1953/2003, p. 250). Nesse sentido, os processos de autoconhecimento e de autocontrole não implicam instâncias não-físicas ou processos internos que impeçam a sua descrição. Ambos são considerados, para análise behaviorista radical, comportamentos como qualquer outro, inclusive aqueles que ocorrem privadamente.
Pelas restrições de acesso inerentes aos eventos privados, a comunidade não pode utilizar-se das mesmas práticas úteis no ensino de repertórios relacionados aos estímulos públicos. Nas palavras de Skinner (1974/2006) a comunidade verbal não dispõe das informações necessárias para poder elogiar ou corrigir as descrições realizadas sobre os fenômenos privados, portanto, não pode fornecer um processo de modelagem acurado (p. 24).
Nesse sentido, Skinner (1945) afirma que a comunidade verbal usa a informação pública correlacionada ao evento privado para auxiliar o indivíduo na nomeação de seus eventos privados e sensações corporais. Esse processo implica ensinar, mediante exposição a ambientes que aumentem a probabilidade da resposta específica, o reconhecimento e a descrição de sensações corpóreas, e a emissão de relatos sobre o que ocorre de forma privada. Por exemplo, a comunidade pode supor a ocorrência de uma dor de ouvido ao ver o indivíduo com a cabeça inclinada para um lado, passando as mãos na região do ouvido e emitindo gemidos de dor.
Dessa forma, a comunidade verbal ensina seus membros a descrever seus eventos privados. Esta auto-observação é um tipo de comportamento de autoconhecimento, no qual o indivíduo descreve para si mesmo e para os outros os comportamentos emitidos, o contexto no qual ocorrem e as consequências produzidas (de Rose et al., 2012).
Sendo assim, a consciência que o indivíduo terá de seus comportamentos (públicos e privados) dependerá de comportamentos públicos confiáveis que acompanhem os eventos privados e auxiliem a comunidade verbal no ensino dessa discriminação. Portanto, valida-se o argumento de que a história de reforço de relatos verbais é condição necessária no desenvolvimento do autoconhecimento (Baum, 1994/1999).
Outra estratégia utilizada pela comunidade verbal ao lidar com a dificuldade de acesso, segundo Skinner (1945), é fazer uso de metáforas ao trazer elementos do mundo público para o privado (e. g. "Senti uma facada no peito ao saber da notícia"). Nesse caso, há propriedades comuns entre a estimulação pública gerada por eventos públicos em que uma faca é utilizada e a estimulação privada sentida e descrita pela metáfora. A comunidade verbal pode, assim, ter acesso, mesmo que indireto, aos eventos privados do sujeito. Skinner (1953/2003) pontua que a inserção de um indivíduo em dada comunidade verbal aumenta a probabilidade de exposição a contingências que o levem a conhecer a si próprio, através do contato com outros membros. Perguntas feitas por outros membros da comunidade, como "O que você está sentindo?" e "Por que você está se sentindo desta maneira?" auxiliam o indivíduo a conhecer seus sentimentos e sensações corporais, sendo útil, em primeira instância, à comunidade verbal, e posteriormente, à própria pessoa que se comporta (Skinner, 1963). É nesse sentido que Skinner (1974/2006) pontua que diferentes comunidades verbais produzem diferentes graus de autoconhecimento.
Se os eventos que ocorrem dentro da pele de um organismo não fossem interessantes à comunidade verbal, não se tornariam, em segundo momento, interessantes à própria pessoa. Nas palavras de Skinner (1974/2006) "Ao organizar as condições em que uma pessoa descreve o mundo público ou privado onde vive, uma comunidade gera aquela forma muito especial de comportamento chamada conhecimento" (p. 30).
Desse modo, o autoconhecimento depende da aprendizagem social, pois aquilo que é conhecido pelo sujeito que se comporta somente o é através da mediação da comunidade verbal, e pode ocorrer de duas formas: 1. ao ensinar seus membros a descreverem o que sentem e pensam encobertamente (e.g. aquilo que é privado e acessível apenas a própria pessoa que se comporta), e 2. ensiná-los a descreverem comportamentos públicos, passíveis de serem acessados diretamente. Nosso conhecimento sobre nós mesmos será apurado em função do refinamento social (Sério, 2000).
Através desses processos de ensino de descrição de eventos públicos e privados, a sociedade é responsável também pelo desenvolvimento da maior parte do repertório de autocontrole. Mesmo que o indivíduo possa planejar o curso de sua vida e quais caminhos irá trilhar, as variáveis ambientais e a própria comunidade verbal terão grande influência no "controle final" (Skinner, 1953/2003).
As Estratégias de Ensino de Autocontrole Praticadas Por uma Comunidade Verbal Dualista
Como visto anteriormente, eventos privados como parte do pensar e do sentir, desempenham um papel importante na emissão de comportamentos de autocontrole. No entanto, na perspectiva behaviorista radical, o controle do próprio comportamento envolve a manipulação das variáveis do ambiente. Essa proposta difere da encontrada comumente nas sociedades em geral ou na comunidade verbal leiga. Ensina-se, desde a infância, que a forma de alcançar o autocontrole é apresentar domínio dos sentimentos, reeducação do pensamento e controle das vontades. Nesse sentido, são frequentes verbalizações como "Você precisa controlar o seu pensamento negativo" ou "Controle a sua raiva antes de ir conversar com ele".
Essa forma de compreender o autocontrole, que pode acarretar mais dúvidas do que esclarecimentos, resulta de uma visão dualista de Homem. Nessa perspectiva, assume-se a existência de um mundo interno no qual estão alocados nossos sentimentos, emoções, vontades, desejos, processos cognitivos, pensamentos e lembranças. Esse mundo é compreendido como diferente, em sua natureza, do mundo externo, no qual o comportamento publicamente visível estaria inserido. Na visão dualista, os dois mundos se relacionam de forma causal, os fenômenos que ocorrem dentro dos organismos, inacessíveis às outras pessoas, são responsáveis pelos fenômenos que ocorrem de forma pública. Além disso, nessa visão dualista, o mundo interno é de substância diferente (mental) do mundo público (físico). Na Psicologia, essa perspectiva embasou concepções que atribuem um eu interno e iniciador das ações humanas (para mais detalhes ver, Pimentel, Bandini & Melo, 2011).
Por essa lógica, quando um artista produz uma obra de arte (fenômeno público) atribui-se esse feito a sua "criatividade" (fenômeno privado), quando um físico teórico desenvolve um novo teorema atribui-se à sua "inteligência", quando uma pessoa está chorando encontra-se a causa na sua "tristeza". Portanto, se os comportamentos que os indivíduos apresentam ocorrem em relação causal com os fenômenos do seu mundo interno, para que seja possível comportar-se diferentemente (e controlar o próprio comportamento) é preciso mudar esses fenômenos. Encontra-se aqui a principal dificuldade do indivíduo que pretende adquirir autocontrole, nessa perspectiva. Não existem métodos disponíveis para a alteração direta dos eventos privados, pois não é possível acessá-los diretamente. Nas palavras de Skinner (1974/2006):
O autocontrole é amiúde representado como a manipulação direta de sentimentos e estados mentais. Uma pessoa deve mudar de ideia, usar o poder de sua vontade, deixar de sentir-se ansiosa e amar os inimigos. O que ela de fato faz é modificar o mundo em que vive (p. 153).
A proposta skinneriana de manipulação das variáveis ambientais não nega a possibilidade de eventos privados atuarem na determinação do comportamento (e.g. Gongora & Abib, 2001). É importante destacar como esta determinação é considerada. O Behaviorismo Radical adota uma visão monista de ser humano. Isso implica afirmar que os eventos que ocorrem de forma privada nos organismos devem fazer parte do objeto de estudo da ciência e podem ser estudados com o mesmo rigor científico que eventos públicos (Moreira & Hanna, 2012).
Além disto, Skinner (1977/2007) ressalta: "é o ambiente que se desenvolve, não uma propriedade mental ou cognitiva" (p. 309), ou seja, o comportamento de autocontrole depende de um arranjo de contingências específicas presentes no ambiente público, e não por intermédio de um aparato mental que controlaria o comportamento do sujeito. A ideia de "homúnculo" interno que determina suas ações não vai de encontro com a proposta behaviorista radical.
Comportamentos privados são entendidos como sendo da mesma natureza que comportamentos públicos, a pele não deve ser vista como uma fronteira, pois eventos públicos e privados compartilham das mesmas dimensões físicas (Skinner, 1963). Segundo o autor, "uma ciência adequada do comportamento deve considerar eventos que ocorrem dentro da pele do organismo, não como mediadores fisiológicos do comportamento, mas como parte do próprio comportamento" (p. 953).
O comportamento é compreendido como a relação entre o organismo e o ambiente, de forma que estímulos ambientais estabelecem relações funcionais com as respostas dos organismos. Como os estímulos privados não diferem dos estímulos públicos (possuem as mesmas dimensões físicas) não há razão para que não possam estabelecer relação funcional com o comportamento. No entanto, eles não podem ser conhecidos e manipulados com a mesma facilidade dos estímulos do ambiente público. Como decorrência dessa dificuldade prática, Skinner (e.g. 1945; 1953/2003; 1963; 1974/2006) assume uma posição pragmática e propõe que a análise funcional de um comportamento seja realizada até que se identifiquem variáveis ambientais (nesse caso, públicas), que tenham relação com a ocorrência do comportamento e possam ser manipuladas com o objetivo de alterá-las. É bastante provável que no decorrer de sua investigação o analista verifique eventos privados em relação funcional com o comportamento, no entanto, ela não pode ser encerrada nesse nível, pois tal análise não atenderia aos critérios de previsão e controle de uma ciência do comportamento.
Resumindo, o ensino de repertórios de autocontrole baseado em uma visão dualista de Homem propõe a tentativa de controle dos eventos privados como estratégia de mudança comportamental, mas falha em ensinar seus membros sobre como isso pode ser alcançado. A proposta behaviorista radical, monista, aponta a manipulação de variáveis ambientais como meio de alterar a ocorrência dos comportamentos, não atribuindo sentido de causa aos eventos privados. Para Skinner (1977/2007):
Considerando que muitos eventos que devem ser levados em conta ao se explicar o comportamento estão associados com estados corporais que podem ser sentidos, o que é sentido pode servir como uma pista para as contingências. Mas os sentimentos não são as contingências e não as podem substituir como causas (p. 311).
Na prática do analista do comportamento é frequente identificar pessoas que relatam dificuldade ou incapacidade de controlar seus estados internos, como é exigido na sociedade, e assim justificam seu déficit nos comportamentos de autocontrole. Por exemplo, são comuns verbalizações como "Não consigo controlar minha ansiedade, por isso não durmo a noite" ou "Eu tento controlar a minha raiva, mas não consigo, por isso bato nos meus filhos". Essa dificuldade pode ser decorrente do fato de que os mandos estabelecidos pela comunidade verbal na forma de conselhos são, na maioria das vezes, insuficientes na descrição de quais variáveis devem ser alteradas para que o comportamento de autocontrole seja emitido.
Verbalizações do tipo "controle sua raiva antes de ir conversar com ele" e outras que envolvam a sugestão de controle de pensamentos e sentimentos parecem ser insuficientes na identificação das contingências que podem gerar o autocontrole. Na maioria das vezes a sugestão para que alguém controle diretamente sensações corporais e estados privados é ineficaz, já que não há a descrição das variáveis que estão no controle funcional de tais eventos privados. Ao analisar o exemplo sob uma visão monista, que considera a manipulação de variáveis ambientais que possibilitem a emissão de respostas controladoras, algumas estratégias possíveis de "controle da raiva", por exemplo, poderiam envolver: contar até dez, beber um copo de água, respirar e inspirar, caminhar, ouvir uma música ou conversar com um amigo. Ao se comportar dessa maneira, o indivíduo manipula variáveis ambientais que podem ser efetivas em reduzir os eventos privados nomeados "raiva" e, sendo assim, diminuir a probabilidade de comportar-se agressivamente (resposta controlada). Esse exemplo pode ser generalizado para outros comportamentos que envolvem o autocontrole. É importante destacar, nesse exemplo, que os fenômenos sentidos e introspectivamente observados pelo indivíduo não foram desconsiderados no processo de análise, no entanto, o controle efetivo envolve a manipulação dos estímulos presentes no ambiente público.
Outra consequência decorrente de um ensino dualista de autocontrole é a ênfase no olhar voltado para dentro de si, em detrimento de uma visão analítica do contexto no qual se está inserido. Os membros da comunidade verbal são ensinados a descrever seus eventos privados e a estar sob controle deles, desenvolvendo uma sensibilidade forte a estímulos do próprio corpo. Ser hábil em descrever eventos privados é útil no desenvolvimento do autoconhecimento, mas deve vir acompanhado de uma capacidade igualmente treinada de descrição do ambiente no qual o comportamento ocorre (Skinner, 1963).
Muitas vezes, ao serem questionados, indivíduos descrevem seus pensamentos e sentimentos com acurácia, relatando detalhes, mas não são capazes de identificar o momento no qual o pensamento/ sentimento ocorreu, quais os estímulos presentes no ambiente (pessoas, imagens, objetos), quanto tempo durou, como outras pessoas reagiram ao seu comportamento entre outros aspectos ambientais relevantes para uma análise funcional que tenha por objetivo previsão e controle.
A principal falha encontrada no ensino dualista do autocontrole deriva do incentivo a buscar dentro de si as "forças" necessárias para controlar seu próprio comportamento (público ou privado). Se um alcoolista deseja parar de beber, deve "ter força de vontade", "fazer um esforço", "saber dizer não". Entretanto, as contingências necessárias para aumento da probabilidade desses comportamentos tem maior poder de serem estabelecidas no ambiente público (Skinner, 1953/2003, p.264). Nota-se que, a comunidade verbal divulga a importância do autocontrole como repertório essencial a uma vida bem sucedida, mas não é efetiva em propagar estratégias para tal, em decorrência da visão dualista predominante que estabelece a "pele" como fronteira entre comportamentos públicos e privados.
A posição behaviorista radical, como discutida, valida os fenômenos privados nos processos relacionais entre Homem e seu ambiente, sendo assim eficaz em lidar com as questões já estabelecidas pela comunidade (valorização de tais eventos). Ainda propõe como ferramenta útil ao ensino de autocontrole: a) o estabelecimento prévio de um repertório de autoconhecimento, derivado de observação também dos eventos privados, mas principalmente do ambiente no qual o comportamento ocorre; b) análise das contingências envolvidas na manutenção dos comportamentos em questão e das contingências envolvidas no desenvolvimento dos mesmos, que podem ser identificadas na história de reforçamento de cada organismo; c) o desenvolvimento de uma visão multideterminada do comportamento, na qual só pode ser realmente compreendido a partir de uma análise dos três níveis de variação e seleção1. Esses processos garantem que o indivíduo seja capaz de realizar análises úteis de seu próprio comportamento para a identificação das variáveis ambientais que possam ser manipuladas, a fim de alterar a probabilidade de ocorrência de determinados comportamentos, e dos eventos privados que o acompanham.
Considerações Finais
Comportamentos de autocontrole são comumente exigidos dos indivíduos. O Behaviorismo Radical define este comportamento como a apresentação de respostas "controladoras", que manipulam variáveis ambientais, alterando a probabilidade de emissão de uma resposta "controlada" (Skinner, 1953/2003; 1974/2006). Assim, ressalta a importância do ambiente público no desenvolvimento desse repertório específico. Esta proposta difere da existente na sociedade dualista, que estabelece a prática de procurar "dentro do Homem" as causas para seus comportamentos e atrasam análises úteis no esclarecimento dos processos envolvidos no auto-controle. Nesse sentido, o ensino do autocontrole fundamentado em uma visão monista poderia aprimorar o grau e a eficácia de controle do próprio comportamento que os indivíduos apresentam, de uma forma geral.
Ainda, a teoria conceitual do Behaviorismo Radical pode auxiliar de forma significativa o trabalho do analista do comportamento no desenvolvimento de pesquisas e trabalhos com parcelas da população que, no contexto atual, não apresentam esse repertório bem estabelecido, como crianças, pessoas com transtornos de desenvolvimento ou aprendizagem, doentes crônicos e indivíduos inseridos em contingências especiais que exigem uma frequência maior de respostas autocontroladas.
Sugere-se que a comunidade verbal deveria adotar práticas de ensino que promovam o arranjo adequado de contingências que estabeleçam contextos para o desenvolvimento desse repertório especial de comportamento, disseminando as ideias propostas no presente estudo. Portanto, o analista do comportamento encontra na teoria filosófica do Behaviorismo Radical, um suporte adequado para o ensino efetivo de práticas de autocontrole nos membros da comunidade verbal, embasado em uma visão monista de Homem.
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Endereço para correspondência
Camila Muchon de Melo
Email: beatrizazem@gmail.com
Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento/CCB/UEL
Caixa Postal 10.011
CEP: 86057-970
Londrina/Pr
Submetido em: 05/05/2014
Primeira decisão editorial: 25/03/2015
Aceito em: 25/05/2015
1 Skinner (1981) defende que o comportamento é multideterminado e produto de três níveis de seleção pelas consequências: filogênico (resultante da seleção natural), ontogênico (resultante da história individual por meio de condicionamentos operante e respondente) e cultural (resultante das práticas selecionadas pelos grupos).