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Saúde & Transformação Social
versão On-line ISSN 2178-7085
Saúde Transform. Soc. vol.4 no.4 Florianopolis out. 2013
METASSÍNTESES QUALITATIVAS E REVISÕES INTEGRATIVAS
O bom professor na área da saúde: uma revisão integrativa da literatura
The good teacher in health: an integrative literature review
Jouhanna do Carmo MenegazI*; Vânia Marli Schubert BackesI**; Alexandre Pareto da CunhaI***; Bruna de Souza FranciscoI****
I Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC - Brasil
RESUMO
Objetiva-se analisar as características do bom professor de ensino superior na área da saúde à luz do referencial teórico do conhecimento base para o ensino de Lee Shulman. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura realizada a partir da questão de pesquisa: quais as características de bons professores da área da saúde? Cuja busca se deu em produções científicas indexadas na base de dados Literatura Latino Americana e Caribenha em Saúde (Lilacs) e Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) publicizadas no período compreendido entre 1996 e 2010. A captação de estudos nas bases passou por três refinamentos, sendo encontrados no total 164 estudos, dos quais sete atenderam os critérios estabelecidos. Da análise dos dados emergiram as categorias boas características pessoais, boas características pedagógicas e boas características relacionais que demonstram que o bom professor de ensino superior em saúde para além de habilidades diretamente inerentes a sua prática docente, destacadas neste estudo como boas características pedagógicas, sendo exemplo uma postura pedagógica relacional e favorecedora da autonomia discente, necessita também demonstrar qualidades pessoais, como pontualidade e organização. Há similaridade entre a descrição das características dos professores de diversas profissões da área da saúde e estas expressam a pertinência do referencial teórico de Lee Shulman para a formação docente.
Palavras-chave: Docentes; Ensino; Formação de Recursos Humanos.
ABSTRACT
Objective is to analyze the characteristics of good teachers of higher education in health area in the light of the theoretical knowledge base for teaching of Lee Shulman. It is a integrative literature review performed from the research question: what are the characteristics of good teachers in the health field? Whose question took on scientific productions indexed in the database the Latin American and Caribbean Health (Lilacs) and Bank of Theses and Dissertations of the Coordination of Improvement of Higher Education Personnel (CAPES) publicized between 1996 and 2010. The collection of studies on the bases went through three refinements, and found 164 studies in total, of which seven met the criteria. Analysis of data categories emerged from the good personal characteristics, good features and good teaching relational characteristics that demonstrate that the good professor of higher education in health beyond skills directly related to their teaching practice, as highlighted in this study like good pedagogical characters, being example a relational pedagogical stance and wich encourage autonomy of students, also need to demonstrate personal quality such as punctuality and organization. There is a similarity between the description of the characteristics of teachers of various professions in the health field and they express the relevance of the theoretical framework of Lee Shulman for teacher training.
Keywords: Faculty; Teaching; Human Resources Formation.
1. INTRODUÇÃO
A formação em saúde tem passado por significativas mudanças na última década por conta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e sua determinação da construção de diretrizes curriculares em substituição aos currículos mínimos1, assim como pela institucionalização de uma nova política de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS).
No que tange a área da saúde, a LDB veio corroborar para a concretude do já iniciado debate acerca da necessidade de uma formação mais crítica, flexível, da mesma forma que o SUS contribuiu para a compreensão da emergência de uma formação conectada ao perfil epidemiológico regional. Estes dois fatos, somados às discussões anteriores, corroboraram para a concretude de um movimento de reorientação voltada par a o SUS.
Entretanto, a LDB que induziu poucos anos adiante, especificamente nos anos de 2001, 2002 e 2003, a determinação de diretrizes curriculares nacionais (DCN) para os cursos da área da saúde, diretrizes estas que já se constituíam num avanço no sentido de uma formação que pautasse orientações mais arejadas e já relacionadas ao SUS2, assim como entendidas competências profissionais necessárias para a consolidação do mesmo, deixou lacuna importante ao não delinear uma proposição de política ou ainda as diretrizes de um programa de formação docente para os professores de ensino superior3.
Ao sinalizar em seu artigo n°66 que a formação de pós-graduação deve prioritariamente ocorrer em nível de mestrado e doutorado, assim como em seu artigo n°65 a não necessidade de carga horária prática para o exercício da docência de ensino superior4, a LDB ao passo que possibilita avanços em uma direção, de certa forma não determina a complementação de etapa essencial deste processo, a formação docente.
No bojo desta discussão, há ainda de se destacar o entendimento de que a atualmente a formação de pós-graduação stricto sensu guarda maior relação com o preparo para a pesquisa do que para com o preparo para a docência5, fato que somado a não avaliação de cursos lato sensu, lócus prioritário de formação docente no ensino superior6 e a não consideração de elementos como a formação entre pares, as vivências relacionadas ao cotidiano universitário, pode acabar por contribuir para a adoção de modelo pedagógico não compatível com as orientações atuais, em específico no ensino orientado para o SUS, uma vez que, não há uma formação que fomente o entendimento do professor acerca de seu papel neste processo.
Desta forma, percebe-se que a formação docente de ensino superior é ainda algo bastante experimental e é presente forte entendimento de uma naturalização da prática docente, onde reconhecida prática profissional é considerada critério para uma referida competência como professor7. Nesse cenário surge tanto no imaginário de estudantes quanto dos próprios docentes a figura ou o modelo de bom professor, que varia de acordo com a área, com a profissão, de acordo com as próprias experiências empíricas e teóricas de alunos e professores e na ausência de uma política ou programa de formação docente acaba por determinar a condução do ensino em saúde.
Há na figura do bom professor certo misticismo e fascínio que incita a curiosidade epistemológica. Afinal, o que faz? É bom em que sentido? As características que lhe fazem ser entendido como bom, contribuem para com o atual momento da formação em saúde? Partindo do entendimento de que se há uma deficiência na formação de professores do ensino superior, há algo em sua prática que poderia ser aproveitado, incorporado no sentido de auxiliar na construção de uma política ou programa de formação docente?
Uma vez que, o interesse particular neste grupo específico de professores, tem predominado na investigação educativa a partir dos anos 90, e se caracteriza justamente pela necessidade de conhecer as características dos mesmos8 e considerando o entendimento inicial de que há no Brasil poucos estudos acerca do professor da área da saúde, os quais começam a aparecer com mais intensidade nos últimos cinco anos, esta revisão integrativa da literatura guardou o objetivo geral de analisar as características do bom professor de ensino superior na área da saúde, bem como o desejo de identificar áreas, pesquisadores, revistas, programas de pós-graduação, métodos de pesquisa e referenciais teóricos nos que tem desenvolvido estudos sobre o tema.
Ainda considerando o fato de que estudos sobre bons professores são estudos considerados complexos, uma vez que qualquer caracterização requer relativizações, sendo, portanto, necessário considerar um determinado contexto ao analisar as contribuições dos mesmos, a presente revisão integrativa propõe-se a além de destacar eventual predominância de características gerais ou ainda específicas dos docentes, analisá-las a luz do referencial teórico do conhecimento base para o ensino, elaborado pelo destacado pesquisador norte americano Lee Shulman8.
2. MÉTODO
Pesquisa qualitativa utilizando-se da abordagem da revisão integrativa de literatura cuja finalidade é reunir e sistematizar resultados de estudos sobre determinado tema de modo a contribuir para o aprofundamento e compreensão do mesmo9. A presente revisão se estruturou a partir das recomendações para a revisão integrativa de literatura10, na qual se apresentam as seguintes etapas: definição da pergunta de pesquisa e motivação para o estudo, definição de critérios de inclusão e exclusão seleção da amostra, exposição do material captado e seleção, análise da amostra selecionada, interpretação dos resultados e apresentação final dos mesmos.
Após a definição da pergunta de pesquisa e da motivação para o estudo, delineou-se a estratégia de busca, iniciada a partir da definição das bases de dados Lilacs e Banco de Teses e dissertações da CAPES, em virtude da intencionalidade dos pesquisadores em identificar no âmbito da América Latina, em especial no Brasil, a produção científica e acadêmica acerca do tema.
A base de dados Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) foi eleita em virtude de constituir-se da maior base em saúde identificada na América Latina. Trata-se de um produto cooperativo da Rede BVS que agrega cerca de 500.000 mil registros bibliográficos de artigos publicados em cerca de 1.500 periódicos em ciência da saúde, das quais aproximadamente 800 são atualmente indexadas. Também indexa outros tipos de literatura científica e técnica como teses, monografias, livros e capítulos de livros, trabalhos apresentados em congressos ou conferências, relatórios, publicações governamentais e de organismos internacionais regionais. Pode ser acessada para pesquisa bibliográfica no Portal Global de BVS e os registros são também indexados no Google11.
Já o Banco de Teses e Dissertações da CAPES, base de dados referencial do Portal de Periódicos da CAPES que fornece acesso a informações sobre teses e dissertações defendidas junto a programas de pós-graduação do Brasil12, foi escolhido em virtude de que se desejava conhecer a produção dos programas de pós-graduação brasileiros com relação ao tema, visto que, por tratar-se de tema de abordagem interdisciplinar, não necessariamente localizaríamos produção apenas em uma base específica da área da saúde. Foi destacado ainda por considerar-se que nem toda produção acadêmica dos programas de pós-graduação acaba por ser publicada em periódicos científicos.
Estabelecida as bases, foram intencionalmente destacadas o período compreendido entre 1996 e 2010, sendo o ano de 1996 em virtude da publicação da LDB e seis palavras chave, sendo, bom professor, satisfação do aluno, visão do aluno, características do professor, conhecimento base para o ensino, conhecimento pedagógico de conteúdo, ordenadas a partir do cruzamento destas com a palavra chave bom professor, assim como os critérios de inclusão e exclusão dos estudos encontrados, sendo respectivamente, critérios de inclusão, constituírem-se de artigos provenientes de pesquisa, revisões integrativas ou sistemáticas da literatura, dissertações e teses publicadas em português, inglês ou espanhol, relacionadas ao bom professor do ensino superior e disponíveis online de forma completa e critérios de exclusão, revisões, teses, dissertações que abordem outros níveis de ensino que não o ensino superior, estudos não relacionados a professores da área de saúde, editoriais, cartas, comentários, artigos de opinião, relatos de experiência, estudos de reflexão, estudos teóricos, resumos de anais, ensaios, dossiês, trabalhos de conclusão de curso, documentos oficiais de programas nacionais e internacionais; publicações duplicadas.
Em resumo o procedimento realizado com os estudos captados constituiu-se, além deste primeiro refinamento a partir do estabelecimento de palavras chave e cruzamentos, de mais dois refinamentos, sendo o segundo a leitura do resumo de todos os textos provenientes da captação, considerando os critérios de exclusão e inclusão e o terceiro a leitura na íntegra dos textos triados nos momentos anteriores. Independente de ser incluídos na amostra analisada ao final deste processo todos os textos foram organizados em quadros por base e por cruzamento que continham as colunas, título, autor, universidade/programa do autor, periódico, ano e motivo de exclusão.
Na base de dados Lilacs foram encontrados a partir da busca geral, 40 estudos, dos quais dois provenientes do cruzamento das palavras chave ‘bom professor e satisfação do aluno’, 22 do cruzamento ‘bom professor e visão do aluno’, dois do cruzamento ‘bom professor e características do professor’, 10 do cruzamento ‘bom professor e conhecimento base para o ensino’ e quatro estudos do cruzamento ‘bom professor e conhecimento pedagógico de conteúdo’.
Destes, após a leitura do resumo e exclusão de estudos duplicados permaneceram sete estudos que foram lidos na íntegra, dos quais, cinco foram excluídos em virtude de dois não relacionarem-se ao objeto em estudo, dois se constituírem de estudo teórico, um ser relato de experiência, permanecendo ao final da seleção, dois estudos na amostra.
No banco de teses e dissertações da CAPES foram encontrados 124 estudos, dos quais cinco provenientes do cruzamento das palavras chave ‘bom professor e satisfação do aluno’, 11 do cruzamento ‘bom professor e visão do aluno’, 34 do cruzamento ‘bom professor e características do professor’, 41 do cruzamento ‘bom professor e conhecimento base para o ensino’ e 33 estudos do cruzamento ‘bom professor e conhecimento pedagógico de conteúdo’.
Destes, após a leitura dos resumos e exclusão de estudos duplicados permaneceram nove dissertações que foram lidas na íntegra, das quais permaneceram ao final da leitura, cinco na amostra. Das dissertações selecionadas pelo resumo e excluídas na leitura integral, todas se justificam por abordarem o bom professor de outras áreas que não a da saúde.
A amostra final desta revisão totalizou sete estudos, sendo dois artigos, provenientes da base Lilacs e cinco dissertações, provenientes do Banco de teses e dissertações da CAPES.
Quadro 1. Resumo do processo de captação de estudos nas bases de dados lilacs e banco de teses e dissertações da CAPES
A amostra selecionada para análise após lida na íntegra foi também ordenada em um quadro que continha as colunas: características do bom professor, curso relacionado, sugestões de aprofundamento e/ou novos estudos na qual foram organizadas e comparadas as informações extraídas dos textos. Deste processo emergiram as categorias, boas características pessoais, boas características pedagógicas, boas características relacionais e características negativas. As categorias foram analisadas com o auxílio do referencial teórico conhecimento base para o ensino de Lee Shulman.
3. RESULTADOS
3.1 Caracterização geral da amostra
Dentre os estudos selecionados não há predominância ou destaque para algum pesquisador que publicasse acerca da temática desta revisão, uma vez que cada produção possuía um autor diferente. Não foi encontrado também destaque de publicação acerca do tema em periódico específico. Todavia, dentre as dissertações selecionadas sessenta por cento era proveniente do programa de pós-graduação Ensino em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo. As demais (40%) eram provenientes de programas de pós-graduação em educação (33,33%).
Quadro 2. Resumo dos estudos coletados nas bases de dados lilacs e banco de teses e dissertações da CAPES.
Quanto aos cursos e/ou profissões relacionados nos estudos, houve uma predominância para estudos que tinham como participantes estudantes ou docentes de enfermagem, medicina e odontologia. Figuraram também com menor intensidade e centralidade docentes dos cursos de biomedicina, educação física, farmácia, fonoaudiologia, medicina veterinária, psicologia e terapia ocupacional.
Quanto ao método dos estudos considerados nesta revisão, percebe-se que grande parcela dos pesquisadores se utiliza pesquisa qualitativa13-17, sendo exceções dois estudos19,20 de natureza mista (quantitativa e qualitativa).
Quanto aos informantes dos estudos há certa diversidade e equilíbrio. Há os que elegem docentes17-19, discentes13-14 bem como há os que elegem ambos. Nesta revisão integrativa encontramos apenas estudos que elegem um ou outro como participante. É importante destacar que os estudos que elegem como informantes docentes e discentes geralmente utilizam o discente como estratégia para chegar aos docentes ou ainda como contraponto para a análise dos dados, o que reforça a necessidade de resgatar o discente enquanto informante prioritário.
Quanto ao método de coleta de dados, também há variações e uso de triangulação de fontes em alguns casos18, o de questionário associado a outra técnica, como o grupo focal14 ou o questionário14,16,19. Há ainda os que se utilizam apenas de entrevistas15,19.
No que diz respeito ao referencial teórico, dentre os estudos analisados apenas um utilizou referencial teórico13, sendo este a Teoria das Representações Sociais.
3.2 Boas características pessoais
Aspecto interessante do estudo foi observar que algumas características individuais dos docentes também são percebidas e valoradas seja pelos estudantes sejam por eles próprios entre pares. Qualidades como autenticidade16, autoridade19 conduta exemplar expressa em compromisso, responsabilidade, pontualidade, organização (também são valoradas18-19.
Achado presente em diversos estudos com relação a características de bons professores foi o amor a profissão, a importância de gostar do que faz15-19. Outra característica frequente apontada foi a da relação entre bons professores e a experiência profissional na profissão de base, não apenas na docência15-16,18-19. O fato e a necessidade de ser um cidadão comprometido para com a melhoria da vida em sociedade também figura nos achados13.
3.3 Boas características pedagógicas
Em todos os estudos é marcante a presença do entendimento de que um bom professor possui necessariamente domínio do conteúdo que ministra. São mencionadas ainda a necessidade de ser seguro, claro, assertivo, coerente e intelectualmente capaz14,16. Há destaque ainda18 da necessidade do professor da área da saúde possuir a habilidade de conectar os conteúdos ministrados com a prática profissional, bem como de, para além dos conhecimentos da disciplina que ministra possuir ainda um arcabouço de conhecimentos gerais.
Apesar de grande destaque ao domínio de conteúdo, é marcante a expressão da necessária relação deste referido domínio de conteúdo com postura e habilidades pedagógicas. Um estudo16 apresenta o dado de que dos professores melhores avaliados pelos alunos a maioria possui ao menos mestrado e já alguma experiência na docência. A demanda ou destaque para habilidades pedagógicas aparece em todos os estudos, com maior ou menor intensidade, guardando maior ou menor relação com o domínio de conteúdo e em alguns momentos somando-se ainda a dimensão do relacionamento interpessoal professor e aluno.
É muito destacada a necessidade de uma postura respeitosa do professor para com relação ao aluno13-14,16-18, assim como a importância de fomentar sua autonomia e crítica13,17, estimulando o aluno a pensar por si18-19.
Além da postura do professor recebe grande destaque também o formato das aulas, que devem ser ativas e o professor deve permitir que o aluno se expresse16, devendo estes utilizar a ferramenta do diálogo para estabelecer esta conexão e postura respeitosa13,16-18. Achados apontam para o fato de que bons professores conseguem tornar a aula menos tediosa13. Para um dos autores isso guarda relação com a relevância de um professor possui um discurso envolvente, eloquente17. A linguagem de um bom professor é também fácil14 e ele se mostra disponível16.
Há a compreensão de que o professor deve ser flexível ao ensinar14 e ter humildade para com suas limitações, buscando sempre o aprimoramento, inclusive considerando espaço para tal o momento em que está em interação com seus alunos16,18-19. Neste processo interativo, destaca-se17 que é relevante que o professor considere as expectativas de aprendizagem de seus alunos, assim como, fique atento ao seu aluno e ao contexto onde ele se insere, sendo tolerante para com suas eventuais limitações buscando a partir disto refinar suas estratégias de ensino18-19.
3.4 Boas características relacionais
Dimensão bastante valorizada em especial pelos estudos que tiveram como participantes os alunos é a relacional, com acento na necessidade de estabelecer-se uma boa relação entre professor e aluno15-16,18-19.
Estes estudos sinalizam que professores que tem a habilidade e se dispõem a desenvolver uma relação empática com seus alunos tendem a fazer com que eles rendam mais, se sintam motivados para o estudo e as atividades curriculares. Apesar da destacada importância atribuída ao domínio de conteúdo e ao uso de estratégias pedagógicas inovadoras e fomentadoras de autonomia, a dimensão relacional parece ser o elemento definidor da adoção por parte dos alunos do adjetivo ‘bom’ para qualificar um professor.
Entretanto, o inverso também se faz verdadeiro. O mau professor geralmente guarda as demais características dos bons, exceto pelo fato de que não tem boa relação com seus alunos. Como características negativas para a relação entre professor e aluno o estudo destaca postura hostil, expressa por gritos, ironias, ameaças, assim como considera negativa discriminação de qualquer ordem14.
4. DISCUSSÃO
O conhecimento dos docentes expresso em sete categorias base, sendo, o conhecimento de conteúdo, conhecimento pedagógico geral, conhecimento pedagógico de conteúdo, conhecimento dos alunos e suas características, conhecimento do currículo, conhecimento do contexto educacional e conhecimento dos objetivos, finalidades e valores educativos e seus fundamentos histórico filosóficos são a base de uma qualificada prática docente20.
São estes conhecimentos articulados no que denomina de Modelo de Ação e Raciocínio Pedagógico, cujas fases, compreensão, transformação, ensino, que expressam a capacidade docente de compreender sua disciplina, transformar a partir de sua compreensão o conhecimento em algo inteligível para seus alunos por meio de diferentes formas de ensino, aliados as fases de avaliação, reflexão e novas formas de aprender, onde estas capacidades caracterizam um professor com maiores condições de garantir êxitos formativos20.
Considerando que estes êxitos formativos são pactuados socialmente e que em se tratando de formação em saúde se deve considerar as diretrizes curriculares e a formação para o SUS, um bom professor nesta perspectiva assinalaria uma prática que leva em consideração as etapas do modelo ou boa parte delas, não de forma estanque, mas, considerando o labor próprio do docente que prepara, implementa, avalia e transforma sua prática com base na sua experiência.
Este movimento representado pelo modelo, em essência, é intrínseco a prática docente, entretanto, a consistência das categorias de conhecimento base para o ensino é que proporcionarão condições ao docente de desenvolver seu trabalho de forma sintonizada com o momento educacional do país, com a escola e com seus alunos.
Ao relacionar os dados dos estudos captados nesta revisão integrativa pode-se perceber que dos conhecimentos destacados como essenciais para o ensino, houve maior predominância das categorias conhecimento de conteúdo, conhecimento pedagógico geral e conhecimento pedagógico de conteúdo20. É interessante destacar ainda que elementos não considerados nas categorias de conhecimento base, como a relação interpessoal entre professor e aluno e características individuais de personalidade do professor apareceram com destaque, elencados no rol de características fundamentais de um bom professor.
No que tange a relação interpessoal, o referencial parece a compreender apenas nos espaços de interação entre professor e aluno com a finalidade de ensino20, destacando na categoria do conhecimento dos alunos e suas características a necessidade do professor perceber dificuldades e potencialidades do aluno no conteúdo que ministra de modo a partir da identificação destas desencadear estratégias pedagógicas de resolução.
Entretanto, o que se destaca nos estudos selecionados é outro tipo de relação interpessoal, destacando-se o impacto positivo que boa interação professor e aluno traz para a formação21, destacando o papel da autonomia e do respeito, em especial por parte do professor para com o aluno. Não só o respeito como algo inerente ao sucesso de relações pessoais, mas, relacionado ao respeito à opinião, ao saber e a autonomia do aluno com relação a estes, algo que podemos relacionar diretamente a concepção pedagógica e ao modelo pedagógico adotado pelo docente.
Há autores que já considera estes elementos em seu estudo22. Este, em especial, propõe uma dissociação de algumas categorias do referencial adotado para esta revisão, dentre estas, dividindo o conhecimento dos alunos em empírico e cognitivo, de modo a contemplar esta interface entre relação de ensino, relação pessoal.
A título de exemplo, num dos estudos selecionados nesta revisão14 pode ser percebido o peso que a relação interpessoal ou ainda, elementos desta, as características dos indivíduos em interação, tem impacto na avalição do professor pelo aluno, umas vez que estas características parecem estar diretamente conectadas ao fato de se gostar ou não gostar do professor.
É curioso destacar o impacto das características pessoais do professor em sua relação com o aluno e com o ensino. Ao surgir como referências de bom professor características como autenticidade, responsabilidade, aliadas a menções de compromisso e amor para com a profissão, gostar do que faz, percebe-se o quanto o professor tido como bom por estas razões é capaz de influenciar os alunos de forma subjetiva, a ter esta ou aquela conduta.
Apesar de não ser e não dever ser o central na prática e na formação docente, ter consciência deste fato é necessário para o professor, assim como dado o potencial que esta relação de referência individual guarda consigo e se considerarmos as mudanças que se deseja implantar na formação em saúde, considerando, por exemplo, o princípio da integralidade proposto pelo SUS, seria relevante considerar este aspecto nos espaços de ensino.
Todavia, o elemento central a ser destacado diz respeito a relação entre o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico de conteúdo e suas expressões. Quando não há uma conexão entre relação pessoal entre professor e aluno, o critério percebido para denominar um professor como bom parece passar a ser o domínio do conteúdo que ministra, o reconhecido saber que possui em sua área. O conhecimento de conteúdo se configura como a base para o desenvolvimento do conhecimento pedagógico de conteúdo cuja presença tem mais condição de distinguir a competência de um docente da de um especialista. O autor20 utiliza a palavra ‘amálgama’ para definir a relação entre ambos. Não há como desenvolver conhecimento pedagógico sem conhecimento de conteúdo, bem como não há exercício competente no sentido de atingir êxitos formativos se o professor não tiver clareza, domínio e fizer uso das demais categorias de conhecimento base.
Apesar do peso imputado as características individuais e a relação professor e aluno, percebe-se o destaque também para a importância do professor ser intelectualmente capaz em sua disciplina ao mesmo tempo em que há referência sobre necessidade do professor ter condições de conectar seu saber específico na disciplina a, por exemplo, a relação deste com a prática profissional, ação que demanda do professor conhecimento pedagógico de conteúdo aliado a conhecimento dos alunos e suas características, ainda que esta última categoria de conhecimento base para o ensino não seja percebida de forma explícita, seja inerente ao professor ao eleger as estratégias de ensino.
Como bem se destaca23, a construção da competência pedagógica docente expressa nos estudos selecionados até que sejam percebidas e compreendidas por estudantes e professores como característica da prática de bons professores há toda uma construção baseada no saber da disciplina (conhecimento de conteúdo), na trajetória do docente, na sua prática até que estas tenham condições de expressar domínio do conhecimento pedagógico de conteúdo. Construção esta que dada a ausente formação de base para o professor, por vezes se desenvolve instintivamente. Quando se desenvolve, visto que não há uma política ou programa de formação docente capaz de orientar o professor. Em geral, o professor desenvolve sua prática com base nos seus próprios modelos de bom professor e na sua experiência empírica15,20.
5. CONCLUSÕES
Pode-se perceber com a realização deste estudo, que, apesar do pouco número de trabalhos sobre o tema, eles nos reportam elementos interessantes, dentre estes a complexidade intrínseca na definição de um bom professor, visto que este deve expressar características diversas, múltiplas e por vezes, situacionais.
O fato de versarem sobre professores e estudantes de diversos cursos, mas ainda assim, guardar unidade na compreensão acerca das características do bom professor, nos sinaliza que, em se tratando de formação docente é possível que, independente da formação de base profissional, os mesmos elementos possam ser trabalhados em um programa comum.
É mister destacar a percebida pertinência do modelo de ação e raciocínio pedagógico de Shulman e do conhecimento base para o ensino, a partir da percebida necessidade do desenvolvimento de diferentes formas de saber para o exercício da docência expressa nas características destacadas de bons professores e na imbricação entre as categorias de conhecimento base propostas por Shulman presentes nas mesmas. Quanto a formação docente para a formação para o SUS, apesar de ser um modelo, o que o torna genérico e adaptável, é possível que se constitua de um ponto de partida.
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Endereço para correspondência
Bruna de Souza Francisco
Universidade Federal de Santa Catarina.
Centro de Ciências da Saúde
Trindade. Rua Delfino Conti, s/nº.
CEP: 88049-900 - Florianopolis, SC .
Email: brunasfrancisco@hotmail.com
Artigo encaminhado 20/06/2013
Aceito para publicação em 05/11/2013
Notas
* Doutoranda em Enfermagem
** Professora Adjunta
*** Doutorando em Enfermagem
**** Enfermeira