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Estudos Interdisciplinares em Psicologia
versão On-line ISSN 2236-6407
Est. Inter. Psicol. vol.1 no.2 Londrina jun. 2010
Artigos
O desenvolvimento de competências psicossociais como fator de proteção ao desenvolvimento infantil
The psychosocial competencies development as a protective factor in child development
El desarrollo de competencias como un factor protector en el desarrollo del niño
Natália CunhaI,i; Marisa Cosenza RodriguesII,ii
I– Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF.
IIPUC-Campinas.
Resumo
Com a atual definição de saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o movimento envolvendo a sua promoção passa a refletir-se de forma mais abrangente na vida das pessoas. Um dos objetivos centrais focaliza a maximização do repertório de competências individuais que visa proporcionar alternativas para a resolução dos problemas vivenciados no cotidiano de risco psicossocial. O modelo Habilidades de Vida configura-se como um processo de desenvolvimento de competências psicossociais essenciais para uma adaptação saudável à realidade e para o desenvolvimento humano. O presente artigo tem por objetivo discutir o desenvolvimento de competências psicossociais do ponto de vista proativo da promoção de saúde psicológica e fator de proteção ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: competências psicossociais, fator de proteção, promoção de saúde.
Abstract
With the current definition of health proposed by World Health Organization (WHO), the movement involving its promotion starts to reflect on people's life more broadly. One of its central goals focuses on maximizing the individual competencies repertory, which ones provide alternatives to resolve the problems experienced in the daily psychosocial risk. The model Life Skills is featured as a process of essential psychosocial competencies in order to a health adaptation to reality and human development. This present article aims to discuss the development of psychosocial competencies from a proactive point of view of psychological health promotion and protection factor of children and adolescents development.
Key-words: psychosocial competencies, protective factor, health promotion.
Resumen
Con la actual definición de salud propuesta por la Organización Mundial de la Salud (OMS), la quehacer que implique su promoción pasa a reflejarse más ampliamente en la vida de las personas. Uno de los objetivos centrales se enfoca en la maximización de competencias individuales para proporcionar alternativas para la resolución de los problemas vivenciados en el cotidiano del riesgo psicosocial. El modelo de Habilidades para la Vida se configura con un proceso de desarrollo de competencias psicosociales esenciales para una adaptación saludable a la realidad y el desarrollo personal. El presente artículo tiene como objetivo discutir el desarrollo de competencias psicosociales, desde el punto de vista proactivo de la promoción de salud psicológica y factor de protección al desarrollo infantil y de adolescentes.
Palabras-clave: competencias psicosociales, factor de protección, promoción de salud.
Introdução
O conceito de saúde vem sendo rediscutido nas últimas décadas, ampliando o foco do binômio saúde/doença para uma dimensão que inclui aspectos biopsicossociais dos fenômenos humanos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Contini (2000) entende a saúde como um complexo processo qualitativo que define o funcionamento completo do organismo, integrando-se de forma sistêmica o somático e o psíquico, onde o que afeta um irá atuar necessariamente sobre o outro. Com isso, a promoção da saúde estende-se a todos os âmbitos da vida dos indivíduos, já que estão diretamente relacionados ao estabelecimento de uma vida saudável e com qualidade.
Promoção de saúde é, antes de tudo, a educação de um modo de vida diferente e constitui uma estratégia essencial na prevenção primária em saúde mental. Os indivíduos devem realizar atividades implicadas com seu desenvolvimento, bem-estar e qualidade de vida, ou seja, atividades que visem desenvolver um repertório maximizado de competências individuais. Ações preventivas e promocionais de saúde são prioritariamente voltadas para crianças e jovens, pois seus hábitos, atitudes interpessoais e estilo de vida ainda estão sendo formados, nessa ótica, são mais flexíveis e receptivos às mudanças psicossociais (Rodrigues, 2004; Rodrigues, Itaborahy, Pereira & Gonçalves, 2008).
Como ressalta Rodrigues (2004), o foco no desenvolvimento de competências enquanto promoção de características individuais positivas e adaptativas configura promoção de resiliência e como conseqüência de saúde psicológica. A resiliência refere-se a uma combinação e acúmulo de fatores de proteção, os quais são recursos individuais ou aprendidos que servem para atenuar ou neutralizar o impacto do risco (Amparo, Galvão, Brasil & Koller, 2008). Neste contexto, o presente artigo discute o desenvolvimento de competências psicossociais em crianças e adolescentes do ponto de vista proativo da promoção de saúde psicológica e como fator de proteção ao desenvolvimento infantil.
Promoção da saúde e prevenção primária
A ampliação do conceito de saúde para uma dimensão que inclui aspectos biopsicossociais dos fenômenos humanos implica também no redimensionamento do processo social de sua promoção, o qual a partir da I Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, em 1986 no Canadá, é entendido como um processo de capacitação de indivíduos e da comunidade para atuarem ativamente na melhoria da sua qualidade de vida e saúde (Arantes et al, 2008).
De acordo com Silva, Lunardi, Filho e Tavares (2005), promover saúde envolve, entre outros aspectos: fortalecer os processos que ajudam a fazer a mediação entre os riscos e a saúde; promover competências e capacidades individuais e coletivas, no lugar de destacar somente os danos e prejuízos; reconhecer a escola, a comunidade e as famílias como espaços de promoção de competências. Além disso, como observa os autores, envolve o estabelecimento de um amplo processo de construção de parcerias, atuações intersetoriais e participação popular, efetivando políticas que respondam de forma mais integradora às necessidades das famílias e comunidades. Abrange, portanto, ações que incluem os contextos físico, social, cultural, econômico e político.
No que tange as práticas preventivas, a promoção da saúde está incluída no conjunto de ações a serem desenvolvidas no nível da atenção primária. Esta focaliza ações dirigidas a grupos amplos, adotadas antes do estabelecimento de problemas e disfunções, envolvendo, frequentemente, um caráter educativo maior do que os níveis secundário e terciário. Júnior e Guzzo (2005) salientam que a prevenção primária contempla desde atividades que focalizam problemas comportamentais e emocionais específicos, até atividades de promoção de saúde e de mudanças políticas e sociais. Verdi e Caponi (2005) complementam que tanto a promoção da saúde como a prevenção são estratégias essenciais da saúde pública, a qual é entendida como conjunto de disciplinas e práticas que visam à proteção da saúde das populações.
No âmbito da prevenção primária em saúde mental, Júnior e Guzzo (2005) destacam que existem duas vertentes básicas: uma que busca prevenir às desordens psicológicas por meio da identificação e neutralização de fatores de risco, e outra que visa reforçar e desenvolver o bem-estar por meio da identificação de forças protetoras e condições que o promovam. Nesta mesma vertente, Murta (2007) ressalta que a prevenção primária em saúde mental diz respeito a intervenções que visam reduzir a ocorrência futura de problemas de ajustamento, como comportamentos anti-sociais e abuso de drogas, e que visam promover o desenvolvimento de competências associadas à saúde mental, como habilidades sociais e práticas educativas parentais saudáveis. De acordo com esta autora, a prevenção de transtornos emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes requer o conhecimento das condições individuais e ambientais que produzem risco e proteção ao desenvolvimento saudável. Nesse contexto, discutir promoção e prevenção de saúde implica, também, discutir de fatores de risco e de proteção e, por conseguinte, resiliência.
Resiliência, fatores de risco e fatores de proteção
Resiliência é um conceito originário da física e é definido como a capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica. De acordo com Yunes (2003), os precursores do termo resiliência na psicologia são os termos invencibilidade ou invulnerabilidade, estes descreviam crianças que, apesar de longos períodos de adversidades e estresse psicológico, apresentavam saúde emocional e alta competência, ou seja, sugeriam que as crianças eram imunes a qualquer tipo de desordem, independentemente das circunstâncias.
Atualmente, o conceito vem sendo redimensionado, pois uma pessoa não pode absorver um evento estressor e não sofrer alterações. Ela aprende, cresce, desenvolve e amadurece (Poletto & Koller, 2008). Apesar de ainda não existir um consenso sobre a definição de resiliência na psicologia, em geral, o termo relaciona-se ao manejo de recursos pessoais e contextuais, com ênfase nos processos de enfrentamento e de superação de crises e adversidades. Pinheiro (2004), por exemplo, define resiliência como a capacidade que um indivíduo, uma família, um grupo social, tem de se recuperar psicologicamente quando são expostos a adversidades, enfrentando-as, sendo transformados por elas e superando-as. Silva et al (2005) definem resiliência como a capacidade de um indivíduo, família ou comunidade de construir uma trajetória de vida positiva/saudável, apesar de viver em um contexto adverso. Para Sapienza e Pedromônico (2005), a resiliência está relacionada ao manejo, pelo indivíduo, de recursos pessoais e contextuais para enfrentar fatores de risco e aplicar os fatores protetores.
Segundo Poletto e Koller (2008) a resiliência não é uma característica fixa, ela pode ser desencadeada ou desaparecer em determinados momentos, bem como estar presente em certas áreas e ausente em outras. Na visão desses e outros autores, os processos de resiliência requerem uma compreensão dinâmica e interacional dos fatores de risco e de proteção. Fatores de risco são condições ou variáveis associadas à alta probabilidade de ocorrer resultados negativos ou indesejáveis (Maia & Williams, 2005). Como observam Polleto e Koller (2008), quando presentes, os fatores de risco aumentam a probabilidade da pessoa apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais. Para esses autores, uma criança será considerada em situação de risco quando estiver exposta a riscos psicossociais que possam comprometer seu desenvolvimento.
A exposição aos fatores de risco afeta negativamente o desenvolvimento da criança e do adolescente, trazendo problemas, sobretudo, de comportamento. Isto porque os riscos psicossociais, quando combinados, tendem a modelar o repertório infantil tanto no desenvolvimento de problemas comportamentais e emocionais quanto na aquisição de comportamentos adequados (Sapienza & Pedromônico, 2005). Os riscos inerentes à criança estão relacionados à disposição e competência delas para lidar com as mais diversas situações. Para Sierra e Mesquita (2006), a relação entre competência e fatores de risco expressa uma abertura à ação dos sujeitos, pois as crianças têm uma maneira singular de participar e reagir aos diferentes contextos sociais, o que as torna mais ou menos vulneráveis.
No que se referem aos riscos inerentes as crianças, Maia e Williams (2005) mencionam a falta de vínculo parental nos primeiros anos de vida, os distúrbios evolutivos, as crianças separadas da mãe ao nascer por doença ou prematuridade, crianças nascidas com má-formações congênitas ou doenças crônicas, baixo desempenho escolar e evasão. Os autores também apresentam alguns fatores de risco referentes ao papel da família no desenvolvimento infantil, como famílias baseadas em uma distribuição desigual de autoridade e poder, que não apresentam uma diferenciação de papéis, com dificuldades de diálogo e descontrole da agressividade, que não apresentam uma abertura para contatos externos, famílias nas quais há ausência ou pouca manifestação positiva de afeto entre os membros e famílias que se encontram em situação de crise, perdas.
Interagindo os fatores de riscos, estão os fatores de proteção, que são considerados como características potenciais na promoção de resiliência e que proporcionam alternativas para resolução dos problemas vivenciados no cotidiano de risco psicossocial (Amparo et al, 2008). Podem ser definidos de acordo com Maia e Williams (2005), como fatores que modificam ou alteram a resposta pessoal para algum risco ambiental predisponente a um resultado mal-adaptativo.
Poletto e Koller (2008) salientam que proteção é o sentido que a pessoa dá às suas experiências, seu sentimento de bem-estar e auto-eficácia, o modo como ela lida com as mudanças e age diante das situações adversas. Para os autores, os fatores de proteção devem ser abordados como processos, em que diferentes fatos interagem e alteram a trajetória do indivíduo, produzindo uma experiência de cuidado, fortalecimento ou anteparo ao risco. Amparo et al (2008) destacam três tipos de fatores de proteção para a criança: fatores individuais, como auto-estima positiva, autocontrole, autonomia, temperamento afetuoso e flexível; fatores familiares, como coesão, estabilidade, respeito mútuo, apoio/suporte; e, fatores relacionados ao apoio do meio ambiente, como bom relacionamento com pessoas que assumam papel de referência segura à criança e a faça sentir querida e amada. As principais funções dos processos de proteção, segundo Pinheiro (2004), são reduzir o impacto e as reações negativas que se seguem a exposição ao risco, criar meios para reverter os efeitos do estresse e estabelecer, manter a auto-estima e auto-eficácia. Para Pesce, Assis, Santos e Oliveira (2004) e outros autores, apenas os fatores de proteção são preditivos de resiliência, a qual constitui, na visão dos autores, como o produto final da combinação e acúmulo dos fatores de proteção.
Gil (2006) considera que resiliência na infância envolve a capacidade que a criança exposta às situações de risco demonstra na resolução dos seus problemas e indicia sinais de competências individuais. Para Grünspun (2002) as crianças resilientes possuem algumas características específicas como, competência social, competência para resolver problemas, autonomia, auto-estima, autocontrole, auto-eficácia, tem um temperamento fácil, aspirações educacionais elevadas, é persistente, esforçada, otimista e inteligente.
Para Silva et al (2005) e, na ótica que defende o presente artigo, é possível fazer uma aproximação entre os conceitos de resiliência e promoção da saúde, já que este último requer uma reflexão sobre como fortalecer a capacidade individual e coletiva para enfrentar a variedade de condicionantes de saúde. Resiliência representa, nesta perspectiva, uma das alternativas para que os profissionais atuem de forma prioritária com a saúde, deslocando a ênfase na doença para as potencialidades das pessoas, e assim desenvolver sujeitos capazes de responder positivamente às demandas do cotidiano, apesar de terem sido criados em ambientes com alto potencial de risco.
Como informam Cecconello e Koller (2000, 2003), estudos sobre resiliência têm focalizado medidas de competências por meio da observação de comportamentos manifestos. Supõe-se que subjacentes à esses comportamentos, existem boas habilidades e estratégias eficazes de enfrentamento, ou seja, a competência é vista como um fator de proteção, pois está relacionada com a capacidade para uma adaptação favorável e com a capacidade de apresentar características importantes para o desenvolvimento.
Desenvolvimento de competências psicossociais como fator de proteção no desenvolvimento infantil
Independente de sua faixa etária, nos dias atuais, o indivíduo é confrontado com situações geradoras de níveis de estresse elevados, que exigem uma maior flexibilidade cognitiva para que seja possível fazer uma adaptação saudável à realidade. Esta realidade requer não só o enfrentamento de situações adversas, mas também a aquisição de novas competências. Segundo Pizzinato e Sarriera (2003) os modelos de competência, na psicologia preventiva e comunitária, surgem como resultado da ênfase na conceituação positiva de saúde e nos estilos de vida positivos na proteção e promoção da saúde. Para Cecconello e Koller (2003) a competência é um fenômeno psicossocial, os padrões característicos de competência variam de acordo com o contexto sócio-econômico-cultural no qual a pessoa está inserida.
Embora competência social e habilidade social sejam conceitos intimamente relacionados, eles não podem ser considerados como sinônimos. Segundo Del Prette e Del Prette (2006), competência social é a capacidade de articular emoções, pensamentos e comportamentos em relação a metas pessoais e circunstanciais, de forma que gerem consequências satisfatórias para o sujeito e sua relação com outras pessoas. Já o termo habilidade social, de acordo com os autores, refere-se a diversas classes de comportamentos sociais que contribuem para competência social, favorecendo um relacionamento interpessoal saudável e produtivo. Sendo assim, enquanto o termo habilidade social tem um sentido descritivo de identificar os componentes comportamentais, cognitivo-afetivos e fisiológicos que contribuem para um desempenho socialmente competente, o termo competência social apresenta um sentido avaliativo que se define pela coerência e funcionalidade do desempenho social.
Poletto e Koller (2008) salientam que tanto a família, a instituição ou a escola podem configurar como potenciais ambientes promotores de competências, isto dependerá da qualidade das relações e da presença de afetividade e reciprocidade em tais ambientes. As intervenções costumam ter melhores resultados para as crianças e os adolescentes quando os aspectos afetivos, cognitivos e sociais são inter-relacionados e as informações são repassadas de maneira abrangente. As informações são mais eficientes, segundo o Ministério da Saúde (1999), quando associadas à educação de habilidades para a vida, para auto-estima, para o senso de responsabilidade e confiança.
Dentro desta proposta, a OMS (1997) propôs a realização de programas baseados no modelo habilidades de vida, o qual consiste em favorecer o desenvolvimento de um conjunto de dez competências. Tais competências contemplam aspectos afetivos, cognitivos e sociais que influenciam o comportamento humano, caracterizando-se como uma intervenção em promoção de saúde. Os conceitos das competências referentes às habilidades de vida elencados a seguir, tem como base os fundamentos de Minto, Pedro, Netto, Bugliani e Gorayeb (2006) e Paiva e Rodrigues (2008).
O autoconhecimento é a capacidade de perceber e reconhecer as próprias habilidades e limites, pensamentos, sentimentos e comportamentos de maneira realista. A empatia refere-se à capacidade em compreender as pessoas, em entender o que leva um indivíduo a comportar-se de determinada maneira e de não julgar antes de aceitar a diferença, implicando em uma ação de solidariedade e aceitação. Relacionamento interpessoal refere-se à capacidade em iniciar, manter e, se preciso, romper relacionamentos de forma satisfatória e construtiva, as quais são importantes para o bem-estar mental e social. A competência de comunicação eficaz é a habilidade de se expressar verbalmente ou não, de modo apropriado perante diversas situações.
Lidar com sentimentos e emoções refere-se à capacidade de reconhecer as próprias emoções e as dos outros, tomar consciência do quanto elas influenciam o comportamento e como manejá-las adequadamente. São vários os estudos envolvendo a percepção das emoções e suas implicações para um saudável desenvolvimento infantil (Rodrigues, 2004). Lidar com estresse compreende a capacidade de reconhecer as fontes de estresse e identificar as ações para reduzi-las ou eliminá-las. Implica na habilidade de solicitar auxílio na tentativa de resolver as situações geradoras de tensão.
Pensamento criativo enfoca a capacidade de buscar alternativas viáveis que facilitem o manejo de situações diversas, por meio da flexibilidade de pensamento. Consiste na habilidade de utilizar a experiência, os recursos próprios do ambiente, sendo possível manejar os recursos do próprio pensamento como imaginar, inventar, recriar e observar. A competência de tomada de decisões, por sua vez, é a capacidade de avaliar e deliberar as conseqüências, riscos e benefícios que uma situação pode apresentar, sendo possível escolher a melhor alternativa que propicie um maior bem-estar, em detrimento daquelas que colocam em risco a integridade do indivíduo.
Pensamento crítico é a habilidade de refletir e analisar as situações a partir de diferentes perspectivas e opiniões. Permite identificar os vários fatores que influenciam as atitudes e comportamentos, aumentando a capacidade para resolver assertivamente as dificuldades encontradas. O indivíduo crítico é capaz de fazer perguntas e não aceitar os fatos sem desenvolver uma análise cuidadosa em termos de evidências, suposições e razões. A competência resolução de problemas, por sua vez, refere-se à capacidade em lidar de maneira construtiva com situações causadoras de tensão e/ou conflito, utilizando recursos do próprio ambiente sem provocar danos aos demais. Permite enfrentar os problemas de maneira construtiva, uma vez que os dilemas não solucionados podem converter em fontes de mal-estar físico e mental. Esta habilidade está associada a um processo, que demanda, dentre outros aspectos, a habilidade de pensamento crítico e criativo e a capacidade de tomar decisões (Rodrigues, 2005).
De acordo com Paiva e Rodrigues (2008), o modelo de habilidades de vida é considerado uma estratégia para o aumento dos cuidados com a saúde física e mental e para a redução de comportamentos de risco. Além de permitir que os indivíduos tenham a oportunidade de adquirir novos conhecimentos e de influenciar diretamente na formação de seus valores e atitudes. Do ponto de vista aplicado, Minto et al (2006) ressaltam que as técnicas de trabalho em grupo são valiosos instrumentos para as intervenções com crianças e adolescentes, pois facilitam o processo de aquisição e desempenho das competências, favorecem a troca de experiências, a reflexão e a discussão dos temas, aumentando as possibilidades de que novas atitudes e práticas sejam adotadas e modeladas por seus membros.
Segundo Cecconello e Koller (2000, 2003), uma criança competente é capaz de acreditar em suas potencialidades e demonstrar sentimentos positivos com relação a si mesma. Além disso, é capaz de estabelecer metas e traçar estratégias para conseguir bons resultados, mesmo quando fracassa. Em contraste, as crianças menos competentes são menos auto-eficazes, menos confiantes e são menos ativas com relação ao controle e planejamento de suas vidas. Morais, Otta e Scala (2001) complementam salientando que déficits de competência psicossocial, ao gerarem a falta de amigos e o isolamento, podem despertar diferentes reações, algumas de caráter grave, como, raiva, caracterizada por ações agressivas, autopiedade, englobando depressão e drogadição, e exacerbação da fantasia, resultando muitas vezes, no estabelecimento de redes de contatos baseadas em comportamentos socialmente inadequados.
Portanto, o debate envolvendo o desenvolvimento de competências em crianças e adolescentes como fator de proteção e promotor de saúde faz-se pertinente e necessário, pois vincula-se à uma adaptação social mais saudável e à capacidade para aquisição de características importantes para o desenvolvimento. Nessa perspectiva, há uma estreita convergência com o que é proposto pela nova concepção de saúde defendida pela Organização Mundial de Saúde.
Considerações finais
Crianças e adolescentes são expostos continuamente a situações de risco com conseqüências, muitas vezes, danosas para seu desenvolvimento integral. De acordo com a literatura pesquisada, o desenvolvimento de competências psicossociais apresenta-se como um potencial fator de proteção ao desenvolvimento infantil. As estratégias utilizadas nas intervenções podem variar, mas devem priorizar flexibilidade e coerência com o contexto do jovem, para garantir a motivação, o envolvimento emocional e a aquisição do conhecimento a partir da vivência dos conteúdos abordados.
As competências essenciais a serem desenvolvidas foram incluídas na proposta identificada como habilidades de vida pela OMS. As intervenções com ensino destas habilidades favorecem o autoconhecimento, a reflexão, o relacionamento interpessoal e o aprimoramento das competências necessárias para ajudar na resolução de problemas, o que contribui para a redução de comportamentos de risco e para o aumento dos cuidados com a saúde física e mental das crianças e adolescentes. As intervenções realizadas em grupo parecem ser bastante eficientes, pois favorecem a troca de experiências, a reflexão e a discussão dos temas, aumentando as possibilidades para que novas atitudes e práticas sejam adotadas e modeladas por seus membros.
Como discutido, independentemente do contexto, este pode se configurar como potencial promotor de risco ou de proteção, isto dependerá da qualidade das relações e da presença de afetividade e reciprocidade que tais ambientes propiciarem. Assim, é importante que as intervenções não sejam focalizadas, isoladamente, nos fatores de risco, mas também, nos fatores de proteção, incluindo as competências e recursos ambientais e de suporte presentes na vida das crianças, adolescentes e suas famílias.
Os estudos envolvendo o desenvolvimento de competências psicossociais na infância e adolescência e sua vinculação com os fatores de proteção, ainda são bastante limitados no Brasil, torna-se necessário empreender um esforço teórico, prático e metodológico nessa direção proativa.
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Endereço para correspondência
nataliacunhapsi@gmail.com
Recebido em: 13/10/2010
Revisado em: 22/11/2010
Aceito em: 06/12/2010
iPsicóloga, com especialização em Psicologia e Desenvolvimento Humano – Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF - Juiz de Fora, MG, Brasil.
iiDocente do Departamento de Psicologia da UFJF - Juiz de Fora, MG, Brasil. Psicóloga, Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas.