SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue3Female insurrections: babassu coconut breakers' resistancesWomen on the street: from "fiu-fiu" to the rape author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.9 no.3 Porto Alegre Sep./Dec. 2019

 

ARTIGOS

 

Noções de enfrentamento da feminização da aids em políticas públicas

 

Notions of coping with the feminization of AIDS in public policies

 

Nociones de enfrentamiento de la feminización del SIDA en políticas públicas

 

 

Patrícia Vitória PiresI; Dagmar Elizabeth Estermann MeyerII

IPrefeitura Municipal de São Leopoldo, São Leopoldo, RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

O artigo integra uma investigação documental vinculada a uma pesquisa multifocal e interinstitucional, inscrita nos campos dos Estudos de Gênero, dos Estudos Culturais e da Saúde Coletiva, e em diálogo com a teorização foucaultiana. Tem como objetivo problematizar a noção de enfrentamento da feminização do HIV/aids nos textos normativos das principais políticas em resposta ao agravo, que orientam ações programáticas implementadas no Brasil e no Rio Grande do Sul no período de 2007 a 2016. Os documentos foram examinados na perspectiva da análise cultural, através de um intenso exercício de multiplicação de sentidos do termo enfrentamento, pela qual foi possível descrever e discutir tanto processos de significação cultural que articulam múltiplos, variados e, por vezes, contraditórios sentidos ao termo, quanto efeitos dessa significação sobre modos de ser mulher e de viver e enfrentar o HIV/aids.

Palavras-chave: saúde coletiva; políticas públicas; gênero; enfrentamento da aids; mulheres vivendo com HIV/aids.


ABSTRACT

The article integrates a documentary investigation linked to a multifocal and interinstitutional research, inscribed in the fields of Gender Studies, Cultural Studies and Collective Health, and in dialogue with Foucauldian theorization. It aims to problematize the notion of coping with the feminization of HIV / AIDS in the normative texts of the main policies in response to the grievance, which guide programmatic actions implemented in Brazil and in Rio Grande do Sul from 2007 to 2016. The documents were examined in the perspective of cultural analysis, through an intense exercise of multiplying meanings of the term coping with, over which it was possible to describe and discuss both processes of cultural signification that articulate multiple, varied and sometimes contradictory meanings to the term, as well as effects of this signification on ways of being a woman and living and coping with HIV / AIDS.

Key-words: collective health; public policy; gender; coping with AIDS; women living with HIV / AIDS.


RESUMEN

El presente artículo forma parte de una investigación documental articulada a una investigación multifocal e interinstitucional. El artículo se inscribe en los campos de Estudios de Género, Estudios Culturales y de Salud Colectiva, en diálogo con la teoría de Michel Foucault. El objetivo es problematizar la noción de enfrentamiento de la feminización del VIH/SIDA en los textos normativos de las principales políticas en respuesta al agravio, que han orientado acciones programáticas implementadas en Brasil y Rio Grande do Sul en el período 2007-2016. El análisis de los documentos se ha realizado desde la perspectiva del análisis cultural, a través de un intenso ejercicio de multiplicación de sentidos al término enfrentamiento, haciendo posible describir y discutir los procesos de significación cultural que articulan múltiplos, variados y a veces contradictorios sentidos al término, cuanto a los efectos de esa significación sobre los modos de ser mujer y de vivir y enfrentar el SIDA.

Palabras clave: Salud colectiva, políticas públicas, género, enfrentamiento al SIDA, mujeres viviendo con VIH/SIDA.


 

 

Um foco e um modo de olhar: introdução

A investigação apresentada neste artigo integra uma pesquisa multifocal e interinstitucional que problematizou interfaces entre gênero e políticas públicas de inclusão social no Brasil, levando em consideração o princípio de transversalidade de gênero, assumido pelo governo brasileiro desde 2004. A partir disso, a pesquisa descreveu e analisou alguns modos pelos quais o gênero atravessa e organiza um conjunto de políticas e de programas governamentais direcionados para a promoção da "inclusão social". Nesse contexto investigativo, e tomando como referência propostas oficiais nacionais e estaduais de enfrentamento do HIV/aids em mulheres, analisamos como a feminização do HIV/aids tem sido definida, explicada e pautada nos programas no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul, e como o gênero atravessa e dimensiona as noções de enfrentamento neles delineadas.

Assumindo a abordagem dos Estudos de Gênero e dos Estudos Culturais pós-estruturalistas, dois pressupostos teórico-metodológicos delimitam o processo investigativo realizado: a) a ideia de centralidade da linguagem (em sentido amplo) para a significação do mundo e para a produção das relações que a cultura estabelece entre corpo, sujeito, conhecimento e poder (Hall, 1997; Peters, 2000); b) a consideração das "políticas como linguagem, como artefato cultural e como tecnologia de poder, por entender que elas têm se tornado um instrumento central de organização das sociedades contemporâneas" (Meyer, 2014, p. 52). Dessa forma, as políticas tanto incidem sobre "os modos pelos quais os indivíduos constroem a si mesmos como sujeitos", modificando mais ou menos suas condições de vida, quanto instituem formas de categorização desses sujeitos (Shore & Wright, 1997, p. 4).

A partir do exame minucioso dos textos normativos selecionados, duas grandes unidades analíticas foram construídas. Uma delas - a que apresentamos neste artigo - examina sentidos múltiplos e conflitantes atribuídos ao termo enfrentamento nessas políticas e discute alguns de seus possíveis efeitos sobre os corpos e as vidas de mulheres que esses programas governamentais pretendem atingir. Argumenta-se, nesse sentido, que as diferentes noções de enfrentamento aqui apresentadas são capazes de produzir diferentes possibilidades de ser e de viver como mulher em tempos de HIV/aids, e que essas possibilidades nem sempre convergem para os objetivos declarados de tais políticas.

 

Referentes e delineamentos teórico-metodológicos

A pesquisa que originou este artigo é do tipo qualitativa e documental e examinou o que está disposto nos principais documentos oficiais de enfrentamento do HIV/aids em mulheres, no âmbito nacional e estadual (Rio Grande do Sul). São eles: a) 'Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras DST' (versões de 2007 e 2009) e três cartazes ligados a ele e direcionados à prevenção do HIV/aids em mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família; b) 'Linha de Cuidado para PVHA e outras DST do Estado do Rio Grande do Sul' (2014).

As estratégias de análise definidas para este trabalho tomaram o termo enfrentamento - comum nos documentos atrelados à resposta ao HIV/aids - como fio condutor, visando colocar, permanentemente, a Linha de Cuidado (RS) concatenada com uma resposta à feminização do HIV/aids no Brasil que, sob certo aspecto, se sobrepõe a ela. Tal recurso se tornou possível com a articulação entre os Estudos de Gênero e os Estudos Culturais, permitindo-nos um deslocamento de foco importante na análise que pretendeu distanciar-nos do objetivo de identificar o que as coisas são de fato, para descrever e discutir como elas se tornam isso que são.

Assumindo que políticas públicas de saúde são artefatos culturais, e que a cultura engloba "o conjunto dos processos com e por meio dos quais se produz um certo consenso acerca do mundo em que se vive" (Meyer, 2014, p. 54), optamos pela realização de uma análise cultural. Esse procedimento analítico propõe o exame daquilo que é dito e silenciado, como é dito, em que circunstâncias, como algo se constitui como 'verdade' na sociedade em um determinado tempo e, por meio de relações de poder organizadas e atravessadas pelo gênero, estabelece: a) sentidos para termos como enfrentamento, mulheres, corpos, feminização; e b) modos pelos quais esses sentidos operam para normatizar, controlar, monitorar e regular sujeitos e vidas com as políticas públicas de saúde. Nessa direção, assumir o pressuposto de que a linguagem é constitutiva do social e da cultura implica considerar que os discursos "constroem e implementam significados na sociedade", produzindo e legitimando "o que, aí, é aceito como verdade" (Meyer, 2000, p. 55).

Gênero, neste trabalho, é conceituado como um construto cultural, possibilitando-nos pensar que diferentes discursos, símbolos, representações e práticas concorrem para que "os sujeitos [se constituam como] femininos e masculinos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo" (Louro, 1997, p. 28). Ao considerar gênero nessa perspectiva como uma ferramenta analítica, é necessário atentar para alguns pressupostos: reconhecer que as desigualdades entre homens e mulheres não estão dadas biologicamente, sendo construídas social, cultural e discursivamente; assumir que o gênero é sempre relacional e, portanto, operar com o conceito, a partir desta perspectiva teórica, supõe levar em consideração as relações de poder existentes na sociedade; "rachar" a homogeneidade, essencialização e universalidade presentes no interior de categorias como mulher e homem (Scott, 1995; Meyer, 2004).

Ao fazer uso dessa ferramenta analítica, descrevemos e problematizamos discursos envolvidos em processos de significação que se desenvolvem no âmbito de políticas/programas de enfrentamento da feminização do HIV/aids, num contexto político que assumiu a transversalidade de gênero1 como princípio organizador de políticas públicas.

Dessa forma, procuramos localizar e "colocar em movimento", nos documentos analisados, certos termos, conceitos e posições neles enunciados, fazendo o exercício de transformar afirmações em perguntas (de "isso é de tal forma" para "como veio a assumir essa forma?" e "poderia ser de outra forma?"). A partir da reflexão acerca de alguns sentidos que o termo enfrentamento pode carregar, problematizamos que efeitos esses sentidos podem produzir sobre algumas das ações programáticas propostas pelas políticas em foco.

 

Feminização do HIV/aids e políticas de enfrentamento: contextos de significação

Existem recomendações prioritárias às mulheres vivendo com HIV/aids, sobretudo relacionadas à prevenção da transmissão vertical, desde 1997. Porém foi somente em 2007 que o Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), lançou o 'Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras DST', com o propósito de "traduzir as soluções dos diferentes contextos de vulnerabilidades das mulheres às DST e HIV/Aids em ações concretas" (Brasil, 2007, p. 8), tanto relacionadas ao acesso à prevenção quanto ao tratamento. Em 2009, foi lançada uma edição revisada desse plano. O documento objetiva "reafirmar a incorporação da perspectiva de gênero e a garantia dos direitos humanos" como aspectos fundamentais para enfrentar as DST e o HIV/aids em mulheres (Brasil, 2009, p. 3).

As duas versões do Plano de Enfrentamento assumem, explicitamente, a perspectiva de gênero como estratégia central para a superação dos contextos de vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids. Além disso, entre os princípios e pressupostos que sustentam o Plano de Enfrentamento também se encontram aqueles ligados aos direitos sexuais e reprodutivos propostos pelas Conferências de Cairo (ONU, 1994), Beijing (ONU, 1995), e reiterados na I e II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, 2004 e 2007 (Brasil, 2010). Foi, inclusive, em alguns desses documentos que a noção de gender mainstreaming acabou sendo reconhecida e incorporada como estratégia política traduzida como "transversalidade de gênero". No Brasil, desde 2004, essa estratégia foi incorporada às políticas públicas, no intuito de contribuir para "eliminar todas as formas de desigualdades entre os sexos, nas políticas comunitárias, de emprego, do mercado laboral, da educação, entre outras" (Bandeira & Melo, 2014, p. 142).

Entendendo que existem especificidades locais que incidem sobre a vida das mulheres, uma das ações previstas pelo Plano de Enfrentamento pressupunha que cada estado federativo pudesse criar suas próprias estratégias. Ainda que particularmente afetado desde o início da epidemia no país, o Rio Grande do Sul (RS) foi um dos estados que não produziu um plano estadual de enfrentamento. O RS apresenta um processo de feminização intenso (RGS, 2015), tendo a maior proporção de casos femininos de HIV se comparado à região Sul e ao Brasil, além do elevado número de casos detectados em gestantes.

Um dos mais recentes e importantes documentos de enfrentamento do HIV/aids produzidos no RS diz respeito à Linha de Cuidado às PVHA e outras DST, elaborada em um contexto distinto do Plano de Enfrentamento, especialmente no que tange às políticas de saúde das mulheres: este parte dos referenciais dos direitos humanos e da incorporação de gênero nas políticas públicas, a Linha de Cuidado parece partir dos referenciais da Rede Cegonha2 , que, ao contrário de políticas anteriores, recoloca a ênfase em aspectos relacionados ao componente materno-infantil, dividindo opiniões. Além de objetivar o enfrentamento do elevado número de casos de aids no estado, o documento lança um olhar especificamente sobre as gestantes devido à taxa de detecção nessa população, que, em Porto Alegre, chega a ser oito vezes maior do que a média nacional (RGS, 2015).

As políticas de enfrentamento do HIV/aids construíram - e ainda constroem, ao longo de suas discussões - um vocabulário próprio, "modos de dizer" que dão pistas acerca de sua história, das lutas e referenciais que influenciaram/influenciam a resposta à emergência da doença no Brasil. Ao tomar essas políticas como artefatos culturais e pedagógicos, torna-se possível apontar para determinados modos de ser mulher e de (con)viver com o HIV/aids, produzidos, privilegiados e/ou silenciados nesses documentos, o que afeta a prevenção que se busca operacionalizar.

O próprio termo enfrentamento aparece bastante ligado à história da aids e, embora possa ser encontrado em textos de outras políticas públicas, nas que se referem ao HIV/aids, produz alguns sentidos específicos - o que não implica dizer que estes sejam fixos, ou que estejam imunes a deslizamentos e contradições. A noção de enfrentamento, portanto, pode operar e movimentar diferentes significados, produzidos, disputados e contestados em diferentes cadeias de significação e contextos sociais, bem como em sua relação com as proposições governamentais de transversalidade de gênero no interior de um processo reconhecido como "feminização do HIV/aids".

Feminização, apesar de nomear a observação epidemiológica do aumento gradual de casos de aids notificados em mulheres, não designa um processo homogêneo e monolítico. Ao mesmo tempo que se observou um aumento dos casos notificados em mulheres, observou-se também em heterossexuais, em segmentos mais pobres da população, em pessoas que moram longe dos grandes centros urbanos e, mais recentemente, nos mais jovens - processos nomeados, respectivamente, como heterossexualização, pauperização, interiorização e juvenização da aids. Nessa perspectiva, seria possível pensar a interseccionalidade (Pocahy, 2013) como uma importante ferramenta para refletir acerca dos contextos de vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids de modo ainda mais complexo. Se assumimos que tais vulnerabilidades estão conectadas com desigualdades de gênero, será preciso levar em conta outras marcas sociais que se articulam com gênero para delimitar formas de enfrentamento que não serão as mesmas para todas as mulheres. Isso porque essa articulação acaba produzindo modificações relevantes na constituição das feminilidades experimentadas por diferentes grupos, ou no interior dos mesmos grupos e, até mesmo, "pelos mesmos indivíduos, em diferentes momentos de suas vidas" (Meyer, 2014, p. 53).

Portanto, a noção de enfrentamento não se relaciona apenas ao combate a uma doença, ao HIV/aids em si, como aquela que comumente emerge no interior dos discursos médicos e biológicos, mas como parte de um movimento de luta das mulheres por direitos. Assim, prevenir e controlar o HIV/aids, conforme o próprio Plano de Enfrentamento coloca, "não é uma responsabilidade exclusiva do setor de saúde e também não é responsabilidade exclusiva das pessoas, como se afirmava nos anos 90" (Brasil, 2009, p. 37).

Outro aspecto a ser destacado refere-se ao que é entendido como " ser mulher", uma vez que as políticas nacionais de enfrentamento da feminização do HIV/aids vão incorporar também reivindicações de "mulheres que vivenciam a transexualidade" (Brasil, 2009, p. 50), mesmo que algumas vezes elas sejam notificadas nos sistemas de informação como "homens" e assim apareçam nas estatísticas. Ao mesmo tempo, as travestis serão contempladas em outra política, voltada para o enfrentamento do HIV/aids em gays e HSH, o que pode sinalizar complexos processos de discussão sobre o que é "ser homem" e "ser mulher"; como esses corpos, uma vez identificados como "um ou outro", são interpelados pelas políticas públicas de saúde3 ; e como isso nos ajudaria a pensar as vulnerabilidades e os enfrentamentos necessários em diferentes segmentos da população de mulheres.

Se enfrentamento pode ser entendido como um termo com significados múltiplos e diversos, por vezes divergentes entre si, como ele vai sendo constituído quando colocado em relação à feminização do HIV/aids em diferentes contextos? Como diferentes elementos se organizam para tornar possível essa constituição na atualidade? E ainda: como a transversalidade de gênero opera nesses processos de significação?

 

Feminização do HIV/aids, gênero e enfrentamento: sentidos, relações, efeitos

No Plano de Enfrentamento (Brasil, 2009), enfrentar aparece frequentemente ligado a lutas lideradas por movimentos sociais, em contextos como "enfrentamento ao racismo" (p. 37), à "violência contra as mulheres" (p. 7), "das vulnerabilidades institucionais" (p. 42), "à lesbofobia" (p. 57). De certa forma, o documento vai delineando que enfrentar a feminização implica enfrentar situações que consideram contextos de vulnerabilidade vivenciados pelas mulheres e que, por sua vez, encontram-se associados às desigualdades de gênero.

Enfrentar, pois, engloba significados articulados com uma luta que extrapola o setor da saúde, inclusive porque um dos princípios assumidos nesse documento é o da intersetorialidade. Tratase de um termo associado à conquista de direitos e propostas de superação de vulnerabilidades das mulheres ao HIV/aids e não apenas ao combate de uma doença em si.

O Plano de Enfrentamento, construído com a participação de movimentos feministas e de mulheres, apresenta uma série de termos ao longo do texto que, quando conectados a enfrentamento, produzem novos e outros sentidos, em especial quando o termo for entendido como empoderamento. Em 2010, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), lançou a campanha "Camisinha, um direito seu", ligada ao Plano e dirigida às beneficiárias do Bolsa Família (BF). Para a campanha em foco, foram divulgados três cartazes com imagens de mulheres beneficiárias do BF, com as seguintes frases em destaque: a) "Quem tem respeito por si mesma usa. Camisinha, um direito seu"; b) "Quem tem amor próprio usa. Camisinha, um direito seu"; e c) "Quem tem paixão pela vida usa. Camisinha, um direito seu". Aqui, vale lembrar que, apesar de todas as críticas já elaboradas, o uso de camisinha segue como estratégia prevalente de prevenção do HIV/aids (Meyer, Santos, Oliveira & Wilhelms, 2004).

As afirmações explicitadas nos cartazes sugerem que enfrentar o HIV/aids demanda das mulheres (neste caso beneficiárias do BF) o desenvolvimento da autoestima e da autonomia para se amarem e se respeitarem e, como decorrência disso, usarem camisinha. Esse processo, que pode ser entendido como uma estratégia de individualização e responsabilização, torna-se possível quando se assume uma noção de "empoderamento psicológico". Segundo Carvalho e Gastaldo (2008), essa noção tem como principal característica a crença de que exercer maior controle sobre sua própria vida, ter autoconfiança e gostar de si mesmo tornam os indivíduos mais capazes de se comportarem de determinadas formas (especialmente as concebidas como mais saudáveis), independente dos contextos sociais, culturais e políticos nos quais eles vivem (p. 2034).

Entretanto, é possível problematizar essa noção de enfrentamento traduzida como empoderamento, tomando como referência a noção foucaultiana de poder. Michel Foucault (1995) afastou-se da compreensão de um poder unificado, coerente e centralizado, ao tomá-lo não como algo que se possui, mas como algo que se exerce, uma prática social constituída historicamente. Assim, o poder não se encontraria limitado a uma pessoa ou instituição, mas nas relações que se estabelecem entre sociedade e suas instituições, conhecimento e sujeito. Nesta perspectiva, indivíduos se tornam sujeitos em redes de poder/saber e essa concepção coloca "em questão a noção de sujeito autônomo, com um self independente e com possibilidade de livre escolha" que sustenta as afirmações supracitadas (Carvalho & Gastaldo, 2008, p. 2034).

Portanto, no contexto desta análise, é preciso examinar com cautela a assertiva genérica que demanda/pauta a necessidade da campanha focalizada: as mulheres, por se encontrarem 'desempoderadas', não usam camisinha - mais especificamente a masculina - porque não conseguem negociar seu uso com os parceiros. Será que isso se aplica a todas as mulheres? Será que mulheres, em convergência com o que se diz dos homens, podem preferir transar sem camisinha? Será mesmo possível dizer que as mulheres que não usam camisinha o fazem porque não se amam, não têm autonomia, não gostam de suas vidas e/ou não se respeitam?

Ainda nessa direção, outro aspecto que se destaca no Plano de Enfrentamento e ajuda a pensar sobre as estratégias voltadas ao uso de preservativo pelas mulheres, refere-se à "erotização do uso do preservativo" (Brasil, 2009, p. 51). Tratase de uma abordagem direcionada exclusivamente ao enfrentamento do HIV/aids em profissionais do sexo4 , pois não aparece em outros momentos do texto.

Sem negar a existência das especificidades e vulnerabilidades das profissionais do sexo, é possível indagar: uma vez que é preciso incorporar o uso do preservativo às práticas sexuais de todas as brasileiras, por que a abordagem não foi pensada também para todas as outras mulheres? Por que, além de ser expressão de amor e respeito por si mesma, o uso da camisinha não poderia ser apresentado como algo que torna as relações sexuais de todas as mulheres mais atraentes e prazerosas para si e para suas parcerias sexuais? A erotização não poderia ser significada como outra forma de empoderamento?

Talvez devêssemos, aqui, apontar para a compreensão de que a sexualidade não pode ser encarada como uma dimensão meramente pessoal/individual, e que os significados que lhe são atribuídos também repercutem naquilo que se define e se implementa como enfrentamento no contexto da prevenção do HIV/aids. Foucault (2014) afirma que a sexualidade é um "dispositivo histórico" que, por meio de múltiplos discursos, normatiza, regula e instaura verdades. Para o autor, o dito e o não dito constituem-se em elementos desses discursos. A sexualidade é, portanto, "social e política", sendo "construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos [incluindo as políticas públicas], por todos os sujeitos" (Louro, 2000, p. 23).

Os discursos sobre sexualidade estão em permanente transformação e multiplicação, além de permitirem que se aprenda com eles o que pode e deve ser dito, quem pode falar e quem deve silenciar. Dessa forma, a política, quando aborda a erotização do uso do preservativo sugerindo a prática para profissionais do sexo - que é silenciada quando se abordam outros grupos de mulheres (notadamente as que vivem em relações conjugais estáveis) -, delimita determinadas formas consideradas adequadas e permitidas de vivenciar as sexualidades. Assim, é possível dizer que as políticas de enfrentamento do HIV/aids, ao mesmo tempo que direcionam ações específicas de prevenção para diferentes segmentos de mulheres, levando em consideração características e vulnerabilidades de cada grupo - um aspecto importante e recomendado - tendem a fixar determinados modos de vivenciar a sexualidade para esses grupos de mulheres.

Na Linha de Cuidado às PVHA, os sentidos articulados com enfrentamento, quando o termo é utilizado, não se conectam especificamente a questões de mulheres (e gênero), pois a política não visa ao processo de feminização diretamente; quando o faz, explicita a alta taxa de gestantes vivendo com HIV no RS e na capital, Porto Alegre. Mesmo assim, torna-se importante discutir como os sentidos de enfrentamento operam nesse documento. Nele, o termo ganha uma conotação individual, pois é relacionado a problemas dos indivíduos, tomados a partir do reconhecimento de suas vulnerabilidades individuais, conforme o excerto: "proporcionar à pessoa condições para que identifique e avalie suas vulnerabilidades, adote práticas mais seguras, tome decisões e encontre formas de enfrentamento para os seus problemas" (RGS, 2014, p. 22).

Da mesma forma, em outra parte do documento que se refere à epidemia, o termo se relaciona à gestão do agravo coletivo: "o cuidado às PVHA vem sendo realizado em Serviços Especializados ou serviços hospitalares seguindo um modelo de saúde centrado no enfrentamento e controle da epidemia" (RGS, 2014, p. 10). Nesse momento do texto, o termo aparece em meio a uma crítica ao modelo atual de saúde, que, no contexto do HIV/aids, não estaria apresentando resultados satisfatórios. De forma importante, enfrentamento aparece também conectado a populações vulneráveis, chamadas de "chave". Em diversos momentos do documento, a noção de populações-chave para a aids é evocada, como, por exemplo, no excerto a seguir: "Com base nesta análise [epidemiológica], conclui-se que algumas ações são prioritárias para o combate da epidemia. Entre estas ações destacam-se a ampliação da oferta de diagnóstico para a população geral e para populações-chave" (RGS, 2014, p. 8).

Os excertos citados se localizam em uma seção do documento denominada "Análise epidemiológica" (RGS, 2014, p. 6), em que se define o que será priorizado no enfrentamento do HIV/aids no RS. A partir deles, dois pontos principais podem ser problematizados: o primeiro diz respeito à epidemiologia como o discurso capaz de indicar aquilo que deve ser combatido e também enfrentado; e um segundo ponto que permite pensarmos como enfrentamento vai ser significado no interior dos conceitos de "população geral" e de "populações-chave".

Destacamos esses aspectos para pensar como o discurso da epidemiologia participa da constituição do que será entendido como enfrentamento no documento, o que deverá ser enfrentado ou mesmo o que seria prioritário. Mas o que pode ser compreendido como "cenário epidemiológico" e como ele é produzido? Essa é uma pergunta relevante à medida que se torna possível desconstruir certo poder que os números e, no caso, os indicadores epidemiológicos incorporam quando são apresentados como "a" realidade daquilo que objetivam descrever, sugerindo que não há nada além deles para se revelar.

A escolha por determinados números e indicadores, porém, não parece ser neutra, isto é, dissociada das relações de poder que fomentam a produção das práticas discursivas. Assim, a composição do cenário epidemiológico apresentado pela Linha de Cuidado não apresenta, por exemplo, a relação de mulheres e homens infectados no estado - em 2014, a cada três homens, uma mulher foi notificada por aids (RGS, 2015) -, mas apenas o número de gestantes com HIV. Isso acaba compondo um cenário em que o enfrentamento do HIV/aids será focado na gestação, o que, de alguma forma, pode descolar o problema do grande número de mulheres infectadas no estado, ou seja, da feminização lato sensu.

A vigilância sobre as mulheres grávidas é imprescindível para a construção das políticas públicas voltadas à aids, além de levar em conta o fato de que onde há mais gestantes com HIV haverá um risco maior de transmissão vertical (HIV em crianças menores de cinco anos). Não negamos a importância disso. Entretanto, este indicador - taxa de detecção de HIV em gestantes -, torna-se tão importante que, no âmbito do enfrentamento da aids no RS, mulheres e gestantes são tomadas como populações distintas, o que está subentendido nesta formulação: "A testagem e o tratamento do(s) parceiro(s) é outra importante estratégia para controle da infecção em mulheres e gestantes" (RGS, 2014, p. 36).

Para além disso, e sinalizando que atualmente já é possível pensar na existência de homens (trans) que gestam (o que é absolutamente silenciado no documento, uma vez que nem sabemos em que categoria estes são notificados), torna-se potente pensar em que medida tal diferenciação pode destacar alguns corpos de mulheres como mais ou menos importantes para as políticas de enfrentamento, como um corpo gestante por exemplo. Esses corpos, agrupados e traduzidos em indicadores epidemiológicos, irão compor um determinado cenário do HIV/aids, podendo fazer surgir diferentes enfrentamentos, restritos ou não ao campo específico da saúde.

Assim como diversas recomendações e exames clínicos definem determinadas condutas a serem tomadas sobre todos os corpos individuais, sobretudo os grávidos, pode-se dizer que, de um jeito semelhante, os números e seus agrupamentos epidemiológicos se propõem a indicar condutas a serem seguidas por um "corpo social", através de políticas e ações de enfrentamento. Nessa direção, seria possível apontar uma relação do governo dos corpos com a noção de sociedade, sinalizando para a emergência de uma nova "figura política", um corpo com o qual se torna necessário lidar: um "corpo de inúmeras cabeças" (Foucault, 2008, p. 206); os seres humanos enquanto espécie, enquanto seres vivos, constituindo um todo que é necessário conduzir: "a população". Para Foucault (2008), a população se torna um "problema ao mesmo tempo científico e político, um problema biológico e de poder", tornando-se necessário o enfrentamento da aids tanto no indivíduo, em nível da clínica, quanto na população, em nível epidemiológico (p. 208).

Conforme o documento sul-rio-grandense, "a análise epidemiológica" permitiu a eleição de "prioridades" no combate à epidemia, sendo uma delas "a ampliação da oferta de diagnóstico para a população geral e para populações-chave" (RGS, 2014, p. 8). Em seguida, no texto, o documento define populações-chave: "os transexuais, travestis, homossexuais, profissionais do sexo, privados de liberdade e usuários de drogas etc" (p. 12).

Ao mesmo tempo em que essa separação entre "população geral" e "populações-chave" parece ser de grande importância para o enfrentamento das vulnerabilidades de determinados grupos de pessoas, especialmente pensadas sob o ponto de vista da equidade, ela pode servir a uma gestão calculista da vida da população. Ao se definir quem faz parte da população geral ou da chave, apontam-se também modos mais ou menos saudáveis, adequados ou ainda arriscados de viver a sexualidade por meio do agrupamento e da classificação dos corpos (Foucault, 2010).

Se pensarmos ainda os termos "população geral" e "população-chave" sob uma lógica de classificação binária, seria possível dizer que as fronteiras entre esses dois 'polos' nem sempre serão passíveis de uma delimitação clara no que diz respeito à vulnerabilidade ao HIV/aids. Um exemplo disso são as profissionais do sexo, que podem transitar entre essas classificações, uma vez que uma profissional do sexo (considerada população-chave) pode ser infectada em um relacionamento estável e não em função de seu trabalho, haja vista que alguns "estudos com prostitutas já demonstraram que o uso inconsistente de preservativos nesses grupos está relacionado à vida sexual com parceiros estáveis não clientes" (Brasil, 2009, p. 47).

É nessa direção que a construção do quadro conceitual da vulnerabilidade no campo da saúde, e mais especificamente no âmbito da aids, possibilita ampliar e complexificar o escopo de reflexão e ação no que diz respeito às práticas apoiadas "estritamente nos saberes biomédicos e na utilização acrítica dos estudos epidemiológicos de risco" (Ayres, Paiva & França Jr., 2012, p. 1187). E isso porque enfatiza, fortemente, que as situações individuais, sociais e programáticas não devem ser analisadas de forma isolada; ao contrário, precisam ser mutuamente referidas e sempre singularizadas.

Como já foi referido, o discurso epidemiológico aparece de forma marcante na Linha de Cuidado; além disso, a posição de sujeito "gestante com HIV" é referida como foco prioritário. Nesse contexto, enfrentamento ganha outros contornos, diferentes dos apontados na política nacional analisada, uma vez que, ainda que consideremos que uma política emerge a partir de contextos complexos e articulados, é possível atentar para a articulação da Linha de Cuidado com uma recente mudança que tivemos em termos de saúde das mulheres: a constituição da Rede Cegonha (RC). A RC foi implementada em 2011 como resposta ao alto índice de mortalidade materna no país, objetivando a ampliação e melhoria do acesso ao pré-natal de qualidade, assistência ao parto e puerpério, e garantindo uma rede de assistência às crianças até 24 meses de vida. A RC se diferencia das políticas voltadas à saúde das mulheres, propostas desde a década de 1980, justamente por voltar a se focar no binômio materno-infantil, o que a tornou alvo de algumas críticas.

Assim, argumentamos que, atualmente, e em especial no contexto da Linha de Cuidado, o sentido de enfrentamento se articula muito mais com práticas de saúde do tipo "testar e tratar", que privilegiam a oferta de exames e manejo clínico da doença, do que com a noção de enfrentamento político - embora algumas dessas questões ainda se façam presentes no documento. Seffner e Parker (2016), ao refletir sobre o atual momento da resposta brasileira ao HIV/aids, observam que o "cuidado da vida vai além do prescrito pela saúde, e ingressa, decididamente, no terreno da política", sem menosprezar a importância dos avanços tecnológicos, mas exercitando "outros modos de responder à doença, entendida aqui em sua face necessariamente política" (p. 301).

Compreendemos que as condições de emergência da política nacional em resposta à feminização do HIV/aids são diferentes daquelas que possibilitaram a construção de uma Linha de Cuidado às PVHA no RS - estado que apresenta um processo específico e intensivo de feminização. E isso parece ter grande influência no modo como a feminização e seu enfrentamento vêm sendo pautados nesses programas e ações. A política estadual sofre influência (e se insere no contexto) da Rede Cegonha, uma vez que se institui atualmente como principal política voltada à saúde das mulheres, tendo como foco os processos relacionados ao componente materno-infantil. E, nesse sentido, é preciso pontuar dois aspectos igualmente relevantes: se, por um lado, é importante (e é uma reivindicação das mulheres) uma gestação e, sobretudo, um parto mais humanizado, diminuindo os riscos de morte materna, elevados no país, por outro, a ênfase estrita na gravidez e na maternidade parece desconectar-se de uma discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos de todas nós, que já atravessa décadas, ao colocar em destaque, novamente (como as políticas brasileiras antes do PAISM), a saúde materno-infantil como política de saúde das mulheres.

 

Algumas considerações

Ao descrevermos e problematizarmos alguns dos sentidos que o termo enfrentamento assume nos documentos analisados, interessou-nos tanto indicar e explorar sua multiplicidade de sentidos, nas diferentes cadeias de significação que tais documentos mobilizam, quanto, sobretudo, refletir sobre possíveis efeitos desses sentidos para os grupos de mulheres que são visibilizados e/ou que são silenciados nessas políticas.

Assumindo a perspectiva de gênero, foi possível examinar e discutir como a multiplicidade e instabilidade de sentidos a ele articulados são colocados em disputa nessas políticas públicas, e como isso repercute na apresentação da feminização do HIV/aids. E isso indica que essa feminização continua sendo um processo plural e ainda muito desafiador, passível de ser explicado e pautado de diferentes formas e influenciado por diferentes discursos.

Assim, discutimos como as noções de enfrentamento são afetadas pelo discurso epidemiológico que, dependendo do que evidencia/silencia sobre um determinado cenário, define o que pode ser dito sobre determinados grupos e indica como a feminização deve ser enfrentada. Os cenários epidemiológicos se constituem no interior de processos datados, históricos e fortemente influenciados pela cultura, e os números, que são constitutivos desse discurso, também são uma forma de linguagem que dá sentido a determinadas realidades e invisibiliza outras tantas. Os indicadores epidemiológicos privilegiados são, portanto, também políticos, uma vez que repercutem na delimitação das estratégias de enfrentamento a serem implementadas.

Na mesma direção, a ênfase dada à ampliação da oferta de testagem e de tratamento adequado e em tempo oportuno, assim como as diversas tecnologias de prevenção disponíveis, embora imprescindíveis, não deveriam diminuir a importância a ser dada ao enfrentamento político das vulnerabilidades sociais, em especial daquelas vinculadas ao gênero, em toda a sua complexidade. Nesse sentido, a incorporação da transversalidade de gênero nas políticas analisadas sugere que ela não tem sido garantia de superação da fragilidade de categorias como mulher/mulheres, sexualidade e empoderamento, e indica que o enfrentamento dessas desigualdades precisa colocar em suspenso o par binário homens e mulheres, evidenciando as relações de poder que diferenciam e hierarquizam diferentes grupos de mulheres. A própria noção de transversalidade de gênero precisaria ser retomada e tensionada, na direção de discutirmos, mais extensivamente, quais grupos de mulheres cabem nessa conceituação. E isso é imprescindível para o enfrentamento da feminização do HIV/aids.

As palavras, termos e conceitos que as políticas assumem, instituem e veiculam, produzem movimentos e redes de significação capazes de incidir em práticas de saúde e em modos de ser e de vivenciar, de forma generificada, os corpos, as sexualidades, as doenças e o adoecimento, e necessitam, por isso, ser permanentemente problematizados. Esperamos, com esse artigo, ter contribuído para esse processo.

 

Notas

1 As mudanças que vêm ocorrendo no cenário político brasileiro desde 2016 não possibilitam prever se a transversalidade de gênero seguirá sendo um princípio organizador das políticas públicas.

2 A Rede Cegonha é uma estratégia lançada em 2011 pelo Ministério da Saúde, que tem como finalidade básica estruturar e organizar a atenção à saúde materno-infantil no país.

3 Esta é uma discussão que, por sua complexidade, não pudemos desenvolver neste texto. Ela demanda considerar que a heteronormatividade se articula ao que, contemporaneamente, autoras transfeministas como Viviane Vergueiro (2015) vêm nomeando como cisnormatividade e cisgeneridade quando problematizam os modos pelos quais a relação mulher-homem, diretamente relacionada com o par binário feminino-masculino é mobilizada, acionando processos de normalização de corpos individuais e de corpos coletivos, posicionando-os como sujeitos abjetos. Isso implicaria colocar em questão, também, alguns dos referenciais feministas e de gênero que dão sustentação à própria noção de transversalidade de gênero, incorporada em tais políticas.

4 O documento usa o termo 'prostituta' ao se referir às profissionais do sexo.

 

Referências

Ayres, J. R. C. M., Paiva, V. & França Jr., I. F. (2012). Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. Em: V. Paiva, J. R. C. M. Ayres & C. M. Buchalla. Vulnerabilidade e direitos humanos prevenção e promoção da saúde. Curitiba: Juruá         [ Links ].

Bandeira, L. M. & Melo, H. P. (2014). A estratégia da transversalidade de gênero: uma década de experiência da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República do Brasil (2003/2013). Em: L. S. Minella, G. O. Assis & S. B. Funk, Políticas e fronteiras desafios feministas. Tubarão: Copiart.         [ Links ]

Brasil. (2007). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de AIDS e outras DST. Brasília: MS.         [ Links ]

Brasil. (2009). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa de DST e Aids. Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de AIDS e outras DST versão revisada. Brasília: MS.         [ Links ]

Brasil. (2010). Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Tempos e memórias do feminismo no Brasil. Brasília: SPM.         [ Links ]

Carvalho, S. R. & Gastaldo, D. (2008). Promoção à saúde e empoderamento: uma reflexão a partir das perspectivas crítico-social pós-estruturalista. Ciência & Saúde Coletiva, 13 Sup. 2,2029-2040.         [ Links ]

Foucault, M. (1995) O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Foucault, M. (2008). Segurança, território, população: curso no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Foucault, M. (2010). A impossível prisão-mesa redonda 1978. Em: M. Foucault. Ditos & escritos IV: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Foucault, M. (2014). História da sexualidade I: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra.         [ Links ]

Hall, S. (1997) The work of representation. In: ______. (org.) Representation: cultural representation and signifing practices. London; New Delhi: Sage; Open University.         [ Links ]

Louro, G. L. (1997). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Louro, G. L. (2000). Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade, 25(2),59-76.         [ Links ]

Meyer, D. E. E. (2000). Identidades traduzidas. Cultura e docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do Sul. Santa Cruz: EDUNISC.         [ Links ]

Meyer, D. E. E. (2004). Teorias e políticas de gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, 57(1),13-18.         [ Links ]

Meyer, D. E. E., Santos, L. H. S. dos; Oliveira, D. L. de & Wilhelms, D. M. (2004). "Mulher sem-vergonha" e "traidor responsável": problematizando representações de gênero em anúncios televisivos oficiais de prevenção ao HIV/Aids. Estudos Feministas, 12(2),51-76.         [ Links ]

Meyer, D. E. E. (2014). Abordagens pós-estruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero: perspectiva metodológica. Em: D. E. E. Meyer & M. A. Paraíso, Metodologias de pesquisas pós-críticas em Educação. 2 ed. Belo Horizonte: Mazza.         [ Links ]

ONU. (1994). ONU Mulheres. Conferência do Cairo. [Internet]. [acesso em 5 Jan 2016]. Disponível em: www.onumulheres.org.br/conferenciadocairo.

ONU. (1995). ONU Mulheres. Pequim 20. [Internet]. [acesso em 6 Jan 2016]. Disponível em: www.onumulheres.org.br/pequim20/.         [ Links ]

Peters, M. (2000) Pós-estruturalismo e filosofia da diferença: uma introdução. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora.

Pocahy, F. (2013) Interseccionalidade: uma prática-teorização feminista possível na "era pós-gênero"? In: P. G. Dornelles; I. Wenetz; M. S. V. Schwengber. (Orgs.). Educação física e gênero: desafios educacionais. Ijuí: Editora Unijuí         [ Links ].

Rio Grande do Sul. (2014). Secretaria Estadual de Saúde. Programa de DST/Aids. Linha de cuidado para pessoas vivendo com HIV/Aids e outras DST. Porto Alegre: SES/RS.         [ Links ]

Rio Grande do Sul. (2015). Secretaria Estadual de Saúde. Programa de DST/Aids. Boletim Epidemiológico HIV/AIDS e Sífilis 2015. Porto Alegre: SES/RS.         [ Links ]

Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, 20(2),71-99.         [ Links ]

Seffner, F; Parker, R. (2016). Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids. Interface-comunicação, saúde, educação, Botucatu, 20(57),293-304.         [ Links ]

Shore, C. & Wright, S. (1997). Anthropology of policy: critical perspectives on governance and power. London: Routledge.         [ Links ]

Vergueiro, V. (2016) Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação de mestrado. Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, Salvador, BA.

 

 

Enviado em: 12/11/18
Aceito em: 11/07/19

 

 

Patrícia Vitória Pires é graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do rio Grande do Sul em 2005. Possui especialização em Educação em Saúde Mental Coletiva e em Práticas Pedagógicas em Serviços de Saúde. Mestre em Saúde Coletiva UFRGS, pesquisando Políticas públicas a partir dos Estudos de Gênero.
E-mail: pativitoria@yahoo.com.br
Dagmar Elizabeth Estermann Meyer é doutora em Educação. Professora colaboradora convidada, com credenciamento ativo, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua na Linha de Pesquisa Educação, Sexualidade e Relações de Gênero.
E-mail: dagmaremeyer@gmail.com
ORCID: orcid.org/0000-0003-4182-3938

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License