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Analytica: Revista de Psicanálise
On-line version ISSN 2316-5197
Analytica vol.5 no.9 São João del Rei July/Dec. 2016
ARTIGOS
Um lugar para o sujeito-criança: os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) como mediadores do olhar interdisciplinar sobre os bebês
Maria Eugênia PesaroI; Maria Cristina Machado KupferII
IDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, membro da equipe do Lugar de Vida - Centro de Educação Terapêutica
IIProfessora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, cofundadora do Lugar de Vida - Centro de Educação Terapêutica
RESUMO
Os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) foram construídos, com base na teoria psicanalítica, em uma Pesquisa Nacional (Kupfer et al., 2003), com o objetivo de serem validados para uso pediátrico. O IRDI pretende ser um instrumento de acompanhamento da constituição psíquica do bebê de 0 a 18 meses de idade. Considera-se também que o IRDI é uma proposta de interação da Psicanálise com a Medicina e com a Educação ao tentar levar a noção de sujeito do inconsciente ao interior do acompanhamento do desenvolvimento infantil realizado pelos pediatras e ao interior do ato educativo realizado pelos professores de creche. Destaca-se como pontos dessa interação que: 1. os indicadores foram propostos de modo afirmativo para que o profissional de saúde buscasse prestar atenção as operações fundantes do psiquismo; 2. No caso do trabalho dos professores, trata-se de um terceiro que acompanhará, pelos indicadores, os bebês e seus professores, alargando a sua função para o campo subjetivante; 3. É a articulação com entre os indicadores que confere um valor significante a cada indicador e também um valor de tendência de risco; 4. Os indicadores são orientadores de uma leitura e demandam uma interpretação, não são, portanto, um "check-list".
ABSTRACT
The Clinical Indicators of Risk for Child Development (IRDI) were constructed, based on psychoanalytic theory, in a National Survey (Kupfer et al., 2003), with the objective of being validated for pediatric use. The IRDI aims to be an instrument to follow the psychic constitution of the baby from 0 to 18 months of age. It is also considered that the IRDI is a proposal for the interaction of Psychoanalysis with Medicine and Education in trying to take the notion of subject from the unconscious within the follow-up of child development carried out by pediatricians and within the educational act carried out by the nursery. It is highlighted as points of this interaction that: 1. the indicators were proposed in an affirmative way so that the health professional sought to pay attention to the founding operations of the psyche; 2. In the case of teachers' work, it is a third party that will accompany, through the indicators, the babies and their teachers, extending their function to the subjective field; 3. It is the articulation between the indicators that gives a significant value to each indicator and also a risk trend value; 4. Indicators are read-oriented and require interpretation, therefore they are not a "check list".
RÉSUMÉ
Les indicateurs de risque cliniques pour le développement des enfants (IRDI) ont été construits, basée sur la théorie psychanalytique, dans une enquête nationale (Kupfer et al., 2003), afin d'être validé pour un usage pédiatrique. Le IRDI est conçu comme un outil de suivi de la constitution psychique bébé 0-18 mois. Il est également considéré que l'IRDI est une proposition d'interaction de la psychanalyse avec la médecine et l'éducation pour essayer de prendre la notion du sujet inconscient à l'intérieur du suivi du développement des enfants menée par les pédiatres et à l'intérieur de l'acte éducatif effectué par les enseignants de garderie. Il se distingue comme points de cette interaction: 1. indicateurs ont été proposés par l'affirmative afin que le professionnel de la santé cherchent regarder la fondation des opérations de la psyché; 2. Dans le cas du travail des enseignants, il est necessaire un moniteur tiers, pour suivi les indicateurs de les bébés et leurs enseignants étendant la fonction de les enseignants au champ subjectivant;
3. Il est l'articulation entre les indicateurs qui lui confère une valeur significative à chaque indicateur et aussi une valeur tendancielle des risques;
4. Les indicateurs guident une lecture et exigent une interprétation, ne sont donc pas un « check-list ».
A articulação da Psicanálise com as outras áreas do saber não é tarefa fácil. De um lado, há uma dificuldade na transmissão das noções psicanalíticas; de outro lado, há um questionamento sobre a validade dessa transmissão. Acreditamos que o trabalho interdisciplinar é possível a partir de um esforço conjunto. Do lado da Psicanálise, um movimento precisa ser feito para que, como nos diz Lacan, a Literatura psicanalítica não seja algo que ninguém lê além dos psicanalistas (Lacan, 1964/2008, p. 18). Deve haver algum desejo de transmissão da Psicanálise para além do campo analítico e, é possível o psicanalista trabalhar em tarefas que não estejam circunscritas ao consultório e à metapsicologia. A possibilidade de a Psicanálise transcender os limites do setting analítico já era visualizada por Freud (1919/1976), mas levar adiante essa tarefa é um encargo árduo e complicado.
Com a proposta de interagir e promover diálogos com as outras áreas do saber, a equipe do Lugar de Vida, sob coordenação da profa. M. Cristina M. Kupfer (IPUSP), centrou suas forças na utilização de um "tradutor" - aquele que intermedeia as falas de línguas diferentes - os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI).
Os IRDIs foram construídos, com base na teoria psicanalítica, em uma Pesquisa Nacional (Kupfer et al., 2003), com o objetivo de serem validados para uso pediátrico. A Pesquisa IRDI foi uma tentativa de articulação de dois métodos distintos, o experimental e o clínico, como uma estratégia para estabelecer um diálogo entre os campos e os profissionais que trabalham com a primeira infância, especialmente os psicanalistas e os médicos pediatras. No conjunto das estratégias de diálogo, é a noção de sujeito do inconsciente e do desejo, da forma como Lacan (1964) a definiu, principalmente no Seminário XI, que está nas bases dos IRDIs. Distancia-se assim da noção de subjetividade, embora os autores da Pesquisa IRDI tenham utilizado esse último termo com alguma frequência no projeto, no artigo, na formação dos pediatras e no acompanhamento da aplicação dos IRDIs que os monitores-psicanalistas faziam.
É possível que a Medicina, como representante da ciência, reconheça o caráter conflitivo e inconsciente do psiquismo humano e, com ele, a impossibilidade de uma normalidade e satisfação? Não, é a resposta dada por Lacan (1965). Mas, há a possibilidade, segundo alguns autores contemporâneos, como Mijolla-Mellor (2004), de promover a interação (o que é diverso de aplicação) da Psicanálise com a Medicina (e com as demais áreas do saber). Por interações da Psicanálise, a autora entende a confrontação dos discursos mantidos por diversas disciplinas de forma a, a partir das perturbações introduzidas pela noção de sujeito do inconsciente nas relações com as demais disciplinas e áreas do conhecimento, permitir destacar as especificidades de cada uma. Não se trata assim de buscar uma unidade dialógica.
Pode-se dizer, portanto, que essa era a proposta da pesquisa IRDI: realizar uma interação da Psicanálise com o ramo da ciência denominado Medicina, representado pela Pediatria, uma vez que se avaliava (ou ainda se avalia) que o médico pouco acompanha a relação mãe-bebê e, consequentemente, a constituição psíquica do bebê (Kupfer, et aí., 2009). Os indicadores propostos e validados para uso pediátrico tinham a pretensão de dar "a ver" aos pediatras o que estava subjacente a sua clínica, mas que, por não estar apoiado numa técnica, não tinha um lugar preciso: os pediatras bem sabem que algo importante se dá entre a mãe e seu filho, mas centram sua consulta ora na mãe, em recomendações de puericultura (por exemplo, fornecer informações sobre os benefícios da amamentação, os alimentos necessários para uma boa dieta do lactente, indicar o que fazer para se evitar acidentes, o que fazer para evitar alergias, etc.), ora no exame do bebê (realizar e avaliar suas medidas antropométricas, seus reflexos, suas aquisições motoras, etc.).
Os IRDIs vêm, como proposta de pesquisa - pelo seu objetivo de validação -, dar uma forma, um contorno, um nome e um lugar para os fenômenos que ocorrem na relação mãe-bebê na consulta pediátrica. Assim, o objetivo, pode-se dizer "psicanalítico" da pesquisa, era o de sublinhar a consulta pediátrica como uma consulta da mãe e do bebê, do que ocorre entre os dois.
É por meio da noção de sujeito que se esclarece que o mundo ao redor do bebê é mais do que o ambiente físico, e que os adultos que ali estão e prestam cuidados a eles garantem a sua sobrevivência e também transmitem a ordem que é preexistente a sua chegada. Como efeito do encontro do bebê com o Outro, a organização do desenvolvimento se dará em torno de algumas operações lógicas. Essas operações lógicas organizam-se em torno da angústia de castração e das operações de alienação e separação.
Os indicadores clínicos foram extraídos, pelo grupo de psicanalistas, da teoria e da prática clínica específicas do campo da Psicanálise. Foram construídos a partir de quatro eixos teóricos (suposição do sujeito, estabelecimento da demanda, alternância, presença e ausência, e instalação da função paterna) considerados fundamentais para a constituição do psiquismo e é deles considerado uma expressão fenomênica. Eles decorrem do refinamento da escuta dos psicanalistas que pôde rastrear, nos relatos das histórias clínicas trazidas pelos pais e na própria experiência clínica com as crianças pequenas com sérias questões na constituição psíquica, sinais precoces de sofrimento psíquico, sinais que não haviam sido lidos como indicadores do que viria a seguir, mas que podiam ser, a posteriori, assim interpretados (Pesaro, 2010).
A proposta da construção de indicadores para a verificação da instalação do psiquismo manteve a noção de sujeito do inconsciente, apesar de a própria proposta de construir indicadores ser considerada algo avesso à psicanálise, uma vez que em geral - na pesquisa experimental - os indicadores são signos de uma doença e, nesse campo específico, remetem a uma semiologia psiquiátrica objetivando comportamentos. Na Pesquisa IRDI, os indicadores foram propostos como operadores de uma leitura que permite supor a presença e a singularidade do sujeito. Cada indicador em si não quer dizer nada, só vale por sua relação com outros, representando a articulação entre o desenrolar do tempo cronológico e o estrutural no tempo da infância. É a articulação com outros indicadores que lhe confere um valor significante, um valor de tendência e de indicação do processo de constituição psíquica (Pesaro, 2010).
Portanto, a pesquisa IRDI introduziu uma inflexão sutil no espírito médico psicopatológico com que ele usualmente é utilizado no campo da pesquisa científica. Ela lhes aplicou uma "torção" que apagou deles a dimensão da Medicina como leitura da doença.
Pretendeu-se também, com os indicadores, fortalecer a noção de tendência, em vez da noção de causa e efeito. Por isso, o desafio desta pesquisa consistiu em articular caso a caso e ciência geral, como dizem Kupfer e Voltolini (2005). Aproveitou-se a experiência acumulada da Psicanálise para levá-la a outros campos, apontando para uma tendência que foi revelada ao se ouvir cada caso. Utilizou-se o conhecimento da estatística para afirmar que algo pode acontecer com aquele sujeito porque já aconteceu, em um nível significativo, com muitos outros, e assim pedir àquele agente de saúde que leve essa tendência em conta, o que não significa fazer previsões (Hanns, 2000).
Também se salienta que os indicadores não devem ser interpretados como sendo uma técnica de verificação da constituição psíquica. Eles devem ser considerados como orientadores de leitura. Tome-se como exemplo o estudo realizado em uma creche de Curitiba (Bernardino & Mariotto, 2010), no qual os indicadores foram adaptados para uso pelas educadoras. Verificou-se que o indicador 1 "o educador sabe o que a criança quer" apareceu com uma frequência muito alta, ou seja, estava muito presente. Ao mesmo tempo, o indicador 4 "a educadora aguarda a reação da criança" quase não apareceu. Se a presença do indicador 1 é muito importante, porque indica estar em marcha a suposição de um sujeito, sua associação com o baixo surgimento do indicador 4 indica outra coisa: os educadores estariam talvez se antecipando demasiadamente ao bebê e dando pouco espaço para suas respostas de sujeito. "Saber o que os bebês querem" adquire nesse contexto uma significação "autoritária" surgida na dependência da frequência de outro indicador, e portanto não absoluta. As significações dos indicadores, nesse sentido, podem e devem ser instáveis.
Desta forma, considera-se que a Pesquisa IRDI não é uma experimentação da Psicanálise, como alguns alegaram, mas a tentativa de estabelecer e demonstrar tendências de alguns fenômenos psíquicos para que pudessem ser inseridos numa prática diversa da psicanalítica. Esteve por trás dos objetivos da Pesquisa IRDI a demonstração, para os profissionais da área médica (e por que não dizer para a Medicina), de que os mecanismos psíquicos são experiências psíquicas que se distinguem das experiências orgânicas por possuírem significação.
Após a realização da pesquisa IRDI, com a validação dos indicadores para uso pediátrico (Kupfer et aí., 2009), com o apoio dos resultados da pesquisa de doutorado de Rosa Mariotto (Mariotto, 2009), com os resultados de uma pesquisa conduzida por Bernardino e Mariotto em creches de Curitiba (2010) e com os anos de estudos e pesquisas sobre a interlocução entre a Psicanálise e a Educação, a equipe do Lugar de Vida participa atualmente de uma nova proposta de pesquisa da profa. Cristina Kupfer que propõe a ampliação do uso dos indicadores para o ambiente da creche (Kupfer, et aí., 2012). Propõe-se, agora, um conjunto de procedimentos de intervenção que se baseia no Instrumento IRDI e é denominado Metodologia IRDI. Pode-se dizer, a respeito da metodologia IRDI, que ela é um acompanhamento, orientado pelos IRDIs, dos encontros e desencontros da professora no exercício da continuidade da função exercida pela mãe. Sem exercer propriamente a função materna, tal como ela é definida no interior da teoria psicanalítica (Kupfer et aí., 2009), a professora trabalhará, contudo, na direção de manter em andamento alguns eixos dessa função, de modo a impedir que se rompa o laço mãe-bebê de forma precoce e antecipada (Kupfer et aí., 2012).
Na metodologia IRDI, as observações dos bebês por meio dos IRDIs não devem ser feitas pelo professor, mas por um profissional encarregado de fazer o acompanhamento dos IRDIs. Não é autoaplicável pelas professoras. O que se busca fazer é, como dizem Boukobza e Benavides (1997), o holding do holding, isto é, a oferta de uma sustentação ao professor que sustenta o bebê, olhar o bebê com ele. Por isso, é fundamental que ocorram conversas dos professores com o profissional para que o que ocorre entre a professora e cada bebê seja posto em pauta, não seja ameaçador e, ao mesmo tempo, seja material, construído no momento mesmo da conversa, e motor, descoberto pela professora, para as intervenções da professora com cada bebê.
Mais uma vez, a proposta é poder, por meio dos indicadores, olhar para a constituição do pequeno-sujeito. Nesse caso particular, destacar que o cuidador, educador ou professor de creche participa da constituição psíquica do bebê. Desta forma, além das funções de cuidar e educar, já certamente bem discutidas no campo educacional, destaca-se que o professor de creche também participa do processo de humanização do seu pequeno aluno.
Num paralelo com o que foi proposto aos médicos pediatras, não se quer atribuir mais uma função aos professores, assim como não se considerou ser uma função a mais o pediatra acompanhar a constituição psíquica do bebê ou a relação mãe-bebê em suas consultas. Somente está se destacando, dando a ver, nomeando, um aspecto inerente à prática do professor de creche.
Não se está falando de algo novo. O que se está destacando é a "função maternante" dos professores de creche, que será explicada a seguir, expressa nas falas do tipo: "como João fica bem com a professora Maria", "como a professora Maria acalma o Joãozinho", "por que Joãozinho me chama da mamã na hora do almoço?", por exemplo.
A função materna é a designação da operação psíquica responsável por transmitir as primeiras marcas ou inscrições psíquicas. A função materna é colocada em ação se houver um Outro (categoria lacaniana que designa tanto o adulto próximo, aquele que cuidará do recém-nascido, como a ordem que esse adulto encarna) responsável por retirar o bebê de sua condição inicial de organismo, entrelaçando cada manifestação do bebê a um sentido humano, social, cultural, permeado pelas leis e também por ser capaz de orientar, dar um rumo, leme ou norte ao bebê (Pesaro, 2010).
Desta forma, a noção de sujeito em Psicanálise está intimamente articulada com a operação da função materna (desempenhada pelos cuidadores primordiais), que é responsável pela transmissão dos elementos-chave que formam o amálgama do que virá a ser o sujeito.
A partir desse ponto, pode-se afirmar que há no espaço da creche uma função que guarda uma proximidade com a função materna e, por isso, será chamada de maternante, e pouco se sabe sobre sua especificidade e sobre seus efeitos. Por exemplo, pouco se escreve sobre o estatuto das inscrições deixadas no corpo do pequenino aluno, à medida que ele é "maternado" por um outro que não é a sua mãe e, ao mesmo tempo, em que esta está exercendo a função materna estruturante para o bebê. Ou seja, quais são as diferenças entre um cuidado animado por um desejo materno ou familiar e um cuidado animado por outro tipo de desejo, como é no caso do professor com o pequeno-aluno? E quais são as consequências para o bebê que está assujeitado a essas duas maternagens? E, ainda, quais são as consequências para o bebê quando ele fica submetido muitas horas diárias num campo de discurso cognitivante e medicalizante?
Nessa tentativa de discussão ou interlocução, também há um outro aspecto que está mais do lado da Psicanálise. O seu crescente interesse pelo trabalho com bebês, tanto no âmbito clínico quanto no que se refere à detecção e prevenção de riscos psíquicos precoces. Nesse sentido, quando o cuidar e o educar operam de modo interligado, o ambiente da creche é um espaço privilegiado para o trabalho de prevenção pensada como a garantia das condições mínimas para a constituição do sujeito: é possível falar em prevenção quando há uma intervenção para que se instaurem as estruturas que dão suporte ao funcionamento psíquico. Dessa perspectiva, o diálogo com os indicadores tem ajudado. Considera-se que a utilização dos indicadores para a apreensão dos efeitos da constituição psíquica é um caminho interessante para a precoce detecção, para uma atuação cuidadosa e implicada com o sujeito. Essa atuação estará atenta às produções que são esperadas em determinados momentos da vida da criança e, quando elas não aparecerem, despertam um alerta. Portanto, não se trata de prevenir algo que não se sabe o que será. A prevenção em Psicanálise é ética - lançar as bases para uma existência do sujeito - e não técnica - aquela que se pauta numa norma.
Com a metodologia IRDI, colocam-se os professores e o espaço da creche para olhar e falar sobre a constituição psíquica; para dar a ver, para se debruçar sobre esse processo. A intenção é a de tornar a noção de sujeito parte da conversa.
A metodologia IRDI pretende ser uma alternativa ao apagamento do lugar do sujeito na creche, contrapondo-se ao discurso científico. Buscando neutralizar de certa maneira tal efeito, por meio do reconhecimento de que o ato educativo do professor pode conter em seu coração uma função subjetivante. Ou seja, quando um professor de creche educa, entendendo-se esse educar de uma perspectiva psicanalítica, ele também estará contribuindo para a constituição de um sujeito ainda por advir (Kupfer et al., 2012).
Ao mesmo tempo, espera-se que esse reconhecimento do ato educativo e subjetivante do professor venha a produzir também efeitos na diminuição daquilo que podemos chamar de cognitivização da educação infantil. Essa cognitivização propõe para os bebês, de um lado, uma série de atividades pedagógicas, na convicção de que os bebês já podem ser desde muito cedo submetidos à estimulação e ao desenvolvimento antecipado e acelerado de suas capacidades cognitivas e, de outro lado, desvaloriza as ações de cuidado da professora. Dessa óptica, o trabalho maternante da professora fica sem lugar, ou à margem, ou ainda é desvalorizado porque é considerado uma função menor. Retira-se, tira-se de cena, coloca-se de escanteio o trabalho de continuação do materno. E, com isso, todos se esquecem de que o momento dos cuidados - a troca de fraldas, por exemplo - é justamente a ocasião mais fértil para a estruturação psíquica dos bebês: é ali que o cuidador fala com ele, brinca com ele e lhe dirige a palavra de modo particularizado (Kupfer et al., 2012).
Também a preocupação com o desenvolvimento cognitivo do bebê pode impedir a professora de dirigir-se a ele como um sujeito em constituição, que precisa de contato afetivo, de contato prazeroso (presente quando a professora vê no bebê mais do que um corpinho para deixar limpo e nutrido), precisa de linguagem carregada de musicalidade (presente na forma particular que os adultos se endereçam aos bebês e que transmite não só a sonoridade das palavras, mas a musicalidade da fala) e de momentos de brincadeiras compartilhadas com os outros. Se a preocupação com o desenvolvimento cognitivo prevalecer, a professora estará ocupada em ensinar o bebê a falar - e a falar corretamente; não se permitirá então um pouco de manhês e não ouvirá nas vocalizações do bebê bases da construção da demanda de amor dirigida aos outros (Kupfer et al., 2012).
Assim, o combate à excessiva cognitivização da educação infantil é uma tentativa de reintroduzir e revalorizar o papel de cuidadora desempenhado pela professora, apontando para o fato de que, para aprender, o bebê precisa da sustentação do sujeito do desejo, e para seu advento a professora também contribui, bem mais, talvez, do que para o advento do sujeito cognoscente (Kupfer et aí., 2012).
As diferenças e os mal-entendidos das línguas (dos saberes) são, quase sempre, fruto de preconceitos. Talvez a saída não seja a de acentuar a oposição ou as diferenças entre as visões ou os campos, mas a colaboração em direção a uma ética compartilhada. Por uma questão ética, as diferentes visões, concepções, produções científicas e práticas especializadas talvez possam se aproximar para fazer "bem" aos bebês.
Referências
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