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Analytica: Revista de Psicanálise

versión On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.12 no.23 São João del Rei jul./dic. 2023  Epub 05-Sep-2025

https://doi.org/10.69751/arp.v12i23.4478 

Artigo

Adolescência e mídias digitais: alguns desdobramentos possíveis

Adolescence and Digital Media: Some Possible Developments

Adolescence et médias numériques: quelques évolutions possibles

Adolescencia y medios digitales: algunos posibles desarrollos

Joice Rocha Ribeiro1 

Rafaela Soares Villar2 

Anne Santos Stone3 

Camila Peixoto Farias4 

1Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Membro do grupo Pulsional: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Psicóloga clínica no Centro Clínico de atendimento psicológico (C-CAP)

2Membro do grupo Pulsional: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

3Membro e colaboradora do grupo Pulsional: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

4Professora adjunta do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Doutora e mestra em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora do grupo Pulsional: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise. Membro do grupo de trabalho Psicanálise, Subjetivação e Cultura Contemporânea da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp)


Resumo

A adolescência é um momento perpassado por uma intensa exigência de reorganização narcísica. Os recursos simbólicos, próprios da relação e vínculo com o outro, são elementos centrais para que o sujeito enriqueça suas possibilidades de encaminhamento pulsional, rumo à consolidação narcísica. Entretanto o cenário contemporâneo parece caminhar na contramão da lógica de vinculação e troca com o outro, quando pensamos em movimentos como a individualização e a performatização. Tendo esses aspectos em vista, discutiremos como as mídias digitais – mais especificamente as redes sociais – podem ser pensadas na contemporaneidade como um dispositivo que contribui para a elaboração psíquica das mudanças vivenciadas na adolescência e, por outro lado, podem também ocasionar em entraves psíquicos nessa travessia.

Palavras-chave Adolescência; Contemporaneidade; Psicanálise; Mídias digitais; Redes sociais

Abstract

Adolescence is a moment characterized by an intense demand for narcissistic reorganization. Symbolic resources, distinctive of the relationship and bond with the other, are central elements for the subject to enrich his instinctual vicissitudes, towards narcissistic consolidation. However, the contemporary scenario seems to go against the possibility of creating bonds and exchanges with the other, when we think of movements such as individualization and performance. With these aspects in mind, we will discuss how digital media – more specifically social networks – can be thought of in contemporaneity as a device that contributes to the psychic elaboration of the changes experienced in adolescence and how, on the other hand, they can also cause psychic obstacles to this crossing.

Keywords Adolescence; Contemporaneity; Psychoanalysis; Digital Media; Social Media

Résumé

L’adolescence est un moment traversé par une intense demande de réorganisation narcissique. Les ressources symboliques, caractéristiques de la relation et du lien avec l’autre, sont des éléments centraux pour le sujet pour enrichir ses possibilités d’aller de l’avant, vers la consolidation narcissique. Cependant, le scénario contemporain semble aller à l’encontre de la logique du lien et de l’échange avec l’autre, quand on pense à des mouvements comme l’individualisation et la performance. En gardant ces aspects à l’esprit, nous discuterons comment les médias numériques – plus précisément les réseaux sociaux – peuvent être pensés dans la contemporanéité comme un dispositif qui contribue à l’élaboration psychique des changements vécus à l’adolescence et comment, d’autre part, ils peuvent aussi causer des obstacles psychiques à cette traversée.

Mots-clés Adolescence; Contemporanéité; Psychanalyse; Médias numériques; Réseaux sociaux

Resumen

La adolescencia es un momento atravesado por una intensa demanda de reorganización narcisista. Los recursos simbólicos, característicos de la relación y vínculo con el otro, son elementos centrales para que el sujeto enriquezca sus posibilidades de impulso hacia la consolidación narcisista. Sin embargo, el escenario contemporáneo parece ir en contra de la lógica de vinculación e intercambio con el otro, cuando pensamos en movimientos como la individualización y la performance. Con estos aspectos en mente, discutiremos cómo los medios digitales – más específicamente las redes sociales – pueden ser pensados en la contemporaneidad como un dispositivo que contribuye a la elaboración psíquica de los cambios vividos en la adolescencia y cómo, por otro lado, también pueden causar obstáculos psíquicos a este cruce.

Palabras clave Adolescencia; Contemporaneidad; Psicoanálisis; Medios Digitales; Redes Sociales

Introdução

O contexto contemporâneo trouxe uma série de mudanças para as sociedades ocidentais e seus modos de relação – uma dessas mudanças foi o advento da Internet. Segundo Lins (2013), a Internet como ambiente de relacionamento virtual foi disponibilizada para o público brasileiro a partir do ano de 1994. Desde então, toda tecnologia relacionada à web foi gradativamente sendo desenvolvida e inserida no cenário social por meio das mídias digitais. A diversificação, a popularização e a ampliação das possibilidades de uso das telas, como a criação dos smartphones, favoreceu uma presença ainda maior dessa tecnologia no cotidiano dos brasileiros (Lins, 2013).

Uma pesquisa realizada pela TIC Domicílios em 2018 aponta que, no Brasil, o uso da Internet cresce consideravelmente: 70% da população urbana e 49% da população rural têm acesso à rede mundial de computadores. E os números, segundo a pesquisa, tendem a aumentar. O acesso à Internet também envolve, mais especificamente, a população adolescente brasileira. Dados de uma pesquisa realizada pela TIC Kids apontam que cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes com idade entre 9 e 17 anos são usuários da web no Brasil; destes, 82% relatam usar as redes sociais, correspondendo a 22 milhões de crianças e adolescentes (Cruz, 2019). A partir desses dados e de observações do cenário social, podemos considerar que as redes sociais são um dos espaços virtualizados em que se insere a adolescência no Brasil.

Essa fase pode ser descrita de formas distintas, a depender da perspectiva que se faz uso, estando frequentemente articulada à puberdade. Como exemplo, citamos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), que compreende a adolescência como o período correspondente à faixa etária entre 12 e 18 anos de idade. Entretanto, a abordagem psicanalítica, da qual faremos uso nesta discussão, irá considerar alguns outros fatores que podem estar além de um período cronológico. Seguindo o viés psicanalítico, a adolescência não contemplaria apenas o período biológico pubertário, mas, também, um conjunto de desdobramentos psíquicos desencadeados pelas vivências e a relação corporal, salientando diversas questões metapsicológicas (Savietto & Cardoso, 2006).

Tendo isso em vista, este artigo tem como objetivo discutir algumas questões referentes à adolescência inscrita na contemporaneidade ocidental, articulando-a às redes sociais, como um possível dispositivo de elaboração psíquica ou, também, como um meio que pode gerar obstáculos no caminho da construção de possibilidades elaborativas. Pretendemos sustentar esta discussão no referencial teórico psicanalítico, propondo diálogos com alguns autores contemporâneos. Discutiremos sobre elementos que parecem marcar a passagem da adolescência, mas salientando que não os consideramos estanques, pois sofrem transformações e adquirem nuances diferentes a depender da singularidade do contexto em que o adolescente está inserido. A partir disso, tentaremos debater acerca das possíveis repercussões psíquicas da inserção do sujeito adolescente na contemporaneidade e sua relação com as mídias digitais, mais especificamente as redes sociais.

Como guias para a discussão que faremos, temos os seguintes questionamentos: como pensar em modos de relação entre os adolescentes e as redes sociais? De que forma podemos refletir a respeito das possíveis repercussões psíquicas na adolescência diante do processo de virtualização das relações? A partir de quais elementos poderíamos pensar nas redes sociais como possibilidade de encaminhamento do pulsional? Ressaltamos que não temos como objetivo esgotar a discussão sobre as temáticas abordadas. Inicialmente, discutiremos alguns aspectos ligados à adolescência que são importantes para a posterior elaboração de possíveis encaminhamentos para os questionamentos levantados.

Algumas considerações sobre a adolescência

No saber psicanalítico, não é possível pensar o sujeito na exterioridade do campo da cultura, ou seja, fora dessa inserção. A questão do mal-estar na civilização, problemática da qual a Psicanálise se ocupa por excelência, está intimamente articulada ao contexto social e cultural no qual o sujeito se insere. Seguindo essa linha de pensamento, as repercussões internas e externas impostas ao humano marcam essa imbricação entre sujeito e cultura, sendo essa relação marcada pelo conflito, base do próprio psiquismo humano (Cardoso, 2000).

Nesse sentido, o encontro do sujeito com a cultura produz inúmeras fontes de desprazer e/ou infelicidades. Assim, algum nível de insatisfação seria inevitável devido às três principais fontes de sofrimento: a força superior da natureza, a fragilidade dos nossos corpos e a relação com o outro, sendo essa última a fonte mais impiedosa de sofrimento (Freud, 1930/2010). Dessa forma, nossas possibilidades de obter satisfação/felicidade se encontram restringidas pela própria constituição humana, que se dá pela relação com o outro e no enlace com a cultura.

A ordem, a limpeza, a beleza e a evolução das técnicas, como a tecnologia, são algumas das exigências socioculturais impostas pelos modelos tidos como “civilizatórios” (Freud, 1930/2010). Dessa forma, a organização social se daria por intermédio de renúncias das pulsões tidas como não “civilizatórias”, logo restringindo e predeterminando de forma significativa as possibilidades de obtenção de satisfação/felicidade por parte dos sujeitos.

Esses elementos, aludidos por Freud (1930/2010) em O Mal-estar na civilização, nos fornecem algumas pistas importantes para compreender o que está em jogo no sofrimento produzido pelo enlace entre sujeito e cultura. Referimo-nos a esses aspectos para destacar a adolescência como um dos momentos em que a confrontação com as exigências impostas pelo meio sociocultural (Cardoso, 2000) e seus ideais “civilizatórios” ganha contornos mais dramáticos. Isso se deve pela intensa exigência de trabalho psíquico que o sujeito precisa realizar, advindo das exigências pulsionais dos ideais “civilizatórios”, das inúmeras mudanças corporais e dos modos de vinculação com o outro que se impõem.

Abordaremos, a seguir, os desdobramentos pubertários comuns e esperados para essa fase, como as inúmeras mudanças corporais. Entretanto, cabe salientar que as exigências pulsionais ocorrem de forma simultânea e imbricada, de maneira dinâmica. Assim, vamos nos deter nas mudanças corporais apenas didaticamente para compreendermos aspectos subjetivos importantes advindos desse elemento.

Para Cardoso (2014), a puberdade inaugura uma reviravolta, no plano da sexualidade e do corpo, desviado e ocupado pela pulsão, motor da vida subjetiva. Para Freud (1905/2016), a puberdade traz mudanças que interpelam a vida sexual infantil para uma nova configuração, pois a pulsão sexual agora se coloca a serviço da função sexual. Para que tenha sucesso, essa transformação no plano pulsional precisa contar com os arranjos originários e com as particularidades dos encaminhamentos pulsionais que, até então, organizaram a constituição subjetiva.

Tal transformação, advinda do despertar da nova pulsionalidade, é a condição para o desinvestimento das figuras de cuidado – conduzindo ao investimento de novos objetos – para fora do plano familiar, originário. Entretanto, esse desinvestimento das figuras parentais põe em jogo alguns elementos como a separação e a autonomia (Cardoso, 2014). Para Freud (1926/2014), em Inibição, sintoma e angústia, é a ausência do objeto amado a condição produtora de angústia, sendo a separação uma consequência direta do estado de desamparo do bebê. A angústia de separação tende a desaparecer quando o sujeito pode assegurar-se por conta própria, podendo garantir, portanto, sua sobrevivência psíquica (Cardoso, 2014). Esse processo o conduziria gradualmente à autonomia.

Nessa mesma linha de pensamento, consideramos que, embora a separação dos objetos iniciais comporte uma faceta potencialmente traumática, ela implica também um movimento estruturante para o psiquismo. Na adolescência ocorre, portanto, a ressurgência da angústia de separação em função das múltiplas rupturas, perdas e lutos. Nessa revivescência do estado de desamparo inicial, está em jogo um movimento subjetivo paradoxal, pois, na medida em que produz o medo da perda, pode produzir o desejo de separação, que, conforme dito, é também fator estruturante para a vida subjetiva (Cardoso, 2014). As ressurgências que ocorrem nesse período também são concernentes à singularidade dos investimentos iniciais que alicerçam a constituição subjetiva.

Desde o início da vida do sujeito, adultos que cumprem a função de cuidado investem física e emocionalmente nele. Esse momento é inerente à própria condição humana e é acompanhado pela transmissão de mensagens e códigos tradutivos, posto que, inicialmente, a criança não tem tais recursos simbólicos (Laplanche & Pontalis, 1988). A partir do fornecimento de códigos tradutivos pelos adultos, a criança vai constituindo seu arcabouço simbólico, em outras palavras, o psiquismo vai se constituindo. Contudo, as mensagens transmitidas podem fugir da própria capacidade de apreensão do adulto, por estarem comprometidas por elementos inconscientes. Dessa forma, a criança, a partir do vínculo com o adulto e de seu meio sociocultural, vai construindo códigos tradutivos que o auxiliam a traduzir, mesmo que parcialmente, as mensagens recebidas (Laplanche, 2015), processo que perdura e se transforma ao longo da vida.

A adolescência, em especial – por toda reorganização narcísica que exige –, é um dos momentos em que as mensagens e códigos tradutivos que foram transmitidos pelos adultos, por meio do cuidado (Laplanche & Pontalis, 1988), e que alicerçam a constituição psíquica, tem a potencialidade de ressignificação/retradução do que foi vivido e traduzido/simbolizado na infância. Tal potencialidade reside nas possibilidades de construção de novos vínculos emocionais e no encontro com novos códigos fornecidos pela cultura, pelo contexto no qual o sujeito está inserido. Em contrapartida, há também a possibilidade de o adolescente se deparar com entraves psíquicos (Cardoso, 2014). Esses possíveis desdobramentos estão intrinsecamente ligados a conteúdos do pulsional infantil, às mensagens e códigos tradutivos, aos elementos recalcados e resíduos não traduzidos/simbolizados. Esses elementos são centrais para pensarmos a dinâmica da vida psíquica (Laplanche, 2015) e ressurgem de forma importante na adolescência.

Freud (1905/2016) faz alusão à potencialidade de desdobramentos psíquicos potencialmente traumáticos na adolescência, caso certas reordenações não sejam possíveis. Entretanto, tais entraves psíquicos e aberturas de subjetivação/ressignificação são pensados a posteriori, de acordo com a singularidade das experiências e da história de cada sujeito (Cardoso, 2014). Essa passagem da vida infantil para a vida adulta (Cardoso, 2000) implica, simultaneamente, uma série de novas combinações e reordenações no plano subjetivo, envolvendo mecanismos psíquicos complexos, conforme aludido por Freud (1905/2016), o que representa um desafio na travessia da adolescência.

Aspectos como as transformações corporais, a aquisição de um novo corpo (agora genitalizado diante das modificações pubertárias), a reorganização dos objetos de investimento exige a tarefa de integração psíquica das modificações. Fazemos referência, portanto, a modificações que podem produzir não somente uma desestabilização da imagem do corpo infantil e das possibilidades de investimentos em si mesmo, mas também uma desestabilização dos laços afetivos com os objetos iniciais – laços que, conforme vimos, podem ter oferecido ao adolescente, até então, sensação de segurança (Emmanuelli, 2008) e pertencimento. Todavia vale ressaltar que essa nova exigência pulsional produz efeitos intrapsíquicos que se desdobram em modalidades temporais muito variáveis (Emmanuelli, 2008), o que nos impede de localizar a adolescência apenas no período pubertário; os conflitos desse período podem se expandir e/ou serem retomados em outros momentos da vida.

Consideramos que tais aspectos, como o abandono do corpo infantil, dos modos infantis de investimento em si mesmo e o possível abalo na dinâmica de vinculação aos objetos iniciais, demandam um remanejamento na dinâmica dos investimentos – em si e no outro. Desde o início da vida, o outro adulto transmite, mediante cuidados iniciais, uma série de mensagens enigmáticas que impelem o bebê ao processo de tradução de tais mensagens, fator que gradativamente possibilita a constituição e estruturação do psiquismo (Laplanche, 2015). Os investimentos iniciais do outro adulto, que são acompanhados de mensagens e símbolos, compõem uma herança simbólica à qual o sujeito, na adolescência, virá a transformar e se apropriar, tornando-a, assim, parte integrante de sua subjetividade (Savietto, 2009).

Na adolescência, ao falarmos de um remanejamento dos investimentos que, até então, eram direcionados aos adultos cuidadores, parece que estamos também falando que “abandonar” as vinculações dos objetos infantis são os principais modelos de investimento. Ou seja, a dinâmica do direcionamento dos investimentos, até então voltada preponderantemente aos cuidadores iniciais, e diante das demandas da adolescência, precisa ser redirecionada para novos modelos identificatórios. Isso porque esse movimento possibilita o enriquecimento dos recursos simbólicos (enriquecimento que é próprio da relação com o outro), fornecendo, assim, base para a posterior consolidação narcísica do adolescente (Savietto & Cardoso, 2006) para construção de novas formas de amar a si mesmo e aos outros.

Mesmo diante dessa fase de remanejamento de investimentos e abandono dos objetos iniciais como principais modelos identificatórios, é importante que a elaboração desse período não se apoie somente nos próprios recursos psíquicos do adolescente. Salientamos também a necessidade e importância de cuidadores que sustentem com o adolescente esse período de transição. Dizendo de outro modo, é importante que figuras de cuidado continuem investindo e apoiando afetivamente o adolescente, mesmo diante de seu redirecionamento afetivo para novos modelos. Isso assegura a ideia de continuidade do ser – visto que foram, justamente, os investimentos do outro que constituíram o adolescente narcisicamente e, sem eles, a continuidade da vida psíquica poderia se encontrar ameaçada (Savietto, 2009).

Consideramos que os aspectos mencionados até aqui indicam a exigência de um intenso trabalho psíquico na adolescência, já que o adolescente se depara com questões como a necessidade de reconhecer seu novo corpo, elaborar novas representações e encaminhar simbolicamente as mudanças que lhe são impostas. O adolescente vivencia, portanto, um momento de intensa reorganização narcísica. Indicamos que a passagem por esse processo, que exige tantas elaborações psíquicas, quando sustentado a partir da troca com o outro, possibilita ao adolescente uma gradual reapropriação subjetiva. Sobre esse aspecto, Savietto (2009) aponta que isso favorece a posterior consolidação narcísica, impedindo que esse período seja marcado por uma lógica traumática.

Isso posto, podemos novamente considerar a importância das trocas com o outro e das suas possibilidades de proporcionar um enriquecimento simbólico – fundamental para o processo de elaboração psíquica. Portanto indicamos a relação afetiva com o outro como aspecto imprescindível, tanto no início da vida para o manejo do desamparo inicial e para a constituição psíquica quanto também na adolescência – momento em que ocorre a ressurgência do estado de desamparo infantil e uma intensa demanda de reorganização identificatória e, por conseguinte, psíquica.

Tendo em vista as considerações elaboradas anteriormente, surge a seguinte questão: na contemporaneidade, como podemos pensar a partir das redes sociais as possibilidades de vinculação ao outro na adolescência?

Contemporaneidade e redes sociais

A contemporaneidade é perpassada por uma série de mudanças sociais, ocorridas em um curto espaço de tempo (Lins, 2013), as quais têm efeitos na constituição subjetiva, exigindo dos sujeitos novas formas de elaboração das experiências vividas (Birman, 2012). Entre algumas observações apontadas por Birman (2016), salientamos o intenso processo de individualização na atualidade da cultura ocidental, muito marcada pela virtualização dos espaços de troca com o outro (Lins, 2013). Podemos considerar que essa virtualização das relações e dos espaços de troca ocorre, principalmente, por meio das redes sociais, cujo uso como forma de interação e comunicação é uma das grandes mudanças da sociedade contemporânea e, logo, perpassa e modula os modos de vinculação dos sujeitos contemporâneos.

Conforme discutimos, é possível pensar que os sujeitos, no início da vida, são inseridos em um universo simbólico pelos seus cuidadores iniciais, que funcionam como mediadores entre as exigências culturais e a excitação pulsional que deve ser encaminhada, direcionada (Birman, 2016) a partir dos moldes tidos como “civilizatórios” (Freud, 1930/2010). Destarte, desde o nascimento, a figura do outro é fundamental para o processo de constituição psíquica (Laplanche, 2015), como vimos.

Segundo Birman (2016), a simbolização é o que torna possível a gradual constituição do psiquismo. Sendo assim, simbolizar significa também destinar o pulsional para uma via de representação e, dessa forma, evitar que seja direcionado para uma via de descarga através do corpo e do ato, em alusão à pulsão de morte e sua base essencialmente traumática/não representacional. Mas cabe ressaltar que esse direcionamento, essa gestão do pulsional (Birman, 2016), é um trabalho que perdurará até o fim da vida e está intimamente articulado à relação com o outro. É a partir da relação com o outro que se enriquecem as possibilidades de investimento: investimento em si mesmo, investimento no outro.

Entretanto consideramos que o cenário atual demonstra ir na contramão desse encaminhamento representacional do pulsional, quando pensamos justamente no movimento de individualização dos sujeitos contemporâneos, na perda de figuras significativas simbolicamente e, consequentemente, na carência de espaços de troca com o outro. Esse cenário de individualização pode ser pensado a partir da ideia de uma performatização de si (Ehrenberg, 2010), em que o eu está constantemente sendo reafirmado por intermédio de uma cultura imagética em ascensão. A performance por meio da imagem parece estar presente também na lógica das redes sociais, espaços em que frequentemente os sujeitos buscam sustentar performances idealizadas de sucesso. Ehrenberg (2010, p. 53) aponta uma estratégia crucial para pensarmos como isso ocorre na atualidade:

O homem que tem sucesso é, em primeiro lugar, o que, sem raízes e sem passado, fabrica a si mesmo uma genealogia ao inverso: sua própria história é a única que importa; de onde ele vem é, por sua vez, sem importância; em segundo, o que é, para si mesmo, seu próprio princípio já que representa apenas a si mesmo.

Ehrenberg (2010) parece nos indicar que as narrativas dos sujeitos e a capacidade de relação temporal entre o sujeito e sua história dizem sobre as possibilidades de encaminhamento do pulsional e, portanto, estão fortemente ancoradas na pulsão de vida. Podemos refletir que, nessa lógica performática e exteriorizada, em que a imagem parece ganhar tanta relevância, as narrativas (necessárias como transmissão de recursos simbólicos na troca com o outro), saem um pouco de cena para abrir espaço não somente à produção de imagens de si, mas principalmente à produção de uma imagem de sucesso de si (Ehrenberg, 2010). A produção em massa de imagens de sucesso de si pode ser pensada como uma dinâmica subjetiva que remete ao estado de onipotência narcísica, no qual o sujeito volta-se, preponderantemente, para si e torna-se sua única referência. Para Rosário (2019), o sujeito contemporâneo, imerso em uma lógica individualista, seria marcado pelos ideais de independência e autossuficiência.

Ao pensar a contemporaneidade, Birman (2012) traz a ideia do corpo como o único bem “durável” na sociedade contemporânea: o sujeito, significativamente desvinculado de sua história e narrativas, terá apenas o corpo como um bem supremo, por isso, deve ser preservado. Partindo dessa lógica, os sujeitos buscam desenfreadamente um ideal de saúde e beleza, atendo-se principalmente à juventude como um ideal a ser alcançado, como uma exigência imposta pelos ideais “civilizatórios” contemporâneos.

A busca pelo corpo ideal (que ganha o status de imagem ideal) pode, muitas vezes, desrespeitar os limites corpóreos aos quais estamos naturalmente submetidos, como a fadiga e o envelhecimento, por exemplo; o que faz pensar sobre uma possível e paradoxal desconexão do próprio corpo. É possível pensar que o mesmo corpo que é supervalorizado na contemporaneidade (e, consequentemente, nas redes sociais) é também um corpo assujeitado, do qual os sujeitos estariam desconectados. Refletimos sobre um corpo assujeitado na medida em que as condições corpóreas são desconsideradas e desvalorizadas em prol de uma imagem ideal. Quanto à desconexão corpórea, Birman (2012, p. 93) sugere que se cultiva, assim, “uma forma de sensorialidade sem corporeidade, nas quais as sensações se desenraízam radicalmente do registro do corpo”.

Podemos pensar que a performance assujeitada, baseada em uma imagem ideal, poderá, nas redes sociais, finalmente ser editada, montada, transformada e exposta tendo em vista aquilo que se deseja mostrar aos outros, ou seja, uma imagem de sucesso de si (Ehrenberg, 2010). Dessa forma, a troca com o outro, que muitas vezes se mostra frágil quando consideramos tais aspectos na atualidade, parece ser veiculada nas redes sociais com uma série de “barreiras” ou “filtros” que possibilitam aos sujeitos um controle excessivo daquilo que é exposto. Podemos pensar que esse movimento pode fragilizar as relações com o outro quando esse outro está preponderantemente restrito ao nível imagético, idealizado, desvinculado de narrativas significativas.

Levando em consideração as reflexões feitas até aqui, podemos pensar que, se é a construção do sujeito-imagem que passa a ter maior relevância na sociedade contemporânea, não somente o olhar do outro assume considerável importância, mas especialmente o olhar de aprovação e admiração do outro. A ideia de um sujeito-imagem está relacionada à noção de performance imagética, à construção de uma imagem de sucesso, apontada por Ehrenberg (2010) como desvinculada de narrativas, de símbolos.

Birman (2008), ao pensar a exibição corporal dos jovens na atualidade, pontua que por trás da exibição performática dos corpos estaria algo da ordem do reconhecimento. Nesse sentido, o olhar de aprovação e de admiração do outro assume grande influência sobre o sujeito, haja vista que funciona como uma tentativa de reasseguramento narcísico. Nesse sentido, é possível considerar que a tentativa de reasseguramento narcísico por trás da exposição de uma imagem de sucesso de si parece funcionar de forma precária se considerarmos essa “dependência” do olhar de aprovação do outro. Mas se o olhar de aprovação do outro pode adquirir um valor de reasseguramento narcísico – mesmo que precário – isso pode indicar que também o olhar de reprovação do outro ou a ausência da aprovação entram na mesma lógica, com um grande potencial de fragilização narcísica. Tendo isso em vista, é possível refletir sobre uma frágil consolidação da imagem de si. Birman (2012, p. 73) pensa essa possibilidade de uma característica invasiva do olhar do outro: “O olhar do outro ocupa então toda cena psíquica do sujeito, como um intruso que invade e perfura com suas exigências, diante das quais ele se sente impotente e sem os instrumentos capazes de responder aquelas demandas”.

Pode-se pensar que, em uma lógica performática, o olhar do outro assume essa característica invasiva quando existe uma fragilidade nos processos simbólicos de reconhecimento (Birman, 2012). Nesse sentido, o sujeito parece ficar à mercê do olhar e do julgamento do outro quando depende do reconhecimento do outro para experienciar a certeza de ser e de existir (Birman, 2008); certeza que seria, nesse sentido, vacilante e provisória.

Os pressupostos abordados até aqui parecem nos dar importantes pistas sobre o contexto em que estão inseridos os sujeitos ocidentais e, logo, os adolescentes. Isso nos traz o seguinte questionamento: existe uma troca com o outro nas redes sociais quando esse espaço se encontra pautado em uma lógica performática? Esse questionamento orientará a continuidade da reflexão, demonstrando a importância de pensarmos algumas formas de uso das redes sociais na adolescência contemporânea e seus desdobramentos.

Redes sociais e adolescência: destinos pulsionais possíveis

Os avanços tecnológicos, como vimos, representam mudanças consideráveis nos espaços de troca: a atualidade recebe a marca da virtualização, trazendo modificações nas possibilidades de acesso à informação, de consumo e de trocas afetivas, por exemplo (Lins, 2013; Cruz, 2019). Nesse contexto, vamos nos dedicar a pensar mais especificamente em dois aspectos das redes sociais que se anunciam neste momento: as redes sociais como um espaço potencial de troca com o outro; e, paralelamente, as redes sociais se apresentando também como um espaço esvaziado simbolicamente, tomado pela lógica performática de sucesso de si. Essa discussão será feita tendo em vista a problemática da adolescência como um momento de elaboração psíquica, em que, como vimos, os símbolos e representações se fazem essenciais para o processo de reorganização narcísica.

A troca com o outro, conforme tentamos indicar, é essencial para que haja um enriquecimento subjetivo, especialmente em momentos de fragilização narcísica, como ocorre na adolescência. Podemos pensar nos jovens que podem, por meio das redes sociais, criar e manter vínculos com familiares e amigos. Esses vínculos, muitas vezes, não seriam tão facilmente mantidos se não fosse por intermédio das redes sociais, especialmente quando se pensa na pandemia de covid-19. As redes sociais podem ser consideradas, também, como um importante espaço virtual de expressão subjetiva em suas mais diversas modalidades: políticas, econômicas, culturais etc. Ou seja, queremos apontar que é possível, sim, utilizar as redes sociais como um meio efetivo de expressão subjetiva, de manutenção e de criação de trocas com o outro. Tendo as possibilidades de relação com o outro favorecidas, consideramos que as redes sociais podem auxiliar os adolescentes no processo de reorganização narcísica. Portanto torna-se relevante não somente pensarmos nas redes sociais em si, mas, principalmente, na forma como os sujeitos contemporâneos se relacionam com e a partir das redes sociais.

Sendo assim, não podemos deixar de reconhecer que as redes sociais são espaços privilegiados, nos quais muitos movimentos sociopolíticos têm se organizado e produzido conteúdos importantes. Partimos da premissa de que as redes sociais podem comportar uma multiplicidade de códigos tradutivos que, quando mediados e subjetivados na relação com o outro, pela criação e manutenção de vínculos, podem impulsionar um trabalho identificatório. Acreditamos que esses espaços virtuais podem ser pensados, a partir da teoria laplanchiana, como ambientes privilegiados de acesso a códigos tradutivos fornecidos pela cultura.

Laplanche (2015) destaca que a criança não traduz, a priori, as mensagens que lhe são transmitidas desde o início da vida. Para traduzir, simbolizar (sempre parcialmente), as mensagens que são transmitidas pelo outro, a criança deve recorrer a códigos tradutivos, que são também fornecidos pelos adultos. Trata-se de uma discussão centrada na comunicação adulto-criança, em que, muitas vezes, as mensagens transmitidas pelo adulto extrapolam a capacidade de simbolização da criança. Logo, ela é impelida a recorrer a códigos fornecidos pela cultura, marcados pelo contexto sociocultural no qual ambos se inserem (Laplanche 2015), conforme mencionamos anteriormente. No que concerne à necessidade de recorrer aos denominados auxiliares de tradução, Laplanche (2015, p. 122) destaca:

Confrontado pelas mensagens do adulto comprometidas pelo inconsciente, logo, enigmáticas, intraduzíveis somente pelos meios dos códigos relacionais que tem a sua disposição (códigos auto conservativos), o infans deve recorrer a novos códigos. Mas ele não os inventa a partir do nada. Possui ao seu alcance, muito cedo, por seu meio cultural geral (e não unicamente familiar), códigos, esquemas narrativos pré-formados. Poder-se-ia falar aqui de uma verdadeira ajuda a tradução proposta pela cultura ambiente.

Dessa forma, diante das mensagens transmitidas pelo adulto, a criança se vê impelida à tradução, à busca da construção de meios tradutivos, a uma significação para o que vivencia. Entendemos que o mesmo processo ocorre na adolescência, momento em que o sujeito precisa teorizar sobre si mesmo e sobre o outro e construir sentidos, isto é, elaborar psiquicamente as inúmeras transformações que vivencia, os ideais civilizatórios que se impõem e ressignificar os vividos anteriores, além de construir novas possibilidades de investir no futuro. Nesse sentido, partimos da proposição de que esses esquemas narrativos circulam também nas mídias digitais, mais especificamente nas redes sociais. Quando mediados pela criação e manutenção de laços afetivos entre os sujeitos ou com movimentos sociais e políticos, por exemplo, pode representar um caminho frutífero de ressignificação para as mensagens e códigos tradutivos advindos da infância, auxiliando na elaboração das experiências vividas na adolescência.

Dessa forma, são esses códigos disponibilizados pelo contexto sociocultural que irão atuar como verdadeiros ajudantes no processo tradutivo das mensagens transmitidas pelos cuidadores (Laplanche, 2015). Partindo desse pressuposto, consideramos que, na adolescência, os auxiliares de tradução podem facilitar, abrir uma via para o processo de reorganização narcísica. Isso implicaria, consoante discutimos, reordenações complexas no plano subjetivo (Freud, 1914/2013) e elaboração de elementos relevantes no período de travessia que abrange a adolescência, tais como: ressignificação da herança simbólica recebida, das inúmeras transformações corporais e afetivas que o adolescente vivencia, a confrontação e reposicionamento subjetivo diante dos ideais e exigências civilizatórias.

Nas redes sociais, podemos pensar como auxiliares de tradução (Laplanche, 2015) os diversos movimentos sociais que produzem conteúdos – como os intelectuais do movimento negro e do feminismo – que questionam os ideais civilizatórios de beleza, alicerçados na branquitude e nas imposições de gênero. Tais movimentos são plurais e englobam uma diversidade de narrativas do ponto de vista social e político. Partimos da premissa de que o potencial de retradução e reorganização narcísica ocorre quando mediado pelas trocas afetivas com o outro, pela produção de narrativas significativas, pela manutenção e criação de novos vínculos.

Em contraste, podemos pensar que o enriquecimento simbólico – fundamental para o processo de reorganização narcísica na adolescência – pode ficar comprometido quando as possibilidades de troca com o outro estão preponderantemente ligadas a um uso performático, desvinculado de narrativas significativas. Ou seja, quando essa (falta de) troca fornece poucas possibilidades simbólicas, estando mais próxima de uma lógica de construção e exposição de uma imagem de sucesso de si (Ehrenberg, 2010). Nesse caso, parece-nos que as redes sociais podem dificultar o processo de reorganização narcísica, posto que os adolescentes ficariam aprisionados à busca repetitiva e compulsiva de divulgação de uma imagem de sucesso de si.

Nessa perspectiva, as redes sociais, em uma de suas facetas, são o espaço por excelência das exigências e expectativas da civilização contemporânea. Conforme buscamos demonstrar, uma das expressões dessas exigências são os ideais “civilizatórios”. Ideais de sucesso de si, independência e autossuficiência, mediante a produção em massa de imagens de sucesso de si. Buscamos indicar que os ideais “civilizatórios” têm, na sua dinâmica subjacente, um ponto em comum: o individualismo contemporâneo e seu caráter subjetivante na atualidade. Esses movimentos subjetivos nas mídias digitais nos conduzem a pensar a relação com o outro nessa dinâmica marcada pela performance. Tal dinâmica nas redes sociais parece ser marcada pelo empobrecimento das trocas entre os sujeitos, pelo esvaziamento de narrativas e, principalmente, pela fragilidade e/ou carência de laços afetivos. Nesse contexto, encontramos com frequência a performatização compulsiva de imagens de sucesso de si. Consideramos que tal repetição compulsiva pode ser pensada como passagem ao ato, como uma resposta diante do pulsional que não pôde ser simbolizado.

Quando a força pulsional não ingressa na via representacional, não consegue ser encaminhada psiquicamente uma das formas encontradas pelo ego para tentar dominá-la, configurando a passagem ao ato. Sem a possibilidade de simbolização, não há possibilidade de elaboração, nem de recalcamento, colocando em cena a compulsão à repetição. Acerca da compulsão à repetição, Cardoso (2006, pp. 10-11) destaca: “Noção de grande abrangência, sua definição fala de uma exigência interna de agir, de caráter imperativo. A dimensão do ato – relativa à fronteira entre psíquico e corpo – é prioritária nesse terreno, e se articula com a de uma força violenta que se impõe ao sujeito sem que este possa dominá-la”.

As proposições dessa autora vêm pontuar a importância da ideia contida na compulsão à repetição sobre o tema dos limites entre o corpo e o psíquico, aspecto que nos parece estar implicado em alguns modos de relação estabelecidos com as redes sociais, dos quais destacamos a repetição compulsiva da performatização de uma imagem de sucesso de si.

Diante de uma exigência pulsional, a passagem ao ato já constitui, no entanto, uma resposta do psiquismo, por mais primária e elementar que possa ser. Trata-se de uma resposta a uma quantidade de excitação que excede a possibilidade de ligação, ultrapassando os limites psíquicos de representação e ameaçando a integridade egoica. Nesse contexto, o ego busca livrar-se dessa excitação excessiva para a qual não conseguiu dar um encaminhamento psíquico. Há uma convocação do corpo por meio do ato, fonte de alívio momentâneo da excitação. A passagem ao ato vem justamente tomar o lugar do trabalho de elaboração psíquica. Quando essa forma de relação com as redes sociais prepondera, teremos um aprisionamento nessa lógica compulsiva de performatização, lógica que tende a intensificar a fragilidade narcísica.

Consonante com o que tentamos indicar, os entraves psíquicos e as aberturas rumo à reapropriação narcísica estão relacionados com as formas de relação com o outro. Nesse sentido, é relevante pensarmos nessas duas possíveis facetas da relação estabelecida com as redes sociais: se o uso está mais no sentido da manutenção e criação de trocas com o outro; ou se está mais próximo da lógica da passagem ao ato, de uma performatização de si, de um esvaziamento simbólico. Cabe destacar que essas duas facetas não são excludentes e podem coexistir. Como vimos, o adolescente, fragilizado narcisicamente, quando não dispõe de espaços de trocas com o outro, ou quando dispõe de espaços em que o encontro com o outro se dá a partir de uma lógica performática, poderá enfrentar dificuldades para elaborar as inúmeras demandas que a passagem para a vida adulta impõe.

Considerações finais

Vimos que, na contemporaneidade, as possibilidades de trocas afetivas com o outro parecem estar empobrecidas em alguns meios, fragilizando, assim, as possibilidades de enriquecimento simbólico e reapropriação narcísica na adolescência. Nossa discussão teve como foco o contexto das redes sociais. Procuramos mostrar, por um lado, que estas podem ser pensadas como uma possibilidade de encontro com múltiplos códigos simbólicos, fornecidos pela cultura. Para isso, partimos do pressuposto de que, quando mediadas pela construção e manutenção de vínculos entre sujeitos, as redes podem auxiliar no processo de reorganização narcísica e manejo pulsional dos ideais “civilizatórios”.

Isso só seria possível quando ocorre uma troca, no sentido de construção ou manutenção de laços afetivos – mesmo que virtualmente. Troca afetiva que pressupõe a produção de narrativas e criação de novos sentidos para as mudanças que o adolescente vivencia; espaço de compartilhamento e construção de pensamento crítico e conteúdos significativos afetivamente sobre os ideais tidos como “civilizatórios”, elementos que precisam ser elaborados e, destarte, possam possibilitar novas formas de investir em si e no outro. Podemos pensar, conforme indicamos, nos movimentos sociopolíticos.

Em contrapartida, quando a vinculação com o outro está, de alguma forma, comprometida pela lógica do individualismo contemporâneo, estendendo-se às mídias digitais, as redes sociais podem também se apresentar como um espaço empobrecido simbolicamente. Inclusive, o excesso de informação fornecido – marcado, como vimos, pela lógica de ideais “civilizatórios”, pela performance de uma imagem de sucesso de si – pode assumir um caráter compulsivo, de passagem ao ato, podendo reverberar em impasses e obstruções do trabalho psíquico que é fundamental na passagem da infância para a vida adulta.

De acordo com o que tentamos explicitar, uma das formas de compreender o empobrecimento das possibilidades simbólicas associadas à troca com o outro é pensar na lógica contemporânea pautada em uma supervalorização da performance, desvinculada de uma lógica simbólica. Cabe ressaltar que a performance imagética parece ser uma característica marcante da contemporaneidade ocidental, não sendo possível responsabilizar as redes sociais nem as mídias digitais, de modo geral, por esse movimento, posto que as redes sociais seriam uma das possibilidades de manifestação dessa performatização contemporânea. Salientamos, ainda, que a manifestação da performatização seria um dos usos possíveis das redes sociais, entre tantos outros. Assim, é relevante que repensemos, no âmbito social, os espaços de troca com o outro que são oferecidos aos adolescentes na contemporaneidade.

As reflexões feitas neste artigo, longe de estarem esgotadas, buscaram situar alguns aspectos da adolescência no contexto contemporâneo e refletir sobre possíveis desdobramentos, possíveis destinos pulsionais pensados em articulação com usos das redes sociais. Porém, acreditamos que não podemos perder de vista que os encaminhamentos pulsionais devem ser pensados pautados em uma lógica que considere e respeite a singularidade de cada adolescente, bem como o contexto sócio-histórico-cultural no qual ele está inserido.

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