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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.17 no.2 Fortaleza May/Aug. 2017
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i2.5379
ESTUDO TEÓRICO
Dinâmica, topologia e economia na construção de uma metapsicologia da constituição do sujeito
Dynamics, topology and economy in the construction of a metapsychology of the constitution of the subject
Dinámica, topología y economía en la construcción de una metapsicología de la constitución del sujeto
Dynamique, topologie et économie dans la construction d'une metapsychologie de la constitution du sujet
Aline Accioly Sieiro (Lattes)I; Germano Almeida Faria Fortunato Pereira (Lattes)II; João Luiz Leitão Paravidini (Lattes)III; Tassiana Machado Quagliatto (Lattes)IV
IPsicanalista, Mestre em Psicologia Aplicada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
IIMestre em Psicologia Aplicada no eixo Psicanálise e Cultura pela Universidade Federal de Uberlândia, Psicanalista, Trabalhador da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
IIIProfessor Associado da Universidade Federal de Uberlândia e da Prefeitura Municipal de Uberlândia. Pós-doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais
IVMestranda em Psicologia Aplicada pela Universidade Federal de Uberlândia
RESUMO
Este trabalho surge do retorno à teoria psicanalítica pelo método de diagnóstica não-toda. Ensejamos nos aproximar do que resiste à teorização, questionando os seus limites para regressar à prática clínica e produzir novas respostas acerca da noção do real na própria teoria da constituição do sujeito. Em termos metapsicológicos, podemos observar três dimensões de construção teórica sobre a constituição do sujeito: (1) as estruturas ontológicas, como o Real, o Simbólico e o Imaginário, em sua lógica de trançamento - aspecto topológico; (2) as estruturas antropológicas, como metáfora paterna, falo e significante em sua perspectiva estrutural - aspecto dinâmico; e (3) a noção de objeto a e as posições discursivas que permitem a passagem entre as estruturas ontológicas e antropológicas - aspecto econômico. Apresentamos as construções dinâmicas e topológicas sobre a constituição do sujeito e questionamos a ausência de trabalhos acerca do aspecto econômico.
Palavras-chave: metapsicologia; constituição do sujeito; diagnóstico diferencial.
ABSTRACT
This work comes from the return to psychoanalytic theory by the non-whole diagnostic method. We aim to approach of what resists theorizing, questioning its limits to return to clinical practice and to produce new answers about the notion of the real in the theory of the constitution of the subject. In metapsychological terms, we can observe three dimensions of theoretical construction on the constitution of the subject: (1) the ontological structures, such as the Real, the Symbolic and the Imaginary, in their braid logic - topological aspect; (2) anthropological structures, as a paternal metaphor, phallus and signifier in its structural perspective - dynamic aspect, and (3) the notion of object a and the discursive positions that allow the passage between the ontological and anthropological structures - economic aspect. We present the dynamic and topological constructions on the constitution of the subject and question the absence of works on the economic aspect.
Keywords: metapsychology; constitution of the subject; differential diagnosis.
RESUMEN
Este trabajo surge del regreso a la teoría psicoanalítica por el método de diagnóstico no-toda. Deseamos acercarnos a lo que resiste a la teorización, cuestionando sus límites para regresar a la práctica clínica y producir nuevas respuestas acerca de la noción del real en la propia teoría de la constitución del sujeto. En términos metapsicológicos, podemos observar tres dimensiones de construcción teórica sobre la constitución del sujeto: (1) las estructuras ontológicas, como el Real, el Simbólico y el Imaginario, en su lógica de trenzado - aspecto topológico; (2) las estructuras antropológicas, como metáfora paterna, falo y significante en su perspectiva estructural - aspecto dinámico; y (3) la noción de objeto y las posiciones discursivas que permiten el pasaje entre las estructuras ontológicas y antropológicas - aspecto económico. Presentamos las construcciones dinámicas y topológicas sobre la constitución del sujeto y cuestionamos la ausencia de trabajos acerca del aspecto económico.
Palabras clave: metapsicología; constitución del sujeto; diagnóstico diferencial.
RÉSUMÉ
Ce travail vient du retour à la théorie psychanalytique par la méthode de diagnostique pas-tout. On cherche s'approcher de ce qui résiste à la théorisation, en interrogeant ses limites pour retourner à la pratique clinique et produire des nouvelles réponses concernant la notion du Réel dans la théorie de la constitution du sujet. En termes metapsychologiques, on peut observer trois dimensions de la construction théorique sur la Constitution du sujet: (1) les structures ontologiques comme le Réel, le Symbolique et l'Imaginaire, dans sa logique de torsion - l'aspect topologique; (2) les structures anthropologiques comme la métaphore paternelle, le phallus et le signifiant dans sa perspective structurelle - l'aspect dynamique; et (3) le concept de l'objet et les positions discursives qui permettent le passage entre les structures ontologiques et anthropologiques - l'aspect économique. On présente les constructions dynamiques et topologiques sur la constitution du sujet et on remise en question l'absence d'études concernant l'aspect économique.
Mots-clés: metapsychologie; constitution du sujet; diagnostic différentiel.
O presente trabalho objetiva uma revisão bibliográfica da noção de constituição de sujeito realizada por três autoras: Leda Mariza Fisher Bernardino, Inês Catão e Ângela Maria Resende Vorcaro. O que despertou nosso interesse no tema foi a questão do diagnóstico e como ele movimenta o trabalho psicanalítico, ainda que na primeiríssima infância, esta função tenha sua especificidade.
A certo ponto, tratamos a questão do diagnóstico como função que se articula à teoria da constituição do sujeito, frente ao trabalho do psicanalista com a primeiríssima infância. Nesse tempo inicial de constituição, o diagnóstico não serve como um roteiro a ser seguido, rompendo com um ideal de normalidade ou de uma direção de tratamento-modelo ideal. O diagnóstico oferece uma possibilidade de escuta com um sujeito em constituição, em seu tempo de acontecimento.
A partir do método de diagnóstica não-toda (Dunker, 2010), ensejamos nos aproximar do que resiste à teorização. Esse método nos possibilitou concretizar um direcionamento de trabalho que não parte de um ideal de leitura integrativa das teorias, mas que permite equacionar os diferentes momentos teóricos como instrumentos para a leitura da constituição do sujeito, respeitando cada momento teórico. Dessa maneira, as comparações não possuem efeito de julgamento de valor, mas de categorização das respostas teóricas, do que elas conseguem abranger, e quais são os limites que o próprio processo de teorização encontra ao se debruçar sobre o tema em questão. Dunker (2010) acrescenta em sua proposição metodológica um modo de olhar para a teoria que abarca as dimensões dinâmica, econômica e topológica. Partimos desses pontos metodológicos, buscando discutir, ao final, o que pudemos concluir sobre essas três dimensões na teoria da constituição do sujeito.
Na primeira parte do artigo, situamos o trabalho da psicanálise na primeira infância e abrimos diálogo com as querelas de ordem e controle que estão presentes na ideia de intervenção precoce. No segundo item, discutimos a relação entre o tempo cronológico e o tempo lógico da constituição do sujeito. Na sequência, trabalhamos com as construções dinâmicas, topológicas e econômicas sobre a constituição do sujeito.
Psicanálise e primeira infância
Diagnosticar, para o psicanalista que lida com a clínica da primeira infância, é manejar um desencontro fundante entre o que se espera do bebê que nasce e do sujeito em constituição. Não se trata de tomar crescimento, maturação e desenvolvimento como alheios à constituição.
Segundo J. Jerusalinksy (2002 p. 150), enquanto o "crescimento é mensurável e implica um aumento de peso e volume do organismo", a "maturação diz respeito ao conjunto de transformações sofridas pelo organismo em seu processo de aperfeiçoamento do sistema nervoso central e das estruturas neuromusculares, levando-os progressivamente a coordenações mais complexas e possibilitando o pleno exercício de suas funções". Já o desenvolvimento "é o termo mais abrangente dos três, incluindo o crescimento e a maturação, mas não se reduzindo apenas a um caráter orgânico. Ele implica o processo das aquisições instrumentais - psicomotoras, cognitivas e de linguagem - e está articulado ao modo pelo qual um bebê ou criança se apropriará psiquicamente do funcionamento das diferentes funções orgânicas".
Essas três vertentes permitem diagnosticar a primeiríssima infância, mas ao psicanalista interessa, além desses aspectos, o modo singular como o sujeito articula sua entrada no campo do Outro. Assim, os processos de desenvolvimento e crescimento (físico e cognitivo) estão atrelados aos da constituição de uma vida psíquica que não está dada de antemão, como num processo natural de aquisição.
O sujeito é uma noção que não coincide com as noções de Eu ou de personalidade, mas uma instância psíquica inconsciente. Constrói-se, desde o início da vida de uma criança, a partir de um campo social pré-existente - a história de um povo, de uma família, do desejo dos pais - mas também a partir dos encontros, intercorrências e acasos que incidem na trajetória singular da criança. Do campo da cultura e da linguagem virão as chaves de significação em torno das quais a criança deverá construir para ela própria um lugar único. Desse processo, surgirá o sujeito psíquico, aqui concebido como um elemento organizador do desenvolvimento da criança em todas as suas vertentes - física, psicomotora, cognitiva e psíquica. (Kupfer, Jerusalinsky, Bernardino, Wanderley, Rocha, Molina, Sales. Stellin, Pesaro, & Lerner, 2009, p. 50)
A definição de sujeito a qual nos referenciamos impacta na prática de uma terapêutica e no aspecto ético, porque afeta o psicanalista na tomada do sujeito como uma aposta de que ali já está em processo um tempo de constituição, que é, ao mesmo tempo, cronológico e lógico, paradoxalmente.
Portanto, o momento da detecção de possíveis riscos e de intervenção (intervenção precoce) é um dado central de ordem terapêutica e ética. "Trata-se de propor estratégias de detecção que permitam uma intervenção a tempo, ou seja, em um momento em que as áreas mais nobres do aparelho psíquico ainda estão em construção, antes que os processos psicopatológicos propriamente ditos se instalem" (Kupfer et al., 2009, p.14).
Nesse sentido, vimo-nos frente a questões importantes quanto à dimensão transferencial com crianças e à parcela de demanda parental no processo terapêutico e ético. Diante da escolha de uma faixa etária fixa e da implicação prática com o tempo lógico da estrutura que se constitui, a antecipação do psicanalista seria um dos efeitos deste corte, ou seja, o psicanalista chega antes do estabelecimento de uma demanda, numa lógica de prevenção que não é da ordem ética da prática psicanalítica.
Numa lógica de trabalho com crianças em psicanálise, impõe-se a singularidade do desejo que está por vir, porém é necessário o tempo em que uma demanda se estabelece em direção ao analista. A relação do sujeito do inconsciente em tratamento psicanalítico e seu Outro constituinte se repetirá junto ao analista, que, aproveitando o direcionamento de suposto saber, posiciona-se de tal modo que garanta a constituição de Outra relação possível com aquele que se constitui.
Um tempo de constituição do sujeito
Sobre o tempo, destacaremos sua face lógica e cronológica e como essas noções de tempo atravessam o diagnóstico na primeiríssima infância. Consideramos o tempo lógico como propõe Lacan (1998a) em Lacan, J. (1998a). O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada. Neste trabalho, o psicanalista aborda o sofisma dos prisioneiros que precisam se referenciar aos outros companheiros de cela para que saiam da prisão. O trabalho psíquico de um prisioneiro se dá tanto pelas marcas que os outros possuem quanto pelo tempo em que agem antecipadamente sobre as certezas com as quais podem concluir sua própria marcação. Os elementos no instante de olhar, tempo de compreender e momento de concluir, são momentos articulados ao reconhecimento da semelhança numa relação especular: deixar-se tomar por essa representação e se reconhecer insuficiente nela para poder se movimentar a partir disso que já se marcou.
O trabalho temporal de que se trata aqui é uma estruturação lógica que precisa ser compreendida na sua complexa amarração com o tempo cronológico. A partir das perspectivas de maturação e desenvolvimento, há uma organização racional que localiza o futuro, o presente e o passado - começo, meio e fim - que se apresenta como um parâmetro necessário, já que é nele que a marcação lógica poderá se instaurar, promovendo rupturas. Segundo A. N. Jerusalinsky (2002),
um bebê é depositário de tão grandiosas esperanças de realização ao mesmo tempo em que está absolutamente despreparado para viver. Temos aí uma desproporção e é diante de tal desproporção que a infância transcorre: entre a insuficiência das condições reais do bebê e o que já aparece para ele antecipado como potência a partir da estrutura, sem que tenha condições simbólicas e reais de realizar. (p. 80)
Ao retomar a questão do diagnóstico após enfrentar o desencontro entre expectativa e realização, entre o que consiste no tempo lógico e insiste no tempo cronológico, percebemos que isso não se dá a partir de uma localização das rupturas ou de nomeá-las, mas a partir de um fazer com o desencontro, invenção caso a caso a partir da singularidade e particularidade de cada impasse.
Em psicanálise, partimos da hipótese do inconsciente e, consequentemente, da aposta de que há um sujeito. Laznik (2000), Kupfer et al. (2009), Vorcaro (2004), Bernardino (2006), Catão (2009) e outros psicanalistas discutiram a importância da instauração do circuito pulsional. Segundo Vorcaro, (2004), "se o organismo for conduzido meramente pelo fluxo da vida, puro ser, sem sentido, está excluído da alteridade, e a condição de insuficiência o mata" (p. 72). Sobre o corpo e seus limites anátomo-fisiológicos e neurológicos, J. Jerusalinsky (2002) vai reforçar o fato de que estar equipado com este aparelhamento biológico não é suficiente para determinar diagnósticos que impeçam a aposta de que venha a se constituir um sujeito. O que ela reforça está condicionado ao estabelecimento de um circuito de desejo e demanda do Outro (p. 84).
Essas considerações sobre o tempo nos remetem também ao fato do laço com outro humano ser fundamental na constituição do sujeito, pois a posição psíquica da criança em sua relação com essa alteridade é que vai sustentar, "marcar e sistematizar as funções orgânicas, anatômicas, musculares e neurofisiológicas do bebê ou da criança pequena" (Pesaro, 2010, p. 25).
Neste sentido, Catão (2009, p. 73) afirma que essa dependência do Outro é estrutural para o sujeito. Para Lacan (1985), o Outro Primordial se define com uma função simbólica. O que o autor opera é um espessamento do conceito, uma vez que tomamos o Outro não apenas na sua dimensão encarnada no outro (mãe), mas como uma função a ser desempenhada por um cuidador, que não deixa de se remeter ao Outro para conduzir sua entrada no campo da linguagem, mas também há nele algo próprio e particular que persiste.
Trata-se de repensar a diferenciação da condição de instauração temporal e reafirmar sua condição coincidente em cada campo de sua exigência. No tempo lógico, o simbólico marca a arbitrariedade do sentido em relação ao significante - a diferença fundamental entre um elemento e outro - que possibilita o reconhecimento de um elemento pela marcação de outro. No real, há o tempo cronológico, para além da nossa entrada na linguagem: "o inconsciente opera a revelia da passagem do tempo" (Mariotto & Medeiros, 2006, p. 45).
Em psicanálise, essas diferentes dimensões de tempo se articulam e, a partir disso, várias proposições de constituição se apresentam a partir da leitura de Freud e Lacan. A seguir, acompanharemos algumas dessas articulações e o que elas apresentam fundamentalmente como processo de estruturação constitutiva do sujeito.
Aspectos dinâmicos e topológicos da constituição do sujeito
Entendemos que a ordenação e a classificação de determinados eventos e fenômenos escapam à nossa tentativa de sistematização, e é por isso que construímos teorias para enfrentar a prática, sem deixar de lado o que escapa, uma vez que a impossibilidade de fazer coincidir a teoria com cada caso clínico terá seus desencontros e particularidades de um psiquismo fundado na hipótese de que há inconsciente.
Segundo Dunker e Kyrillos Neto (2011, p. 04), para o diagnóstico, "a psicanálise conta com um conjunto de conceitos e de hipóteses de natureza metapsicológica, que fazem função dessa classificação no interior de uma psicopatologia. A saber, a função antropológica de organizar diferenças sob a égide da universalidade". Eles afirmam ainda que os casos clínicos não funcionam como uma exposição teórica e descritiva, mas se apresentam como "a articulação de uma história ou de um conjunto de histórias que se ordenam de modos distintos e móveis".
O diagnóstico em psicanálise permite "uma abordagem racional do subjetivo, do singular e dos aspectos irredutíveis a grandes leis gerais sobre o sofrimento humano" (Dunker & Kyrillos Neto, 2011, p. 12). No que tange ao diagnóstico relacionado especificamente ao tempo de infância, partimos da hipótese de Vorcaro (1999), na qual é possível reconhecer a condição de estruturação de uma criança em função de suas diversas manifestações e impasses, por meio da escuta de suas falas e brincadeiras, que nos indicam uma posição em relação ao gozo, ainda que não decidido. A constituição do sujeito é da ordem de um tempo lógico, a criança vai, portanto, fazendo escolhas que orientarão a lógica de sua existência, ou seja, faz escolhas de gozo dentro de uma estrutura determinada pelo sintoma e pela fantasia dos pais.
Se, por um lado, afirmamos que é possível reconhecer a condição de um psiquismo em constituição; por outro lado, enfatizamos que se trata de uma estrutura ainda não decidida, ou seja, o diagnóstico serve apenas como apoio para intervenções na prática clínica, de forma que o chamamos de diagnóstico interventivo. Dessa maneira, não existe uma separação entre um tempo de diagnóstico e um tempo de intervenção, pois ambos já são tomados numa perspectiva de tratamento; eles se atravessam.
A partir de um diagnóstico que não pretende induzir a uma patologização do tempo de constituição subjetiva e seus impasses, nossa posição é de uma ética em que diagnóstico, intervenção, método, teoria e tratamento se entrelaçam.
Tornar-se sujeito, segundo Vorcaro (2004, p. 66), aponta para a relação que cada criança vai construir em sua entrada na linguagem. A imersão no campo simbólico é singular, pois a criança se situa no exato momento em que é reduzida a objeto a para o Outro primordial, tendo que aprender a se reposicionar. O Outro (matriz de dupla entrada - desejo e gozo) introduz o significante e também o objeto a, e cabe à criança se haver com essa situação para passar do ser objeto a ser sujeito. Diversos autores apresentam suas versões sobre como esse encontro acontece.
Partindo da relação do sujeito e do Outro como estruturante para a criança em seu tempo de constituição, Vorcaro (2004, p. 03) estabelece seis movimentos que trilham e enodam a criança em constituição em sua relação com a alteridade. Segundo a autora, o processo de entrada na linguagem e a constituição do sujeito são atos e manifestações que cifram uma relação com a alteridade, constituindo uma realidade psíquica na criança. Retomando Lacan e sua teoria do nó borromeano, Vorcaro (2004, p. 05) apresenta, em seis movimentos, como as três dimensões (Real, Simbólico e Imaginário) trançam o encontro do sujeito com a linguagem e quais consequências são resultado de cada um desses movimentos.
Catão (2009) e outros autores (Bernardino, 2006; Kupfer et al., 2009; Laznik, 2000; Vorcaro, 2004) também apresentam as condições de estabelecimento desse laço. Para esses autores, é possível destacar quatro eixos fundamentais no encontro do sujeito com o Outro.
Para Bernardino (2002), o processo de constituição subjetiva decorre de uma série de operações psíquicas. Segundo a autora, a estrutura do sujeito não é um dado a priori, mas o resultado de vários tempos que se instauram e depois são retomados de formas diferentes. O desfecho das operações se dá na operação adolescente e não no Édipo, como é observado nas ideias apresentadas pelas outras autoras. Mesmo que não seja o foco deste projeto alcançar a faixa etária que corresponde à adolescência e, portanto, não seja uma discussão a ser levada adiante, é importante sinalizar como, para Bernardino, essa operação marca o desfecho da constituição de um sujeito "assujeitado à linguagem, mas desejante, capaz de repetir, mas também de criar" (Bernardino, 2002, p. 63) à medida que ele toma certa distância do Outro e pode escolher os seus nomes-do-pai.
A despeito disso, pela via dos seis movimentos apresentados por Vorcaro, pelos quatro eixos fundamentais de Catão e as primeiras operações psíquicas propostas por Bernardino, localizamos similaridades naquilo que hoje é considerado fundamental no desenvolvimento e na constituição subjetiva. São eles:
a. Estabelecimento da demanda (Catão, 2009, p. 74): Quando o cuidador interpreta os gritos, choros e movimentos do bebê como um pedido dirigido a ele. A tradução dos gritos, choros e movimentos do bebê, transformados em demanda, fazem a mensagem retornar para a criança em forma de questionamento: "O que você quer?"
Vorcaro (2004, p. 10), a respeito desse mesmo momento, nomeia como primeiro movimento a incidência do real na matriz "simbolizante mínima". Nesse movimento, "o organismo é afetado por uma descontinuidade", a alternância entre tensão e apaziguamento se faz presente na relação mãe-bebê, ou seja, é o momento de encontro entre o que a mãe já produziu como saber sobre o bebê e o que o bebê apresenta como estranho e descontinuidade de todo esse saber produzido sobre ele. Nesse encontro de angústia entre essas duas realidades, a mãe está posicionada como alguém que não sabe, mas se interroga sobre as manifestações da criança e o modo como elas estabelecem um enigma sobre o sujeito.
b. Suposição de sujeito (Catão, 2009, p. 74): Em referência ao estádio do espelho, momento em que a mãe antecipa o que vê no corpo de seu bebê, em que ela nomeia o que ainda não está lá para que ele possa advir. Esse olhar é fundador do corpo da criança.
Quando Catão (2009) aponta como item a suposição do sujeito, está fazendo referência ao estádio do espelho de Lacan (1998b). O autor, ao tratar do estádio do espelho, teoriza sobre o momento em que a criança se vira para o adulto que a sustenta buscando um reconhecimento de si mesma. A metáfora do espelho nos conta de uma cena em que, de frente para o espelho e nos braços de um adulto, a criança olha sua imagem no espelho e se vira para o adulto que a segura pedindo confirmação de que aquela é sua imagem, de que aquela no espelho é ela, a criança. Para que o bebê possa se reconhecer, ele precisa do olhar do Outro lhe devolvendo sua imagem. Essa imagem devolvida pelo outro é responsável pelo sentimento de unidade e a criança poderá, a partir do olhar do Outro, se constituir como um corpo e também na sua relação com seus semelhantes.
É ali, quando os pais apontam para a criança no espelho, nomeando quem ela é, que permitem uma vivência possível para um corpo e uma imagem, nomeados por significantes. Laznik (2004) explica que esse olhar não se confunde com visão, pois, na verdade, estamos falando de um tipo de investimento libidinal.
Vorcaro (2004, p. 10) intitula como segundo movimento a incidência do imaginário no real. Frente a um enigma apresentado pelo bebê, o agente materno responde com uma fantasia, com a idealização de um bebê possível, imagem essa produzida e oferecida pelo agente materno como possibilidade de satisfação, instituindo o Outro em uma posição de saber sobre o sujeito. Assim, a partir desse momento, o Outro oferece significantes do que ainda não está ali, mas que pode advir, permitindo que a criança se apoie nessa matriz articulada pelo outro e se constitua.
Aproveitando-se também da metáfora do espelho, Bernardino (2002) nomeia este momento da constituição de operação do estádio do espelho. Teoriza que essa confirmação advinda do adulto acerca da imagem do bebê é o que unifica e dá contorno ao que ainda está despedaçado, formando o Eu. O Eu se forma, portanto, nessa alienação às palavras e ao olhar do Outro, bem como na ilusão de completude que a imagem especular oferece.
c. Alternância presença-ausência (Catão, 2009, p. 75): O ato de alternadamente responder e não responder aos pedidos do bebê deixam um intervalo de resposta para a criança. Essa descontinuidade é essencial para que o bebê se posicione e para que o sujeito possa advir.
A criança perde algo de si para se alienar a esse Outro, para fazer sua entrada no campo da linguagem. Esse encontro com o Outro, Lacan nomeia como alienação. O Outro aqui se apresenta sustentado por um pequeno outro, um semelhante que exerce um duplo papel: de ser representante do grande Outro (tesouro dos significantes) e de ser pequeno outro (semelhante dentro de uma relação intersubjetiva) (Laznik, 2004, p. 64).
Para Lacan (1985), a alienação acontece nessa divisão do sujeito. O Outro é o lugar de sua causa significante, razão pela qual nenhum sujeito pode ser causa de si mesmo. Quando bebês, somos totalmente dependentes de um outro para sobreviver. Chamamos isso de desamparo original. E é neste momento que acontece o encontro com o Outro, encontro que produzirá as primeiras experiências de satisfação. É também nesse momento que o bebê se aliena ao lugar possível de objeto do desejo desse Outro para que possa se constituir. Ao viver essa alienação, porém, perde algo de si para sempre. Mas, se não vive a alienação, também perde a possibilidade de entrar no campo da linguagem.
A função materna, que faz suporte e sustenta a alienação/separação, é possível a partir da condição desejante, ou seja, condição marcada pela falta. É a presença de uma falta na mãe que a faz tomar a criança circunstancialmente como objeto de seu desejo, objeto fálico, inscrevendo a criança nas trocas simbólicas.
Já a separação, outro articulador fundamental no processo, implica o fato de que todo esse processo de alienação deixa um resto, uma vez que o sujeito busca no Outro aquilo que lhe falta, aquilo que ele abdicou e perdeu para se tornar sujeito ao desejo do Outro. É como se o Outro pudesse sempre complementar aquilo que falta ao sujeito. No entanto isso não se efetiva, pois o Outro está sempre às voltas com algo a mais. A separação incide a partir da posição em que o sujeito percebe que o Outro também é faltante como ele. O surgimento da falta no Outro remete o sujeito à própria falta, ou seja, à constatação da sua impossibilidade de completar o Outro. A operação de separação é marcada pelo confronto com uma dupla falta: a falta de um significante particular, de uma representação de si, já que dependemos de um significante do Outro para nos nomear; e a falta real que, de acordo com Lacan (1985, p. 195), "é o que o vivo perde, de sua parte de vivo, ao se reproduzir pela via sexuada. Essa falta é real porque se reporta a algo de real que é o que o vivo, por ser sujeito ao sexo, caiu sob o golpe da morte individual".
Vorcaro (2004), a respeito desse tema, descreve o momento da precedência simbólica ao sujeito, quando o bebê nasce e emerge em um mundo desconhecido e, para habitá-lo, é preciso perder algo de si para aceitar o encontro com a alteridade. Uma escolha sem escolha, de caráter imperativo e que já marca um movimento de se deixar tomar pelo Outro.
Segundo Vorcaro (2004, p. 10), o terceiro movimento, incidência do simbólico sobre o imaginário, equivale ao tempo de alternância entre presença e ausência, tempo em que a criança e o agente materno se veem de frente com a dupla falta e na maneira como cada um se posiciona em relação a essa condição subjetiva. A criança tenta determinar o desejo do agente materno, oferecendo-se como objeto fálico para preencher seu vazio, mas também se torna um sujeito anulado em seu desejo.
Entre ser o falo da mãe ou ter o falo, a criança já se apresenta marcada pela falta e recebe desse lugar significantes que vão representá-lo ao mesmo tempo em que se oferece como objeto para preenchê-lo. Posteriormente, quando o sujeito tenta construir, no fantasma, uma resposta à falta do Outro, respondendo à questão "o que o Outro quer de mim?" (Lacan, 1985), há um desdobramento na construção da questão em torno de sua própria falta: "O que eu desejo"? É nessa condição de dupla falta que se encontra a movimentação desejante do sujeito.
Bernardino (2002) dá o nome de apagamento para o tempo da operação de separação, já introduzindo a metáfora paterna. A entrada do Nome-do-Pai institui o recalque originário, barrando o desejo materno inconsciente, o gozo criança-mãe. É um apagamento nessa marca pura de linguagem permitido pela letra que fez borda entre o saber (inconsciente simbólico) e o gozo (inconsciente real).
"Fundam-se então em um mesmo movimento significante e sujeito" (Bernardino, 2002, p. 62). O sujeito é, portanto, um enigma a ser decifrado, que, impulsionado pelo desejo, aparece e desaparece entre os significantes. Essa alternância, segundo Bernardino, é o tempo da operação do Fort! Da!
d. Função paterna (Catão, 2009, p. 75): Quando a mãe ou cuidador faz referência a um terceiro, ficando impedida(o) de ser único objeto de gozo da criança, o que permite que a função paterna se instale, levando a criança a procurar novos modos de satisfação.
Segundo Vorcaro (2008), os três últimos movimentos são importantes no eixo da função paterna, equivalendo à produção da metáfora paterna. No quarto movimento, em que o real esgarça o simbólico, a criança pressente que a posição que ocupa diante do desejo do agente materno (esse desejo de completude) não se sustenta. Então, há um pedido imaginário em defesa contra esse desejo; um pedido de lei.
No quinto movimento, o imaginário recobre o real com a mitificação de um pai, em sua onipotência, que tira a criança da mãe e a defende de sua voracidade. O pai imaginário produz corte entre criança e agente materno, deixando espaço para que a criança possa se debruçar sobre seu ser, quando separada do lugar que ocupa para o agente materno.
É no sexto movimento que a criança encontra o termo simbólico que a barra de ser o correspondente ao desejo da mãe, finalizando a operação da metáfora paterna. Há um esgotamento das relações de fantasia possíveis para recobrimento do real e, com isso, o falo imaginário é posto de lado. Ele é substituído por uma regulação entre desejo e lei, passando a operar a partir de uma lógica inserida pelo corte produzido pela metáfora paterna. Ao mesmo tempo, ao cair do lugar de falo, a criança supõe no agente paterno um saber. É o agente paterno que passa a saber sobre o manejo da falta.
Esse tempo da função paterna, que se inicia, para Bernardino (2002), com o apagamento, vai culminar na operação edípica. Para não sucumbir aos diversos encontros que tem com a falta, o mito edípico oferece à criança algum recurso simbólico. Desenrola-se uma novela familiar particular que tem de ser referenciada e recalcada.
Com essa descrição dos quatro eixos fundamentais e dos seis movimentos de trançamento e das quatro operações psíquicas, apostamos que a constituição subjetiva e a formação do inconsciente definem a condição do ser criança, do sujeito no campo da linguagem e na passagem do ser para o Outro, e do ser em sua diferença radical.
Aspecto econômico: uma questão necessária
Em termos epistemológicos, podemos observar três métodos de construção teórica sobre o sujeito: (1) as estruturas ontológicas como o Real, o Simbólico e o Imaginário em sua lógica de trançamento - topológica; (2) as estruturas antropológicas como metáfora paterna, falo e significante em sua perspectiva estrutural - dinâmica; e (3) a noção de objeto a e as posições discursivas que permitem a passagem entre as estruturas ontológicas e antropológicas - econômica (Dunker, 2011, p. 96).
A leitura das operações psíquicas propostas por Bernardino apresenta a constituição do sujeito a partir da perspectiva dinâmica, ou seja, da estruturação psíquica. A razão para afirmamos isso se sustenta no fato das operações poderem ser isoladas para fins didáticos, mantendo uma relação entre si em um tempo e uma ordenação não cronológica. Uma operação parece depender da outra para acontecer, em um contínuo cronológico em que as operações se dão em uma sequência de antes e depois, ainda que contenha a dimensão lógica, pois o que as une é uma organização simbólica.
O mesmo acontece com a apresentação teórica de Catão, uma abordagem dinâmica da constituição do sujeito. Ela estabelece quatro eixos fundamentais como norteadores da constituição do sujeito. Em sua apresentação, lemos um ordenamento cronológico, ainda que o tempo lógico seja a base dos eixos e de seus cruzamentos.
A forma como Vorcaro apresenta a constituição nos faz concluir uma ênfase no aspecto topológico, ainda que sustente uma leitura dinâmica dessa lógica. Por meio dos trançamentos entre as dimensões do Real, Simbólico e Imaginário, há uma função lógica que, independentemente da proposta de trançamento que faz, os não trançamentos e os nós podem existir, abarcando o "caso a caso", as particularidades da clínica. Pela perspectiva do trançamento e dos movimentos, conseguimos apreender que o importante não é o que resultará da trama entre os registros, mas o que é chamado por ela de desastres, acontecimentos e impasses. Os impasses fazem parte do movimento da trança, que prossegue de forma singular, com suas peculiaridades.
A psicanálise estabelece em sua teoria um discurso sobre a infância e, por vezes, isso se confunde com as relações de poder e posse. Ao estar no grupo dos teóricos sobre a infância, estamos constituindo também uma versão do que é infância em nosso tempo, na nossa cultura. É vasta e consistente a produção teórica relacionada a impasses no tempo de primeiríssima infância, que inclui temas como: institucionalização, medicalização, judicialização, escolarização, dentre outros.
O aspecto econômico prevê um olhar para a relação de objeto e para as posições discursivas entre sujeito e alteridade, o que possibilita a localização de um aparelhamento de gozo e laço social. Pensando sobre os limites da economia, especificamente nos impasses que sinalizam para o primeiríssimo tempo da infância, de que forma podemos pensar na discursividade? A partir da posição do analista que opera nesse tempo, uma inversão se faz assumir quanto ao seu lugar, que não se limita apenas a fazer o semblante e que faz causar o desejo no sujeito, ocupando a posição de causa de desejo para uma criança. Com essa mudança de posição, produzimos o avesso da própria psicanálise, que é de produzir consistência (imaginária e simbólica) e rompimentos.
Após apresentar três versões teóricas sobre os aspectos dinâmico, topológico e econômico, é neste último que localizamos o limite do que resiste à teorização. Apesar de encontrarmos uma vasta produção sobre o aspecto econômico, é nesse aspecto que o real insiste, sendo uma impossibilidade de ter qualquer discurso que determine e preveja os impasses na constituição do sujeito.
O psicanalista está totalmente inserido no campo discursivo e é convocado a responder pelo real que resiste ao saber. A partir da escuta analítica, é possível que o psicanalista produza uma resposta que reconheça os impasses de cada caso antes de antecipar uma teoria sobre eles. Quando afirmamos, na introdução, que o diagnóstico é o manejo do desencontro entre o ideal e o acontecimento, a resposta do psicanalista se insere justamente nesse vazio, operando com o seu fazer a partir de uma invenção necessária.
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Endereço para correspondência:
Aline Accioly Sieiro
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João Luiz Leitão Paravidini
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Tassiana Machado Quagliatto
Email: tassianaquagliatto@hotmail.com
Recebido em: 30/06/2016
Revisado em: 19/05/2016
Aceito em: 12/07/2017