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Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.18 no.1 Fortaleza Jan./Apr. 2018
https://doi.org/10.5020/23590777.RS.V18I1.7094
ESTUDO TEÓRICO
Complexidade na abordagem da deficiência física: discutindo aspectos pessoais, orgânicos e ambientais
Complexity in the approach to physical disability: discussing personal, organic and environmental aspects
Complejidad en el enfoque de la minusvalía física: discutiendo aspectos personales, orgánicos y ambientales
Complexité dans l'approche du handicap physique: discussion des aspects personnels, organiques et environnementaux
Diego Rodrigues Silva (OrcID)I; Rogerio Lerner (Lattes)II; Eliana Herzberg (OrcID)III
IPsicanalista. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo
IIProfessor associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente, pesquisador e orientador da Graduação e da Pós-Graduação de Psicologia do Desenvolvimento
IIIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Docente, pesquisadora e orientadora da Graduação e da Pós-Graduação. Psicologia Clínica
RESUMO
A deficiência física articula a relação entre um organismo com anomalias e um meio social para que se configure, ou não, como uma incapacidade, tendo dimensões indissociáveis. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) sistematiza essa relação, fornecendo um modelo de compreensão sustentado na complexidade que considera os aspectos orgânicos, ambientais e pessoais. Em forma de um modelo complexo, Freud estabeleceu as séries complementares, uma maneira de tratar as condições orgânicas e relacionais na constituição do psiquismo. Dados os modelos, o artigo tem por objetivo articular sistematicamente a CIF e as séries complementares quanto à compreensão da deficiência física. Foi constituído um esquema de três eixos inter-relacionados (componentes orgânicos, fatores ambientais e fatores pessoais). Confrontando-os dois a dois verificou-se que as séries complementares tratam, mais particularmente, da incidência do ambiente no pessoal, ainda que os demais dados coloquem questões importantes para o tema. Já a CIF trata com propriedade da incidência do ambiente no organismo, apresentando lacunas ao tratar dos aspectos pessoais. Conclui-se, assim, que a perspectiva adotada pela CIF representa um avanço ao inserir aspectos referentes à subjetividade na compreensão das deficiências, mas carece de um aprofundamento da consideração de tal dimensão. As questões levantadas a partir da discussão podem auxiliar nessa demanda, oferecendo temas a serem mais bem explorados e que podem contribuir com a CIF. Deste modo, ressalta a importância das compreensões complexas.
Palavras-chave: deficiência; corpo; aparato psíquico; CIF; séries complementares.
ABSTRACT
Physical disability articulates the relationship between an organism with anomalies and a social environment so that it may or may not be defined as incapacity, having inseparable dimensions. The International Classification of Functioning, Disability, and Health (CIF) systematize this relationship, providing a model of understanding sustained in the complexity that considers the organic, environmental and personal aspects. In the form of a complex model, Freud established a complementary series, a way of treating organic and relational conditions in the constitution of the psyche. Given the models, the article aims to articulate systematically the ICF and the complementary series regarding the understanding of the physical disability. A schematic of three interrelated axes (organic components, environmental factors, and personal factors) was formed. Comparing them, two by two, it was found that the complementary series deal more particularly with the incidence of the environment in the personnel, although the other data put important questions to the subject. On the other hand, the CIF treats with propriety the incidence of the environment in the organism, presenting gaps when dealing with personal aspects. It is concluded, therefore, that the perspective adopted by the CIF represents an advance in inserting aspects related to subjectivity in the understanding of the deficiencies, but it needs a deepening of the consideration of such dimension. The issues raised from the discussion can help in this demand, offering topics to be better explored and that can contribute to the CIF. In this way, it emphasizes the importance of complex understandings.
Keywords: deficiency; body; psychic apparatus; CIF; complementary series.
RESUMEN
La minusvalía física articula la relación entre un organismo con anomalías y un medio social para que se figure, o no, como una discapacidad, teniendo dimensiones inseparables. La Clasificación Internacional de Funcionalidad, Incapacidad y Salud (CIF) sistematiza esa relación, ofreciendo un modelo de comprensión sujetado en la complejidad que considera los aspectos orgánicos, ambientales y personales. Bajo un modelo complejo, Freud estableció las series complementares, una forma de tratar las condiciones orgánicas y de relación en la constitución del psiquismo. Con los modelos, el artículo tiene el objetivo de articular sistemáticamente la CIF y las series complementares cuanto a la comprensión de la minusvalía física. Fue constituido un esquema de tres ejes inter-relacionados (componentes orgánicos, factores ambientales y factores personales). Cuando confrontados dos a dos fue observado que las series complementares tratan, más particularmente, de la incidencia del ambiente en el personal, aunque los otros datos pongan cuestiones importantes para el tema. Y ala CIF trata con conocimiento de la incidencia del ambiente en el organismo, presentando huecos al tratar de los aspectos personales. Se concluyó, así, que la perspectiva adoptada por la CIF representa un avance al agregar aspectos referentes a la subjetividad e la comprensión de las minusvalías, pero carece de una profundización de la consideración de tal dimensión. Las cuestiones levantadas a partir de la discusión pueden ayudar el esa demanda, ofreciendo temas para mejor exploración y que puedan contribuir con la CIF. De este modo, resalta la importancia de las comprensiones complejas.
Palabras clave: minusvalía; cuerpo; aparato psíquico; CIF; series complementares.
RÉSUMÉ
Le handicap physique articule la relation entre un organisme avec des anomalies et un environnement social pour qu'il puisse être considéré comme un handicap, ce qui a des dimensions indissociables. La classification internationale du fonctionnement, du handicap et de la santé (CIF) systématise cette relation en fournissant un modèle de compréhension soutenue dans la complexité qui considère les aspects organiques, environnementaux et personnels. Sous la forme d'un modèle complexe, Freud a créé les séries complémentaires, une façon de traiter les conditions organiques et relationnelles dans la psyché. En prenant des modèles, cet article vise à articuler systématiquement la CIF, bien comme les séries complémentaires par rapport à la compréhension du handicap physique. On a constitué un schéma de trois axes liés entre eux (composants organiques, facteurs environnementaux et facteurs personnels). En les comparant deux à deux, on a constaté que les séries complémentaires traitent plus particulièrement de l'incidence de l'environnement sur le personnel, bien que les autres données posent des questions importantes pour le thème. De sa part, la CIF traite prioritairement de l'incidence de l'environnement sur l'organisme, en montrant des lacunes par rapport les facteurs personnels. Il est, donc, conclu que la perspective adoptée par la CIF représente une avance, car elle met en relief des aspects concernants la subjectivité dans la compréhension du handicap, mais il faut encore un approfondissement de cette dimension. Les questions soulevées lors de cette discussion peuvent aider à répondre à cette demande, en proposant des thèmes qui peuvent être mieux explorés et qui puissent contribuer à la CIF. De cette façon, souligne l'importance des compréhensions complexes.
Mots-clés: handicap; corps; Appareil psychique; CIF; série complémentaires.
A construção de modelos teóricos atende à necessidade do campo científico de constituir recortes a partir dos quais serão definidas as dimensões dos fenômenos abordados na produção do conhecimento. Nesse intento, diferentes campos propõem explicações que podem nortear compreensões e direcionar decisões (Lungarzo, 1992). Em sua pesquisa de mestrado, Silva (2017) verificou a presença de modelos distintos acerca da deficiência física. Dois modelos se destacaram por sua aproximação quanto a sua estrutura multifacetada: o modelo freudiano das séries complementares e o de Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde.
Sobre o primeiro, Freud (1932/1996e) discute a leitura da biografia de um conhecido homem com deficiência física, dado um quadro de lesão durante o nascimento, que apresentava comprometimento em um de seus membros. O autor de sua biografia considerou interessante descrever o desenvolvimento de sua personalidade e o sentimento de inferioridade que eventualmente decorreria da deficiência. Freud indicou que o sentimento de inferioridade não decorreria da autopercepção do sujeito em relação à deficiência; a raiz de tal sentimento, propôs, estaria nas relações afetivas e na tensão entre o eu e o supereu. Da biografia, Freud destacou que, após o nascimento, a mãe "retirou do filho o seu amor, por causa da enfermidade dele" (p. 71). Tais relações iniciais foram marcadas no sujeito, que mostrava em seus atos os efeitos da relação primordial.
O exemplo é compreendido na lógica de um constructo que percorre a obra de Freud, as séries complementares. Trata-se uma concepção etiopatológica em que os fatores hereditários se relacionam aos intersubjetivo na expressão das neuroses (logo, da própria pessoa). O modelo é trabalhado no contexto do desenvolvimento infantil, sendo apontada a articulação entre as experiências da criança na relação com o outro e seus fatores constitucionais, incluído seu aparato biológico (Freud, 1905/1996b, 1915-16/1996c).
No segundo modelo, tem-se a CIF, que compreende a deficiência como produto da articulação de quatro níveis: funções e estruturas do corpo, atividades e participação, fatores ambientais e fatores pessoais, de modo que todos precisam ser tomados em conjunto para se pensar a deficiência. Para o modelo, apenas a articulação dos quatro fatores pode explicar o quadro final de uma deficiência, o que complexifica a leitura apenas pelo dano orgânico (Organização Mundial da Saúde, 2003).
Em ambos encontra-se a noção de complexidade, que não deve ser tomada enquanto dificuldade, mas como a conjuntura de elementos complementares, membros e participantes do todo que atuam de forma interdependente. Sendo assim, devem ser compreendidos em suas inter-relações (Morin, 1997). Isto posto, verifica-se a possibilidade de construção de saberes transversais a respeito da deficiência, encontrando formas complexas de abarcar os elementos que a configuram. Tomando como objeto de estudo a deficiência física, considera-se que a escolha especifica a discussão, justamente pela importância que o corpo assume neste quadro, assim como seus efeitos nas relações. Para o campo da psicologia e da psicanálise, enfatiza-se a importância de se trabalhar com os diversos fatores que compõem a experiência humana, muitas vezes restrita aos aspectos intrapsíquicos e relacionais. Nessa problemática, Freud oferece um modelo integrativo, assim como a CIF, permitindo articulações entre ambas para o entendimento da dimensão da deficiência.
Desse modo, o artigo propõe-se a articular sistematicamente alguns pontos do modelo das séries complementares a pontos da CIF, verificando distanciamentos e aproximações que possam contribuir para o trabalho com essas pessoas. Por meio da discussão teórica dos dois modelos, guardadas suas devidas raízes epistemológicas, busca-se tecer uma compreensão nova que, retroativamente, possa trazer benefícios para ambas as áreas. A concepção de complexidade norteará o ensaio, balizando a discussão de modo que os elementos orgânico, relacional e pessoal não sejam tratados isoladamente, mas em articulação. No entanto, frente à demanda e o volume de material que poderia ser produzido com esse objetivo, o artigo restringirá a discussão pelos temas afins à psicanálise, deixando que outros caminhos possam ser percorridos em trabalhos futuros seguindo essa proposta. De todo modo, a tentativa é evitar que as discussões se encerrem em seus próprios temas, e na aposta que a complexidade faça avançar a compreensão.
Deficiência Física: Um Corpo e Um Contexto
Uma definição primeira para a deficiência física se encontra na legislação, sendo pessoas "com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas" (Brasil, 2008, 2º parágrafo). Tal definição ainda reconhece que se trata de um conceito em evolução e que a deficiência é resultado da interação entre as pessoas e as barreiras atitudinais e ambientais.
Nessa linha, a Organização Mundial da Saúde (2003) desenvolveu a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Documento oficializado para tratar das questões que se referem à deficiência, busca sistematizar universalmente condições de saúde que possam ser utilizadas em diferentes setores, como trabalho, educação, desenvolvimento de políticas públicas, entre outros. Para tanto, sua classificação compreende quatro níveis distribuídos entre "funcionalidade e incapacidade" (funções e estruturas do corpo; atividades e participação) e "fatores contextuais" (fatores ambientais e fatores pessoais).
A deficiência é compreendida, a partir dessa concepção, como uma "anormalidade, defeito, perda ou outro desvio importante relativamente a um padrão das estruturas do corpo" (p. 13). Trata-se do componente biológico, do qual a deficiência se encontra como desviante da norma. A causa da deficiência não explica as dificuldades dos quadros em sua totalidade. Assim, uma doença, perturbação ou um estado fisiológico podem configurar uma deficiência. O quadro final pode acarretar ainda outros prejuízos. Por exemplo, a diminuição da força muscular pode comprometer função do movimento (Organização Mundial da Saúde, 2003).
As funções do corpo são compreendidas em sua expressão funcional, considerando as diferentes tarefas em suas possibilidades de participação, limitações e restrições, dadas as condições que cada deficiência encerra. Igualmente atuantes, estão os fatores contextuais. Considera, assim, o ambiente em que o indivíduo se encontra inserido, abarcando as dimensões física, social e atitudinal, as quais podem influenciar, de maneira positiva ou negativa, o desempenho, a capacidade, as funções e a própria estrutura do corpo. Logo, compreende-se que o prejuízo em uma função pode, ou não, se configurar como uma dificuldade dado o ambiente, tanto pelas barreiras concretas que podem se colocar como pelas concepções culturais que podem preconizá-las. Contudo, tais fatores estão atrelados aos fatores pessoais, sendo esses: o sexo, a idade, o estilo de vida, a forma de enfrentar os problemas, as experiências passadas, o padrão de comportamento, as características psicológicas individuais, dentre outras, que podem configurar uma incapacidade em qualquer nível (Organização Mundial da Saúde, 2003).
Compreende-se, com a definição apresentada, que a deficiência física guarda uma problemática no nível orgânico em interação com o ambiente social e as relações que se estabelecem. Portanto, ambos precisam ser considerados ao se tratar da deficiência e suas especificidades. Apresentado e definido o modelo da CIF, passaremos agora para o modelo das séries complementares.
As Séries Complementares na Obra de Freud
Em 1896, Freud (1896/1996a), explorando a etiologia das neuroses, questionava a hereditariedade como único fator etiopatogênico, concepção da psiquiatria dominante nesse período. Sob o argumento da falta de leis determinantes que pudessem estabelecer a relação, salientava os casos em que famílias "perfeitamente sadias" pudessem ter pessoas com "distúrbios nervosos" (p. 144), bem como de "famílias doentes" em que podia haver alguém que permanecesse saudável. Assim, Freud construiu uma sistematização, indicando três grupos de influências etiológicas. A primeira foi nomeada como "precondições", sendo os fatores hereditários. Sem essas, as demais não desencadeariam um efeito manifesto. Tal como um "multiplicador num circuito elétrico" (p. 147), elas modulam a intensidade e a extensão da neurose. A segunda, definida como "causas concorrentes", refere-se aos eventos que atuam como agentes desencadeadores da neurose, tornando manifesto o que esteve latente até então. Perturbação emocional, esgotamento físico, doenças graves e acidentes traumáticos são exemplos de agentes que, ainda participantes, sozinhos não poderiam ser causadores de uma neurose. Por fim, a "causa específica" faz referência ao fator que fornece direção para a neurose, conduzindo a diferentes quadros dentro da nosografia freudiana. Trata-se da experiência com o outro, especificando determinadas formas de "economia do sistema nervoso" (p. 148). A importância desse último fator se encontra em seu caráter permanente: "O evento precoce deixa uma marca indelével na história clínica, sendo nela representado por uma profusão de sintomas e traços especiais que não poderiam ser explicados de nenhum outro modo" (p. 152).
A articulação entre os âmbitos acima descritos pode ser explicada por uma relação de complementariedade. A precondição, enquanto necessária, fornece energia, mas não um direcionamento para o curso do desenvolvimento da neurose. O curso é dado pela causa específica, que pode se tornar manifesta com ou sem a presença das causas concorrentes. Desse modo, tendo um dos fatores maior expressividade, o outro será complementarmente menor e vice-versa. Se as precondições para a neurose se fazem menores em uma família "saudável", os fatores específicos se apresentarão com maior intensidade. O inverso também se aplica.
No ano de 1905, Freud (1905/1996b) escreveu os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Nesse texto, foram apresentadas as conhecidas fases do desenvolvimento psicossexual, marcando a primeira experiência concreta de satisfação pulsional que iria instaurar um paradigma. Assim, a satisfação erógena, apoiada na satisfação das necessidades (tendo como primeiro caso a amamentação), estabelece o modelo que se repetirá. Logo, a busca pela satisfação erógena irá se tornar independente, impelindo a busca por objetos que façam repetir a satisfação da primeira experiência. "As diferenças mais significativas dizem respeito às providências necessárias à satisfação, que, no caso da zona labial, consistem no sugar, e que terão de ser substituídas por outras ações musculares conforme a posição e a natureza das outras zonas" (p. 174).
No resumo do texto, Freud (1905/1996b) explicitou a articulação entre as relações pulsionais da criança com o outro e a hereditariedade. Os termos empregados são, respectivamente, "fatores acidentais" e "fatores constitucionais" (p. 226), de modo que o segundo precisa aguardar as experiências do primeiro para poder ganhar expressão. O autor retomou a proposta de relação de compensação entre ambos, sendo que a maior intensidade de um fator é compensada com uma menor intensidade do outro, a que denominou "série complementar" (p. 226). Freud ainda avançou definindo as séries disposicional e definitiva. Na primeira, os fatores constitucionais são acompanhados de experiências acidentais ocorridas na primeira infância, marcando percursos de possível expressão. No segundo, um estado pré-disposicional, então criado, é seguido de uma vivência "traumática" (p. 226), definindo um curso/direcionamento para a neurose. A contribuição dessa discussão está no modelo das séries complementares para o desenvolvimento do psiquismo. Acerca desse ponto, Freud prosseguia com o fator "precocidade da experiência", indicando que as relações promovem uma antecipação do que viria no curso natural do desenvolvimento. Portanto, tais vivências, em um período de imaturidade biológica e psíquica, criam marcas, ou "traços mnêmicos" (p.228). Trata-se de uma fixação que grava caminhos, prescrevendo percursos para a pulsão.
A 22ª das Conferências de Freud (1915-16/1996c) avança no conceito das séries complementares considerando, dentre os fatores acidentais, as experiências vividas pela criança como produtoras dos fatores constitucionais. Desse modo, hereditariedade e experiência compõem a predisposição, que, somada a eventos consecutivos, irão marcar vias específicas por onde percorre a energia psíquica. O que se apreende é que, durante o desenvolvimento, a criança estabelecerá inter-relações com seu ambiente. Inter-relação, pois o que lhe ocorre na experiência impõe demandas que irão ser significadas e respondidas do lado da criança. Seguindo a consigna freudiana, desde o início há um aparato, tanto orgânico quanto psíquico, que mediará aquilo que é feito da criança, estabelecendo-se uma relação de complementaridade. O fruto dessas interações é o desenvolvimento psíquico, a constituição de uma subjetividade. Faz-se notar que tal constructo se estabelece na complexidade, considerando o corpo orgânico, com seus recursos e limitações para apreender seu meio e suas experiências; o psiquismo em constituição da criança; as ações de seu cuidador sobre ela e laço que se estabelece entre ambos. Ainda, abarca os eventos que podem incidir sobre o sujeito como os fatores estressores, acidentes e doenças, de modo a atuarem como disparadores de uma dinâmica psíquica estrutural. Observa-se, assim, que a deficiência não se encontraria como fator causal, mas como disparador (causa concorrente) de um determinado traço psíquico no sujeito (predisposição seguida de fatores específicos).
Percorrendo a literatura atual sobre as séries complementares, encontramos trabalhos como o de Martins (2010), que salienta a preocupação de Freud em considerar o componente biológico em sua obra. O autor afirma que, por conta de resistências encontradas por Freud em sua proposição, o peso maior acabou por recair sobre o estudo dos fatores acidentais e psicológicos. Contudo, defende que não se opera uma negação total da biologia, mas uma restrição a algumas de suas partes.
É preciso recuperar a importância de Freud justamente para a inversão de um panorama disjuntivo, em que o corpo biológico deixa de ser um lugar de vida para se tornar um protótipo virtual, sendo o corpo em si prescindível ao olhar clínico, tornando-se mais um item do discurso da ciência (Vilanova & Vieira, 2014). Desse modo, os autores indicam que as explicações, tanto orgânicas quanto psicológicas, utilizadas unilateralmente, são insuficientes, sendo necessário conhecer os processos que se articulam.
Dado o interjogo entre o biológico/psíquico e o herdado/adquirido, não cabem reduções de nenhum dos lados, sendo a solução freudiana das séries complementares um "paradigma ideal para a formulação de conceitos e mecanismos de funcionamento do psiquismo que permitem tanto uma abordagem teórica, biológica e generalizante quanto uma abordagem do acidental, psicológico e particular" (Martins, 2010, p. 86). Trata-se da abertura deixada por Freud para a multicausalidade e para o estudo multidisciplinar, bem como para a prática clínica sustentada pela investigação dos fatores ambientes e biológicos. É por essa abertura que propomos a presente discussão.
Até aqui foram discutidos dois modelos complexos para se analisar a deficiência, cada um com sua especificidade, mas que se aproximam em relação à proposta. O ponto de partida é sair da unilateralidade orgânica e psíquica, e buscar de forma sistemática os pontos de complementaridade acerca do objeto em questão. Se ambos os modelos afirmam, cada qual ao seu modo, possibilidades de articulação entre diferentes componentes, propõe-se a articulação entre os modelos, retirando pontos de cada um, reunindo-os em um terceiro campo. Assim, não se trata de propor um modelo híbrido, mas de promover uma discussão que segue o paradigma da complexidade e discute as interações entre o orgânico e o relacional.
Articulando Modelos: Considerações Metodológicas
Para iniciar esta discussão, são necessárias algumas ressalvas. Por se tratar de uma aproximação entre campos de diferentes epistemes, são necessários consensos. A CIF fala de fatores orgânicos, ambientais e pessoais, enquanto as séries complementares tratam de fatores orgânicos e relacionais (simplificando a fórmula). Quanto aos fatores orgânicos, ambos os modelos tratam do corpo biológico e suas funções/disfunções. Acerca dos fatores ambientais, foi descrito anteriormente que o fator ambiente da CIF abarca os aspectos concretos e relacionais. Para as séries complementares, o ambiente físico poderia se encontrar nas condições que se impõem ao sujeito, mas sua ênfase se encontra nos modos de relação que se engendram. Assim, ambos tratam das trocas humanas e seus efeitos, sendo esse o fator a ser considerado.
Por fim, sobre os aspectos pessoais, o conjunto de fatores propostos pela CIF (sexo, idade, estilo de vida, forma de enfrentar os problemas, experiências passadas, padrão de comportamento e características psicológicas individuais), excetuando-se o primeiro e segundo itens, estão relacionados ao psiquismo do sujeito, tal como descrito anteriormente. Desse modo, o fator considerado será a subjetividade enquanto produto da constituição do psiquismo eque se expressa nos elementos pessoais elencados. Para fins de objetividade e clareza, segue-se com os termos já utilizados "componentes orgânicos", "fatores ambientais" e "fatores pessoais", dado que foi estabelecido o que se compreende em cada um.
A discussão segue o modelo da CIF e das séries complementares, confrontando os três fatores e verificando os resultados. Teoricamente, ambos os modelos propõem-se a dar conta desses dados, mas considera-se que esse exercício revele as contribuições e lacunas de cada um e permita que se avance na discussão por meio da articulação com outros textos e propostas acerca da deficiência física. Estabelecendo a sistematização proposta no trabalho, cada item se inter-relaciona, gerando seis pares dispostos em: a) o modo como o orgânico incide no ambiente; b) os componentes do ambiente incidindo sobre os aspectos orgânicos; c) fatores ambientais incidindo sobre os pessoais; d) o aparato biológico incidindo sobre os fatores pessoais; e) os fatores pessoais incidindo sobre o corpo orgânico e f) os fatores pessoais incidindo sobre o ambiente.
Evidentemente, o que se apresenta é uma separação didática, de modo que se trata de um ciclo em que os três componentes se inter-relacionam. Entretanto, tais distinções permitem acessar particularidades que auxiliam na visão posterior do todo, bem como abrem para diferentes questões e problemáticas.
Organismo E Ambiente: Os Efeitos do Diferente
Do ponto de vista da CIF (Organização Mundial da Saúde, 2003), uma condição orgânica pode desencadear formas de discriminação, citando, por exemplo, não apenas as deficiências, mas também a doença mental e o quadro de soropositividade para HIV. Essa articulação não compõe a deficiência, mas seus efeitos poderão incidir sobre os demais aspectos e alcançá-la. Para esse ponto, basta sublinhar como o componente orgânico incide sobre o ambiente.
Do lado das séries complementares, já na leitura da biografia, Freud (1932/1996e) fala que a relação da mãe com seu filho foi atravessada pela deficiência. Talvez aqui se encontre um modo de ação do organismo sobre ambiente na deficiência física, ainda que não de forma explícita. Pode-se ir adiante e considerar que não apenas pelo efeito do corpo alterado, mas pelas alterações em si, podem ocorrer dificuldades. Um bebê com uma deficiência pode apresentar padrões de movimentos idiossincráticos, destoantes do que se espera, o que pode incidir sobre as relações. Os estudos de Levin (1997) trabalham nessa vertente, enfatizando o aspecto comunicativo das expressões corporais na troca com seu cuidador. Se o organismo apresenta problemas, pode haver desdobramentos no âmbito relacional do ambiente.
Mannoni (1964/1999) contribui afirmando que a relação de amor mãe-filho pode ter, um ressaibo da morte, uma morte negada. Algumas vezes encoberto por um amor sublime, outras por indiferença patológica e ainda em recusa consciente. A autora pontua que, nesses modos de relação, perdem-se os suportes identificatórios e "as mães oscilam entre o adestramento e uma espécie de despreocupação pacífica fora do tempo" (p. 9). Dado o apagamento do sujeito, os prejuízos para o processo de constituição subjetiva são muito importantes.
Um diálogo entre os modelos se faz possível diante da preocupação com as reações daqueles que se encontram em torno da pessoa com deficiência. Desse ponto em diante seria possível percorrer diferentes percursos. Seria possível, em uma vertente mais sociológica, discutir o fenômeno do preconceito e dos modelos sociais preestabelecidos. A deficiência viria, assim, como aquele que escapa aos moldes, gerando reações nas pessoas (Crochík, 1995). Ainda assim, propostas como essas tratam pouco dos aspectos orgânicos e funcionais. O mesmo ocorre em algumas vertentes psicanalíticas, como no caso de Fédida (1984). O autor concebe que reações conscientes e inconscientes advém do encontro com o que a deficiência dá a ver. Assim, mostra como aquilo que rompe com as modelos desorganiza, sendo necessários mecanismos defensivos para manter a integridade do eu. Por meio de processos como a negação, constroem-se concepções acerca da deficiência que ocultam a pessoa, incitando-lhe deformações no eu. Talvez falte aqui algo do conceito de participação da CIF (Organização Mundial da Saúde, 2003) no tratamento que um prejuízo ou ausência de movimentos pode repercutir no ambiente. Para além do aspecto visual, a deficiência física limita funções que são organizadoras das relações. Se uma criança não joga bola, convencionalmente, em um time de futebol, não apenas sua aparência ou as reações a ela despertadas poderão prejudicar a interação e gerar exclusão e segregação.
Ambiente e Organismo: Discussão do Modelo Social da Deficiência
Na contrapartida, encontram-se os efeitos do ambiente sobre o organismo. Neste item, a CIF (Organização Mundial da Saúde, 2003) apresenta com propriedade os efeitos. O documento indica que o ambiente pode ser mais ou menos facilitador das funções orgânicas. A própria discriminação é colocada como um impeditivo possível. Ainda que não seja o foco, o paradigma dessa articulação é de um ambiente com escadas e rampas que podem propiciar, ou não, o deslocamento físico da pessoa. No entanto, a proposta é analisar a questão relacional sobre o organismo. Nessa vertente, a CIF apenas propõe a questão da participação, de como alguém impedido de participar de algo terá restrições de suas funções. Esse ponto permanece como uma lacuna para a literatura:
Os Fatores Ambientais interagem com os componentes das Funções e Estruturas do Corpo e as Atividades e a Participação. Para cada componente, a natureza e a extensão dessa interação podem ser mais bem definidas com base nos resultados de trabalhos científicos a desenvolver no futuro (Organização Mundial da Saúde, 2003, p. 17, tradução nossa).
Vale citar que, na década de 60, houve um movimento iniciado pelo sociólogo Paul Hunt que compreendia a deficiência como opressão social. No então denominado modelo social da deficiência, esta não é concebida como um problema individual, mas social, visto que o ambiente seria hostil à diversidade física (Diniz, 2007). O aspecto orgânico, a lesão, foi considerado isento de valor, enquanto a deficiência alçou o status de experiência de exclusão social. Sendo assim, o ambiente seria o causador da deficiência. Ainda que de grande importância histórica pelas conquistas adquiridas, considera-se que essa proposta parte do modelo médico calcado na lesão e o inverte diametralmente. Não parece haver um novo paradigma, ou ainda uma integração dos modelos, mas uma inversão direta do foco no organismo para o foco no social.
Considerando o modelo das séries complementares, Freud (1905/1996b) trata da satisfação das necessidades servindo de apoio para a satisfação pulsional. Com o exemplo da amamentação, trata essa primeira experiência entre o corpo da mãe e do bebê como a marca da satisfação que será buscada novamente. Desse modelo, os reflexos se transformam na busca por objetos de satisfação que remetam à primeira experiência. Talvez aqui se encontre o ponto pouco explorado pela CIF. Por essa via de compreensão é possível articular a relação e as funções do corpo e o modo como as marcas dessa relação se fazem ver nas expressões funcionais do sujeito.
Da articulação dos modelos é possível considerar que determinadas formas de relação podem permitir maior ou menor potencialidade do aparato orgânico, principalmente quando se discute sobre os primeiros anos. Uma criança que seja reconhecida e tomada por seu cuidador como desejante poderá se lançar na exploração do ambiente, colocando em movimento o corpo e suas funcionalidades, podendo aumentar o alcance de seu desenvolvimento. O inverso ocorre com uma criança em que se consideram apenas suas necessidades, sem abrir para o campo da satisfação singular. Desse modo, os movimentos deixam de ser investidos e podem diminuir as chances de desenvolvimento (Dolto, 1984/2015).
Pode-se considerar que reconhecer uma pessoa com deficiência como sujeito de desejo e singularidade siga a linha proposta no modelo social, ainda que por outra via. Para além das preocupações arquitetônicas, é preciso discutir o que sustenta a decisão social, por exemplo, de colocar ou não uma rampa em um estabelecimento. Talvez uma forma de compreender os efeitos do ambiente no organismo sem cair na culpabilização do social, desconsiderando um quadro orgânico real, seja a de verificar o lugar social ocupado pela pessoa com deficiência. Não medida em que são tomados enquanto sujeitos, a abertura, arquitetônica e atitudinal, é uma consequência lógica. No entanto, no lugar de desacreditados, não convém o investimento em infraestrutura, nem mesmo nas relações, o que acaba por restringir a pessoa por sua lesão. Por sua vez, a lesão acabando por restringir as demais funções preservadas do organismo.
Ambiente e Pessoal: Uma Contribuição Psicanalítica
Pode-se assumir que a incidência do ambiente sobre os aspectos pessoais não se coloca como prioridade para a CIF. Trata-se de uma relação que não passa pelo organismo, de modo que pouco diria sobre o quadro de uma deficiência. No entanto, considerando que o documento busca compreender "condições de saúde", parece interessante que algo seja explorado e inserido nesta categoria.
Por outro lado, do ponto de vista das séries complementares, talvez seja essa articulação mais pertinente ao modelo. Como visto, o esforço de Freud com essa concepção é justamente o de apontar o fator acidental, as experiências, que se interpõem mesmo sobre a hereditariedade. Como assume desde os primeiros textos (Freud, 1896/1996a), famílias perfeitamente sadias podem ter pessoas com distúrbios nervosos. Nessa linha de constituição do psiquismo cabe citar que pesquisas atuais têm encontrado, ainda que de maneira prévia, que crianças com deficiência apresentam risco maior de entraves nesse processo em relação à população geral (Bernardino & Vaz, 2015).
Considerando essa articulação, pode-se propor que a CIF se beneficiaria valendo-se da noção psicanalítica. Dado que consideram que os fatores pessoais atuam sobre o quadro da deficiência (ver adiante), é preciso assumir que são efeito das relações. Bernard, Tanguy, Ottavi e Martins (2014) sublinham que o sujeito advém pela via de uma questão, não como "quem sou eu?", mas "o que sou pra vocês?", marcando o duplo processo de alienação, inicialmente, e separação mais adiante. As crianças, assim, intérpretes do desejo dos pais, constroem tentativas de resposta, que, mesmo sem sucesso efetivo, lançam bases de sua organização.
Tal como os efeitos da deficiência no ambiente, é possível transpor a lógica para essa relação e considerar como reações frente à deficiência podem incidir sobre o psiquismo e suas produções subjetivas. Uma via possível de tratar a questão pode ser a da identificação. Vieira e Kupermann (2009), discutindo as séries complementares, recuperam a noção de antecipação imaginária dos pais sobre a criança e seu efeito na constituição do eu. Questionam o que podem antecipar, assim, pais de crianças com uma deficiência física, e como essas imagens e sentidos são tomados pelo eu, organizando-o de formas específicas. Talvez aqui o exemplo da biografia discutido por Freud (1932/1996e) pudesse ser relido à luz desse constructo teórico. A imagem produzida por sua mãe, ou seja, o modo pelo qual seu olhar tomava simbolicamente a criança, antecipava-lhe um eu com determinadas características. Na produção especular do eu, a criança poderia assumir essa imagem, identificar-se e fazer dela sua representação (Lacan, 1949/1998). Como demarcam Siqueira e Queiroz (2012), as identificações sustentam a identidade, a qual se luta para autenticar e valorizar frente ao olhar do Outro social.
Cabe citar que a preocupação psicanalítica não chega às disposições arquitetônicas, ao menos não em seus objetivos centrais. Caberia para essa proposta uma consideração sobre como a disposição do ambiente, principalmente com e sem acessibilidade, poderia incidir sobre os fatores pessoais, mesmo sobre a constituição subjetiva. Sem uma resposta substancial, é possível indicar quem do ponto de vista psíquico, o problema de algo ser limitado/não limitado é semântica e dependerá do sentido de quem atribui tais palavras.
Organismo e Pessoal: O Corpo e Sua Imagem
Encontra-se aqui a mesma problemática em relação ao pouco tratamento da CIF (OMS, 2003) dos aspectos pessoais. Pode-se considerar que, ao tratar da discriminação, o modelo sustenta os efeitos do organismo para as relações, mas não os aplica para a própria pessoa. Uma das justificativas do documento é a grande variabilidade cultural e de vivências que podem existir, dificultando uma sistematização. No entanto, ainda que existam variações qualitativas, há estruturas básicas de funcionamento que operam independente de sua roupagem. A incidência do corpo orgânico nos fatores pessoais é um desses casos e pode ser descrito a partir das séries complementares.
Pelo modelo freudiano, o organismo é a base sobre a qual se desdobram os efeitos das relações, pois são as primeiras experiências corporais que servem de modelo para as vias do psiquismo (Freud, 1905/1996b). Discutiu-se também que problemas orgânicos podem atuar como causas concorrentes (Freud, 1986/1999a). Atuando como disparadores, doenças e acidentes podem desencadear uma neurose, ainda que dependam dos demais fatores. Pode-se compreender que o organismo e suas expressões desencadeiam investimento, acessam vias do psiquismo, levando a determinados investimentos.
O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície. Se quisermos encontrar uma analogia anatômica para ele, poderemos identificá-lo melhor com o homúnculo cortical dos anatomistas, que fica de cabeça para baixo no córtex, estira os calcanhares, tem o rosto virado para trás e, como sabemos, possui sua área de fala no lado esquerdo (Freud, 1923/1996d, p. 39-40).
É a partir do corpo que se origina o psiquismo, seja como base, seja como modelo. Como base, trata-se da necessidade de um organismo saudável de engendrar experiências de intersubjetividade para que as interações mãe-bebê fundantes possam se dar (Araujo & Lerner, 2010). Assim, danos cerebrais, por exemplo, podem comprometer esta "plataforma de lançamento da pulsão" (p. 40).
Para além dessa questão, o organismo pode ainda fazer obstáculos para aspectos psíquicos importantes. Talvez se encontre aqui um dado clínico bastante peculiar aos casos de deficiência física - assim como outros cujos prejuízos se fazem sentir no organismo. Pode-se citar comprometimentos neurológicos que, eventualmente, prejudicam a inscrição simbólica, assim como as expressões corporais, como tremores, espasmos, sialorréia, podem incidir sobre o psiquismo. De acordo com Levin (1997), trata-se de um momento em que a atenção do sujeito se volta mais para o órgão do que para si, estreitando o simbólico e o imaginário. O órgão, nessa condição, não estabelece laço social, não representa nada para ninguém, ainda que o sujeito possa se identificar com o órgão-imagem em sua imagem corporal, sendo todo-grito, grito-espasmo.
Podemos considerar essa articulação necessária à CIF, visto que entra em um campo clínico que auxilia a compreensão do quadro de forma global, principalmente dada a ênfase do documento em tratar dessa vertente subjetiva. Contudo, é preciso atentar ao risco de reducionismo aos fatores intrapsíquicos. Determinadas limitações e arranjos motores podem restringir a gama de possibilidades. Pode ocorrer que o desejo do sujeito perpasse objetos do meio social que não podem ser acessados. Como afirma Dolto (1984/2015), o comprometimento está no organismo de modo que uma criança com deficiência terá os registros de situações mesmo que não possa realizá-las. Um pai pode segurar uma criança e fazê-la andar. Os desdobramentos desse "andar" se farão presentes ainda que não o tenha feito sozinha. O que irá ocorrer quando essa criança buscar "andar" novamente e não tiver o auxílio será singular no modo como sujeito arranja suas questões.
Pessoal e Organismo: O que pode um Corpo?
Encontra-se aqui o contraponto ao item anterior, importante e complementar a ele. Neste item cabe citar a CIF (Organização Mundial da Saúde, 2003) de forma literal, visto o que já foi dito sobre a lacuna dos fatores pessoais no documento:
Os Fatores Pessoais . . . não são considerados na versão atual da CIF. Se necessário, a sua avaliação fica ao critério do utilizador. Eles podem incluir sexo, raça, idade, forma física, estilo de vida, hábitos, educação recebida, maneira de enfrentar problemas, passado social, instrução, profissão, experiência passada e presente (acontecimentos da vida passada e acontecimentos presentes), padrão de comportamento em geral, caráter, valores psicológicos individuais e outros fatores relacionados: todos ou qualquer um podem desempenhar um papel na incapacidade a qualquer nível (p. 20, tradução nossa).
Ao mesmo tempo em que destacam a importância desse fator, pouco apresentam para que se façam compreensíveis os efeitos de sua articulação. Em relação às séries complementares, a preocupação em explicar o componente orgânico pelos aspectos subjetivos não parece ser um de seus objetivos. Talvez o fosse se considerado o movimento de Freud em se opor às concepções da época sobre hereditariedade, propondo que se submetem ao psiquismo. No entanto, o corpo orgânico não é o foco da discussão, tal como propomos neste tópico.
Seria possível apontar a seguinte fórmula para uma articulação: o modo pelo qual o sujeito se organiza psiquicamente incide sobre a forma como experimenta seu corpo orgânico. A construção do psiquismo perpassa uma apropriação do corpo, tal como dito no tópico anterior. Avança-se para o nível funcional do organismo. Le Boulch (2001), médico inspirado pelas ideias da psicanálise, afirma que essa apropriação subjetiva do corpo coloca em movimento o esquema corporal, seu componente orgânico. Fato importante, inclusive, para que ocorra o desenvolvimento psicomotor durante a infância. Segundo o autor, é o desejo do sujeito que põe em movimento as estruturas e faz com que novas se desenvolvam. Ainda que partindo de outra perspectiva da psicanálise, Safra (2006) oferece um exemplo interessante dessa concepção, a qual, não gera, pelo caráter meramente ilustrativo, conflitos com a discussão proposta:
A mobilidade do ser humano se acopla à própria experiência de vontade. Quando uma criança se apropria da possibilidade de mover-se e começa, por exemplo, a engatinhar ocorre a ancoragem da vontade na musculatura estriada que lhe oferta o movimento. O bebê move-se de um lado para o outro e desta maneira experimenta certo domínio do espaço (p. 36).
Sendo um produto das relações, os aspectos pessoais, atravessados pela deficiência podem trazer prejuízos. Pode-se hipotetizar que alguém que se posicione a partir da inferioridade, assuma seu corpo de forma lenta, reclusa, com poucos movimentos. Schilder (1950/1980) bem descreve como o corpo responde aos estados do eu e como os significados e posturas se associam. Desse modo, determinada que forma de ser incide na forma de usar o corpo. Como resultado, poderia haver dificuldades funcionais pontuais, assim como dificuldades de desenvolvimento em longo prazo. Ainda que focado em um exemplo, tal funcionamento pode ser considerado como um ponto de utilidade para a CIF.
Há ainda um dado político a ser considerado. Se o limite do corpo é o desejo, garantir que essas pessoas sejam reconhecidas como sujeitos singulares deve estar equiparado a garantir-lhes direitos e cidadania. De um ponto de vista amplo, trata-se da mesma coisa: enquanto considero as pessoas com deficiência cidadãos de direito, reconheço sua singularidade, expressão e pertencimento ao meio social. O ponto a ser aprendido até este momento da discussão é que existem fatores que se colocam contra essa consigna, como as dificuldades relacionais, a segregação e a dificuldade em reconhecer um sujeito, principalmente nos casos mais graves. Nesse sentido, parece necessário enfatizar o ponto de vista da pessoa com deficiência a partir dela própria, antes mesmo do que se considera que seja bom para ela. O discurso do direito e da inclusão, em seu imperativo de "fazer o bem", pode cair no mesmo erro de ignorar o sujeito.
Pessoal e Ambiente: A Pessoa com Deficiência
A incidência dos fatores pessoais no ambiente também é preconizada na CIF (Organização Mundial da Saúde, 2003). No entanto, cabe uma reflexão sobre essa articulação. O documento afirma que, para sustentar a complexidade de sua compreensão, se vale da uma dialética do "modelo médico versus o modelo social". Considerado esse pressuposto, as possibilidades de atuação de fatores pessoais no ambiente poderiam ser tratadas, tal como discorrem sobre a articulação que gera a discriminação. Poder-se-ia, assim, considerar o contraponto, isto é, no que fatores pessoais de alguém com deficiência podem causar em seu ambiente. Muito foi dito acerca da pessoa com deficiência, como objeto das ações e não como sujeito, sendo o momento de discutir qual sua participação no que lhe é feito. Para as séries complementares, a ênfase se encontra nos efeitos sobre a criança e pouco se fala do que essa causa no ambiente, ao menos nesse recorte metodológico.
Para uma articulação, é preciso inserir um terceiro item à discussão. Trata-se do conceito de transferência, que vem, justamente, tratar do modo pelo qual os aspectos pessoais perpassam as relações. Mannoni (1964/1999) trabalhou nesse sentido, indicando que crianças com deficiência podem se colocar nas relações de modo fóbico, prendendo-se ao cuidador. Dessa forma, levam-no a adotar vínculos do tipo masoquista, despertando reações arcaicas e modos de relação destrutivos.
O exemplo permite conjecturar uma estrutura de funcionamento que, de maneira interessante, permite abarcar os itens anteriores de forma sintetizada: o modo pelo qual a pessoa irá se posicionar frente ao outro poderá propiciar que relações prejudiciais se engendrem. Por sua vez, essas relações irão incidir sobre o corpo e os fatores pessoais. Todavia, o processo contrário também ocorre, pois o modo pelo qual o ambiente irá incidir sobre a pessoa atravessará o modo pelo qual se posicionará, criando um ciclo que se retroalimenta. Esse seria um sistema complexo que auxiliaria a CIF para construir seus quadros. O modelo parece coincidir com o seu e, por seu sistema estrutural, permite tratar uma grande variedade de casos, variando pouco em relação a sua roupagem.
Considerações Finais
Este artigo teve por objetivo articular sistematicamente pontos do modelo das séries complementares ao da CIF, buscando, tal como os modelos, engendrar discussões entre os aspectos orgânicos, ambientais e pessoais. O exercício pôde evidenciar os pontos fortes de cada modelo, assim como em quais articulações apontam melhor desenvolvimento teórico para a proposta em questão. A discussão permitiu verificar de forma sistemática a extensão das propostas e articulá-las à compreensão da deficiência física.
As séries complementares pareceram tratar melhor da incidência do ambiente sobre os aspectos pessoais, ainda que tenham interessantes contribuições, como no caso do modo pelo qual as relações (ambiente) podem modificar o organismo. Foram detectadas algumas lacunas nas séries complementares, mas que são retomadas ao longo da obra, se não ganhando uma resposta, ao menos ganhando melhores lugares. O exemplo mais evidente desse dado se encontra no tópico Organismo e Pessoal, em que demais textos da obra recuperam o lugar do corpo orgânico no recorte das séries complementares, dando-lhe arranjos que contribuem para a discussão proposta. Pode-se considerar que o conteúdo do modelo das séries complementares, por si só, parece pouco profícuo na compreensão das deficiências físicas. No entanto, a utilização do modelo à luz da obra demonstra potencial de solução de pontos levantados e que podem contribuir para a literatura. A estrutura de seu modelo oferece uma sistematização interessante, que permite compreender como se relacionam os três aspectos, podendo ser uma ferramenta clínica para os profissionais que trabalham com essa população.
Em relação à CIF, sua maior contribuição se encontra na incidência dos aspectos ambientais sobre o organismo. Ainda que pareça evidente, essa articulação, discutida de forma sistemática e documentada, servindo de parâmetro para discussões em diversos âmbitos, é de grande valia. Além de reforçar a vertente social, retira o problema da simplicidade orgânica causal e a insere em uma rede complexa de eventos e fatores, nos quais as pessoas do ambiente também são responsáveis pela deficiência. Há um movimento que vai em direção oposta à medicalização, tão recorrente nos tempos atuais, e que permite aberturas nas intervenções decorrentes de procedimentos estritamente médicos e terapêuticos. Ainda que os tratamentos médicos e terapêuticos sejam de suma importância, considera-se que os cuidados às pessoas com deficiência não podem se restringir a eles. O mesmo vale para a consideração da CIF sobre os efeitos do organismo no ambiente: trazer essa discussão para a CIF introduz a dimensão da subjetividade e seus efeitos no quadro da deficiência.
Das limitações do documento, a vertente pessoal é a mais prejudicada. Talvez, o pioneirismo da CIF em considerar questões subjetivas tenha sofrido da falta de literatura que atenda a essa demanda. Pesquisar e discutir a deficiência para além do organismo e, principalmente, pelo ponto de vista psíquico é algo escasso ainda no momento atual do campo. Dessa forma, deve-se valorizar a consideração de tal fator no documento, mas é preciso que se produza material que lhe permita o sustentar de maneira efetiva.
Nessa linha, este artigo trouxe algumas possibilidades que podem ser exploradas no futuro, como o modo em que as relações, principalmente entre a criança e seus cuidadores no início da vida, podem propiciar maiores ou menores possibilidades para as funções do corpo e seu desenvolvimento; as possibilidades de as relações atravessadas pela deficiência prejudicarem a formação da subjetividade, e assim trazerem prejuízos para seus aspectos pessoais. E, consequentemente, como esses fatores pessoais podem eventualmente diminuir ou limitar as funções do corpo, visto que trazem as marcas da subjetividade. Cabe situar que não se trata de pontos que o documento se propõe a dar conta, mas que acaba por tangenciar e que poderiam se beneficiar a partir de propostas como essas.
Este trabalho tem por limitação a dificuldade da articulação entre paradigmas distintos, ainda que equiparáveis em sua estrutura. Não há como evitar perdas nas transposições, assim como não é possível tratar das concepções apenas tal como foram propostas dentro de seu discurso de origem. O resultado é o recorte de pontos isolados de ambos os modelos e uma bricolagem em um terceiro campo de discussão. Ainda que com perdas, a produção propicia avanços para o estudo da deficiência física, alvo último do artigo. Desse modo, não se trata de indicar o que um modelo pode oferecer ao outro, mas de verificar o que do encontro deles se apreende para o objetivo. Citando a CIF, conclui-se:
Deve-se notar que qualquer diagrama provavelmente estará incompleto e fadado arepresentações incorretas devido à complexidade das interações num modelo multidimensional. O modelo éelaborado para ilustrar múltiplas interações. É possível utilizar outras representações que indicam outros elementosimportantes no processo (Organização Mundial da Saúde, 2003, p. 19 - nota de rodapé).
É nessa abertura da CIF que se insiste, bem como na precariedade de modelos prontos e unilaterias. Nota-se que qualquer um dos elementos tomados de forma isolada oferece explicações, mas que se modificam se dialetizadas em uma relação, sendo um ponto a ser atentado, tanto nas pesquisas futuras quanto nas práticas que são oferecidas.
Para os profissionais psicólogos e psicanalistas, a ressalva também é válida. Ainda que trabalhem no campo das relações e do psiquismo, não podem desconsiderar os demais fatores que compõem a complexidade da deficiência física.
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Endereço para correspondência:
Diego Rodrigues Silva
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Recebido em: 05/10/2017
Revisado em: 11/03/2018
Aceito em: 29/03/2018