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Revista Subjetividades
versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.18 no.3 Fortaleza set./dez. 2018
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i3.7361
RELATOS DE PESQUISA
Enredo familiar na adoção irregular: construção de caso na clínica psicanalítica
Family plot in irregular adoption: case construction in the psychoanalytic clinic
Trama familiar en la adopción irregular: construcción de caso en la clínica psicoanalítica
Terrain familial en adoption irrégulière: construire un cas dans la clinique psychanalytique
Fabiana Carolina de Souza Carvalho Dias (Lattes)I; Anamaria Silva Neves (Lattes)II
IMestre em Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bacharel em Administração pela Universidade de Caxias do Sul (UCS)
IIDoutora em Psicologia (PUCRS), Pós-Doutorado Universidade Técnica de Lisboa. Professora Programa de Pós-Graduação/Escola de Administração/UFRGS. Pesquisadora CNPq 1D
RESUMO
A adoção configura um importante dispositivo legal para que crianças e adolescentes possam dispor do convívio familiar, contudo uma cifra imprecisa, com números ainda pouco tangenciados, remonta a adoção de crianças pela via informal. O presente trabalho buscou compreender a dinâmica familiar que envolve a adoção irregular. Metodologicamente, a pesquisa esteve amparada nos preceitos psicanalíticos e utilizou o estudo de caso como estratégia de análise. A família estudada acolheu duas crianças, irmãs, em uma adoção irregular. Inicialmente, foram realizados cinco atendimentos psicológicos na modalidade de acolhimento familiar e, posteriormente, o caso foi tomado em psicoterapia. A análise do caso inclui aspectos como a insegurança vivenciada pela família, a relação com a família de origem, o lugar simbólico das irmãs nas famílias e a repetição de padrões no funcionamento familiar. Emerge a premência de se explorar aspectos inconscientes imbricados na adoção irregular a fim de superar o silenciamento que os medos e as ameaças sustentam no imaginário familiar.
Palavras-chave: adoção irregular; vínculo; família; psicanálise.
ABSTRACT
Adoption is an important legal mechanism for children and adolescents to have a family life, but an imprecise figure, with numbers that are not very tangential, goes back to adopting children through the informal way. The present work aimed to understand the family dynamics that involves irregular adoption. Methodologically, the research was supported by psychoanalytical precepts and used the case study as a strategy of analysis. The study family welcomed two children, sisters, in an irregular adoption. Initially, five psychological visits were carried out in the form of family care, and later the case was taken in psychotherapy. The analysis of the case includes aspects such as the insecurity experienced by the family, the relationship with the family of origin, the symbolic place of the sisters in the families and the repetition of patterns in the family functioning. The urge to explore unconscious aspects embedded in irregular adoption emerges in order to overcome the silencing that fears and threats hold in the family imaginary.
Keywords: irregular adoption; bond; family; psychoanalysis.
RESUMEN
La adopción caracteriza un importante dispositivo legal para que niños y adolescentes puedan disponer de la convivencia familiar, sin embargo un número impreciso, todavía poco tangenciado, remonta a la adopción de niños por medios informales. Este trabajo busca comprender la dinámica familiar que envuelve la adopción irregular. Metodológicamente, la investigación estuvo sujetada en los conceptos psicoanalíticos y utilizó el estudio de caso como estrategia de análisis. La familia investigada adoptó a dos niñas, hermanas, en una adopción irregular. Inicialmente, fueron realizados cinco atendimientos psicológicos en la modalidad de acogida familiar y, después, el caso fue llevado a la psicoterapia. El análisis del caso incluye aspectos como la inseguridad vivida por la familia, la relación con la familia de origen, el lugar simbólico de las hermanas en las familias y la repetición de modelos en el funcionamiento familiar. Surge la urgencia de explorar aspectos inconsistentes imbricados en la adopción irregular con la finalidad de superar el silencio que los medos y amenazas mantienen en el imaginario familiar.
Palabras clave: adopción irregular; vínculo; familia; psicoanálisis.
RÉSUMÉ
L'adoption est un mécanisme juridique important qui permet aux enfants et aux adolescents d'avoir une vie familiale, néanmoins, un chiffre imprécis et peu touché, remettre à adoption des enfants de manière informelle. Le présent travail vise à comprendre la dynamique familiale qui implique l'adoption irrégulière. Méthodologiquement, la recherche s'a appuyé sur des concepts psychanalytiques et a utilisé l'étude de cas comme stratégie d'analyse. La famille de l'étude a accueilli deux enfants, des soeurs, dans une adoption irrégulière. Initialement, cinq visites psychologiques ont eu lieu sous la forme de soins familiaux, et, ensuite, le cas a été pris en psychothérapie. L'analyse du cas inclut des aspects tels que l'insécurité vécue par la famille, la relation avec la famille d'origine, la place symbolique des soeurs dans la famille et la répétition des schémas de fonctionnement de la famille. Il faut explorer les aspects inconscients inhérents à l'adoption irrégulière afin de surmonter le silence que les peurs et les menaces construisent dans l'imaginaire familial.
Mots-clés: adoption irrégulière; lien; famille; psychanalyse.
A filiação percorre a via simbólica que torna possível inscrever uma criança no desejo dos pais e que permite que a família possa desenvolver relações de parentalidade e filiação. Na construção da filiação por adoção1, porém, ocorrem peculiaridades. Segundo Abrão (2014), o processo de formação da identidade e a constituição da noção de Eu evolui num interjogo de referências de igualdade e diferença, de pertinência e não pertinência. No caso da criança que foi adotada, ela possui dois grupos parentais como modelos identificatórios, o por adoção e o consanguíneo, e isso torna a formação da identidade mais complexa. Ghirardi (2016a) explana que o romance familiar é uma construção imaginária que oferece referências sobre quem somos. Toda criança imagina ser advinda de outros pais quando ocorrem os conflitos inconscientes decorrentes da sensação de estar sendo negligenciado. A fantasia de ser adotado é parte intrínseca do desenvolvimento infantil. Nas famílias por adoção, o romance familiar tem complexidade maior, uma vez que, de fato, o filho por adoção tem suas origens em outro par parental.
A origem é inacessível para todo ser humano, mas, nos casos de adoção, o espaço do não saber e do vazio é mais amplo. Filho da cultura, o filho por adoção terá uma dupla fidelidade: à família consanguínea e à família por adoção, o que pode ameaçar a relação familiar. A tentativa de apagamento da filiação consanguínea pode surgir como garantia para afastar essa ameaça; contudo amplia ainda mais o campo do não saber e funciona como gerador de sintomas e estranhamentos nos vínculos por adoção. O sentimento de estranheza liga-se às fantasias sobre a origem, e torna-se parte do sentimento de identificação (Abrão, 2014).
Considerando essa peculiaridade no desenvolvimento da criança que foi adotada, Abrão (2014) aponta que, para o filho por adoção, questionar sua origem, testar sua pertinência ao contexto familiar e buscar diferença em relação aos pais para construir sua identidade é ameaçador. As dificuldades no processo de identificação podem ocorrer em casos de adoção, assim como na filiação consanguínea, porém o filho que foi adotado pode representar simbolicamente um sujeito de falta e de excesso. Ele pode delatar a falta para os pais por adoção - a falta do filho pode denunciar a esterilidade, por exemplo - e pode ocupar o lugar de sobra - foi abandonado, não coube na família consanguínea.
Com efeito, cabe salientar a importância de que o filho saiba sobre suas origens. Muitas vezes, os pais por adoção, na tentativa de proteger os filhos e de se protegerem, evitam falar do processo de adoção; opõem-se à necessidade que a maioria dos filhos por adoção tem de falar sobre sua história e suas raízes como forma de construir sua identidade. Conversar sobre assuntos que envolvem a adoção promove possibilidades de trocas afetivas e uma relação de confiança, o que facilita estabelecer o vínculo (Weber, 2010).
Sousa, Seguim, Levisky, Rudge e Ungaretti (2016) destacam que a psicanálise enfatizou a importância de a criança entrar em contato com sua história para dela ser sujeito, e não sujeitada. Isto não se processa somente através do falar, pois as experiências vividas são "contadas", recorrentemente, através da repetição do trauma nos vínculos atuais, em situações em que as palavras não dão conta de expressar a densidade do vivido. O que está silenciado, não dito, não se limita aos fatos em si; antes, revela sentidos singulares que o sujeito atribui aos acontecimentos. Para as autoras, é fundamental mobilizar o sujeito a ter acesso a essa rede de sentidos para construir narrativas possíveis de serem pensadas, porque o que se repete na transferência é o que não pode ser lembrado. É essencial, porém, respeitar o tolerável e o intolerável no processo de ressignificação do vivido na relação transferencial.
Com relação à parentalidade, considera-se que seja uma função construída ao longo da vida dos pais, desde a infância. O filho torna-se depositário de investimentos que antes estavam ligados a objetos internos ou aspectos do self dos pais. "Esse período impõe aos pais uma tarefa considerável de redistribuição dos seus investimentos narcísicos e libidinais, investimentos estes que vão se organizar no espaço interpessoal da relação com a criança real e fantasmática" (Zornig, 2010, p. 7).
No texto sobre o narcisismo, Freud (1914/1996) postula que o amor parental é o retorno e a reprodução do narcisismo primário dos pais por meio da valorização afetiva da criança. Eles resgatam o narcisismo infantil perdido. Noutros termos, o filho tem função reparadora no psiquismo parental, atuando nas feridas narcísicas. Dessa forma, o nascimento da criança movimenta aspectos do narcisismo de cada um dos pais, assim como lembranças e fantasias sobre as relações objetais primárias.
Nos casos de parentalidade por adoção, vários desses aspectos mobilizados nos pais se estruturam de modo diferente. Os valores culturais e o imaginário social relacionado com a maternidade e paternidade, que apresentam o elo biológico entre pais e filhos como indissolúvel, são rompidos; e o vínculo simbólico entre pais e filhos por adoção precisa incorporar essa ruptura, passagem e mudança de cuidados. Tal peculiaridade não é negativa, mas precisa ser elaborada e integrada ao vínculo. Quando a história de adoção é construída por pais e filhos em uma narrativa com elos de continuidade, cria-se uma versão possível para o sujeito (Abrão, 2014).
Para os adotantes, a origem do filho também remonta uma variedade de temores e fantasias, e isso interfere nos modos como a relação com o filho será experimentada, de acordo com Ghirardi (2016a). Ghirardi (2016b) esclarece que, desse modo, a criança suscita reações ambíguas, pois, como estrangeira, traz uma alteridade radical. Com frequência, a criança é estrangeira quanto às origens construídas pelas fantasias e pelos desejos dos adotantes. Ela traz consigo experiências singulares de tempo e lugares externos à família por adoção. Assim, os pais podem ter dificuldade de acolher e aceitar a alteridade da criança e de se identificarem com ela como filho ou filha. Para Reis (2014), há necessidade de a família por adoção lidar com sentimentos intensos a fim de evitar a atuação ou projeção de suas fantasias inconscientes e seus sentimentos de raiva sobre o filho.
As dificuldades relacionadas com a dupla filiação podem ser amenizadas se a família por adoção conseguir fundar uma convivência imaginária com a família consanguínea e não estabelecer uma lógica de oposição e competição, ou de evitação e rejeição, em relação a ela (Schettini, Amazonas & Dias, 2006). Assim, é importante na adoção que os sujeitos envolvidos elaborem minimamente os lutos das perdas (impossibilidade da gravidez, não continuidade da linhagem através da hereditariedade, rupturas anteriores e outras) para que o processo de adoção seja incorporado e se faça possível com diferentes contornos.
Considerando a complexa trama da construção da parentalidade e da filiação por adoção, especificamente na adoção irregular, que se refere à adoção realizada sem respaldo jurídico, algumas dificuldades tomam relevo. Menezes (2008) aponta que os chamados filhos de criação - aqueles entregues pela família consanguínea a terceiros sem formalidade legal - encontram-se em situação de vulnerabilidade extrema. Afinal, não têm garantia jurídica de sua condição de filho. O vínculo de filiação é exclusivamente socioafetivo e instável, pois vivem na iminência de ruptura, de perda da criança.
A denominada adoção Intuitu Personae trata-se da conduta em que os pais biológicos escolhem os adotantes e, sem a chancela do Poder Judiciário, entregam o filho para que os adotantes exerçam a guarda de fato. Este tipo de adoção não se confunde com a adoção à brasileira. Esta última se refere à situação em que alguém realiza o registro do nascimento de uma criança como seu genitor sem sê-lo de fato. Na adoção intuitu personae não há registro do nascimento da criança em nome dos adotantes e a entrega da criança ocorre sem contraprestação de qualquer natureza, pois, do contrário, pratica-se crime (Sousa, 2013). Para Bordallo (2017), a adoção intuitu personae não deve ser considerada de antemão como de má-fé, já que essa postura pode colaborar para o afastamento e o medo das pessoas de comparecer às Varas da Infância e da Juventude para regularizar a situação das crianças que estão irregularmente sob seus cuidados.
Do ponto de vista jurídico, a adoção intuitu personae é aceita em caráter de exceção, conforme legislação vigente - Lei n° 12.010/09, denominada Nova Lei Nacional de Adoção, artigo 50, § 13º e 14º (Sousa, 2013). Anteriormente à Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, não havia vedação expressa a esse tipo de adoção, mas, com o advento do ECA, ocorreram alterações que reduziram significativamente as suas possibilidades. A excepcionalidade dessa modalidade de adoção visa garantir a proteção integral efetiva de crianças e adolescentes, além de dificultar a ocorrência de práticas que os coloquem em risco de traumas psicológicos, a revitimização advinda de novo abandono, a possibilidade de ser vítima de tráfico de pessoas, o aliciamento, a exploração sexual ou laboral, entre outros. Cabe ressaltar que, quando as famílias buscam regularizar a situação de adoção, por vezes, a não observação do cadastro de adoção torna-se a melhor providência a ser tomada. Há circunstâncias em que o ato de afastar a criança ou adolescente da família com a qual nutre laço afetivo seria meramente exaltar um falso respeito à legalidade, causaria revitimização e sentimento de perda ao afastá-los dos que têm como família (Lima & Dombrowski, 2011).
Exploradas as vertentes teórico-conceituais que enredam o tema, segue a perspectiva metodológica e a análise do caso trabalhado.
Sobre o Método
O percurso metodológico utilizado na pesquisa é fundamentado no método psicanalítico, cuja base é a interpretação e a relação transferencial. A experiência contratransferencial norteou a construção do caso, imprimindo à pesquisa a singularidade do vínculo entre pesquisadora e família participante.
Para Val e Lima (2014), no método da construção do caso, busca-se uma depuração do discurso do sujeito até que se encontre aquilo que é impossível de ser dito, utilizando-se dos pontos fixos do inconsciente revelados à força da repetição. É saber produzido pelo próprio analista e elaborado sobre a singularidade do sujeito, em suas representações, na decifração do sintoma e nas pulsões não inscritas em seu psiquismo, e que, portanto, não podem ser rememoradas. A construção do caso se distingue da interpretação por não se referir a uma significação inconsciente, mas acena à dimensão do inconsciente que não se estrutura como linguagem.
A construção do caso é uma metáfora na qual um saber substitui a verdade que não pode ser integralmente revelada, porém tal metáfora deve ser prenhe de verdade. Quando se constrói um saber sobre um caso, preserva-se o ponto de vazio que impede que a verdade sobre o sujeito seja totalizada. A manutenção desse vazio é o que permite que as construções sobre o caso possam ser sempre reconstruídas e que novos saberes possam ser formulados (Val & Lima, 2014).
O caso que compõe a pesquisa envolve uma família composta por casal, dois filhos consanguíneos adultos e duas irmãs que foram acolhidas informalmente pela família. A família foi atendida no serviço-escola do curso de Psicologia de uma universidade pública. Assim, o caso envolveu a adoção2irregular de duas irmãs, que tinham 3 e 6 anos na época da "adoção". Para esse artigo foram analisados os cinco primeiros atendimentos na modalidade de acolhimento familiar.
Os elementos principais da construção do caso referem-se à dimensão da irregularidade e à mobilização de impasses afetivos decorrentes de tal condição; ao lugar simbólico das irmãs nos vínculos familiares; à compulsão à repetição na dinâmica da família, além do dilema ético que a escuta do caso fez anunciar.
Com relação às questões éticas da pesquisa, foram obtidas assinaturas nos termos de consentimento que garantem o compromisso ético na realização, análise e publicação das informações. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEP) no parecer número 1.382.961.
Análise do caso
Família Consanguínea e por "Adoção": Duas Famílias, algum Pertencimento?
Sobre a família, após o primeiro contato, a questão da irregularidade da "adoção" toma a cena, pois os vínculos geravam demandas relativas às famílias de origem e por "adoção", com notório sentimento de insegurança pela falta de respaldo legal. A fragilidade suscitou, na relação transferencial, sentimentos intensos de impotência, desamparo, insegurança e medo. As crianças tinham convivência com a família por "adoção" e com a consanguínea, e transitavam precariamente entre dois núcleos familiares divergentes. Nos relatos, emergia o dualismo em sua efervescência: a "boa família", que acolhe, cuida, alimenta, ensina e busca tratamento; e a "família ruim", que não cuida adequadamente, manipula, explora, suscita conflitos, rejeita e confunde.
Renata e Bárbara3 tinham 7 e 5 anos de idade, respectivamente, à época do início dos atendimentos. As irmãs chegaram até a família por meio "da entrega direta das crianças" pela genitora. A mãe consanguínea trabalhava no mesmo local onde Gislene (atual responsável pelas meninas) também era servidora há anos atrás. Foi nesse contexto que se conheceram.
A genitora é descrita pela família que acolheu as crianças como alguém que "usa as filhas para obter sustento através de pensões e que não considera as necessidades das meninas". A família argumenta que a genitora interfere no bem-estar emocional, psicológico e familiar delas com atitudes de manipulação, mentira, promessas, negligência no cuidado e ameaças, a ponto de falar que vai retirar as irmãs da família em que estão quando são frustradas suas intenções de manipulação. Ela reside há cerca de 300 quilômetros de distância de onde moram as crianças. Tem contato com elas através de ligações telefônicas esporádicas ou quando as leva para sua casa, em alguns dias durante o ano, sobretudo no período de férias escolares, quase sempre sem avisar previamente, acarretando mobilizações significativas no grupo familiar.
Essa situação afeta os vínculos e traz insegurança e temor para a família, tal é a iminência constante de ruptura. A história é complexamente montada nos relatos que foram envolvidos com certa apreensão ante a revelação da condição, proibida e obscura, que a permanência das crianças na família envolve. As falas eram revestidas de medo de que aquilo que fosse narrado pudesse desestabilizar ou interferir na situação delicada em que eles se encontravam.
Com isso, o primeiro movimento da família foi se certificar de que aquilo que seria falado em sessão não resultaria em perda do convívio com as crianças, o que, de certa forma, colocava-me em situação de cumplicidade quanto às graves condições familiares narradas - melindre ético importante. Os discursos traziam a todo tempo o temor da ruptura. Quando se tocava em questões como legalização ou se apontavam riscos da situação vivenciada, a família defensivamente ressaltava a impossibilidade de mudar o cenário. Apesar dessa atitude defensiva, a família sinalizou o desejo, mesmo que inconsciente, de compartilhar tal vivência quando buscou atendimento psicológico, o que acena uma possível necessidade de mudança.
O caso dessa família aponta para os melindres do intercurso da adoção em circunstância ilegal ou irregular. Neste caso, a regularização da situação de adoção e legalização dos vínculos também é interditada pela genitora das crianças que, apesar de não se responsabilizar pelo cuidado das mesmas, também não permite que a família por "adoção" as assuma integralmente.
A história do encontro da família com as irmãs inicia-se quando Renata, aos 6 meses de idade, foi entregue pela genitora aos cuidados de Gislene para que pudesse trabalhar. Diferentemente do esperado, a genitora deixou a criança e ficou algum tempo sem retornar ou entrar em contato. Muitos dias depois, a genitora voltou à casa da família que acolheu a criança e deu orientações sobre o cuidado com ela, pois a menina estava tendo dificuldades para se alimentar, mas não a levou de volta.
Renata conviveu com a família por "adoção" dos 6 meses aos 2 anos de idade, quando, de maneira abrupta e sem maiores explicações, a mãe4 consanguínea retomou os cuidados da criança, o que trouxe sofrimento à família por "adoção" e à criança, segundo relatos. Gislene manteve o contato com a menina no período em que ela esteve com a família consanguínea e sempre a buscava para passar o fim de semana e datas comemorativas.
Renata permaneceu com a família consanguínea dos 2 aos 6 anos de idade aproximadamente, até que a genitora propôs o retorno da menina à família por "adoção". Sugeriu que Renata voltasse a morar com Gislene e justificou dizendo que sua casa não era um ambiente adequado para crianças, porém impôs a condição de que sua outra filha - Bárbara, que, na época, estava com 3 anos - também fosse morar com eles. A princípio, Gislene não queria a irmã de Renata em sua casa, mas acabou aceitando a proposta a fim de ter Renata de volta aos seus cuidados. As duas irmãs já residiam há quase 1 ano e 10 meses com a família por "adoção" no momento em que os atendimentos se iniciaram. A única documentação que a família possuía era uma procuração assinada pela genitora.
A situação de adoção irregular toma relevo na escrita deste caso. Também designada como adoção de fato, segundo Coêlho (2011), pode ser entendida como aquela em que os filhos estão inseridos factualmente na família, há posse do estado de filiação e laços afetivos que unem pais e filhos, porém não há regularização jurídica que ateste o parentesco. A autora afirma que não se pode negar a parentalidade quando, aos olhos da sociedade, alguém assume a função e a vinculação parental, ainda que na ausência de sentença que declare a adoção. Há de constituir uma verdade social. Existem pressupostos para o reconhecimento jurídico da adoção de fato: continuidade do vínculo, publicidade (assumir socialmente a relação de filiação e a função parental) e socioafetividade (relações de afeto, responsabilidade, amor, cuidado e outros).
De fato, Renata estabeleceu com a família por "adoção" vínculo de filiação, porém o vínculo com a família consanguínea evocava ainda certa permanência. A relação de Bárbara com a família se estabelecia de maneira diferente, com resistência e intolerância, como será analisado mais adiante. A família por "adoção", no momento da pesquisa, assumia quase integralmente o cuidado com as crianças: despesas, funções educativas e afetivas. Mas a família consanguínea detinha os direitos legais sobre as garotas e mantinha contatos esporádicos.
No caso analisado, a convivência entre as famílias apresentava-se conturbada; discrepante em hábitos, rotinas e cuidados; com evidente relação conflitiva na condução da educação das irmãs. O pai por "adoção" relata que a tia consanguínea (que mora ao lado da casa da mãe consanguínea) teria dito para Bárbara não voltar para a casa deles. A tia, segundo revelou o pai, "fala pra Bárbara pirraçar a gente, quando a gente vai buscar elas. A tia dá show lá na porta" para não levar as meninas. Diferentemente, a mãe consanguínea força a criança, com agressão física e ameaças, a entrar no carro e ir para casa da família por "adoção".
Ao se pensar na dinâmica do caso, questões relacionadas ao processo de subjetivação de Bárbara e Renata vêm à tona. Já ressaltamos anteriormente a complexidade do processo identificatório para a criança que foi adotada. No caso de Bárbara e Renata, a convivência com as duas famílias é concomitante. As crianças transitam entre uma e outra família, que perfazem modelos identificatórios distintos, com o agravante de não existir a garantia de preservação das relações devido à situação de irregularidade. Se a construção da identidade e subjetivação para a criança legalmente adotada já é bastante complexo; na situação apresentada, tal processo parece se tornar ainda mais árduo.
Podemos ilustrar tal dificuldade através do primeiro contato com a família, por telefone, realizado para agendar os atendimentos. Já neste momento houve confusão quanto às figuras parentais. A família por "adoção", que buscou atendimento para Renata, informou na ficha de inscrição do serviço-escola o nome da mãe consanguínea. Com isso, quando tentei falar com a responsável pela criança ao telefone, citei o nome da genitora, e não da mãe por "adoção". Em contrapartida, o número do telefone descrito na ficha de inscrição da criança era o de Gislene, que informou, ao telefone, que não tinha pessoa com o nome que eu procurava e perguntou do que se tratava.
Logo no início do primeiro atendimento, outro momento revelou a angústia em relação à situação de indefinição e incerteza. Ao falar sobre a pesquisa, perguntei se Gislene autorizava a utilização das informações dos atendimentos, e ela ficou bastante receosa. Desculpou-se e explicou não ter a guarda das crianças e temer que a pesquisa pudesse prejudicá-los de alguma maneira. Expliquei sobre o compromisso de sigilo assumido em relação às identidades dos participantes, e então Gislene autorizou.
Rocha (2009) explana que, na adoção ilegal, os pais podem ficar permanentemente com medo, o que gera situação de extrema insegurança para todos os envolvidos. De acordo com Bochnia (2008), a insegurança da adoção irregular pode deixar a criança exposta a riscos de ruptura da filiação socioafetiva já configurada, com a perda repentina da família com que tem vínculo afetivo e a possibilidade de revitimização advinda da reinserção da criança na família consanguínea e do retorno à situação de vulnerabilidade.
Com efeito, a ruptura repentina dos laços afetivos ocorrera na família estudada. A família por "adoção" relata que Renata foi para a casa deles aos 6 meses de idade e que, aos 2 anos, a genitora a levou para morar de novo com ela. Gislene enfatiza que "quase morreu de tristeza", mas não pôde impedir que isso ocorresse, porque não tinha documento que pudesse formalizar a situação, e a mãe consanguínea tinha o "poder de decidir sobre a permanência ou não da criança" na família por "adoção". Durante o período em que Renata esteve com a família de origem, a família por "adoção" manteve o vínculo com a menina. Nota-se que a dinâmica das famílias se inverte: a família por "adoção" passa a conviver com a menina de modo semelhante ao que a família consanguínea convivia anteriormente.
A insegurança da situação familiar produziu sintomas significativos. A família buscou atendimento psicológico para Renata e apresentou como queixa sintomas depressivos e intolerância à frustração, com comportamentos agressivos e choro quando frustrada, "ela chora quando não quer ir dormir, fala que eu gostava dela e que agora não gosto mais" (Gislene). Após o retorno da menina para a família por "adoção", aos 6 anos de idade, houve um período em que Renata apresentou dificuldades para se alimentar e perdeu muito peso. Gislene caracteriza Renata como uma criança muito boa, "não dá trabalho, onde coloca ela, ela fica". Diz que a criança não fala sobre os momentos em que está com a família consanguínea e acredita que a genitora faça ameaças. A apatia e o silêncio, igualmente, puderam ser percebidos em Bárbara durante a única sessão em que a criança esteve presente. Bárbara ficou quieta e calada. As poucas palavras pronunciadas eram em tom muito baixo, incompreensível. Gislene disse que a menina gaguejava, mentia muito e inventava histórias. "...Ela fala que cuida de um bebê, que achou escorpião, esse tipo de coisa. As colegas da escola não gostam dela" (Gislene).
Percebe-se que a condição de indefinição e insegurança vivida pela família se reflete na forma como as crianças interagem com o ambiente e as pessoas. Mostram-se apáticas, destituídas de vontade, emudecidas nos vínculos e vulneráveis às frustrações e à imposição de renúncia aos seus desejos.
Em uma das sessões, Renata fez um desenho para sua mãe. Havia um chão na base da folha, duas figuras humanas do sexo feminino sorrindo, com características e dimensões semelhantes (uma em cada canto da folha), nuvem e sol no canto superior direito do desenho. A mãe perguntou o que ela havia desenhado, e ela respondeu que desenhara Gislene e ela. A mãe perguntou, então, o que elas estavam fazendo no desenho, e Renata respondeu que estavam passeando. Diante da situação, Gislene falou: "A gente tá muito longe uma da outra". O desenho fazia alusão aos aspectos positivos da vida e da relação com a mãe, porém demonstrava a distância, física ou afetiva, que parecia ser vivenciada ou temida pela criança.
Em outro momento dos atendimentos, Renata produziu outros dois desenhos. Um para Gislene e outro para mim, bem semelhantes. Desenhou contornando peças do dominó. Quando Gislene perguntou o que ela havia desenhado, respondeu que era uma casa de pedra. A casa de pedra fazia referência a um lar com estrutura robusta, o que parecia sugerir necessidade de estabilidade e proteção, porém a casa estava fragmentada em várias partes, o que sugeriu indicar a situação vivenciada pela criança, de inconstância no âmbito familiar.
As reflexões sobre as especificidades do caso apontam de forma repetida para a relação conflituosa entre as famílias e como tal condição produzia sintoma nas crianças, além de fragmentar os dois modelos familiares que já se apresentavam fragilizados.
A Renascida e a Forasteira: o lugar simbólico das irmãs nos vínculos familiares
Um aspecto relevante expresso nos atendimentos foi a entrada de Bárbara, a mais nova das irmãs, na família. A família por "adoção" declarou não querer acolher Bárbara, mas, para ficar com Renata, aceitou tal condição. Nos atendimentos, Gislene disse que ficou muito angustiada ao pensar na possibilidade de Renata ser adotada por outra família e, em decorrência disso, perder de vez o contato com ela. Assim, resolveram acolher as duas irmãs.
Levinzon (2009) destaca que é essencial que o filho consanguíneo ou por adoção tenha lugar na subjetividade familiar. A relação com a criança, assim como a interpretação dessa relação, será baseada na estrutura subjetiva existente antes mesmo da inserção dela na família. É importante, portanto, que a filiação se construa pela ordem do desejo, não da necessidade de tamponar alguma angústia. O lugar que Bárbara ocupou na família por "adoção" é o de instrumento/condição para que Renata estivesse de volta, mantendo-se "entre" os sujeitos do grupo familiar, em um vínculo ambíguo: o desejo de filiação não tinha Bárbara como objeto, mas a irmã.
Como apontam Rosa e Lacet (2012), os pais buscam resgatar o narcisismo perdido através dos filhos, e não basta ter o filho para que se institua a parentalidade, são necessários processos concomitantes que a instituam e possibilitem à criança, além da vida biológica, se constituir um ser político-social-libidinal. O vínculo da criança com a família pode fornecer um lugar de existência na singularidade ou, contrariamente, um meio com impasses, desamparo e até violação dos direitos.
No caso analisado, Renata pareceu assumir um lugar no desejo dos pais por "adoção". As sessões com a família eram sempre mobilizadas por preocupações com bem-estar de Renata. Assim, Bárbara foi levada para atendimento uma única vez. Além disso, a família fez inscrição para atendimento psicológico no serviço-escola somente para Renata, apesar de as duas crianças estarem na mesma situação de vulnerabilidade.
Existia também, por parte da família por "adoção", um movimento inicial de distanciamento de Bárbara, de não a conhecer e de não envolvimento. Gislene chegou a expressar certa aspereza ao se referir a Bárbara durante as sessões: "A Bárbara parece boazinha. Quando ela vier no atendimento, você vai olhar pra ela e pensar: 'Nossa, que menina linda, boazinha'. Mas ela não é nada disso. Ela é o contrário. Ela é muito ruim. Ela é... como fala? Psicopata, né? Que parece boazinha, mas é o contrário".
O pai por "adoção" não esteve presente em todas as sessões e teve uma participação menor nos relatos da família, contudo se posicionou de maneira distinta em relação a essa conflitiva. Ele expressou em suas falas, e durante a sessão em que a menina esteve presente, uma proximidade maior de Bárbara, e não avaliou a menina tão negativamente quanto Gislene, manifestando sua discordância em relação à mãe por "adoção", exercendo função de mediação.
Em contrapartida, segundo relatos, na família consanguínea também havia diferença clara de tratamento entre as irmãs, com predileção por Bárbara. Gislene disse que, na casa da genitora, não há nenhum pertence da Renata, roupa ou brinquedo, pois só há objetos de Bárbara. Disse também que a mãe consanguínea conversava com as meninas ao telefone de maneira muito distinta: "... daí a Renata atende ao telefone, e ela começa a falar, 'Oi, meu amorzinho! Minha linda! Tudo bem com você? Mamãe morre de saudade, chora todo dia de saudade de você'. Aí a Renata responde: 'Mãe, é a Renata'. Aí ela fala: 'Ah... tudo bem com você?', e fala totalmente diferente com ela".
As relações estabelecidas entre as irmãs e as famílias, consanguínea e por "adoção", parecem reverberar no vínculo fraternal. De acordo com Goi (2014), vários fatores podem dificultar ou facilitar o vínculo fraternal, tais como gênero, diferença de idade, intervenções parentais e temperamento infantil. A relação entre irmãos funciona como um laboratório para expressão e compartilhamento de sentimentos legítimos que a vida impõe na relação com o outro. As disputas versam sobre perdas e ganhos; apontam limitações e modos de superação; promovem alianças; ensinam a dividir, compartilhar, solidarizar-se e a postergar. Além do ensinar e aprender recíprocos, também permite a descarga moderada de agressividade. Assim, o complexo fraterno exerce função estruturante. Sobre o irmão, recaem a idealização e o desdobramento narcisista, sendo semelhante demasiado similar, a primeira aparição do estranho na infância.
Na filiação por adoção, a dinâmica psíquica é semelhante. Conforme discorrem Otuka, Scorsolini-Comin e Santos (2009), o lugar que os pais asseguram a cada filho contribuirá para que seja reconhecido como sujeito de direito. Em se tratando de irmãos, é importante que os pais possam diferenciar cada um como um ser único e insubstituível. No caso analisado, as diferenças no manejo afetivo, tanto na família por "adoção" quanto na família consanguínea, promoviam ambiente de insegurança em relação à pertença e ao amor parental.
Segundo relato da família, a rivalidade entre Renata e Bárbara era bastante acirrada. Gislene disse que: "quando elas estão juntas, elas brigam demais, elas se batem, e, às vezes, a Renata fica nervosa e implica até da Bárbara olhar para ela e de gaguejar. Ela fala assim: 'Olha, como essa menina fala! Não sabe nem falar direito'". Gislene relatou ainda que Bárbara "faz as coisas erradas escondido; belisca a Renata disfarçado pra ninguém ver". Ela contou um episódio, no início, quando foram para sua casa: "Fui lavar louça e, para não deixar elas sozinhas, chamei elas pra me ajudar. Falei: 'Eu vou lavar, e vocês me ajudam a secar a louça'. Daí eu tava lavando a louça e conseguia ver as meninas, apesar de estar de costas. Daí vi a Bárbara pegando uma faca e fazendo assim (gesto como se quisesse acertá-la) na direção da Renata".
Com efeito, Kehl (2000) destaca que, quando pais e educadores incitam rivalidade entre irmãos, conscientemente ou não, incentivando que só existe um lugar para o amor parental, a permanência da rivalidade acirrada da fraternidade pode se perpetuar até a idade adulta. No caso estudado, a falta de um lugar afetivo, que demarque zelo e cuidado, torna o ambiente familiar trágico.
"Família Hospedeira": A Compulsão à Repetição nos Vínculos Familiares
Outro aspecto relevante na análise deste caso refere-se à dinâmica vincular que enseja a repetição na família, que assume a função de "família hospedeira", repetidamente, em situações de adoção irregular ou de cuidado de crianças, sem a assunção formal do vínculo parental. Além da história atual com Renata e Bárbara, a família estudada já vivenciou relação semelhante com dois outros irmãos que "abrigaram" por três anos. Eram filhos de uma pessoa conhecida da família. A garota chamava Gislene de "mãe", mas o vínculo entre eles foi rompido radicalmente após um tempo, pois a genitora buscou as crianças para passar o fim de semana e não retornou, nem entrou em contato. Tempos depois, Gislene soube que a família havia mudado da cidade e ela não pôde rever as crianças.
A expressão "família hospedeira" foi construída pelas autoras deste estudo a partir do que foi observado nos relatos durante os atendimentos, uma família que "hospeda": acolhe, cuida, exerce as funções parentais, mas sem conseguir assumir o vínculo familiar no âmbito formal, condição que se configurou uma repetição do padrão vincular na família.
No texto "Além do princípio do prazer", Freud (1920/2006) teoriza que a compulsão à repetição seria responsável por conduzir o sujeito a um destino maligno que o leva para o sofrimento e para a dor, determinado por influências infantis primitivas. É uma recorrência perpétua da mesma coisa que leva o sujeito de maneira passiva a ter o mesmo resultado em todas as suas relações, as quais não têm influência consciente, mas o levam à repetição da mesma fatalidade. A compulsão à repetição sobrepuja o princípio de prazer, sendo apoiada pelo desejo de elaboração do que foi esquecido e reprimido, apresentando alto grau de caráter instintual.
De acordo com Paim (2010), no processo de compulsão à repetição estão implicadas a pulsão de morte e a pulsão sexual. O que determina o destino em compulsão à repetição é a ineficácia da pulsão sexual para domesticar a pulsão de morte. Nesse sentido, a compulsão à repetição sofre uma dicotomia: de um lado, uma compulsão impulsionada pelo princípio do prazer, centrada na força do desejo e em pontos de fixação; e, de outro, aquela que ultrapassa o princípio do prazer, com a repetição do que nunca foi prazeroso, centrada na força do traumático. Trata-se de repetição da vivência de dor, e o que era, até então, motivo de repulsa, vira pólo de atração.
Ao apontar a presença da repetição na dinâmica da família, Gislene não conseguiu compreendê-la e ressaltou que nunca buscou estar em nenhuma dessas situações, em que as pessoas chegavam até ela com as crianças pedindo para cuidar. Ela considerou tais ocasiões como missão que Deus lhe concedeu. A dinâmica é inconsciente e, assim, a família se coloca nesse vínculo permeado por dificuldades, rupturas e sofrimento. Os sujeitos não conseguem escapar dessa forma inequívoca de vinculação, que parece funcionar como resposta ao desamparo, como se fosse uma modulação afetiva alternativa para aliviar a tensão pulsional. Desse modo, inconscientemente, a família também resiste à mudança, angustia-se e permanece impotente e paralisada no que diz respeito à regularização da adoção. A capacidade de enfrentamento e transposição das resistências foi sendo construída no decorrer do acompanhamento psicológico por meio do apoio à família.
Essa dinâmica familiar engendra ainda o pacto denegativo que, para Kaës (2005), configura um mecanismo defensivo, uma aliança inconsciente que tem o objetivo de reprimir um conteúdo comum ao grupo, ou seja, que faz com que não seja possível pensar alguma dinâmica psíquica compartilhada. É uma forma de manter o vínculo, mas só é possível à medida que algo seja negado em conjunto. Os pactos denegativos são necessários para a sobrevivência do vínculo no campo interpsíquico, assim como os mecanismos de defesa são necessários intrapsiquicamente.
O pacto denegativo está na origem e no fundamento da família, do grupo social, das leis e do sujeito singular, e se apresenta através de duas polaridades: uma organizadora e outra defensiva. Ao mesmo tempo em que assegura a satisfação de necessidades dos envolvidos, impõe limites e expulsa certos elementos da construção vincular. A face defensiva do pacto denegativo relaciona-se com apagamentos, rejeições, recalcamentos, com um conjunto de aspectos não significáveis, não transformáveis, que mantém o sujeito alheio à sua história. Encontra-se, ainda, fortemente relacionado às identificações alienantes e à transmissão psíquica transgeracional através dos efeitos nocivos que as alianças inconscientes provocam na capacidade de pensar (Kaës, 2005).
O funcionamento como "família hospedeira" não é acessado conscientemente pelos membros da família. Não aparecem nos relatos oposição ou questionamento sobre isso, mesmo que se reconheça o sofrimento envolvido. Tal funcionamento familiar deixa os pais por "adoção" sob os desmandos da genitora das crianças. O pacto denegativo emerge na família defensivamente, mantém aspectos não significáveis, não transformáveis, o que a deixa alheia à própria história, sustentando o destino do recalcamento e da repetição.
Algumas Questões Éticas
Considerando a situação irregular da "adoção" das irmãs e o ambiente familiar conflituoso estabelecido entre as duas famílias, convém pontuar questões éticas importantes relacionadas ao caso estudado. Inicio a reflexão a partir da peculiaridade da "adoção" realizada pela família, porém a discussão-chave levantada se relaciona com o dilema do pesquisador ante o compromisso de sigilo em oposição às situações no percurso da investigação.
A condição da "adoção" da família, ainda que irregular, não configurava prática criminosa, porém a família apresentava receio extremo de tentar regularizar a situação das meninas com temor de perdê-las. A ambivalência afetiva assombrava e paralisava a família, que assim permanecia resistente a qualquer tentativa de intervenção e apontamento da necessidade de mudança de sua condição por gerar medo e ansiedade.
Essa resistência da família quanto ao enfrentamento da situação vivenciada me colocava em posição difícil. De fato, houve garantia de sigilo em relação às informações da família; assumi o compromisso de que a pesquisa não resultaria em prejuízo aos participantes, mas não poderia deixar de me posicionar ante a situação em que crianças estavam tendo seus direitos violados. Apesar de não ser uma prática criminosa, a circunstância em que as crianças se encontravam gerava sofrimento psíquico pela inconstância familiar e de cuidados, além das situações de risco quando estavam sob os cuidados da família consanguínea.
Segundo relato da família por "adoção", havia suspeita de possíveis situações de abuso sexual. Gislene contava que Bárbara falava sobre um homem que ela chamava de tio "que passa a mão nelas, que elas dormem com ele e ele dá balas" (Gislene). A família acreditava até que, quando mais velhas, as crianças seriam levadas para casa da genitora, que iria explorá-las. Mesmo com a gravidade desse fato, a família via-se impotente e se limitava "a rezar para que Deus faça um milagre", a genitora desaparecesse e ficassem todos "livres dessa situação".
Episódios de violência física e psicológica também foram descritos. Bárbara contou para os pais, em outro momento, que a genitora ameaçou "cortá-las com tesoura e que a mãe já correu atrás delas com faca", além de ficar alcoolizada e deixá-las sozinhas em casa. Houve relatos de que a genitora ameaçava as crianças quando faziam algo que a desagradava. Dizia que ia buscá-las na casa de Gislene e obrigá-las a "comer capim". Gislene contava que "[...] elas sempre falam uma com a outra 'para de fazer isso, senão a mãe vai buscar a gente e a gente vai comer capim'".
Segundo relato da família por "adoção", as idas para casa da genitora envolviam extremo sofrimento, sobretudo para Renata. Dizia que a criança não tinha vontade de ir. A menina contou que ia porque, do contrário, a genitora batia nela. A soma dos vários melindres éticos, nesse contexto, mobilizava o questionamento sobre minha postura como pesquisadora no caso.
A família por "adoção", paralisada, mantém a condição de risco e vulnerabilidade. É uma vinculação com características perversas, no qual o silêncio diante dos abusos se constitui uma violência. Nesse contexto, a família por "adoção" me coloca como espectadora de uma cena perversa. Ao escutar sobre tais fatos, me sentia igualmente implicada e responsabilizada por aquela e outras conjunturas narradas.
Segundo Kehl (2002), a ética da psicanálise é a ética da investigação, da dúvida que contesta as certezas imaginárias que estão a serviço das defesas narcísicas. Trata-se de se colocar em disponibilidade para questionar as certezas e implicar o sujeito em seu sintoma, deslocando-o da posição de vítima. Nessa perspectiva, quando a família apresenta as certezas de suas impossibilidades, seria necessário que eu apresentasse outras formas de perceber e acessar a situação.
Assim, fez-se necessário transpor os limites e objetivos da pesquisa e dialogar com as instituições de amparo à infância para compreender a demanda que surgiu no percurso do trabalho. Entrei em contato com uma assistente social da Vara da Infância e Juventude a fim de receber orientações sobre as possíveis condutas e ela indicou a continuidade do acompanhamento psicológico e o encaminhamento da família à Vara da Infância e Juventude para atendimento, a fim de que pudessem ser esclarecidas as possibilidades de legalização. Esgotadas essas alternativas, a assistente social indicou a denúncia anônima para que não houvesse interferência no vínculo terapêutico.
De acordo com as diretrizes sobre ética em pesquisa com seres humanos, Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012, e Sistema CONEP-CEP, existe a prerrogativa da não utilização de informações da pesquisa em prejuízo de pessoas e/ou comunidades que dela participaram. Guerriero (2006) aponta que, quando se realiza uma pesquisa qualitativa com seres humanos, entra em discussão a necessidade de reciprocidade entre pesquisador e informante. Uma vez que este colabora fornecendo informações, existe a preocupação de que o estudo possa lhe ser benéfico, sobretudo que a relação entre ambos seja de respeito mútuo profundo. Com isso, a aplicação das diretrizes éticas e resoluções não se efetiva diretamente, mas inclui a subjetividade do pesquisador, que precisa fazer a reflexão sobre aspectos éticos como atividade intrínseca à pesquisa. Muitas situações que se lhe apresentam suscitam o questionamento se ele deve manter a confidencialidade quando se depara com algo tão alarmante que a ética o obriga a quebrá-la.
No caso da família estudada, foi firmado o acordo de confidencialidade quando da apresentação dos objetivos da pesquisa e do termo de consentimento, porém a situação de risco em que as crianças se encontravam levou-me a repensar em tal pacto, pois me faria conivente com a situação que feria os direitos das crianças participantes deste estudo.
Indiscutivelmente, a quebra de sigilo no campo da pesquisa e da psicologia é uma temática que gera inúmeras discussões. Apesar de a confidencialidade ser uma premissa, tanto na pesquisa com seres humanos quanto na atuação do psicólogo, a própria resolução do CFP n° 010/2005, que se refere ao Código de Ética Profissional do Psicólogo, considera a quebra de sigilo (art. 10) baseada na busca pelo menor prejuízo um imperativo em situações em que exista conflitos com a lei, como o caso de maus-tratos contra crianças e adolescentes, de acordo com determinações do ECA (Brasil, 1990). Longe de ser uma decisão fácil, a quebra de sigilo pode ser questionada, porque não se pode prever se a denúncia ajudará o participante da pesquisa ou paciente a estar em uma condição melhor, tampouco se pode garantir que, após a quebra de confidencialidade, ele terá seus direitos preservados, salvo de negligência, discriminação ou outro tipo de violência.
Decidi continuar o atendimento da família em psicoterapia a fim de que pudesse acompanhá-la em busca de fortalecimento dos vínculos e encaminhá-la para a Vara da Infância e Juventude para receber orientações da assistente social. No momento que conversei com eles sobre a necessidade de procurar Vara da Infância e Juventude, a família apresentava-se frágil e insegura. A genitora havia procurado a família há poucos dias com o intuito de levar as crianças.
Sem mais alternativas e diante da ameaça de ruptura, a família dirigiu-se à Vara da Infância e Juventude mobilizada pelos atendimentos psicológicos. Bárbara foi levada pela genitora no meio do semestre letivo, rompendo todas as rotinas da criança bruscamente. A família por "adoção" conseguiu manter Renata temporariamente, buscando apoio do pai consanguíneo da criança. Procuraram e encontraram o genitor de Renata, e contaram a respeito da intenção da genitora de levar a criança com ela. Este, que nunca teve contato anterior com a menina, devido a impedimentos impostos pela genitora, interessou-se pela aproximação e união junto à família por "adoção" pela disputa da guarda.
Posteriormente, o pai consanguíneo entrou com pedido de guarda, porém recebeu a negativa por parte do juiz devido ao pouco tempo de convivência com a menina. Atualmente, o processo está em andamento. Continuo com o acompanhamento psicológico da família, buscando apoiá-los no enfrentamento da disputa de guarda com a genitora.
Considerações Finais
Com base nas análises apresentadas, é possível considerar que os vínculos familiares por adoção são construídos na confluência de vários aspectos e intensos atravessamentos. Neste trabalho, emerge a adoção irregular como recorte.
No âmbito legal, a inscrição e a avaliação no processo de adoção realizam-se de modo sistematizado, e o Cadastro Nacional de Adoção é o principal instrumento de aproximação entre os pretendentes à adoção e seus futuros filhos. Apesar disso, a adoção ilegal ainda é bastante comum no Brasil, o que demonstra que o processo de adoção legal ainda é evitado por muitos que desejam adotar, seja na busca da simplificação do processo, ao se apartar de procedimentos burocráticos e avaliações, seja por temor de romper vínculos já estabelecidos ao solicitar a legalização.
Diante dessa realidade, as instâncias jurídicas carecem lidar com as especificidades desses casos que estão à margem da lei e se instrumentalizar para intervir, se aproximando da realidade e das demandas dessas famílias. Parece urgente pensar na transposição de lacunas existentes entre a legalidade e a irregularidade na filiação por adoção. Ampliar o entendimento quanto aos casos de adoção irregular contribui para a diminuição do receio das famílias que vivenciam tal situação, além de poder incentivá-las a procurar as Varas de Infância e Juventude em busca da regularização, o que resultaria em melhor acompanhamento das filiações socioafetivas.
Na análise do enredo familiar na adoção irregular, que corresponde ao objetivo deste artigo, destaca-se a relevância de se reconhecer as exigências inconscientes e subjetivas que afetam os sujeitos e a construção dos vínculos por adoção. Para tal, o apoio das equipes institucionais, em especial do psicólogo, emerge como fundamental para que os fatores emocionais, conscientes e inconscientes, possam ser considerados, dando à família condições de sobreviver às ameaças de ruptura e pulsões agressivas, e de elaborar o estranhamento na constituição do vínculo. Ante essa necessidade, a rede de atenção às famílias precisa estar fortalecida e instrumentalizada para que possa acompanhá-las em suas especificidades antes, durante e após o processo de adoção, e fazê-lo mediante um trabalho de escuta e acompanhamento que auxilie, de fato, a construção dos vínculos.
Por fim, a construção de uma nova cultura da adoção é desafio que se funda em aspectos variados. Faz-se necessário explorar aspectos inconscientes imbricados, considerando as representações relativas à adoção. Para tanto, são imprescindíveis outros estudos que favoreçam a escuta da família e demarquem o território da adoção como campo fértil para o desbravamento de preconceitos danosos ao processo.
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Endereço para correspondência:
Fabiana Carolina de Souza Carvalho Dias
Email: fabiphf@yahoo.com.br
Anamaria Silva Neves
Email: anamaria.neves@ufu.br
Recebido em: 03/07/2017
Revisado em: 20/05/2018
Aceito em: 08/06/2018
1 Weber (2015) apresenta discussão importante sobre as expressões família adotiva, pais e filhos adotivos. Segundo essa autora, tais expressões aludem à rotulação, guardam resquícios de preconceito. Daí que sugere expressões como família por adoção, pais e filhos por adoção. De acordo com o dicionário Michaelis (2016), a preposição por designa relações diversas: de lugar, de causa, de condição, de estado, de meio, de duração, de modo, além de outras 38 possibilidades de emprego: todas com a função de relacionar uma coisa a outra. Portanto, a locução prepositiva por adoção enfatiza o campo da relação e o modo como ela é constituída; em contrapartida, o adjetivo adotivo/a designa uma qualidade, uma categoria. Considerando que a pesquisa aqui descrita enfatiza justamente a dinâmica das relações - não se propõe a descrever ou traçar o perfil das famílias, de pais ou crianças -, acato a sugestão de Weber (2015): opto pela locução por adoção. Michaelis. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Recuperado em 07 de maio de 2016, de http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php
2 A palavra adoção pode ser questionada nesse caso porque a adoção legal não ocorreu; porém, em alguns momentos uso o termo família por adoção para facilitar a referência a uma família ou à outra, porém usarei o termo entre aspas para enfatizar que não se trata de adoção formal. Essa dificuldade de definir e nomear a relação estabelecida pela família revela o quanto as relações ainda carecem de representação e afetam a construção dos vínculos familiares.
3 Todos os nomes são fictícios a fim de preservar o sigilo da identidade dos participantes da pesquisa. Foram escolhidos em alusão a aspectos percebidos durante os atendimentos. Renata significa "renascida" ou "nascida pela segunda vez" e alude ao retorno da criança, pela segunda vez, à convivência da família que a acolheu. Bárbara significa "estrangeira", "forasteira" ou "a estranha". Foi escolhido para a outra filha que entrou na família como condição para que Renata pudesse retornar. Não era desejo inicial da família tê-la como filha. Gislene foi atribuído à mãe que acolheu as irmãs e significa "afável", "acolhedora refém", que aponta para a repetição em seu histórico de acolher crianças a seu cuidado. (Dicionário de nomes próprios. Disponível em https://www.dicionariodenomesproprios.com.br , acesso em 24 de fevereiro de 2017).
4 A família por "adoção" tem contato somente com a mãe consanguínea. Mais adiante, o pai consanguíneo aparece nos relatos, com o decorrer da psicoterapia, o que não ocorreu nas sessões que foram analisadas para este artigo.