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versión impresa ISSN 2359-0769versión On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.19 no.1 Fortaleza enero/abr. 2019

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v19i1.e7593 

RELATOS DE PESQUISA

 

A comunicação profissional de saúde-usuário(a) na doença renal crônica

 

The professional communication of health-user in chronic kidney disease

 

La comunicación profesional de salud-usuario(a) en la enfermedad renal crónica

 

La communication entre des professionnels de la santé et des usagers dans les maladies rénales chroniques

 

 

Érica Tavares de Melo Matsuoka (Lattes)I; Maria Lucicleide Falcão de Melo Rodrigues (Lattes)II; Josianne Maria Mattos da Silva (Lattes)III; Wedna Cristina Marinho Galindo (Lattes)IV; Jéssica Oliveira Galvão (Lattes)V

IPsicóloga residente do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco
IIMestre em Educação pela Universidade Federal do Amazonas. Atualmente é Professora Adjunta no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e Tutora da Universidade Federal de Pernambuco
IIIMestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE. Atualmente é Psicóloga da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares HC/UFPE
IVDoutora pela Universidade Católica de Pernambuco. Docente no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco
VPsicóloga residente do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A doença renal crônica (DRC) possui caráter irreversível e progressivo, levando a pessoa acometida à terapia renal substitutiva. Nesse contexto, a comunicação entre o/a profissional de saúde e o(a) usuário(a) é essencial, pois poderá viabilizar melhor compreensão da doença e das terapêuticas e a maior apropriação do (auto)cuidado em saúde. O estudo, de natureza qualitativa, teve por objetivo analisar a percepção dos(as) usuários(as) e dos(as) profissionais de saúde do ambulatório de nefrologia de um hospital escola da cidade do Recife acerca da comunicação estabelecida entre eles quanto ao diagnóstico/prognóstico e tratamento da DRC. Responderam a entrevistas semiestruturadas 14 participantes (sete pacientes e sete profissionais). Foi utilizada análise de conteúdo para apreciação dos dados. Os resultados apontaram para dois tipos de comunicação: comunicação-explicação e comunicação-relação, as quais são influenciadas pelos seguintes fatores: sentimentos dos profissionais e dos pacientes, atitudes dos profissionais e dos pacientes, e fatores externos e internos à díade profissional-usuário(a). Conclui-se que existe predomínio de comunicação hierarquizada, ainda que se vislumbrem relações mais horizontais. Portanto, é necessário que profissionais de saúde aprimorarem habilidades para lidar com sentimentos e atitudes presentes na comunicação. Os resultados podem contribuir para a melhoria do processo comunicativo, auxiliando no aperfeiçoamento técnico do(a) profissional de saúde.

Palavras-chaves: doença renal crônica; insuficiência renal crônica, comunicação; comunicação em saúde.


ABSTRACT

Chronic kidney disease (CKD) is irreversible and progressive, leading the person to renal replacement therapy. In this context, the communication between the health professional and the user is essential, since it can make possible a better understanding of the disease and the therapeutics and the greater appropriation of (self) health care. The purpose of this qualitative study was to analyze the perception of the users and the health professionals of the nephrology outpatient clinic of a school hospital in the city of Recife about the communication established between them regarding the diagnosis/prognosis and treatment of CKD. Fourteen participants (seven patients and seven professionals) responded to semi-structured interviews. Content analysis was used to evaluate the data. The results pointed to two types of communication: communication-explanation and communication-relationship, which are influenced by the following factors: feelings of professionals and patients, attitudes of professionals and patients, and external and internal factors to the professional-user dyad. It is concluded that there is a predominance of hierarchical communication, although more horizontal relations are observed. Therefore, it is necessary for health professionals to improve skills to deal with feelings and attitudes present in communication. The results can contribute to the improvement of the communicative process, helping in the technical improvement of the health professional.

Keywords: chronic kidney disease; chronic renal failure, communication; communication in health.


RESUMEN

La enfermedad renal crónica (ERC) posee carácter irreversible y progresivo, llevando la persona enferma a la terapia renal sustitutiva. En este contexto, la comunicación entre el/la profesional de salud y el usuario(a) es esencial, porque podrá viabilizar una mejor comprensión de la enfermedad y de las terapéuticas y una mayor apropiación del (auto) cuidado en salud. El estudio, de naturaleza cualitativa, tuvo el objetivo de analizar la percepción de los usuarios y de los profesionales de salud del ambulatorio de nefrología de un hospital escuela en la ciudad de Recife sobre la comunicación establecida entre ellos cuanto al diagnóstico/pronóstico y tratamiento de la ERC. Contestaron a las entrevistas semiestructuradas 14 participantes (siete pacientes y siete profesionales). Se utilizó análisis de contenido para evaluación de los datos. Los resultados indicaron dos tipos de comunicación: comunicación-explicación y comunicación-relación, las cuales son influenciadas por los siguientes factores: sentimientos de los profesionales y de los pacientes, actitudes de los profesionales y de los pacientes, y factores externos e internos al dúo profesional-usuario(a). Se concluyo que existe predominio de comunicación jerarquizada, aunque se vislumbren relaciones más horizontales. Por lo tanto, es necesario que profesionales de la salud mejoren habilidades para hacer frente a sentimientos y actitudes presentes en la comunicación. Los resultados pueden contribuir para la mejora del proceso comunicativo, ayudando en el mejoramiento técnico del profesional de salud.

Palabras clave: enfermedad renal crónica; insuficiencia renal crónica, comunicación; comunicación en salud.


RÉSUMÉ

L'insuffisance rénale chronique (IRC) est irréversible et progressive, amenant le patient à un traitement de remplacement du rein. Dans ce contexte, la communication entre le professionnel de la santé et l'utilisateur est essentielle, car elle peut permettre une meilleure compréhension de la maladie et des mesures thérapeutiques, bien comme une plus grande appropriation des soins auto-administrés en santé. Le but de cette étude qualitative a été d'analyser la perception des utilisateurs et des professionnels de la santé de la clinique médicale de néphrologie d'un hôpital universitaire au Recife sur la communication établie entre eux à propos du diagnostic/ pronostic et traitement de l'IRC. Quatorze participants (sept patients et sept professionnels) ont répondu à des entretiens semi-structurés. L'analyse du contenu a été utilisée pour évaluer les données. Les résultats ont mis en évidence deux types de communication: communication-explication et communication-relation, lesquelles sont influencées par les facteurs suivants: sentiments des professionnels et des patients, attitudes des professionnels et des patients et facteurs externes et internes de la dyade professionnel-utilisateur. On a pu conclure qu'il existe une prédominance de la communication hiérarchique, même si on peut observer certaines relations horizontales. Par conséquent, il est nécessaire que les professionnels de la santé améliorent leurs compétences pour faire face aux sentiments et aux attitudes présents dans la communication. Les résultats peuvent contribuer à l'amélioration du processus de communication, ce qui contribue ainsi à l'évolution technique du professionnel de la santé.

Mots-clés: maladie rénale chronique; insuffisance rénale chronique, communication; communication en santé.


 

 

A doença renal crônica (DRC) refere-se a alterações heterogêneas multicausais que afetam tanto a estrutura quanto a função renal de forma permanente e irreversível. Com múltiplos fatores de prognóstico, é uma doença de curso prolongado, insidioso, progressivo cuja evolução, na maioria das vezes, é assintomática. Nos primeiros estágios da doença, o sujeito ingressa no tratamento conservador, que visa ao "controle dos fatores de risco para a progressão da DRC e da mortalidade, conservando a Taxa de Filtração Glomerular1 pelo maior tempo possível. Pode ser considerada uma opção para pacientes que escolham não serem mantidos em Terapia renal substitutiva2 devendo ser criado um programa de suporte para estes casos" (Brasil, 2017, p. 25).

Quando os rins não conseguem mais manter a homeostase interna do paciente, é necessário a diálise (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou o transplante renal, os quais se caracterizam por seu aspecto mantenedor da vida e não curativo (Brasil, 2014; David, 2015, Rudnicki, 2014).

É importante salientar que a pessoa com DRC, muitas vezes, desconhece a doença, como também as suas formas de tratamento, o que, possivelmente, a leva a não se apropriar do seu cuidado. Assim, para que ela esteja envolvida nesse processo com autonomia e para que faça parte das decisões sobre sua saúde, é preciso que compreenda as diversas possibilidades de tratamento e expresse suas vontades, o que pode ser alcançado pela comunicação com o(a) profissional de saúde (Arrais & Jesuino, 2015; Ugarte & Acioly, 2014).

A comunicação entre profissional e paciente é considerada um dos principais núcleos de cuidado na doença crônica, dada sua importância para o sucesso da relação médicopaciente, podendo influenciar também na adesão terapêutica (Croitor, 2010; Otani, 2013). Além disso, a literatura de referência (Arkowitz, Westra, Miller & Rollnick, 2011; Kübler-Ross, 1994; Norouzinia, Aghabarari, Shiri, Karimi & Samami, 2016; Ribeiro, Marques & Ribeiro, 2017) aponta que a comunicação entre profissionais e pacientes pode se ofertar como uma forma de confortar aquele que recebe cuidados.

A comunicação entre a díade profissional-usuário(a) é única, podendo ser verbal e não verbal. Esta última, que ocorre através de gestos, toque, expressões faciais, disponibilidade de escuta, compreensão, entre outros, é processada e adquire diferentes significações conforme o contexto sóciohistórico específico no qual os sujeitos se encontram inseridos (Croitor, 2010).

Assim, uma comunicação satisfatória precisa considerar as particularidades e o contexto de cada pessoa, incluindo-se aspectos nem sempre conscientes para o(a)usuário(a). No entanto, o que ocorre, muitas vezes, é a desconsideração das necessidades do(a) usuário(a), não havendo por parte do(a) profissional o interesse pela vivência daquele sujeito (Arrais & Jesuino, 2015; Bensing, Rimondini & Visse, 2013; Croitor, 2010). Uma possível explicação para isto é, muitas vezes, a inexistência de uma escuta reflexiva e a desvinculação da prática e da postura profissional das demandas psicossociais e culturais que se colocam à práxis cotidiana, além da existência de uma relação de poder vertical entre a díade (Borges & Porto, 2014).

Muito mais que receber informações, os pacientes querem ser ouvidos. Portanto, é preciso ouvir e considerar as perspectivas e opiniões acerca daquilo que lhes é comunicado (Bensing, Rimondini & Visse, 2013). A literatura de referência (Bensing, Rimondini & Visse, 2013; Arrais & Jesuino, 2015) aponta que há forte preferência e necessidade de um/uma profissional empático(a), que esteja disponível para ouvir a história de seu paciente e que seja preparado(a) para encontrar soluções ajustadas àqueles que buscam por seus cuidados.

Embora o estudo de Croitor (2010) aponte para a existência de uma postura profissional centrada no paciente e presença de comunicação aberta e cuidadosa no contexto da saúde, essa forma de comunicar nem sempre é possível devido a barreiras e limitações na comunicação com o usuário do serviço, conforme demonstram as pesquisas de Machaczek, Whitfield, Kilner e Allmark (2013), Khan, Hassali e Al-Haddad (2011). Dentre aquelas dificuldades se encontram: o saber especialista, em que o profissional se apresenta como detentor de todas as respostas, levando o usuário à passividade; a construção de estereótipos pelos profissionais; a ausência de infraestrutura adequada; interrupções externas; ordem sociocultural; desenvolvimento cognitivo do(a) usuário(a); culpabilização pelo adoecimento; rotulação do problema em detrimento das representações do(a) usuário(a) frente à própria saúde; baixo conhecimento em saúde; inabilidade dos profissionais de ouvirem seus pacientes, além de sentimentos negativos transferencialmente despertados na díade (Ayá & Figlie, 2004 apud Borges & Porto, 2014; Beverly, et al., 2012, Beverly, et al., 2016; Coriolano-Marinus, Queiroga, Ruiz-Moreno & Lima, 2014; Khan, Hassali & Al-Haddad, 2011; Nogueira-Martins & De Marco, 2010; Ritholz, Beverly, Brooks, Abrahamson & Weinger, 2014; Schmidt, Valle, Martins, Borges, Souza & Ribeiro, 2011; Schmidt & Mata, 2008).

Assim, muito mais que a mera transmissão de informações, a comunicação entre o(a) profissional de saúde e o(a) usuário(a), que norteia este estudo, é uma construção, um movimento ininterrupto que vai além do aspecto verbal. Nesse encontro, profissionais e usuários(as) trocam saberes, negociam, dialogam, se escutam, produzem sentidos, protagonizam o processo comunicativo e se influenciam mutuamente.

Nessa linha, a pesquisa possui como objetivo geral analisar a percepção dos(as) usuários(as) e profissionais de saúde do ambulatório de nefrologia de um hospital escola da cidade do Recife acerca da comunicação estabelecida entre eles quanto ao diagnóstico/prognóstico e tratamento da DRC. Ao considerar a necessidade de estudar esse tema, entende-se que identificar e compreender aspectos dessa comunicação poderá auxiliar no planejamento de uma comunicação entre profissional-usuário(a) (re)pensada a partir das necessidades e sob a ótica do(a) usuário(a) do serviço.

 

Método

O presente estudo, de abordagem qualitativa, caracteriza-se por seu caráter descritivo e exploratório. Ao reconhecer a importância da pesquisa qualitativa para o estudo das relações sociais, dada a pluralidade de vida (Flick, 2005), acredita-se que essa abordagem foi a que melhor se aplicou ao estudo da comunicação profissional-usuário(a) no contexto da DRC, uma vez que permitiu explorar com riqueza de detalhes essa experiência humana.

A pesquisa foi realizada no ambulatório especializado em nefrologia de um hospital escola na cidade do Recife, Pernambuco, voltado para o atendimento de pessoas com doença renal crônica, especificamente com pacientes em tratamento conservador. A amostra foi compreendida por 14 sujeitos, sendo sete pacientes e sete profissionais de saúde3. Adotou-se o critério de saturação, que se define quando o pesquisador opta por interromper a coleta de dados, uma vez que a inclusão de novos participantes leva à repetição ou redundância, não subsidiando de modo significativo para a teorização almejada (Fontanella, Ricas & Turato, 2008; Fontanella et al., 2011).

No tocante à caracterização dos participantes, foram três pacientes do sexo feminino e quatro do sexo masculino, com idades variando entre 21 a 70 anos, todos em tratamento conservador. Quanto aos profissionais de saúde, participaram duas enfermeiras, três médicos e duas nutricionistas, com média de idade compreendida entre os 45 anos, tendo o sujeito mais novo 27 anos e o mais velho 62 anos. Nenhum dos profissionais possuía formação na temática estudada.

Referente à escolha dos(as) usuário(as), considerou-se os critérios de elegibilidade: i) ser paciente do ambulatório de DRC em tratamento conservador; e ii) Serem maiores de 18 anos. Enquanto critérios de exclusão, considerou-se: i) apresentar dificuldade de expressão verbal e comprometimento cognitivo. Na escolha do(a) profissional, consideraram-se os seguintes critérios: i) ser profissional vinculado(a) ao serviço. Como aspecto excludente considerou-se: i) ser familiar do portador de DRC participante do estudo.

Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, elaboradas pela pesquisadora, que abordaram os seguintes pontos: i) aspectos valorizados pela díade profissional-usuário(a) durante o processo de comunicação entre eles, incluindo-se aqui as atitudes dos profissionais que influenciam, positiva ou negativamente, a comunicação profissional-usuário, ii) sentimentos vivenciados/decorrentes desse processo comunicativo, iii) condutas de educação em saúde promovidas ao(à) usuário(a) e iv) contribuições dessa comunicação para a relação profissional de saúde-usuário.

A coleta de dados ocorreu no terceiro andar do ambulatório especializado em nefrologia do hospital, no período de maio a agosto de 2017. As entrevistas foram realizadas de forma individual e em sala reservada, a fim de preservar o sigilo das informações e anonimato dos participantes. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio (por meio de gravador de voz) e transcritas na íntegra.

Para sua apreciação, os dados foram divididos em dois grupos de respostas e analisados segundo a análise temática de conteúdo (Bardin, 2010). O grupo 1 compreendeu as respostas dos(as) usuários(as) e o grupo 2 abarcou as respostas dos profissionais de saúde. A análise ocorreu separadamente, haja vista que objetivou uma análise comparativa entre os dois grupos de respostas, buscando semelhanças e/ou divergências entre eles, o que permitiu uma análise mais abrangente do fenômeno estudado.

Inicialmente, a análise dos dados compreendeu a leitura flutuante do material, visando sua categorização. Neste momento, surgiram categorias de análise, as quais foram reformuladas a partir dos núcleos de sentido presentes nas respostas obtidas. Ao tomar como base o estudo de Galindo, Francisco e Rios (2013), a última etapa do processo de análise compreendeu a síntese de todos os dados referentes a cada subcategoria criada, os quais serviram de subsídio para a discussão do texto final relativo à discussão apresentada neste artigo.

Os achados da pesquisa foram apresentados em dois blocos: a percepção dos profissionais de saúde e a percepção dos(as) usuários(as). Em ambos o debate é orientado pelos tipos de comunicação encontrados na investigação: comunicação-explicação e comunicação-relação.

A pesquisa atendeu aos aspectos éticos, conforme a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, sob o CAAE 65671117.0.0000.5208, foi iniciada a coleta de dados. Os participantes oficializaram sua participação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

 

Resultados e Discussão

Inicialmente, as categorias de análise apresentaram a seguinte configuração: i) tipos de comunicação, ii) atitudes, iii) sentimentos e iv) fatores externos. Posteriormente, realizou-se uma releitura do material, chegando às seguintes subcategorias: i) comunicação-explicação, ii) comunicação relação, iii) atitudes dos(as) usuários(as), iv) atitudes dos profissionais, v) sentimentos dos(as) usuários(as), vi) sentimentos dos profissionais e vii) fatores externos e internos à díade, as quais serão melhor explanadas a seguir.

A Percepção dos Profissionais de Saúde

Foram identificados dois tipos de comunicação a partir da análise do material oriundo das entrevistas com os profissionais de saúde: a comunicação-explicação e a comunicação-relação.

Comunicação-explicação

Refere-se a uma comunicação centrada no adoecimento, tratamento e na finalidade do ambulatório de nefrologia, e que visa à compreensão do paciente sobre o seu adoecimento e sobre a necessidade do tratamento. Identificou-se que os profissionais estabelecem um movimento que objetiva direcionar e instruir o(a) usuário(a) do serviço ao transmitir informações. No entanto, não fica claro se evocam o que o paciente julga importante para seu tratamento, o que pode ser observado no discurso da profissional 4 abaixo:

Eu vou explicando o porquê tem que tomar os suplementos[...], mas eu explico bem explicado e tento ele, faço ele entender a importância, pelo menos um período pra... a importância de tomar aquele suplemento. Do que dizer: você tem que tomar aquele suplemento. Não, eu explico a importância pra todo mundo, mesmo que o paciente tenha condições, porque nada como o saber. Quando ele sabe é a melhor arma pra ele aderir. (P4)

A fala acima sugere que fazer o(a) usuário(a) entender o tratamento pode abrir espaço para que ele(a) decida e julgue o que é melhor para si, favorecendo sua autonomia. Para isto, é preciso que o(a) usuário(a) seja capaz de entender e de decidir sobre seu tratamento, sendo copartícipe das decisões que lhe dizem respeito (Ugarte & Acioly, 2014).

Um aspecto que se destacou na comunicação-explicação foi o uso de estratégias, quer para ofertar informações ao(à)usuário(a), quer para adequar a linguagem do(a) profissional ao nível de compreensão daquele sujeito:

Você explica uma, explica duas, desce a linguagem, não é? Fala na linguagem dele, desenha um sol, desenha uma lua, numa prescrição de medicação, mas realmente você tem alguns pacientes que você... a comunicação é difícil, porque ele não tem o nível intelectual [para] que ele alcance aquilo (P3).

Partindo-se do excerto acima, apreende-se que, para que a compreensão do(a) usuário(a) ocorra, é insuficiente utilizar apenas a oralidade, sendo necessária, portanto, criatividade. O ato criativo consiste em um aspecto intrínseco à saúde, sendo capaz de gerar possibilidades de cuidado ao romper com o esperado e com o padrão de fazer assistência (Franco, 2015).

Ao passo que se identifica o uso de criatividade, observa-se aquele(a) profissional que ainda se vale de jargões e de palestras durante as explanações ofertadas (P4), o que pode comprometer não só o entendimento do(a) usuário(a), como pode fechar seu canal de comunicação com o(a) profissional de saúde:

Eu uso termos técnicos e faço eles entenderem o que eles estão comendo, o que eles estão levando pra casa, o porquê. Eu explico o lado oposto daquilo, o que vai acontecer. Que vai de encontro ao tratamento da gente, né (P4).

Conforme Schmidt et al. (2011), o uso do jargão traz o risco de surgir uma "barreira linguística" que pode levar a um estranhamento em relação ao(à) profissional, comprometendo a formação e a consolidação da aliança terapêutica, que é imprescindível para o êxito de qualquer tratamento.

O tipo de comunicação-explicação tende a estabelecer uma relação verticalizada entre profissional e usuário(a), indicativa de hierarquização, expressa pela postura imperativa sobre o(a) usuário(a) (P4):

Quando você explica, não só impõe "Você tem que tomar remédio, eu sou nutricionista, não passo remédio", só estou dando um exemplo. "Você tem que tomar tal suplemento, tem que tomar tal remédio, você tem que seguir essa dieta" (P4).

Bellenzani, Nemes e Paiva (2013) defendem que instruções imperativas ("você tem que fazer isto") produzem uma comunicação capaz de restringir a produção de novas vozes, de novos sujeitos e de sentidos a partir de outras perspectivas compreensivas. Logo, se estabelece uma relação de poder capaz de gerar conflitos caso o paciente se oponha a aceitá-la (Shrivastava, Shrivastava & Ramasamy, 2014).

A perspectiva da explicação como norteadora da relação com o(a) usuário(a) é identificada, também, quando da comunicação sobre diagnóstico e prognóstico e são referidos sentimentos de tensão, tristeza, pena, impotência, mal-estar, desconforto, constrangimento (mediante questionamentos por parte do paciente), impaciência, impotência e irritabilidade:

[...] no início, eu me sentia, assim, impotente, e começava a me irritar quando eu passava a explicar várias vezes e ela não entendia (P3).

É possível compreender que se deparar com a fragilidade e adoecimento do outro é encarar a própria fragilidade e finitude, sendo, portanto, algo difícil de lidar. Nessa perspectiva, quando confrontados com condições difíceis, que atualizam sua angústia, "os profissionais de saúde fazem uso de mecanismos de defesa que compreendem desde a negação até o ativismo exagerado de funções técnicas, passando por comportamentos evasivos, onipotentes ou irados" (Silva, 2009, p. 00). Nessa via, é fundamental que esses sujeitos analisem seus sentimentos, "contratransferencialmente" despertados, identificando sua origem, bem como os estereótipos advindos do vínculo terapêutico (Ceron, n.d.).

Ainda no que tange ao discurso da profissional 3, identifica-se o que Ceron (n.d.) denomina de efeito HALO, que se caracteriza quando o estereótipo que o(a) profissional constrói acerca do(a) usuário(a) faz com que suas queixas sejam: "são todos ignorantes", "não entendem nada", "não gostam de se cuidar", "não adianta falar, pois não escutam". Isto apresenta grande potencial iatrogênico, pois pode induzir "atuações inconscientes que traduzem agressão, desconsideração ou intolerância" (Schmidt & Mata, 2008, p. 39).

No que se refere aos sentimentos dos(as) usuários(as) durante a comunicação sobre a doença e tratamento, os dados oriundos dos(as) profissionais(as) de saúde apontam que a compreensão da DRC e o suporte ofertado pela equipe de saúde geram, no(a) usuário(a), sentimento de segurança. Por outro lado, a comunicação com o(a) profissional pode levar ao medo ou vergonha de perguntar, o que inviabiliza a compreensão das informações transmitidas:

Às vezes, a gente fala, principalmente aqui no hospital x. O paciente, a gente fala, o paciente não pergunta mais, porque, não é porque ele entendeu, mas porque ele tem medo de perguntar, tá certo? E, na outra consulta, quando você vai perg... falar de novo, ele parece que não, você tem que conversar tudo de novo, porque ele não compreendeu (P2).

Comumente, pacientes não relatam ao médico quando não entendem alguma palavra ou expressão referente ao diagnóstico e/ou tratamento, haja vista se sentirem envergonhados, culpados, além de não quererem desapontar os profissionais ou apresentarem medo de se expor e de serem julgados por não adesão terapêutica. Esse receio pode repercutir de forma negativa no tratamento, dado que esse sentimento leva a relutância em discutir questões sobre (auto)cuidado com os profissionais (Beverly, et al., 2012; Nogueira-Martins & De Marco, 2010; Ritholz et al., 2014).

Um dado verificado é que, apesar de os profissionais identificarem vários sentimentos nos(as) usuários(as), não se observa nos discursos espaço para que os sujeitos possam expressá-los. Assim, tanto pacientes quanto profissionais mantêm a subjetividade de lado. Para Simonetti (2015), é estabelecida, na cena hospitalar, uma dinâmica profisssionalusuário(a) pautada na relação sujeito-objeto, em que a subjetividade não ocupa nenhum lugar nessa organização. A comunicação, portanto, assume como característica fundamental a explicação de aspectos em torno da DRC.

Identificou-se também que fatores internos à díade profissional-usuário(a), como a postura negativa de profissionais, as crenças prévias sobre adoecimento e o nível de instrução do paciente, foram apontados como barreias à comunicação. É válido destacar que, embora o grau de entendimento, acrescido pelas diferenças de ordem sociocultural e ao estágio de desenvolvimento cognitivo, seja um obstáculo, não se deve desconsiderar a falta de habilidade do(a) profissional em comunicar-se com seu paciente enquanto barreira àquele processo (Coriolano-Marinus et al., 2014; Khan, Hassali & Al-Haddad, 2011).

É válido frisar que os(as) profissionais do presente estudo não mencionaram e/ou não perceberam que, por exemplo, a falta de habilidade técnica de comunicar e de lidar com situações difíceis, ao sofrerem influência da contratransferência, podem constituir fatores que dificultam o processo de comunicação. Esses dados permitem refletir sobre a não percepção de aspectos pessoais e subjetivos nesse processo, considerando apenas fatores como infraestrutura e grau de instrução do paciente como barreiras, reduzindo a relação profissional de saúde-usuário(a) à explicação objetiva de aspectos em torno da doença. Sendo assim, questiona-se: "Será a subjetividade desnecessária ou temida e evitada?" (Simonetti, 2015, p. 33).

 

Comunicação-relação

Foi possível identificar a presença de uma comunicação-relação estabelecida entre profissionais e usuários(as). Nessa via, uma vez que as categorias e subcategorias foram constituídas a partir dos núcleos de sentido captados nos discursos dos participantes, o termo relação, aqui empregado, não se restringe ao aspecto afetivo da relação entre os sujeitos, mas ultrapassa-o.

A comunicação marcada pela relação assume contornos de horizontalidade entre o(a) profissional e o(a) usuário(a). Caracteriza-se pela vinculação, diálogo, troca (de conhecimentos), escuta, partilha, aprendizagem mútua, transmissão de segurança ao paciente (via comunicação sobre o tratamento) e por uma relação de intimidade/amizade entre a díade (P4):

Como os meus pacientes estão crônicos, então, assim, a gente tem uma relação muito íntima, tipo até família mesmo, né? Então, muitos me veem como uma amiga, como uma ouvinte também (P4).

A fala da profissional 4 revela que, por vezes, podem surgir, no espaço hospitalar, relações que ultrapassam a esfera profissional, sendo importante respeitar as fronteiras que as delimitam e considerar que devem ser pautadas no interesse e no respeito mútuos (Aquino & Figueiredo, 2014). É importante destacar que o interesse e o respeito, além de outros aspectos, foram identificados nos discursos dos profissionais, conforme será discutido a seguir.

Na dimensão da comunicação-relação destacam-se as atitudes do(a) profissional, caracterizadas como positivas quando se referiam a sua comunicação com o(a) usuário(a). Assim, destacaram-se habilidades para dialogar, explicar, ser claro, ser verdadeiro, paciente, cordial, respeitar o ritmo do paciente, informar e checar a compreensão das informações recebidas. Estas últimas são descritas no fragmento de fala a seguir:

"Eu acho que também checar, né? Se o que você passou, esse paciente entendeu. Você checando aquela informação, aí acho que depois, nas consultas subsequentes, você vai ver se realmente ele aderiu, né, ao tratamento. Você vai ter esse resultado com exames clínicos melhores, o aspecto dele melhor". (P3)

Rollnick, Miller e Butler (2009) enfatizam que informar-verificar é uma estratégia importante no processo de comunicação, haja vista que ela não consiste em perguntar apenas se o paciente entendeu, mas também checar se há algo que ele não compreendeu ou que gostaria de saber. Além disso, é preciso acessar suas perspectivas, identificando seus pensamentos sobre as informações ofertadas. Assim, envolve-se o paciente ativamente no tratamento, além de auxiliar na detecção e na correção de possíveis mal-entendidos não observados.

Os discursos analisados indicaram ainda as habilidades tocar e olhar o paciente, ainda que referidas por apenas dois sujeitos de diferentes categorias profissionais, reforçando o fato de que essa comunicação é frequentemente negligenciada (Ranjan, Kumari & Shchakrawarty, 2015).

No tocante à comunicação do diagnóstico de DRC, os sujeitos afirmaram a importância de ofertar suporte ao(à) usuário(a) objetivando seu fortalecimento. Isto ocorre quando o(a) profissional valida a situação vivenciada; quando é firme, incentiva, encoraja e oferece conforto e consolo ao(à) usuário(a), colocando-se como figura de apoio.

[...] sempre transmitindo que aquilo ali ele não está passando sozinho, que têm outras pessoas que já passaram pela mesma situação, está certo? E que ele tem o apoio da equipe multiprofissional, tá certo? (P5).

A fala acima leva a refletir se essa atitude não pode ser interpretada como uma forma que os profissionais têm de encontrarem o próprio consolo e conforto diante da má notícia. Confortar é um processo interpessoal e recíproco que acarreta o aumento do controle sobre a vida e sobre as circunstâncias vivenciadas, auxiliando na percepção da realidade (Ribeiro, Marques & Ribeiro, 2017). Uma atitude que parece estar intimamente relacionada com a oferta de suporte/conforto é a empatia (P7, P5):

[...] passando que a gente não está alegre com determinadas situações, que a gente está sentindo também. A dor dele é a nossa dor. Entendesse? (P5)

Kübler-Ross (1994) defende que o que mais conforta é o sentimento de empatia e a reafirmação de que há tratamentos válidos, fazendo-se todo o possível; o sentimento de que não se abandonaria os pacientes, de que haveria (haverá) sempre uma esperança. Com efeito, o paciente poderá continuar a confiar no(a) profissional, o(a) qual poderá auxiliá-lo na luta nessa nova etapa de vida. A empatia vai além de uma atitude amigável e gentil, uma vez que implica não julgar ou mudar o sujeito, mas ajudá-lo a compreender sua experiência (Arkowitz, Westra, Miller & Rollnick, 2011).

Além das atitudes descritas, os profissionais entrevistados referiram sentimentos vivenciados por eles durante a comunicação com seu paciente, o que sugere a importância de refletir sobre a presença da subjetividade no espaço hospitalar.

Os dados apontaram que, durante a comunicação do diagnóstico e prognóstico (bom ou ruim) ao(à) usuário(a), os profissionais experimentam sentimentos de responsabilidade (em comunicar um diagnóstico ruim), conforto e tranquilidade.

A relação profissional de saúde e usuário(a) é carregada de sentimentos de ambos os lados, o que é corroborado pelos resultados deste estudo. Estes sentimentos poderão adquirir características positivas ou negativas, que, de uma forma ou de outra, são sempre muito poderosos (Schmidt & Mata, 2008).

Os profissionais percebem como sentimentos do(a) usuário(a) tristeza, desânimo e frustração. De acordo com eles, são sentimentos que emergem mediante comunicação sobre o diagnóstico e a necessidade de terapia renal substitutiva (geralmente a diálise), considerada por um dos profissionais como "uma prisão sem grades" (sic):

[paciente apresenta] sentimento de tristeza, desânimo, frustração. Ver que você levou uma vida, para trás, com saúde, sem nenhum tipo de limitações. Porque a doença renal crônica leva o paciente a ter uma vida... a ter uma prisão sem grades (P5)

Ao estabelecer um paralelo entre a teoria de Kübler-Ross (1994) sobre as fases do luto e o discurso supramencionado, compreende-se que esses sentimentos são manifestações emocionais comuns e inerentes ao luto pela perda do corpo saudável. Ao entender dessa forma, o(a) profissional poderá compreender o(a) usuário(a) em sua dor, o que possivelmente reduzirá suas angústias e preocupações de estar infringindo sofrimento pela informação transmitida.

No que se refere a fatores externos e internos à díade, alguns aspectos merecem atenção. A tranquilidade no ambiente, um ambiente saudável, profissionais dispostos à comunicação e uma boa infraestrutura viabilizam abertura ao diálogo e favorecem o acolhimento do(a) usuário(a) pelo(a) profissional de saúde. Esses aspectos possibilitam conforto físico e psicológico para a díade e facilitam o uso de habilidades de comunicação para o estabelecimento de uma efetiva comunicação entre eles (Norouzinia et al., 2016).

Agora, se você está num ambiente mais saudável, você chega e é bem atendido, tem uma cadeira melhor para você sentar, não é quente, você é atendido com certa agilidade, porque não tem cem, duzentos pacientes, você tem condições de ser atendido, esperar meia hora, vinte minutos ser atendido, ele torna-se muito mais aberto a conversar quando chega na sala, enfim, e tem um diálogo maior. (P7)

Se, por um lado, os dados sugerem facilitadores à comunicação, por outro, indicam barreiras a esse processo. Nessa via, a presença de demanda excessiva, tempo limitado, interrupções externas, má infraestrutura, pressão para produzir e falta de tempo do(a) profissional foram identificadas enquanto barreiras à comunicação. Partindo-se desses resultados, é possível identificar semelhanças com o estudo de Machaczek, Whitfield, Kilner e Allmark (2013), em que foi detectado que o tempo insuficiente, períodos ocupados no departamento/hospital, interrupções e falta de um lugar destinado para a comunicação influenciam a capacidade dos profissionais de realizá-la.

Na minha vivência atual, eu acho que é essa intranquilidade de você atender um paciente sem a porta ... sem tocar o telefone, o acompanhante [...] Entra um, toca o telefone, chama; eu acho que isso dificulta bastante (P3).

A Percepção dos(as) Usuários(as)

A análise do material oriundo das entrevistas com os(as) usuários(as) também identificou os mesmos tipos de comunicação presentes no discurso dos(as) profissionais de saúde: comunicação-explicação e comunicação-relação.

Comunicação-explicação

Esse tipo de comunicação é caracterizada por usuários(as) pela transmissão de informações sobre a doença, motivo do adoecimento, condição clínica atual, alterações fisiológicas, sinais e sintomas, além de aspectos referentes ao tratamento conservador, hemodiálise, terapia nutricional e riscos da não adesão terapêutica/medicamentosa.

Ao tomar como referência o estudo de Galindo, Francisco e Rios (2013, p. 995) foi possível identificar uma semelhança entre o que esses autores denominam de aconselhamento instrução e a comunicação explicação identificada no presente estudo, dado que ambos se caracterizam por um "modelo convencional de relação profissional-usuário, na qual o profissional transmite, informa e o usuário recebe, apreende".

(...) que desde que você recebe a comunicação orientada, você vai memorizar, vai dizer que "eu ouvi aquele profissional dizer que isso é assim, assim, assado. Que isso aqui não pode ser assim, tem que ser assim". Isso tudo é uma boa comunicação (U6).

Nessa comunicação, as informações são centradas no adoecimento e tratamento, e não na pessoa que adoece (comunicação centrada na pessoa). Ao fazer menção à pessoa, refere-se tanto ao(à) profissional, que deve participar na organização do seu processo de trabalho e prática, quanto ao sujeito que adoece, que deve poder exercer plenamente seu papel de "especialista em si mesmo", contribuindo para a obtenção de adequados e melhores resultados em saúde (Lopes & Ribeiro, 2015).

Apesar de não ter sido identificada neste estudo, acredita-se que a "comunicação centrada na pessoa" tem distinta importância, uma vez que poderia auxiliar o(a) profissional a conduzir o processo comunicativo por permitir o reconhecimento dos limites do paciente e de suas necessidades de informação (o que e até onde comunicar), identificando e respeitando sentimentos (seus e do outro) e realizando, dessa forma, uma assistência mais humanizada. Rollnick, Miller e Butler (2009)atentam para a necessidade de considerar a quantidade (e o conteúdo4) de informações que são fornecidas ao paciente. Para isso, é preciso cautela e consciência de que o paciente não consiste um depósito de informações, mas um sujeito que possui saberes, sentimentos, prioridades e necessidades que devem ser consideradas, o que é ratificado pela fala do usuário 5:

"Se a gente escuta a verdade toda de uma vez, a gente não aceita. A gente demora muito para aceitar. Leva um tempo para a gente compreender. Então, é bom ir devagarzinho, com pés de rato mesmo. Ir devagar para você poder ouvir e falar a verdade até onde a pessoa quer, entendeu?(U5).

No tocante às explicações fornecidas pelo(a) profissional de saúde, possibilitam que o(a) usuário(a) reflita sobre as possíveis consequências que corre em caso de não adesão terapêutica. No entanto, parece emergir uma responsabilização do(a) usuário(a) pelo seu tratamento e pelos riscos da não adesão, o que é ratificado pela fala abaixo:

[...] ele [profissional] disse logo "você tem muita sorte que você não ficou fazendo hemodiálise e tenha cuidado que, pra fazer hemodiálise, é ligeiro". Explicando pra mim, sabe? Ele explicou muita coisa boa pra mim, até hoje, graças a Deus, explicou (U3).

Usuários(as) percebem a hierarquia que caracteriza a comunicação com o(a) profissional de saúde. O(A) profissional, por exemplo, decide o que é melhor para o(a) usuário(a), valendo-se de sua autoridade para sustentar uma relação assimétrica e reproduzir a lógica do saber do médico enquanto verdade absoluta, evitando que o(a) paciente se coloque enquanto sujeito do processo de cuidado, que tome decisões e seja copartícipe no tratamento ofertado (U3):

[...]aí, eu tomei a injeção, e parece que ele conheceu, que ele brigou com eu. Ele reclamou: "a senhora tomou a injeção, o remédio, num tomou?", eu disse: "eu tomei, doutor", não menti, não. Ele disse "olhe, a senhora não fique tomando remédio assim, não, viu, porque a senhora não pode tá tomando remédio assim, sem minha ordem, não". (U3)

O que ela mandar eu fazer, eu faço, não tem isso, não. Tomar um remédio, se tiver que ficar internado, fica. (U2)

Na fala de U2, ao passo que se identifica uma relação de confiança estabelecida com o médico, observa-se uma passividade, posto que ele não se coloca no processo, apenas ouve e aceita o que lhe é ou foi prescrito. Assim, identifica-se, nesse contexto, o(a) usuário(a) submisso(a) ao que lhe foi designado, e o(a) profissional como "vigilante biopolítico" que examina o modo que os pacientes têm de lidar com o corpo, podendo marginalizar e excluir atitudes que se contraponham as suas prescrições (Borges & Porto, 2014). Tomar como referência a passividade incita a reflexão sobre as atitudes dos(as) usuários(as) no processo comunicativo, tornando válida sua discussão.

Comunicação-relação

Identificada também no discurso de usuários(as), a comunicação-relação é referida conforme os achados do discurso dos/as profissionais de saúde. São expressas experiências indicadoras de relação horizontalizada na comunicação com os/as profissionais de saúde:

Eu chego e pergunto o que estou sentindo, alguma coisa, eu explico, aí ele, espero ele falar. Escuto o que ele disse, prestando atenção para entender o que ele tem a dizer, só isso (U2).

Ele vai perguntar com brincadeira, eu rio, eu respondo rindo uma coisa assim, aí é só alegria para mim (U4).

O uso do bom humor e das brincadeiras, presentes na fala do usuário 4, caracterizam-se por serem atividades de alta significância para o bemestar emocional e por possuírem caráter terapêutico, sendo complementares às tarefas de rotina e que estão presentes em ações que ultrapassam as intervenções técnicas específicas, o que corrobora com os achados do presente estudo (Bianchini, 2015; Ribeiro, Marques & Ribeiro, (2017).

Entende-se que uma relação horizontal pode viabilizar e sedimentar uma maior vinculação, além de respeito mútuo entre usuários(as) e profissionais, sem que estes percam sua autoridade.

Foram identificadas algumas atitudes dos(as) usuários(as) relativas ao tratamento e ao autocuidado, as quais foram classificadas em positivas e negativas. É importante ressaltar que positivo e negativo não assume um sentido valorativo, mas fazem referência ao que pode favorecer ou não o (auto)cuidado do(a) usuário(a).

No tocante às atitudes positivas, destacaram-se: implicar-se no tratamento (pesquisando sobre enfermidade, dialogando com o(a) profissional e selecionando informações importantes), ser verdadeiro (quanto aos sintomas), seguir as terapêuticas e ser obediente às prescrições. Em relação a esta última, é preciso fazer uma ressalva. Se, por um lado, ser obediente é evitar danos à saúde ao seguir as prescrições (percepção dos(as) usuários(as), por outro, é dificultar a autonomia do(a) usuário(a) no que diz respeito a apropriar-se de seu tratamento, sustentando uma postura de obediência e de dependência em relação ao(à) profissional.

[...] quer dizer, por exemplo, eu estou aqui na clínica, não é? É um médico diferente. Ele não sabe que eu fui para outro. Aí, o outro que passa o medicamento, eu trago para ele. Trago até o exame do outro. "Doutor, veja aí esse exame aqui. Foi outro médico que passou. E esse medicamento? Estou tomando certo?" E a mesma coisa eu faço com o daqui que passa, eu levo para a cardiologista. Olha, o médico da x passou esse (U7).

A fala de U7 expressa o que Borges e Porto (2014) denominam de obediência participativa do paciente ("complience"). De acordo com Liberato et al. (2014), esse termo transmite a ideia de passividade/submissão do paciente ao cumprimento das terapêuticas, além da culpabilização pelo seu descumprimento. É válido destacar que complience não é sinônimo de adesão, uma vez que esta implica uma postura ativa, coparticipativa e corresponsável do paciente em relação ao seu cuidado em saúde (Gusmão & Mion, 2006 como citado em Borges & Porto, 2014).

Além de atitudes positivas, destacaram-se ainda aquelas compreendidas como negativas, a saber: não adesão e não implicação no tratamento. Esta última, conforme a fala abaixo, ocorre quando o(a) usuário(a) não pergunta, falando apenas o necessário ou, ainda, quando supõe que o(a) profissional de saúde detém todas as informações necessárias sobre ele(a), não sendo preciso conversar sobre seu tratamento ou questioná-lo, sugerindo passividade do sujeito em questão:

Assim, eu não converso, quase não, porque, assim... porque as minhas coisas todas ele já sabe, né, está tudo anotado no meu papel lá, meu papel lá tá desse tamanho assim, tudo de remédio, de problema, de todo tipo de problema; está tudo acusado lá [...] Aí, ele não pergunta mais a mim (U3).

No excerto acima é possível apreender que o(a) paciente, ao colocar o(a) profissional no lugar do que tudo sabe acaba tendo pouco envolvimento na produção de sua saúde (Borges & Porto, 2014). Araújo e Araújo-Júnior (2016) enfatizam que envolver ativamente o(a) usuário(a) no cuidado não é um ponto pacífico. Para esses autores (2016, p. 124), a "corresponsabilização e a participação da comunidade só podem ser efetivadas na medida em que o(a)usuário(a) é considerado(a) como sujeito ativo(a) na produção do cuidado".

No tocante às atitudes dos(as) profissionais, os resultados oriundos da análise das entrevistas com usuários(as) indicaram a presença de atitudes que sugerem tanto interesse quanto desinteresse pelo(a) usuário(a). Dentre aquelas que são compreendidas como interesse por parte do(a) profissional de saúde, encontram-se: perguntar sobre o tratamento e/ou sobre a adesão do paciente, ofertar explicações /esclarecimentos, examinar, ofertar consolo, aconselhar e ter tempo para o(a) usuário(a).

[...] Atender bem, examinar a pessoa que precisa, né, porque a gente chegar no médico e não examinar a pessoa pra saber o que ela tem, tá fazendo o quê? Nada (U3).

Outras atitudes que denotam interesse e que estão relacionadas ao modo de ser do(a) profissional de saúde são: ser calmo, ser paciente, não ser impositivo, ser claro, resolutivo, verdadeiro e ser cordial. É importante ressaltar que associadas à cordialidade estão as seguintes habilidades: respeito (a autonomia e ao ritmo do paciente em receber informações), tratar bem, ter cautela em transmitir informações, além de ser educado, gentil, cortês, caloroso e acolhedor:

[...] tem, assim, um médico que é muito atencioso, muito. O seu doutor X é uma pessoa muito excelente. Vem aqui, se comunica, conversa, escuta, aí eu acho isso fantástico. [Por] que a pessoa deve ser bem tratada; da maneira que nós queremos tratar bem, queremos ser bem tratados (U6).

O fragmento de fala supramencionado sinaliza que o processo de cuidado ao(à) paciente requer uma abordagem holística, que envolve considerações para além da doença, abarcando habilidades do(a) profissional, como boa capacidade de comunicação, que somada a aptidões técnicas, melhoram a adesão e a satisfação geral do paciente (Ranjan, Kumari & Shchakrawarty, 2015).

Outras atitudes dos(as) profissionais que se destacaram foram aquelas que sugerem desinteresse pelo(a) usuário(a). Dentre elas, estão a brutalidade/ignorância do(a) profissional, a má vontade durante o atendimento, além de minimização da verdade (sobre o diagnóstico), falar de forma duvidosa e ser prescritivo sem ofertar explicações. Essas atitudes são iatrogênicas, pois podem comprometer a qualidade da assistência e a continuidade do tratamento, levando ao sentimento de desvalia e acarretando prejuízo na relação com o(a) profissional de saúde:

Tem uns que ficam até no telefone ligando para um amigo. Eu já não gosto, porque numa consulta? [...] Tem uns que ficam na receita e falando no telefone e escrevendo na receita. [...]Tem uns que ficam até o final da consulta com o telefone. Aí, é péssimo, porque ela não está bem atenta à consulta (U7).

Toda e qualquer atitude do(a) profissional interpretada pelo(a) usuário(a) enquanto desinteresse, hostilidade ou desrespeito despertará sentimentos ameaçadores, uma vez que a figura deste(a) profissional que, pela transferência, foi dotada do poder de salvar, é justamente aquela que, agora, o abandona. Nessa via, certas atitudes, embora não sejam percebidas, podem determinar o aumento da profundidade e da intensidade da angústia decorrente do adoecer (Schmidt & Mata, 2008).

Quanto aos sentimentos dos(as) usuários(as), foram identificados sentimentos positivos, como felicidade, bemestar, tranquilidade e satisfação advindos da oferta de explicações e de informações relativas a bom prognóstico, do cuidado e do suporte recebidos do(a) profissional de saúde.

Eu acho que traz [benefícios], viu? Porque, pelo menos, eu acho que estou bem de saúde. [A comunicação com o(a) profissional] me ajuda eu conseguir ter mais felicidade, não ficar desesperada ou pensando no pior (U4).

Se, por um lado, foram identificados sentimentos positivos, por outro, emergiram sentimentos negativos, como fúria/raiva e desespero/agonia (pela comunicação do diagnóstico), estresse (por mal atendimento), medo (causado pela atitude do(a) profissional de saúde), nervosismo (diante do recebimento de informações sobre sua situação clínica sem maiores esclarecimentos) e o "sentir-se vítima" (pela não orientação do(a) profissional de saúde quanto ao diagnóstico de DRC):

A pessoa fica tão furiosa com a verdade que sabe no fundo; no fundo, sabe, só que não quer ser convencida disso. Aí, é melhor você ficar quieto. Com o tempo, ela vai se acostumar, ela vai aceitar. Ela vai se adaptar. (U5)

No que se refere aos sentimentos de raiva e fúria, o discurso acima sugere que esses sentimentos emergem quando o paciente se depara com o diagnóstico de adoecimento crônico, o que consiste em uma reação emocional coerente com o luto da perda da saúde, na maioria das vezes, abruptamente vivenciada. Comumente, o sujeito que adoece se recusa a acreditar no diagnóstico, revoltando-se ou reagindo com enorme injustiça. Isto ocorre, pois a doença ameaça à integridade do ser humano, confrontando-o com sua fragilidade e destituindo-o de seu sentimento de onipotência. Assim, o sentimento de angústia pode emergir, uma vez que, diante do diagnóstico de DRC, o paciente se depara com a possibilidade de morte e com uma situação desconhecida e assustadora (Ferreira, Agra & Formiga, 2017; Xavier & Santos, 2012).

 

Considerações Finais

Os resultados sinalizaram o predomínio de uma comunicação centrada no adoecimento, caracterizada pela transmissão de informações/explicações ao(à) usuário(a). Ainda que exista uma relação de proximidade entre a díade, marcada pelo diálogo, partilha e escuta, identifica-se a presença de uma relação vertical. Essa forma de relação pouco se destacou no discurso dos(as) profissionais de saúde. Esteve mais proeminente na fala dos(as) usuários(as). Uma das possíveis explicações para esse achado é a presença de um discurso socialmente esperado dos(as) profissionais. Outra razão seria a ideia naturalizada de que o(a) profissional de saúde é o(a) detentor(a) de um saber inquestionável.

Concernente às atitudes dos(as) profissionais, aquelas que expressam desinteresse foram criticadas pelos(as) usuários(as). Em contrapartida, atitudes facilitadoras do processo comunicativo foram apontadas como importantes. Sobre as repercussões que a comunicação acarreta para a díade, identificou-se sentimentos positivos emergentes, quer da comunicação de bom prognóstico, quer do suporte ofertado pela equipe de saúde. Destacaram-se os sentimentos negativos advindos da comunicação do diagnóstico de DRC ou de um mal prognóstico.

É possível concluir que os(as) profissionais possuem conhecimentos técnicos suficientes. No entanto, faltam-lhes habilidades técnicas para estabelecerem uma comunicação simétrica com o(a) usuário(a) do serviço, em que haja participação conjunta e partilha de saberes e de responsabilidades. Portanto, é importante que seja adquirida aptidão para lidar com a dificuldade de comunicar informações difíceis de lidar e com os sentimentos que podem emergir dessa comunicação.

Assim, aponta-se a necessidade de estudos que possam suprir a carência de pesquisas sobre comunicação profissional-usuário(a) na DRC, além de pesquisas voltadas para formação de profissionais que visem abordar a temática da comunicação profissionalusuário(a).

Por fim, destaca-se o caráter inédito do estudo, o que torna a pesquisa relevante, uma vez que esta poderá nortear práticas que visem o aperfeiçoamento da comunicação profissional-paciente e servir de subsídio para a capacitação de profissionais que objetivem adquirir habilidades técnicas na assistência em saúde ao paciente renal crônico.

 

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Endereço para correspondência:
Érica Tavares de Melo Matsuoka
Email: ericamatsuoka@hotmail.com

Maria Lucicleide Falcão de Melo Rodrigues
Email: marialucicleide@hotmail.com

Josianne Maria Mattos da Silva
Email: josiannemattos@hotmail.com

Wedna Cristina Marinho Galindo
Email: wedna.galindo@gmail.com

Jéssica Oliveira Galvão
Email: jessicaogalvao@gmail.com

Recebido em: 02/03/2018
Revisado em: 14/01/2019
Aceito em: 04/02/2019
Publicado online: 02/08/2019

 

 

1 Capacidade de filtragem do rim
2 Diálise ou transplante renal
3 Apesar de cada grupo contar com sete participantes, observou-se que, em dado momento, as respostas assemelhavam-se muito, caracterizando-se por serem repetitivas e não trazendo informações adicionais
4 Grifo nosso

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