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Print version ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.30 no.45 São Paulo Dec. 2007
EM PAUTA - LINGUAGEM II
A linguagem e o trabalho de luto na rememoração
The language and the mourning work in the remembrance
Luís Carlos Menezes*
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
RESUMO
O essencial do processo analítico visa livrar o paciente de reminiscências que têm a tenacidade do sintoma e que o fazem sofrer, limitando-o severamente em suas possibilidades de vida. Estas impõem uma atualidade alucinatória ao processo analítico e na qual se enredam analisando e analista, constituindo-se assim no terreno por excelência em que a análise ocorre. Neste trabalho, no entanto, espera-se que pela linguagem seja possível transformar, paulatinamente, repetição em rememoração. Este artigo dá particular ênfase à perda que a rememoração acarreta, ao trabalho de luto que a renúncia a um presente eternizado pela repetição implica na criação da memória pela e na linguagem.
Palavras-chave: Linguagem, Luto, Rememoração, Repetição.
ABSTRACT
The main purpose of the psychoanalytical process is to liberate a patient from reminiscences that carry the tenacity of the symptom and that make a patient suffer, severely limiting his/her life possibilities. Such reminiscences impose a hallucinatory actuality to the psychoanalytical process where analyst and patient are entangled, therefore constituting the grounds by excellence where psychoanalysis occurs. In this effort, however, one expects that through language one may gradually transform repetition into remembrance. This article sets particular emphasis on the loss that remembrance causes, to the mourning effort that the renouncing of a present eternized by repetition implies in the creation of memory by and in language.
Keywords: Language, Mourning, Remembrance, Repetition.
A “ miséria neurótica” é expressão das dificuldades em estar confortável na vida e obter satisfações nas relações, na vida amorosa, nas atividades e nos interesses pessoais, o que leva a pessoa a se sentir cronicamente infeliz. Os impasses em que se debate são “sempre os mesmos” e trazem o selo de uma eterna repetição, como condição que se arrasta indefinidamente, quaisquer que sejam os esforços e o empenho em sair dela. Há restrição das possibilidades de se sentir suficientemente livre e animado interiormente para viver a própria vida, acompanhada de um injustificado empobrecimento psíquico que pode comprometer toda uma vida.
O aprisionamento no mesmo já se encontra no sintoma de que se queixa o paciente. O sintoma vai se fazer presente na análise e não há porque se surpreender que a insistência do mesmo venha se constituir no eixo do processo analítico. Rememoração e repetição, os pilares da transferência, são as formas que toma o mesmo na análise. Noto que o prefixo “re” indica repetição, insistência: refazer, repensar, recopiar, rever etc. Repetir é manter, preservar, é evitamento da perda, é economia de um trabalho de luto.
Já nos tempos da invenção da psicanálise, sabemos como vai ficando evidente para Freud que o sintoma de que sofre o neurótico é uma formação que, de maneira semelhante ao sonho, é a modalidade psíquica possível para um desejo inconsciente em agonia. Daí o empobrecimento da vida psíquica do neurótico: este vive na defensiva, no evitamento, à margem do que lhe é essencial, o desejo inconsciente sendo o desenho do que há de mais visceral em seu ser.
Tenhamos presentes as noções de percepção e de consciência, por um lado e a de memória, por outro. No estado neurótico, uma memória monótona não cessa de parasitar a consciência, absorvendo a atenção e a disponibilidade do sistema perceptivo, continuamente invadido pelo &“já vivido” ou pelo que, sempre em impasse, está em busca de ser vivido. O neurótico sofre sim de reminiscências, ou seja, da impossibilidade para transformar o desejo em memória.
Desejo e memória vão juntos. O desejo inconsciente não é senão o movimento de investimento de marcas “mnésicas” deixadas pela experiência de satisfação vivida no contato com o outro. O desejo, saudades de uma boa lembrança, só pode voltar a fluir quando as marcas que formam as lembranças voltarem a se tornar acessíveis, quando puderem ser ditas, reavivadas pela situação analítica; são então agidas na transferência e desfeitas por palavras que possam, contando com o lento fazer perlaborativo, ir dissolvendo estes nós demasiado cheios pela experiência sem perda, do alucinatoriamente atual.
Por outro lado, nos perguntamos, como se pode chegar a ter saudades de experiências de sofrimento, amargas, penosas ao extremo, também vividas na relação com o outro e que também deixam marcas, senão rombos? Terreno inóspito para a vida, ou seja, para o desejo. Terreno onde o sujeito não é e não tem vontade de ser. Mas estas também, sabemos bem disso, como almas penadas, insistem silenciosamente nas análises, são também fontes de repetição. Precisam constituir-se como experiências de dor e de angústia, precisam encontrar, pela palavra que reconhece, um sentido que humaniza o sofrimento, antes que a chama do desejo possa, ainda que timidamente, voltar ali a ser fonte de sonho e de vida. O reconhecimento é aqui o ato analítico essencial.
Na análise a repetição provém, portanto, da insistência do desejo em impasse, mas também do que fica aquém do prazer, como lesão psíquica, como inomeado. Em minha experiência ambos agem imbricados no interior de uma mesma análise, dependendo da sensibilidade clínica do analista na percepção do que se encontra em primeiro plano em cada momento da análise.
A repetição, insidiosa, tem muita força psíquica, pois “as tendências inconscientes procuram se reproduzir na análise como equivalentes da regressão alucinatória do sonho, ignorando o tempo e adquirindo um caráter de atualidade e de realidade”. O paciente “quer pôr em ato suas paixões, dar-lhes corpo”.O trabalho do analista será de manter ou de trazer para o terreno psíquico os movimentos pulsionais, numa “luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e as forças instintuais, entre o discernimento e a necessidade de descarga”, luta que se passa toda no terreno da transferência (Freud, 1912/1998).
A transferência nutre-se de duas fontes de resistência que são duas faces da mesma moeda: o paciente quer evitar a qualquer custo o reconhecimento do (desejo) recalcado, causa de angústia e quer manter a fruição de suas expectativas libidinais a que tão bem se presta a transferência (como o sonho) (Freud, 1912/1998). Quebrar a fruição alucinatória da repetição pelo reconhecimento do desejo que nela insiste, implica, pois, uma perda, uma renúncia.
Ao mesmo tempo, no entanto, que Freud insiste no desafio posto pelo difícil manejo da transferência nessas condições, ele a compara a um playground, a um domínio intermediário entre a doença e a vida real, onde é possível vencer as resistências “desde que se dê ao paciente todo o tempo de que precisa para elaborá-las” (durcharbeiten, perlaborar) e para avançar no processo analítico. “O médico nada tem a fazer senão esperar e deixar as coisas seguirem um curso que não pode ser evitado, e tampouco acelerado” (Freud, 1914/1994).
Trata-se de uma observação importante, pois, prossegue o autor,
essa elaboração das resistências pode se tornar uma tarefa penosa para o analisando e uma prova de paciência para o médico. Mas é a parte do trabalho que tem o maior efeito modificador sobre o paciente, e que distingue o tratamento psicanalítico de qualquer influência por sugestão (Freud, 1914/1994).
O automatismo de repetição é, pois, evitamento da rememoração, do reconhecimento do desejo, que abre para novas possibilidades, mas que implica a desistência da fruição secreta que estava no sintoma e na transferência. A repetição é, por outro lado, reprodução, na situação analítica, de uma impressão que, por sua violência, não deixou marca; permanece como tal e requer, pelo trabalho da linguagem, a criação de memórias, a criação de um passado e de uma narrativa para essa violência muda que se apresenta num presente oco, eternizado, como puro excesso.
Certas tendências atuais da psicanálise centram o pensamento do fazer analítico nesta segunda forma da repetição. Em minha experiência clínica, seja como analista, no dia a dia, seja como analisando, não vejo como negligenciar a repetição como expressão da vida e dos impasses da atividade pulsional, assim como das vicissitudes do desejo. O uso de uma dimensão das coisas em análise pode servir como pretexto, ou seja, como defesa para ignorar e para não favorecer que a outra, quando estiver em primeiro plano, possa advir.
Na repetição do que está aquém das marcas mnésicas do desejo, vejo que surgem situações em que a linguagem se torna particularmente inoperante, perdendo a sua potência figurativa, tão evidente no sonho. E, com isso, ela perde o seu lastro nas representações de coisa. Como, então, poder ir dando voz a uma violência que ignora o sentido em sua mudez, para que o analisando possa chegar a dramatizá-la numa dimensão subjetiva, como algo que lhe diz respeito, que faz parte dele, de sua vida, de sua história?
Penso que, mesmo nas condições em que a repetição apresenta-se como puro automatismo, refratária ao poder da fala em criar lugares e temporalidades, isto é, em rememorar, temos, numa análise, que permanecer ainda no terreno da linguagem, não temos outro. Podemos, neste caso, tentar ir mais longe, procurando pensar sobre a sua natureza, sobre as raízes corporais da linguagem. É o que faz Pierre Fédida quando se interroga sobre o que chama de inscrição, ou seja, sobre como se constitui a palavra capaz de dizer. Apóia-se na referência ao “poder perceptivo” destas, cujos traços mnésicos correspondem à “realidade corporal primária”, escrita ou texto da coisa, tendo as palavras, em sua raiz, “uma textura corporal à qual o nosso corpo permanece amnesicamente presente” (Fédida, 1978).
Uma passagem de Fédida, a respeito da qual os comentários de Alan Meyer são especialmente esclarecedores, explora o sentido dado por Heidegger ao logos de Heráclito (Menezes e Meyer, 2006). Heidegger aproxima logos da palavra grega legein, que evoca colheita, recolher, juntar e pôr-em-repouso e que, para Fédida, “confia ao dizer o ato do surgimento da coisa...” (1978, p. 34). Idéias e imagens sugestivas para se pensar a possibilidade do surgimento de palavras fecundas, palavras capazes de engendrar coisas (marcas) e que podem brotar entre analista e analisando, numa condição de grande disponibilidade psíquica do analista. São palavras com valor constituinte de uma experiência, com valor de inscrição psíquica, testemunhando o poder fundante próprio da metáfora (Fédida, 1978, p. 24). Com a instauração de marcas, com a constituição de memórias, produzidas pela e na linguagem, a fala pode se relançar como modeladora de uma história, em seu trabalho de rememoração.
Esta é uma maneira de considerar o desafio clínico posto pela compulsão de repetição situada nas bordas das possibilidades rememorativas, a exigir a restauração das condições da atividade psíquica.
Note-se que, apesar das inflexões radicais que Freud foi levado a introduzir em seu pensamento metapsicológico, e, portanto, técnico-clínico, ele continua, até o final de sua obra, a considerar o “homem como ser de memória” e a manter a sua doutrina da memória, para ele indissociável da psicanálise. Insistência, pois, de Freud em manter uma concepção mutativa da memória como cerne estratégico do processo analítico, quaisquer que sejam os caminhos e as condições do trabalho analítico.
Chamou-me a atenção, a este propósito, um trabalho de Jean Guillaumin (1977) sobre a lembrança, a imagem-lembrança. O autor considera ali a consistência sensorial das lembranças, para a certeza realista que lhes é própria. Quando surgem, a atenção volta-se, num momento de relaxamento, “para o interior da representação”, que ganha em desdobramentos, acompanhados de emoções mais ou menos vagas. O que ele chama de “concreção figurativa” própria da lembrança permite situá-la “na família das experiências realistas em geral”. Embora implique o luto do objeto a que se refere, a lembrança, diz o autor, é portadora “da idealização de si no passado”, “de uma contemplação idealizante”, sendo acompanhada “do prazer doceamargo da reapropriação mnésica” que estimula o Eu, na perda que lhe é própria (à lembrança), a novos empreendimentos, à abertura de novas possibilidades libidinais (Guillaumin, 1977).
Esse autor é levado a explorar mais de perto a proximidade entre o processo do luto e o da lembrança: ambos supõem um retorno pulsional pelo qual o Eu “descobre ou elabora um certo prazer em sentir (experimentar), no sentido de se submeter, de aceitar, como um fato contra o qual nada pode & a não ser no devaneio, as marcas impressas nele pelo objeto passado”. Experimenta, neste prazer, a satisfação auto-erótica de reinvestir os traços, as marcas, numa “vitória secreta sobre os ferimentos da individuação e da perda objetal...”, encontrando a “faculdade de afetar-se a si mesmo à vontade com suas experiências passadas”. Daí resulta um “duplo poder, ativo e passivo, que lhe permite voltar-se para o seu futuro, com todas as suas armas” (Guillaumin, 1977).
J.-B. Pontalis, por sua vez, costuma sublinhar em seus escritos essa dimensão de luto inerente à linguagem ou aquilo que da repetição, em nosso assunto, se perde, se desfaz, ao ser dito. Eu o cito: “A linguagem, sempre, para cada um, está de luto. Ela é nossa grande, nossa permanente enlutada” (1997, p. 27). Distingue, no entanto, um estado de luto que é manutenção a qualquer preço da ligação de amor e ódio ao objeto perdido e que resulta no ódio da linguagem, ao tratá-la de forma puramente funcional, como simples instrumento de informação e de comunicação; diferente, esta, da transformação da perda em ausência. Neste caso, quando o trabalho de luto chega à desistência, à renúncia ao objeto (da linguagem), é possível outro modo de relação com ela em que “eu me entrego ao seu movimento: carregando o luto, ela me carrega também para o que não é ela, para o que a excede...” (Pontalis, 1997, p. 28).
Em O amor dos começos, Pontalis formula com delicadeza o momento da rememoração. À pergunta sobre de onde vem o poder das palavras na análise, diz que este reside nas vacilações da fala, quando
num dado momento faltam palavras, a um ou a outro, é desse oco, desse leve desnivelamento que faz tropeçar uma atividade verbal até então segura, que se pode dizer, na falta da língua, tanto o que falta como o que ilusoriamente o preenche: por exemplo, o rosto de uma mãe, sob a luz, ocupada em sua costura, enquanto se brincava de dominó perto dela (Pontalis, 1986, p. 90-91).
Pontalis manifesta o seu ódio pela linguagem quando “ela esquece as suas fontes”, tomada por sua “tendência natural à arrogância ao se tornar afirmativa”. Quando a linguagem “esquece a perda que ela contém, é preciso perdê-la, abandoná-la à sua arrogância. Quando voltarmos a encontrá- la, ela não se ouvirá falando sozinha, se lembrará de sua ausência, graças à nossa”. E conclui que é impossível confiar no poder das palavras, a menos que estas se mostrem em sua fragilidade, iluminadas pelas “luzes da noite”, animadas pelo “trabalho do obscuro”. Sem a “força da imagem”, “sem o peso das coisas”, a palavra não tem efeito “a linguagem só é realmente linguagem, uma operação ativa, se carregar nela o que não é ela mesma” (1986, p. 90).
Se “as palavras de nossas falas cotidianas não são senão magia descolorida”, elas podem recuperar “ao menos uma parte da magia de outrora”, o que nos remete ainda ao trabalho de rememoração na análise, agora numa citação de Freud (1890/1984, p. 2).
Podemos, em função do que foi sugerido de forma convergente por esses autores, afirmar que o trabalho da rememoração, em cujas bordas há o automatismo da repetição, é o que leva pouco a pouco à abertura da fala, estagnada na queixa neurótica, graças a um paciente trabalho
de perlaboração (durcharbeitung), comparável a um trabalho de luto. Desfazer a parasitagem da consciência por um já-vivido ou por um ainda-não-vivido que insiste pesadamente em se manter presente no sintoma é poder, pelo trabalho da análise, por sua atualização como transferência, chegar à desistência, quando conseguimos transformar aquilo que se impõe compulsivamente em passado, em memória.
Em um trabalho apresentado no X Congresso Internacional de Psicanálise, em Insbruck, em 1927, Ferenczi afirma um ponto de vista semelhante sobre o fim da análise:
O paciente fica enfim perfeitamente convencido que a análise é para ele um meio de satisfação novo, mas sempre fantasmático, que nada lhe trás no plano da realidade. Quando, pouco a pouco, ultrapassou o luto desta descoberta, ele se volta inevitavelmente para outras possibilidades de satisfação mais reais. À luz da análise, Freud o sabia há muito tempo, todo o período neurótico de sua vida aparece então, verdadeiramente, como um luto patológico que o paciente buscava deslocar também para a situação de transferência, mas cuja verdadeira natureza é desmascarada, o que põe fim à tendênciaà repetição no futuro. (Ferenczi, 1927/1982, p. 51).
Finalmente, uma possibilidade mais genérica, evocada por J. Guillaumin (1977), diz respeito a possíveis expectativas contra-analíticas (contratransferenciais) dos próprios analistas. Entende que estes podem, em certos momentos, deixar de desejar que seus pacientes se rememorem verdadeiramente, numa cumplicidade inconsciente em manter a indiferenciação primitiva. O trabalho de rememoração implica de fato um trabalho de luto, e, ao se diferenciarem de seu passado quando este surge como passado, os pacientes estão também se diferenciando de seu objeto transferencial atual. O autor se pergunta se não pode surgir no analista“um obscuro desejo” de ser ele mesmo a única “mãe” de seu paciente, o que os deixaria sem história. Daí a importância de que, na “construção” de certos elementos da vida psíquica do paciente, esteja presente no analista o limite desidealizante em função do qual ambos possam chegar a reconhecer que, diante de fatos que aconteceram verdadeiramente, não pertence nem a um nem ao outro o poder de anulá-los por meio de um discurso imaginário.
A dimensão de luto, de perda na rememoração, o poder de destituição das miragens de permanência, de completude, de totalidade de que são capazes as palavras que na análise criam memórias podem, pois, se recusadas, constituir fator de resistência à análise e ao seu término. Não só o analisando, mas também o analista encontram-se pegos, dentro de um processo analítico, no corpo-a-corpo da interação transferencial, onde um é ali necessariamente algo ou alguém para o outro “no amor e no ódio”, e isso tende a se tornar um interminável, podendo mesmo prolongar- se para além do término das sessões. As análises didáticas, deste ponto de vista, são muito propícias ao interminável e à recusa da destituição pela linguagem, tão fortemente evocada nestas palavras de Pontalis:
Jamais as palavras, jamais minhas palavras, serão minhas. Mas é preciso ter querido que elas se tornassem minhas para reconhecer que elas não pertencem a ninguém e que, então, sendo sem proprietário nem mestre, para sempre estrangeiras, nelas eu possa me perder e me encontrar1 (Pontalis, 1988, p. 196).
A linguagem que não teria sido inventada para os homens falarem uns com os outros, mas “para falar com o desconhecido: seria a morte? seriam os deuses?” (1988, p. 196). de vue (pp. 193-196).
Se o paciente sofre de reminiscências - eternamente presentes, quando essas se transformam, pela análise, em lembranças que já começam a se desvanecer, expostas à erosão do tempo, este eterno presente se perde, abrindo-se para os possíveis, quão incertos, do desejo e da vida. Em outro texto, o leitor interessado poderá encontrar ilustração clínica do que foi dito aqui sobre a rememoração na análise (Menezes, 2003). Confio, para terminar, aos versos do poeta K. Kaváfis, o que tentei formular sobre a precariedade da lembrança e da perda que traz nela, ao surgir como “música distante que se perde noite afora”:
Vozes
Vozes queridas, vozes ideais
daqueles que morreram ou daqueles que estão
perdidos para nós, como se mortos.
Eles nos falam em sonho, algumas vezes;
outras vezes, em pensamento os escutamos.
E, quando soam, por um instante eis que retornam,
os sons da poesia primeva em nossa vida,
qual música distante que se perde noite afora.
(Kaváfis, 2006, p. 120)
Referências
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Pontalis, J.-B. (1986). L’amour des commencements. Paris: Galllimard. [ Links ]
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Pontalis, J.-B. (1997). Ce temps qui ne passe pas. Paris: Gallimard. [ Links ]
Endereço para correspondência
Luís Carlos Menezes
Rua Deputado Lacerda Franco, 300/134 – Pinheiros
05418-000 – São Paulo – SP
Tel.: 11 3030-9382
E-mail: menezes@sbpsp.org.br
Recebido: 26/03/2007
Aceito: 30/03/2007
* Psicanalista e presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
1 Jamais les mots, jamais mes mots, ne seront miens.Mais il faut avoir voulu qu´ils le deviennent pour reconnaître qu´ils n´appartiennent à personne et qu´alors,étant sans possesseur ni maître, à jamais étrangers, en eux je puis me perdre et me trouver (Pontalis, 1988, p. 196).