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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.2 no.3 Ribeirão Preto Dec. 1994

 

Estudos de treinamento e variações experimentais

 

 

Alina Galvão Spinillo1

Universidade Federal de Pernambuco

 

 

INTRODUÇÃO

A pesquisa em psicologia cognitiva nos últimos anos tem trazido à tona dois aspectos importantes acerca do desenvolvimento e aquisição de habilidades cognitivas em crianças. Um aspecto refere-se ao fato de que a criança parece ter uma lógica bem mais elaborada do que supúnhamos. Tal fato evidencia-se, sobretudo, em estudos de treinamento, onde conceitos considerados inacessíveis ao pensamento infantil são ensinados, com sucesso, às crianças a partir de instruções específicas. Um outro aspecto refere-se ao fato de que as habilidades cognitivas variam em função de características das tarefas e das situações. Estudos que investigam o mesmo fenômeno cognitivo em diferentes situações experimentais mostram variações de performance em um mesmo indivíduo quando colocado em uma situação ou em outra. Isto sugere que as aquisições cognitivas não podem ser consideradas fenômeno tudoou nada, i.e., algo que o indivíduo possui ou não possui. Na realidade, habilidades cognitivas podem emergir em uma situação mas não em outra.

Questões de natureza metodológica e relativas a diferentes sistemas de análise de dados na pesquisa em psicologia do desenvolvimento cognitivo serão abordadas, focalizando em especial os estudos de treinamento e aqueles que contrastam o desempenho de crianças em diferentes situações.

 

ESTUDOS DE TREINAMENTO

PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS E PONTOS DE ANÁLISE EM ESTUDOS DE TREINAMENTO

Em termos metodológicos, estudos de treinamento utilizam um planejamento experimental que basicamente consiste em (1) um pré-teste, que tem por objetivo investigar as noções iniciais ou espontâneas que o sujeito apresenta; (2) uma situação de treinamento, onde instruções e explicações específicas são fornecidas aos sujeitos sobre um conceito em particular; e (3) um pós-teste (que pode ser igual ou semelhante ao pré-teste), que objetiva examinar as noções apresentadas pelos sujeitos após a intervenção experimental. O pré e o pós-teste são aplicados a todos os sujeitos da amostra, enquanto que a situação de treinamento é aplicada apenas a um grupo de sujeitos. Outro princípio metodológico adotado é a existência de grupos de controle e experimentais, onde são alocados os sujeitos da amostra. O grupo experimental é aquele cujos sujeitos recebem treinamento ou instruções específicas acerca do conceito em estudo. É possível, dependendo dos objetivos da investigação, ter-se mais de um grupo experimental. Este procedimento é geralmente adotado quando se deseja examinar o efeito de diferentes tipos de intervenção.

Em termos de análise de dados em estudos desta natureza, a investigação deve incluir comparações que ocorrem em duas direções. Uma análise horizontal, na qual se analisa (1) o desempenho no pré-teste, no caso de investigar diferentes grupos de idade, escolaridade, classe social etc; e (2) o desempenho no pós-teste entre os grupos de controle e experimental. Outra análise - vertical- que compara o desempenho entre pré e pós-teste em cada grupo de sujeito (controle e experimental). O objetivo da primeira análise é examinar se os sujeitos (em função de determinadas características como idade, escolaridade, classe social etc) apresentam diferentes níveis de compreensão quanto ao conceito em questão. A segunda análise, por sua vez, permite examinar se existem diferenças entre a performance no pré e no pós-teste e se essas diferenças podem de fato ser atribuídas à intervenção realizada. Esta análise vertical oferece ainda uma compreensão acerca de que tipo de conhecimento ou noção inicial o sujeito precisa apresentar para que um tipo de intervenção seja bem sucedida.

ESTUDOS DE TREINAMENTO SOBRE CONCEITOS MATEMÁTICOS

São inúmeros os estudos de treinamento documentados na literatura, envolvendo os mais diferentes campos da psicologia cognitiva. Como exemplo será apresentado um conceito lógico-matemático específico: o conceito de proporção. Este conceito é de grande importância para a compreensão do desenvolvimento cognitivo, visto que, segundo alguns autores (e.g., Piaget e Inhelder, 1975 e Inhelder e Piaget, 1958), marca a passagem de formas de pensamento mais elementares (operações concretas) para formas de pensamento mais elaboradas (operações for-

Spinillo (em preparação)(2), por exemplo, examinou o efeito de treinamento na habilidade de crianças (6-8 anos) em fazer julgamentos proporcionais. A intervenção baseava-se em ensinar a criança a usar uma estratégia específica para decidir acerca da equivalência ou não equivalência entre quantidades não-numéricas. Esta estratégia consistia em usar o referencial de 'metade' em julgamentos proporcionais. O uso desta estratégia foi documentado em estudos anteriores (Spinillo, 1990; Spinillo e Bryant, 1991; Spinillo e Bryant, 1993(3)). A idéia era que este referencial poderia facilitar a resolução de tarefas de proporção. Seguindo os princípios metodológicos adotados em estudos de treinamento, aplicou-se um préteste em 180 crianças, após o que os sujeitos em cada nível de idade foram divididos em três grupos:

(1) Grupo Experimental: a partir de uma tarefa, o experimenador fornecia explicações acerca de como o referencial de 'metade' poderia ser utilizado em sua resolução. Eram apresentados às crianças retângulos de cartolina pintados parte em preto e parte em branco (Figuras 1 e 2). A proporção das partes pintadas em preto variava: 2/8,3/8,4/8,5/8,6/8. A tarefa consistia em determinar qual dentre dois retângulos maiores (alternativa) estava representado no retângulo menor (modelo), a despeito de diferenças nos tamanhos absolutos dos retângulos e dos arranjos das cores em diferentes orientações (Horizontal no modelo e Vertical nas alternativas) em cada um deles. Os itens nessa tarefa envolvem os limites de 'metade', onde em alguns itens um retângulo apresenta 'metade' vs 'mais que metade em preto', 'metade' vs 'menos que metade em preto' (Comparação Atravessa Metade), e 'menos que metade' vs 'mais que metade em preto' (Comparação Metade).

 

 

 

 

O experimentador mostrava à criança como utilizar o referencial de 'metade' para determinar a equivalência entre o modelo (retângulo menor) e uma das duas alternativas (retângulos maiores com divisão diferente daquela apresentada no modelo), fazendo comparações entre a parte preta e a parte branca em cada retângulo. Exemplos acerca da intervenção do experimentador podem ser apresentados nas passagens abaixo:

E - Este cartão pequeno (modelo - 4/8 preto) e este outro (alternativa - 4/8 preto) combinam porque nos dois tem metade preto e metade branco. Este outro (outra alternativa - 6/8 preto) não combina porque tem mais da metade em preto e menos da metade em branco.

E - Este (modelo - 3/8 preto) e este cartão (alternativa - 3/8 preto) combinam porque nos dois tem menos que metade em preto e mais da metade em branco, tá vendo? E este daqui (alternativa - 5/8 preto) não combina com esse (modelo - 3/8) porque ele (alternativa) tem mais que metade em preto e menos que metade em branco.

(2) Grupo Controle 1: apresentou-se a mesma tarefa oferecida ao Grupo Experimental, sem fornecer nenhuma explicação de como usar o referencial de 'metade'.

(3) Grupo Controle 2: nenhuma tarefa era apresentada, havendo apenas aplicação do pré e do pós-teste(4).

Após este procedimento, todas as crianças foram submetidas a um pósteste que consistia na mesma tarefa apresentada no pré-teste, porém diferente daquela usada no treinamento. A tarefa apresentada no pré e pós-teste foi uma replicação da conhecida tarefa de Bruner e Kenney (1966) com recipientes com água cheios em proporções diferentes. Procurou-se, assim, investigar se a criança aplicaria a estratégia do referencial de 'metade' em outra tarefa diferente, porém análoga, daquela apresentada durante o treinamento (efeito de transferência). O referencial de 'metade' é estratégia que pode também ser usada para a solução adequada da tarefa dos recipientes.

De modo geral, observou-se que em todas as idades, e em especial aos 7 e 8 anos, as crianças do Grupo Experimental (que receberam treinamento) mostraram resultados significativamente superiores aos demais grupos no pós-teste, pasando a usar o referencial de 'metade' em seus julgamentos. Esta superioridade refletia-se tanto no número de acertos como nos tipos de justificativas oferecidos que expressavam julgamentos proporcionais. Comparando-se os três grupos de sujeitos, observaram-se diferenças significativas entre o pré e o pós-teste das crianças do Grupo Experimental, mostrando melhoria de performance no pós-teste em comparação ao pré-teste.

Este estudo mostra que crianças desde os 7 anos são capazes de se beneficiar em de treinamento quando instruções específicas acerca da natureza do pensamento proporcional lhes são fornecidas e explicitadas bem como aplicam e transferem o uso de estratégias em uma tarefa para a resolução de outras tarefas de proporção.

Pode-se concluir que a capacidade de aprender e compreender conceitos complexos como o de proporção é habilidade cognitiva que crianças possuem desde cedo. Os resultados desse estudo (como de outros sobre o mesmo conceito: Muller, 1979; Siegler e Vago, 1978) têm duas implicações. Uma acerca da lógica da criança, mostrando que são capazes de fazer julgamentos proporcionais em certas situações e que se beneficiam de instruções específicas acerca deste conceito que parece não ser tão inaccessível à lógica infantil como muitos autores supõem. A outra implicação refere-se à própria pesquisa em psicologia: estudos desta natureza permitem uma análise acerca do conhecimento inicial que é necessário (ou pelo menos relevante) que a criança possua para que seja capaz de se beneficiar de intervenções específicas acerca de um determinado conceito. Isto auxilia a explorar aspectos específicos do processo de desenvolvimento e a natureza do conceito em questão. Além do mais, estudos de treinamento permitem compreender o efeito e as correlações específicas entre conceitos, esclarecendo melhor a relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, e como se processam mudanças nesse desenvolvimento.

 

VARIAÇÕES EXPERIMENTAIS

Variações experimentais podem ser entendidas de diferentes formas. Por um lado, podem ser entendidas como variações no contexto (e.g., contexto escolar vs. contexto de práticas profissionais; contexto tradicional vs. contexto de faz-deconta) ou situações naturais e de laboratório. De outro lado, podem ser entendidas como variações nos tipos de tarefas, nos paradigmas experimentais adotados etc. Embora não sejam aqui abordadas todas as possíveis concepções e interpretações fornecidas à expressão Variações experimentais', serão focalizados dois aspectos dessas variações e comentados os diferentes resultados que delas decorrem na pesquisa em psicologia cognitiva. O que é possível verificar, principalmente quando se trata de pesquisas com sujeitos infantis, é que crianças em situações de exame são sensíveis a variações experimentais. Esta afirmação é evidenciada empiricamente através de uma série de pesquisas que abordam os mais diferentes conceitos cognitivos. Como exemplo serão apresentadas investigações acerca de fenômenos lingüísticos e conceitos matemáticos. Os resultados derivados desses estudos estão de acordo com as afirmações de Roazzi e Bryant (1992) de que o contexto no qual a criança é solicitada a realizar tarefas ou a resolver problemas que servem de indicadores de suas habilidades cognitivas tem um grande efeito em sua performance. As crianças mostram um bom desempenho em uma situação e não em outra, mesmo que ambas as situações envolvam o mesmo conceito.

O CONTEXTO DE BRINCADEIRA E HABILIDADES LINGUÍSTICAS

O desempenho em tarefas cognitivas é influenciado por contextos de jogo, brincadeira ou faz-de-conta, nos quais a criança tende a mostrar um desempenho significativamente superior do que aquele exibido em situações puramente verbais ou consideradas 'tradicionais' (e.g., Istomina, 1975; Dias e Harris, 1989).

Carraher e Spinillo (1989), em estudo acerca da compreensão de crianças de 4 a 6 anos quanto ao verbo 'Perguntar', compararam duas condições experimentais. A Condição I foi uma replicação do experimento de Chomsky (1969), em que a criança era solicitada a 'perguntar' algo a um parceiro. Na Condição II as crianças recebiam os mesmos comandos que na Condição I (foram controladas as estruturas sintáticas das sentenças), mas inseridas em uma situação de jogo bastante conhecido ('Boca de Forno'), onde a rainha era o experimentador e tudo que mandasse deveria ser obedecido. Em todos os grupos de idade as crianças se saíam significativamente melhor na Condição II do que na Condição I, havendo acerto sistemático aos 6 anos em todos os itens na Condição II. Não se observou efeito das estruturas sintáticas das sentenças na Condição II. É importante mencionar que a Condição I era ambígua, sendo interpretada como uma situação conversacional, não ficando evidente para a criança que deveria obedecer ao comando verbal do experimenatdor. Isto, entretanto, estava explícito na situação de jogo. Os resultados mostram que quando as informações contextuais não são ambíguas, as crianças podem apresentar uma performance melhor do que quando não fica claro o que, exatamente, o experimentador e a tarefa requerem delas.

Os resultados desses dois estudos indicam ser indispensável uma análise muito mais profunda dos fatores sociais presentes na situação experimental. Tais aspectos precisam ser considerados tanto no planejamento de estudos sobre habilidades cognitivas como na interpretação dos dados. Parece que processos cognitivos desenvolvem-se bem antes do que muitos autores acreditam, existindo situações que favorecem a manifestação desses fenômenos enquanto outras não o fazem. Assim, é preciso investigar os fenômenos cognitivos em diferentes situações e através de diferentes metodologias antes de extrairem-se generalizações precipi-

TIPOS DE TAREFAS, HABILIDADES LINGÜÍSTICAS E LÓGICAS

Além do contexto, os tipos de tarefas cognitivas que a criança é solicitada a resolver também aparecem como fator importante na pesquisa psicológica. Nem todas as tarefas requerem os mesmos esforços cognitivos, embora envolvam o mesmo conceito lógico. Como exemplos podemos citar dois estudos: um na área de linguagem, focalizando o desenvolvimento e aquisição de um esquema narrativo de histórias; e outro na área de probabilidade em crianças.

Spinillo e Pinto (1994), exploraram o efeito de diferentes tarefas na produção de histórias orais em crianças inglesas e italianas de 4, 6 e 8 anos de idade. Quatro tarefas foram apresentadas. Em duas tarefas a criança era solicitada a produzir uma história original a partir de estímulos visuais (Tarefa 1 - desenho feito pela criança e Tarefa 2 - três gravuras sequenciadas); e em outras duas sem utilizar nenhum recurso visual (Tarefa 3 - produção livre e Tarefa 4 - criar e ditar uma história para o experimentador). A mesma criança era submetida às quatro tarefas. Observou-se que um mesmo sujeito apresentava níveis bastante distintos de habilidades narrativas em função da tarefa na qual era solicitado a produzir uma história. Em geral, os sujeitos tendiam a produzir histórias com esquemas narrativos mais elaborados nas Tarefas 3 e 4 (sem o recurso visual) do que nas Tarefas 1 e 2 (com recurso visual). Efeito semelhante foi também verificado nas produções de crianças brasileiras de mesma faixa etária (Spinillo, 1991).

O efeito de diferentes tipos de tarefas também foi investigado por Spinillo (em preparação(5) acerca do conceito de probabilidade em crianças de 5 a 8 anos de idade. O objetivo principal do estudo era investigar as noções iniciais das crianças em probabilidade, utilizando-se, para tal, de uma série de experimentos com tarefas de natureza diferente. Estas variações entre as tarefas permitiu examinar a performance dos sujeitos em diversas situações, atentando para o papel desempenhado pela natureza da tarefas no número de acertos e no uso de diferentes estratégias. Na Tarefa 1, a criança era solicitada a colocar em ordem crescente três eventos probabilísticos representados em material concreto (fichinhas de duas cores). Na Tarefa 2 a criança tinha que julgar a probabilidade de se tirar uma fichinha com a cor preferida em determinado evento que lhe era apresentado. Na Tarefa 3, era necessário construir um evento com as fichinhas, em função da probabilidade determinada pelo experimentador. A quantidade de fichinhas relativa ao numerador (casos favoráveis) e ao denominador (casos possíveis) era sempre controlada nos diversos itens das tarefas. Os resultados (ainda em análise) sugerem que ordenar eventos (Tarefa 1) é mais fácil que construir um evento em probabilidade (Tarefa 3); e que julgar a probabilidade (Tarefa 2) de determinado evento é atividade mais complexa. Entretanto, nas três situações as crianças se saíram razoavelmente bem. Estratégias diferentes foram observadas tanto em função das idades com em função do tipo de tarefa que a criança tinha que realizar.

As principais conclusões derivadas desses estudos é que uma mesma criança mostra diferentes níveis de performance de acordo com mudanças nas condições experimentais nas quais é solicitada a demonstrar suas habilidades.

SITUAÇÕES NA TURAIS E SITUA ÇÃ O DE LABORA TÓRIO

Comparações entre os resultados obtidos em situações naturais e de laboratório são instrumento poderoso na investigação de habilidades cognitivas. Spinillo (1989) contrastou os resultados de estudo de laboratório com observações naturais em sala de aula acerca da compreensão e produção dos verbos 'perguntar' e 'dizer'. Verificou-se que enquanto crianças de 3 anos não conseguiam sequer prestar atenção à tarefa em situação de laboratório, crianças de mesma idade em situação natural mostravam compreender e produzir adequadamente os dois verbos. Observou-se, ainda, que em situação natural as crianças de 6 e 8 anos mostravam uma performance melhor do que quando em situação de laboratório. Assim, a investigação de determinados fenômenos cognitivos em certos grupos de idade parecem ser melhor investigados em uma situação do que em outras.

Brown e DeLoache (1983) afirmam que ao se colocar em crianças de 4 anos, por exemplo, em situações de laboratório obtem-se um quadro parcial (embora informativo) de suas habilidades cognitivas. É preciso considerar o outro lado: como esta criança de 4 anos funciona cognitivamente no mundo em que está inserida, fora do laboratório. As autoras propõem um plano de pesquisa baseado em dados experimentais e etnográficos para investigar um tipo particular de atividade em uma gama de situações que variam desde situações naturais até experimentais. Antes de extrair conclusões sobre a competência da criança, o pesquisador deve familiarizar-se com aquilo que a tarefa requer e como estes aspectos são percebidos pelo sujeito. Outra estratégia, é investigar o mesmo processo em diversas situações.

Entretanto, experimentos controlados, apesar da conhecida crítica à sua artificialidade, são extremamente importantes quando se deseja, por exemplo, investigar o papel desempenhado por fatores específicos sobre um dado comportamento. Segundo Bryant (1974), o método experimental pode ser menos ou mais adequado para um problema do que para outro, mas sempre fornece informações sobre o comportamento da criança que outros métodos não explicitam. Experimentos podem auxiliar a descobrir causas através de teste de hipóteses específicas, separar vários aspectos envolvidos em uma situação etc. Bryant argumenta que observações naturais constituem método extremamente útil que fornece informações preciosas sobre a criança. Entretanto, enquanto alguns comportamentos (como relação mãe-criança) são melhor compreendidos e investigados em situações naturais, outros, necessitam de métodos experimentais. Cita como exemplo, o fato de que observar uma criança fazendo erros ortográficos não explica as causas nem a natureza desses erros. Seria necessário, examinar experimentalmente as razões desses erros, controlando diversos aspectos e testando hipóteses específicas acer-

Portanto, parece não existir um método único que permita explicar o comportamento intelectual de crianças. A escolha de um ou de outro ou ainda a combinação de ambos, por parte do pesquisador, é tarefa difícil, sendo importante considerar diversos aspectos como a natureza da fenômeno cognitivo a ser investigado e as características da amostra (idade, cultura, classe social etc).

 

SISTEMAS DE ANÁLISE

Sistemas de análise aplicados aos dados obtidos na pesquisa em psicologia cognitiva é outro fator que merece reflexão. Muitas vezes o tipo de método, paradigma e natureza da tarefa determinam a forma como os dados devem ser analisados. É comum, por exemplo, aplicarem-se análises puramente quantitativas a dados colhidos em situações de laboratório; enquanto o uso de observações naturais parece levar ao uso de sistemas de análise qualitativo. Isto, entretanto, nem sempre é observado, havendo investigações em que ambos os tipos de análise são combinados, fornecendo informações complementares importantes acerca do fenômeno em estudo.

Spinillo e Bryant (1991; 1993) combinaram análise qualitativa e quantitativa aos resultados obtidos em estudos com crianças sobre a proporcionalidade, utilizando o método experimental de laboratório. Esta combinação permitiu um quadro de resultados bastante interessante acerca das estra tégias e justificativas usadas pelas crianças ao resolverem tarefas de proporção. Foi possível ainda detectar uma progressão no desenvolvimento das noções iniciais que as crianças têm sobre este conceito.

Diversos sistemas de análise qualitativa podem ser aplicados aos dados na pesquisa em psicologia cognitiva, como brevemente apresentado a seguir.

NÍVEIS DE DESENVOL VIMENTO

Piaget, utilizando análises puramente qualitativas detectou níveis de desenvolvimento acerca de conceitos diversos, elaborando, a partir desses níveis, uma teoria de estágios. Esses níveis consistem em caracterizar formas de raciocinar do indivíduo sobre determinado fenômeno em um dado período do desenvolvimento. Diferentemente de categorias de respostas, onde a análise, como veremos a seguir, recai sobre um tipo de resposta em particular, os níveis são unidades maiores no sentido de que englobam não apenas respostas ou procedimentos específicos, mas tentam explicar todo o comportamento do indivíduo acerca de determinado fenômeno. Exemplos desses níveis podem ser encontrados na análise de diversos conceitos (e.g., conservação de quantidades, inclusão de classes, probabilidade).

JUSTIFICATIVAS

Justificativas referem-se, em geral, aos critérios que norteiam o comportamento da criança ao solucionar uma tarefa. São muito utilizadas em tarefas de julgamento como aquelas adotadas por Piaget em diversos estudos e por Spinillo (1990; Spinillo e Bryant, 1991; 1993). Como as estratégias, elas também fornecem subsídios importantes acerca do pensamento infantil. É evidente, entretanto, que por se tratar de um recurso verbal, muitas vezes pode ocorrer que a criança tenha noções acerca de determinado conceito, mas seja incapaz de verbalmente explicitar suas concepções em palavras. Portanto, é interessante sempre associar uma análise das justificativas a uma análise quantitativa de acertos e erros como o fez Spinillo nos estudos citados.

CATEGORIAS

Categorias podem também ser utilizadas como base para sistemas qualitativos de análise a respeito dos mais diversos fenômenos. Categorias são geralmente aplicadas na classificação (hiearquizada ou não) de desempenhos específicos, como por exemplo, respostas fornecidas a determinadas situações ou produções elaboradas pelos sujeitos.

Rego (1986), por exemplo, identificou uma série de categorias para analisar a produção de história em crianças. Essas categorias constituem uma escala ordinal hierarquizada, que reflete diferentes momentos na aquisição de um esquema narrativo de histórias. Estas categorias foram também utilizadas em outras investigações com crianças brasileiras, inglesas e italianas (Spinillo, 1991; Spinillo e Pinto, 1993(6) e 1994), demonstrando ser um sistema de análise bastante efetivo para examinar o desenvolvimento de um esquema narrativo.

Categorias também foram construídas por Spinillo e Martins (1993)(7) para a análise da coerência na produção oral de histórias em crianças. Este sistema de categorias envolvia uma análise qualitativa dos tipos de produções e ainda um sistema semi-quantitaivo de pontuação através de escores quanto à presença uso e adequação de determinados elementos considerados relevantes para a investigação do tema. Neste caso, diferentemente do que ocorreu com as categorias de Rego (1986), houve uma combinação entre aspectos quantitativos e qualitativos que estavam inseridos em um mesmo sistema de categorias.

Spinillo e Bryant (1993) também adotaram categorias em seu sistema de análise, categorias essas aplicadas a tipos de justificativas oferecidas pelas crianças ao resolverem tarefas de proporção. Essas categorias não estavam associadas a um modelo explicativo de uma evolução quanto ao pensamento proporcional, mas mostravam estreita relação com o tipo de tarefa apresentado às crianças. Certas categorias de justificativas eram peculiares a determinados tipos de problemas. Por exemplo, tarefas envolvendo quantidades discretas eram explicadas através de justificativas pertencentes a um tipo determinado de categoria; enquanto tarefas envolvendo quantidades contínuas eram explicadas através de justificativas que pertenciam a um outro tipo de categoria. Este sistema de análise permitiu investigar melhor como a natureza das tarefas afeta o tipo de justificativa (ou critério de julgamento) apresentado pelo sujeito.

ESTRATÉGIAS

Estratégias dizem respeito a formas de procedimento adotadas pelo solucionador durante o processo de resolução de uma tarefa. Estratégias podem estar tanto relacionadas ao tipo de tarefa apresentado, como ainda ao tipo de raciocínio que o suejto apresenta naquele momento do desenvolvimento (ou a ambos). Por exemplo, estratégias aditivas de resolução de problemas de proporção, segundo Piaget (Piaget, Grize, Szeminska e Bang, 1968) refletem formas de raciocinar em determinado momento do desenvolviemento infantil. Outros autores, entretanto, demonstraram que essas estratégias dependem mais das características da tarefa do que de momentos de desenvolvimento. Estratégias são importantes para a compreensão do raciocínio das crianças em situações de investigação.

REGRAS

Regras estão de certa forma associadas a tipos de procedimentos de resolução, a critérios e justificativas. Os estudos deSiegler (e.g., Siegler e Jenkins, 1989) dentro de uma abordagem de processamento de informações a respeito de uma variedade enorme de conceitos (e.g., proporção, probabilidade e conceitos físicos diversos) exemplificam bem este tipo de análise. Nesses estudos, Siegler adota um paradigma experimental em que os itens das tarefas são previamente adequados de forma a refletir o uso de um tipo específico de regra. Por exemplo, o acerto sistemático a um tipo específico de item expressa o uso desta regra por parte da criança.

Além dos exemplos de sistemas de análise, outras formas de classificação e dos dados obtidos em um pesquisa podem ser elaborados. Todas essas formas de análise estão, em geral, associadas a uma análise qualitativa dos dados, mas podem, sem dúvida, ser combinadas a análises quantitativas.

 

DISCUSSÃO: IMPLICAÇÕES PARA A TEORIA E PARA A PESQUISA EM PSICOLOGIA COGNITIVA

Os diversos aspectos aqui tratados acerca de estudos de treinamento e variações experimentais, e as inúmeras formas de análise que podem ser aplicadas aos dados de pesquisas nos fornecem informações e pontos de reflexão valiosos.

Ao nível teórico, é possível perceber que:

(1) estudos de treinamento permitem: estabelecer relações entre dois campos importantes da psicologia: cognição e aprendizagem. A visão mais tradicional de que a aprendizagem deve necessariamente seguir os passos do desenvolvimento torna-se questionável. Conceitos complexos como proporção podem ser compreendidos desde cedo pela criança quando instruções específicas são fornecidas. Neste sentido, a instrução surge como fator relevante para o desenvolvimento cognitivo, não apenas prescrevendo o que pode ser ensinado, mas compreendendo os fatores específicos que o impulsionam. Permitem ainda compreender relações causais entre fenômenos, isto é, explorar que fatores podem gerar a compreensão de determinados conceitos, e perceber que a lógica da criança é bem mais complexa do que geralmente tendemos a acreditar.

(2) As variações experimentais: levam-nos a considerar que os conceitos cognitivos não são fenômenos tudo-ou nada, mas podem emergir em determinadas situações porém não em outras, sendo relevante examinar as circunstâncias e as características das tarefas que o indivíduo é solicitado a resolver.

Ao nível metodológico, é possivel verificar a importância de se definir que metodologia é mais adequada para a investigação de um determinado fenômeno cognitivo e em que grupos de sujeitos. Uma única metodologia não será capaz de fazer emergir todos os aspectos de um dado comportamento e de explicar como e porque isto ocorre. A mesma consideração pode ser aplicada às questões relativas às diversas formas de análise.

Dificilmente caminharemos na direção de um quadro mais realístico das habilidades e potencialidades cognitivas de crianças se não considerarmos as diferentes contribuições oriundas de princípios metodológicos distintos, de análises e modelos interpretativos diversos.

 

Referências Bibliográficas

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(1) Departamento de Psicologia- Mestarado em Psicologia
(2) O desenvolvimento do conceito de proporção em crianças: u estudo de treinamento. Projeto de pesquisa financiado pelo CNPq e pela FACEPE.
(3) Julgamentos proporcionais em crianças: comparando o desempenho e as justificativas em tarefas numéricas e não-numéricas. Trabalho apresentado durante a 45º Reunião Anual da SBPC, Recife.
(4) O objetivo de se adotar em dois grupos-controle era examinar se as diferenças que surgissem após treinamento (se surgissem) poderiam ser de fato atribuídas ao treinamento recebido ou se descorriam pura e simplesmente do contato da criança com a tarefa e com o material utilizado. Este tipo de controle nem sempre é adotado em estudos de treinamento.
(5) Noções iniciais das crianças sobre eventos de probilidade.
(6) Chudren's narrative skills. Trabalho apresentado durante o 12th Biennal Meetings of The International Society for Study of Behavioural Development (ISSBD), Recife.
(7) A coerência na produção de histórias em crianças. Trabalho apresentado durante a 45º Reunião Anual da SBPC, Recife.

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