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Revista da Abordagem Gestáltica
Print version ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.15 no.1 Goiânia June 2009
ARTIGOS
Implicações dos comportamentos repetitivos no contexto das relações amorosas
Implications of the repetitive behaviors in the context of the loving relations
Implicaciones de los comportamientos repetidores en el contexto de las relaciones cariñosas
Thatianny Bezerra Moreira Ferreira
RESUMO
Este trabalho descreve, analisa e discute à luz da Gestalt-terapia a complexidade do fenômeno da repetição nas relações. Destacam-se pontos interessantes tais como: a dinâmica do fenômeno em si, as implicações da repetição nas vidas dos seres humanos, bem como os possíveis fatores que estão relacionados à sua reincidência. Estes pontos são discutidos por meio dos relatos de colaboradores obtidos por intermédio de uma entrevista fenomenológica semi-estruturada. Partindo-se destes relatos, foram levantadas algumas conclusões elucidativas para a compreensão do fenômeno pesquisado. Podendo citar como uma dessas conclusões, a de que: percebe-se que os comportamentos repetitivos estão presentes na vida das pessoas não apenas como “reflexos” obtidos pelo mero condicionamento comportamental, mas, sobretudo, como estágios de evolução no processo de aprendizagem e de obtenção de um maior nível de consciência de suas existências no mundo.
Palavras-chave: Repetição; Relações; Awareness; Mecanismos neuróticos; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
This work describes, analyzes and argues to the light of Gestalt-therapy the complexity of the phenomenon of the repetition in the relations. Interesting points are distinguished such as: the dynamics of the phenomenon in itself, the implications of the repetition in the lives of the human beings, as well as the possible factors that are related to its relapse. These points are argued through the stories of collaborators gotten for intermediary of a half-structuralized fenomenológica interview. Breaking itself of these stories, some elucidative conclusions for the understanding of the searched phenomenon had been raised. Being able to cite as one of these conclusions, of that: one perceives that the repetitive behaviors are gifts in the life of “the reflected” people not only as gotten by the mere mannering conditioning, but, over all, as periods of training of evolution in the process of learning and attainment of a bigger level of conscience of its existences in the world.
Keywords: Repetition; Relationship; Awareness; Neurotic mechanisms; Gestalt-therapy.
RESUMEN
Este trabajo describe, analiza y discute a la luz de la Gestalt-terapia la complejidad del fenómeno de la repetición en las relaciones. Los puntos interesantes son distinguidos por ejemplo: la dinámica del fenómeno en sí mismo, las implicaciones de la repetición en las vidas de los seres humanos, así como los factores posibles que se relacionan con su recaída. Estos puntos se discuten con las historias de los colaboradores conseguidos para el intermediario de una entrevista del fenomenológica de la mitad-structuralized. Rompiéndose de estas historias, algunas conclusiones aclarativas para la comprensión del fenómeno buscado habían sido levantadas. Pudiendo citar como una de estas conclusiones, de eso: uno percibe que los comportamientos repetidores son regalos en la vida “” de la gente reflejada no sólo según lo conseguido por el condicionamiento mannering mero, pero, sobre todos, como períodos del entrenamiento de la evolución en curso de aprender y del logro de un nivel más grande de la conciencia de sus existencias en el mundo.
Palabras-clave: Repetición; Relaciones; Conciencia; Neuróticos de los mecanismos; Terapia-gestalt.
“A resistência não é algo para ser rompido; precisa, antes, ser reconhecida e genuinamente apreciada como parte essencial da pessoa. Precisa ser compreendida como o melhor esforço inconsciente (com freqüência arcaico) dessa pessoa para manter coeso um senso de self”.
(Hycner & Jacobs, 1997, p. 126)
Introdução
Muitas das ações humanas são movidas pelo que denominamos de motivação. E vários são os motivos que podem estimular o homem a buscar algo que satisfaça suas necessidades. A satisfação destas necessidades é, na maior parte das vezes, alcançada a partir das relações que o indivíduo estabelece com os outros e com o mundo. É no contexto das nossas relações interpessoais que seremos motivados a nos aproximarmos do que nos proporciona prazer e a nos distanciarmos do que nos causa desprazer/dor. A motivação é qualificada como saudável quando nos direciona para aquilo que é prazeroso e, a partir daí, repetiremos tudo o que por meio do qual obtenhamos felicidade e que promova a satisfação dos nossos desejos/necessidades. A problemática se insurge, quando fazemos uma leitura inadequada destes desejos, “optando” por aquilo que “imaginamos” acarretar prazer e assim, “elegemos” pessoas que não são as mais “viáveis” para o estabelecimento de contatos satisfatórios. Surgem aqui os relacionamentos não-saudáveis ou doentios, como preferir.
Observa-se que, em muitos relacionamentos, existem comportamentos que se repetem e funcionam como uma espécie de “padrão” relacional, constituindo-se característica típica na estrutura dos contatos estabelecidos. Além disto, podemos afirmar que a forma como o sujeito firma contato, com o meio em que vive, é que define sua existência neste. Uma existência saudável dependerá do nível de qualidade envolvido na forma de manter contatos. Dentro desta visão, temos os trabalhos escrito por Jorge Ponciano Ribeiro, renomado gestalt-terapeuta, que discorreu a respeito do Ciclo do Contato: “Saúde diz respeito à satisfação adequada de necessidades, em um processo de auto-regulação entre pessoa e meio. Assim, atrás de toda doença existe a não satisfação ou a satisfação inadequada de necessidades que precisam ser atendidas” (Ribeiro, 1997, p. 72).
Ao avaliarmos os contatos estabelecidos por uma pessoa em processo de psicoterapia, por exemplo, percebemos que uma dificuldade neste sentido, provocará atitudes defensivas, negando-se a vivenciar uma relação com o novo, com o diferente. Este é um dos objetivos desta pesquisa: analisar como a psicoterapia pode beneficiar na quebra destes padrões de repetição, interrompendo a ocorrência de comportamentos repetitivos que impedem o desenvolvimento saudável. Além disto, pretende-se traçar um paralelo do fenômeno pesquisado com os conceitos que fazem parte do arcabouço teórico da Gestalt-terapia. Objetiva-se ainda compreender a dinâmica deste fenômeno, bem como as implicações das repetições na vida das pessoas e identificar os possíveis fatores que contribuem para a sua reincidência.
A Gestalt-terapia, em seu arcabouço teórico, disponibiliza conceitos essenciais para a análise do citado fenômeno: contato, aqui - agora, awareness, mecanismos neuróticos, resistência. Richard Hycner e Lynne Jacobs, representantes de uma nova geração de gestalt-terapeutas, fazem explanações que também enriquecem a explicação do objeto em estudo a partir da Psicoterapia Dialógica, da Psicologia do Self Intersubjetiva e da própria Gestalt-terapia. Por esta razão, o presente trabalho aborda e discute o fenômeno da Repetição nas Relações, tendo como pontos referenciais a Teoria do Self, a Teoria da Intersubjetividade, a Abordagem Dialógica e, principalmente, a Gestalt-terapia. No desenvolvimento de todo o seu texto, os conceitos nucleares, das teorias mencionadas, traçam um paralelo com o fenômeno pesquisado. É imprescindível aqui enfatizar que não dispomos de material na literatura da Gestalt-terapia sobre a questão investigada neste estudo, afirmando-se assim, sua relevância científica.
A Repetição sob uma Visão da Gestalt-Terapia
Repetição, segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa de Francisco da Silveira Bueno, é “o ato ou efeito de repetir; é cursar pela segunda vez; é tornar a aparecer, acontecer de novo” (Bueno, 1973, p. 1159), mas e de acordo com a visão gestáltica, como poderíamos definir esta palavra? Segundo Fritz Perls (1942/2002),
repetir uma ação até o ponto de domínio é a essência do desenvolvimento. Uma repetição mecânica sem perfeição como sua meta é contrária à vida orgânica, contrária ao “holismo criativo”. O interesse é mantido apenas enquanto a tarefa em execução está inacabada. Uma vez que ela esteja completada, o interesse desaparece até que uma nova tarefa crie interesse novamente (pp. 100-101).
Do mesmo modo, acontece quando tento resolver um problema matemático e não consigo. Até resolvê-lo, tentarei, por diversas vezes, até encontrar a solução, ou seja, completada a situação, o interesse desaparece para dar lugar a um novo interesse (nova figura). “Em numerosas repetições não estamos diante de uma manifestação de instintos sem sentido a repetir-se, mas lidando com uma tendência ao fechamento e à perfeição” (Ribeiro, 1999, p. 110). Agora, quando uma repetição, não tem como meta a perfeição, então aí, ela se torna mecânica e, portanto, “contrária à vida orgânica”.
Também podemos obter uma explicação para a repetição mediante o conceito de autorregulação organísmica. O organismo humano funciona de uma maneira muito inteligente e, portanto, sabe o que é melhor ou pior para ele. Quando algo sinaliza que não temos condições, no momento presente, para enfrentarmos uma determinada situação, o organismo se prepara, usando de todas as suas “armas”, para proteger-se e defender-se como um exército de homens que se esconde entre as folhagens da mata, aguardando o instante oportuno para retornar ao campo de batalha. Essas “armas” são os recursos internos que o sujeito possui para lutar por sua sobrevivência. Nesta luta, o organismo como um todo se mobiliza para manter o equilíbrio e este processo se dá de modo natural; em outras palavras, o organismo se regula por si só, de maneira independente, com autonomia. Isto é denominado de autorregulação organísmica: é quando
não é necessário programar, incentivar ou inibir de maneira deliberada os incitamentos do apetite da sexualidade, e assim por diante, no interesse da saúde ou da moral. Se deixam essas coisas livres, elas regularão a si próprias de maneira espontânea, e se elas forem perturbadas, tenderão a reequilibrar-se (Perls, Hefferline & Goodman, 1997, p. 60).
A autorregulação organísmica é uma forma que o organismo tem de se ajustar ao ambiente, fazendo uso de sua criatividade. Todo ser humano tem potencial para criar por mais debilitado que se encontre, por mais fragilizado que esteja. Todos nós temos condições de buscar novas alternativas. É importante, no entanto, ressaltar que nem sempre podemos considerar a repetição como uma autorregulação organísmica saudável, pois, as repetições costumam nos deixar fixos no passado, sem condições de visualizar o momento presente, fazendo com que deixemos escapar oportunidades de crescimento.
Quando repetimos, estamos como que “travados”, “fixados”. Tomando como referencial o Ciclo do Contato, podemos dizer que a pessoa está situada no ponto denominado de fixação que é um dos mecanismos neuróticos tratados pela literatura gestáltica.
A fixação é um “processo pelo qual me apego excessivamente a pessoas, idéias ou coisas..., permanecendo fixado em coisas e emoções sem verificar as vantagens de tal situação” (Ribeiro, 1997, p. 43). Como em todos os outros pontos do ciclo, isto provoca a interrupção do contato e implica numa perda da saúde do organismo. Ocorre um desgaste energético. A energia disponível no organismo não está sendo bem aproveitada. No caso da repetição, é como se toda ou quase toda a energia da pessoa estivesse direcionada para uma única coisa, pessoa ou idéia, deixando-a sem condições de que ela perceba que sua energia poderia estar sendo investida em algo que lhe traria um funcionamento orgânico mais saudável. Trazendo para nossa realidade: suponhamos um homem casado que investe a maior parte de sua energia na vida profissional, esgotando-se o dia inteiro com assuntos ligados apenas ao seu trabalho. Ao chegar a sua casa, não consegue dar atenção à esposa e ao filho e, estes, começam a reclamar da situação que se torna mais e mais complicada até que a esposa decide pedir a separação. Este mesmo homem casa-se novamente e repete com sua nova mulher o mesmo comportamento do casamento anterior. Esta nova mulher revolta-se com a situação e outra separação é gerada. Ou seja, enquanto este homem não tiver uma percepção de como está se comportando, é muito provável que o fenômeno da repetição dê prosseguimento.
A repetição é uma forma fixada de se relacionar com o meio. E como o homem é um ser-em-relação, manifestar- se-á em seus relacionamentos. “No princípio é a relação, como categoria do ente, como disposição, como forma a ser realizada, modelo da alma; o a priori da relação: o Tu inato” (Buber, 1979, p. 31). O homem e o meio são interdependentes e é na relação com o meio que o homem pode crescer. Dissociar um do outro é impossibilitar qualquer forma de se compreender o “mundo” em sua totalidade.
Metodologia
O método usado na realização da pesquisa foi o fenomenológico (observação dos comportamentos, reações emocionais, expressões corporais). Para tornar isto viável, foi necessário o máximo de desprendimento possível do pesquisador no que se refere a pensamentos resultantes de pré-conceitos. A partir dos relatos obtidos foi feita uma análise qualitativa, tendo o pesquisador o cuidado de manter suspensos os julgamentos a priori. Foi dada preferência à análise qualitativa porque os estudos tiveram como base os depoimentos coletados e a partir deles seria feito um levantamento e uma organização das informações relacionadas com o objeto de investigação. Outra razão para termos utilizado este tipo de análise foi devido ao fato de que o número de pessoas a serem investigadas estaria estritamente relacionado com a qualidade das informações obtidas nos depoimentos. Desta forma, dependendo das recorrências ou divergências nos depoimentos, selecionaríamos ou não mais colaboradores. Além disto, a análise qualitativa baseia-se na compreensão de sentimentos, sistemas simbólicos, significados, atitudes, valores, práticas que estariam intensamente presentes no momento da coleta dos dados.
Seguindo esta metodologia, foi imprescindível a escolha de um ambiente silencioso, onde não houvesse interrupções ou outras pessoas circulando, viabilizando assim, a concentração do pesquisador que precisava estar atento a todos os detalhes comportamentais. As observações foram realizadas por intermédio de anotações de todas as reações apresentadas pelos colaboradores que já tinham sido previamente avisados com relação a este procedimento, evitando-se assim, algum mal-estar.
A técnica utilizada foi a observação direta por intermédio de uma entrevista semi-estruturada. Um roteiro (em anexo), contendo treze perguntas foi previamente elaborado. Porém, é importante dizer que este não foi seguido de forma rígida; de modo que, se no decorrer da entrevista, outros questionamentos surgissem, estes eram acrescentados ao roteiro, promovendo assim, o enriquecimento dos dados coletados.
Os colaboradores foram entrevistados individualmente e cada um expôs as vivências resultantes de seus relacionamentos com parceiros com os quais se envolveram afetivamente.
Foram entrevistados seis sujeitos compreendidos na faixa etária dos 23 (vinte e três) aos 30 (trinta) anos, solteiros, residentes em Fortaleza, três do sexo feminino e os outros três do sexo masculino. Com relação ao nível de instrução dos colaboradores: 01 (uma) mulher formanda em Administração, 01 (uma) mulher formada em Administração e outra em Psicologia, 01 (um) homem formado em Medicina e 02 (dois) com nível médio completo.
Os participantes foram orientados com relação à proposta, objetivos e finalidade do estudo. Com a anuência em ser entrevistado, foi assinado um Termo de Compromisso pelos colaboradores. Não houve rigorosidade quanto ao tempo de duração da entrevista, sendo realizada num tempo médio de quarenta minutos cada. Os instrumentos utilizados para a execução das entrevistas foram: gravador, fitas cassete, roteiro de entrevista.
Para que se tornasse possível a análise e discussão dos relatos, foram feitas as transcrições das fitas. Após a transcrição, todas foram cuidadosamente lidas e algumas palavras foram grifadas como uma forma de, a posteriori, identificar possíveis associações com os conceitos básicos da Gestalt-terapia.
Análise e Discussão dos Resultados
Conforme anteriormente informado, cada pessoa que contribuiu para o desenvolvimento deste artigo foi analisada individualmente. É importante esclarecer que para cada colaborador foi criado um pseudônimo com o intuito de preservar a vida particular.
Nossa primeira colaboradora foi chamada de Paula. Em suas relações amorosas, Paula sempre escolhe homens que já são comprometidos com alguém. Busca pessoas com características semelhantes que acabam por repercutir situações parecidas com as que ela vivenciou anteriormente. Vejamos um trecho de sua entrevista: Entrevistadora: “Você já parou para pensar o que é que se repete o que aparece com mais freqüência nas tuas relações amorosas?” Paula:
É eu me envolver com gente comprometida e todas as pessoas que eu me envolver terem filho. No começo, eu não sei nada. Aí depois: “Ah! Eu tenho um filho.” Geralmente filha para ser mais específica. Toda pessoa que eu me envolvo tem uma filha.
Aqui, verificamos com clareza a ocorrência da repetição.
Ao ser entrevistada, Paula tinha consciência de que os homens por ela escolhidos possuíam perfis semelhantes. Porém, não soube justificar, de modo racional, o porquê disto; mas foi observado a partir de seu relato o fator “medo” como um aspecto que a impossibilita namorar “pessoas livres”. Paula tem um verdadeiro pavor “a cair na rotina”. Ela não gosta de nada que se transforme em monotonia e não pretende casar e nem dividir um mesmo lar com outro homem. A partir do momento em que ela assume uma relação com um homem já comprometido, distancia-se ainda mais a possibilidade dela chegar ao matrimônio. Desta forma, a repetição é mantida. Observa-se neste ponto a necessidade de ampliação do nível de consciência de Paula para que vivencie relacionamentos mais saudáveis.
No decorrer da entrevista, houve um instante em que Paula levantou a hipótese de ter vivido um trauma do qual ela não se recorda e que poderia justificar a sua aversão ao casamento. Percebeu-se, aqui, o quanto um processo de psicoterapia poderia auxiliá-la neste sentido. Evidenciou-se o mecanismo de introjeção. Paula introjetou uma concepção negativa a respeito do matrimônio e passou a adotá-la como uma verdade inquestionável, fazendo-a distanciar-se de homens que pudessem firmar um compromisso.
A segunda colaboradora recebeu o pseudônimo de Samanta. Ela apontou a sociedade como um dos fatores que mais interfere em nossas escolhas amorosas. Samanta reconhece que está sujeita às pressões do meio social e que este impõe “modelos” de parceiros ideais para os relacionamentos. As pessoas introjetam este “modelo” e “escolhem” seus esposos, namorados; enfim, de acordo com um referencial que não parte de seus mundos subjetivos e assim, a probabilidade de que os relacionamentos tenham um curto prazo de duração aumenta, pois, logo os desejos não são correspondidos e as decepções começam a surgir. Analisemos uma parte da entrevista que evidencia isto: Entrevistadora: “E prá ti... a tua opinião particularmente falando, por que é importante para o ser humano de um modo geral, estabelecer uma relação a dois?”. Samanta:
Existe a importância fisiológica. Uma questão mesmo de que o sexo é uma necessidade; mas aí a gente tá falando de corpo, a questão da reprodução e tem o lado emocional: todos nós precisamos nos sentir amados. Pelo menos é isso aí que é colocado como de extrema importância pela sociedade, por nós mesmos... então, eu acredito assim que é a realização de um ideal, de algo que é colocado como um ideal.
Aproveitamos para enumerar aqui mais um fator que contribui para a manifestação dos comportamentos repetitivos: a atuação dos mecanismos neuróticos apresentados no Ciclo do Contato.
Somente a partir do momento que o indivíduo tem uma consciência plena do que ele quer, do que é bom para ele e dos seus reais desejos é que ele será capaz de realizar uma escolha mais favorável a uma relação saudável. Enquanto isto não acontecer, será confluente com o meio social, perderá sua identidade e capacidade de seletividade.
Em terceiro lugar, entrevistamos Carla. Esta colaboradora apontou a figura paterna como ponto de referência para a escolha de seus namorados. Considera o pai um homem inteligente e trabalhador. Estas características servem de orientação, quando ela busca um parceiro.
Os homens com quem Carla se envolve são extremamente sedentos por trabalho. A dedicação é tão intensa que eles, aos poucos, deixam de dar atenção ao relacionamento e assim, este chega ao término. Esta é a repetição típica de nossa terceira contribuinte. Analisemos o seu depoimento: Entrevistadora: “Você já conseguiu identificar o que é que mais se repete nas tuas relações?” Carla:
O que eu acho que mais se repete é sempre que eu encontro uma pessoa, que isso é um fato que eu admiro, mas que, às vezes, atrapalha um pouco é porque a pessoa coloca praticamente (não é que eu ache errado), mas ela coloca em primeiro plano a parte profissional. Sempre é um grande profissional, são pessoas inteligentes e que não abrem mão de nada, nem mesmo se for prá escolher. “Se for prá escolher, escolhe a parte profissional”.
Na análise dos colaboradores do sexo masculino, o procedimento adotado foi o mesmo quanto aos pseudônimos.
Nosso primeiro entrevistado foi chamado de Marcos. Conversando com ele, observou-se que o modelo de relação adotado é o mesmo vivenciado por seus pais. Os pais dele eram muito comprometidos com o casamento e tinham entre si uma espécie de “acordo”: sempre deveriam comunicar um ao outro, o lugar para aonde fossem, pois, caso algo grave acontecesse, eles saberiam onde procurar.
Marcos aprendeu este acordo com os pais e, sempre que namora alguém, estabelece isto como uma espécie de “regra” para o relacionamento. A dificuldade surge justamente porque as mulheres, que se envolvem afetivamente com ele, começam a ter uma sensação parecida com a de um “sufocamento”. Elas visualizam o comportamento dele como um excesso de preocupação e têm a sensação de estarem presas, com sua privacidade “invadida” e logo, decidem findar o namoro. É algo que Marcos não consegue ter controle, algo que escapa de suas mãos. E assim, não consegue estabilidade em seus relacionamentos, e desta maneira, o ciclo se repete. Vejamos algumas linhas de sua entrevista: Entrevistador: “E você tem uma noção exata do que geralmente influencia para que aconteça o término de seus relacionamentos?”. Marcos:
Basicamente isso que eu lhe falei: a pessoa acha que eu to querendo tomar conta, que eu to invadindo demais a vida da pessoa e isso são devido a um comportamento que eu tive que eu cresci vendo; então, o que eu explico mais ou menos é isso que influencia muito devido a um comportamento que eu tenho e que, à vezes, as pessoas não aceitam. De querer me preocupar com aquela pessoa. Às vezes, eu me preocupo e a pessoa acha que eu to sufocando e não é.
Percebemos, neste caso, que os modelos parentais são fatores determinantes para a manifestação da repetição de comportamento de Marcos.
O segundo colaborador foi denominado Thomas e afirmou que a principal repetição era a de que mantinha relações sempre com mulheres ciumentas, possessivas. Ele considera que a própria relação é algo caracterizado pelo sentimento de posse. Logo aqui, identificamos a pré-determinação de uma idéia/concepção a respeito do que do termo “relação”, tornando maiores as possibilidades de ocorrência do fenômeno da repetição, já que a forma como nos comportamos, na maioria das vezes, é um reflexo de nossa forma de perceber o mundo. Isso pode ser observado na seguinte parte transcrita da entrevista: Entrevistador: “Como você define uma relação amorosa?”. Thomas:
...relação amorosa sempre tem aquela sensação de posse, aquele medo de perder a pessoa que você gosta. Uma coisa que eu noto muito, numa relação amorosa, além do envolvimento afetivo que você tem... nos meus relacionamentos, muitos têm sentimento de posse, eu luto contra isso, mas não dá. A possessividade impera!
Thomas, porém, acredita e tem certeza de que as experiências vividas, em relações anteriores podem fazer a pessoa ter um crescimento, beneficiando os próximos relacionamentos.
Denominamos de Rogério nosso último colaborador. Rogério sinaliza a repetição em suas relações no seguinte ponto: a partir do instante que ele sente que o relacionamento está ganhando mais seriedade, então, ele toma a decisão de terminar. Isso pode ser comprovado no trecho a seguir: Rogério: “A principal repetição eu acho que é terminar meus namoros por não querer nada sério”.
Rogério reconhece que não está preparado, emocionalmente, para assumir um compromisso que gere um casamento. Ele está em processo de psicoterapia e afirma ter conseguido um crescimento por meio deste. Com a psicoterapia, ampliou seu nível de consciência e é capaz de visualizar pontos que antes não enxergava. Sabe que lhe falta suporte, maturidade para “unir-se” a alguém e enquanto isto não acontecer, fugirá dos compromissos mais sérios, caracterizando-se aqui o comportamento repetitivo.
Considerações Finais
Mediante os trechos das entrevistas, acima expostos, identificamos indícios de que os comportamentos repetitivos estão presentes no cotidiano das pessoas. Tivemos a oportunidade de observar a existência da repetição na vivência de seus relacionamentos afetivos. Algumas se sentem “prisioneiras” deste “programa pré-determinado” que se repete como o refrão de uma letra de música. Parece que o “disco” está arranhado e não consegue sair do lugar. Sentem-se impossibilitadas de mudar a letra desta música e muitas vezes penalizam-se em virtude disto.
Alguns fatores foram identificados na análise dos dados como possíveis fatores desencadeadores dos comportamentos repetitivos e que colaboram para a reincidência destes nos relacionamentos afetivos firmados: atuação dos mecanismos neuróticos como, por exemplo, o da introjeção (modelos parentais, imposição de conceitos pelo meio social); estreito nível de awareness; dificuldade de aprender a partir das experiências vivenciadas, daí, repete-se num esforço de obtenção de aprendizado.
Apontamos a importância da prática da psicoterapia como uma das possíveis alternativas para a pessoa resgatar um comportamento ativo, tornando-se protagonista de sua vida e tendo assim, um funcionamento organísmico mais saudável a partir do instante que amplia seu nível de consciência e busca relações mais maduras. Um de nossos colaboradores, em processo de psicoterapia, confirmou a repercussão deste instrumento na efetivação de mudanças em seu comportamento. Certamente, o avanço, em termos de maturidade psicológica, também pode ser alcançado mediante um diálogo genuíno com seu parceiro, discutindo pontos de divergência, respeitando as diferenças um do outro, praticando a empatia, abdicando do jogo de buscar “o culpado” por aquilo que não deu certo, abrindo espaço para refletir as críticas, etc. A autoavaliação contínua é também um poderoso instrumento de mudança que torna possível o desbloqueio energético no Ciclo do Contato, evitando os comportamentos repetitivos. Confirmamos a importância da autoavaliação no depoimento do colaborador Thomas que, mediante a avaliação de relacionamentos anteriores, já descobriu ser possível obter benefícios para as relações futuras.
Reconhecer a presença da repetição em nossos comportamentos abre caminhos para a existência de relações mais saudáveis. A partir do momento que assumirmos essa característica como algo típico dos seres humanos, poderemos lutar contra os reflexos dela em nossas vidas. O primeiro passo para lutar contra algo que nos faz mal é considerar que este mal existe. Freud muito escreveu sobre este assunto e a Gestalt-terapia precisa ampliar seus horizontes, estudando e aprofundando aquilo que ainda não faz parte de seu arcabouço teórico. Desta forma, contribuiremos para a evolução de nossa teoria.
Mediante o estudo em questão, pudemos reafirmar a relevância científica do tema a partir do instante que proporciona aos profissionais da Psicologia um novo conceito a ser considerado na condução do processo de psicoterapia, viabilizando uma melhor compreensão do universo do cliente.
Referências
Buber, M. (1979). Eu e Tu. (Newton Aquiles von Zuben, Trad.) (2. ed.). São Paulo: Cortez & Moraes. (Originalmente publicado em alemão, 1923). [ Links ]
Bueno, F. da S. (Org.) (1973). Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. (8. ed.). Rio de Janeiro: Editora MEC/Fename. [ Links ]
Hycner, Richard & Jacobs, L. (1997). Relação e cura em Gestalt- Terapia. São Paulo: Summus. [ Links ]
Perls, F. (2002). Ego fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus. (Originalmente publicado em 1942). [ Links ]
Perls, F. S., Hefferline, F. R., & Goodman, P. (1997). Gestalt- Terapia. São Paulo: Summus. [ Links ]
Ribeiro, J. P. (1997). O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus. [ Links ]
Ribeiro, J. P. (1999). Gestalt-Terapia de curta duração. São Paulo: Summus. [ Links ]
Endereço para correspondência
Rua Canuto de Aguiar, nº 1077, apto. 906
Jardim Camburi - CEP: 29.092-010
Vitória, Espírito Santo
E-mail: thatibm@hotmail.com
Recebido em 20.01.09
Primeira Decisão Editorial em 09.02.09
Aceito em 13.04.09
Thatianny Bezerra Moreira Ferreira - Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e Gestalt-Terapeuta pelo Instituto Gestalt do Ceará.
Anexo
Roteiro de Entrevista
1. Para você, o que é uma relação amorosa?
2. Em sua opinião, por que é importante para o ser humano uma relação a dois?
3. Que tipo de pessoa, no que se refere à qualidades/ características, motivam ou atraem você em suas relações amorosas?
4. O que é que você mais busca em seus relacionamentos?
5. Qual o modelo de relação que você tem atualmente?
6. Os modelos de relação do seu passado interferem na visão que você tem hoje sobre relacionamento?
7. Quanto tempo costuma durar suas relações?
8. O que geralmente influencia o término de seus relacionamentos?
9. Como você costuma ficar após o término de suas relações amorosas?
10. O que você percebe que muda em si mesmo quando você está mantendo uma relação com alguém?
11. O que é que mais se repete ou aparece com freqüência em suas relações amorosas?
12. O que você tem aprendido em suas relações amorosas? Qual o aprendizado?
13. Como você definiria o amor?