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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.27 no.83 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
Processamento auditivo: estudo em crianças com distúrbios da leitura e da escrita
Auditory processing: study in children with specific reading and writing deficits
Silvana FrotaI; Liliane Desgualdo PereiraII
I Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM), Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
II Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM), Professora Associada e Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar o desempenho de crianças com distúrbios específicos de leitura e escrita, nos Testes Verbais e Não Verbais de Processamento Auditivo, e comparar com o de crianças sem o referido transtorno.
MÉTODO: Sessenta crianças foram submetidas a testes de linguagem e de processamento auditivo.
RESULTADOS: Ocorreram diferenças de desempenho nos testes realizados, com significância estatística.
CONCLUSÃO: Inabilidades auditivas surgiram concomitantemente com os distúrbios da leitura e da escrita.
Palavras-chave: Percepção auditiva. Dislexia. Transtornos da linguagem. Transtornos de aprendizagem.
ABSTRACT
PURPOSE: To assess the performance of children with specific reading and writing disorder in verbal and nonverbal auditory processing tests, and to compare it with children without specific reading and writing disorder.
METHODS: Sixty children have undergone language and auditory processing tests.
RESULTS: Performance analysis on the test battery revealed significant statistical differences.
CONCLUSION: Auditory disabilities co-occured with specific reading and writing disorders.
Keywords: Auditory perception. Dyslexia. Language disorders. Learning disorders.
INTRODUÇÃO
O processamento auditivo vem sendo amplamente estudado, a fim de esclarecer as dificuldades auditivas presentes em crianças e adultos com limiares audiométricos normais, porém com queixas na percepção auditiva.
O processamento auditivo diz respeito à eficiência com que o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva. Pode ser definido como o conjunto de mecanismos e processos responsáveis pelos fenômenos de lateralização e localização do som, discriminação auditiva, reconhecimento dos padrões auditivos, aspectos temporais da audição - integração, discriminação, ordenação e mascaramento temporal - e habilidades auditivas com sinais acústicos competitivos e degradados1.
A leitura é um modo particular de aquisição de informações, cujo objetivo é a compreensão de texto escrito.
Antes de aprender a ler, a criança já deve ser capaz de conhecer formas fonológicas e as significações correspondentes2. Além disso, existe outra habilidade, conhecida como consciência ou processamento fonológico, igualmente fundamental para aquisição de leitura e escrita2.
A consciência fonológica - ou segmentação de fonemas - é definida como a habilidade de dividir palavras em porções separadas da fala e é fundamental para o aprendizado da leitura e escrita2. A consciência fonológica desenvolve-se gradualmente durante a infância. Sendo uma atividade metalinguística, envolve pensar e refletir sobre a linguagem como objeto3.
O déficit de consciência fonológica e o transtorno do processamento auditivo são comumente associados na literatura4-6. A integridade dos mecanismos fisiológicos auditivos exerce um papel fundamental no processamento acústico rápido, na percepção da fala, no aprendizado e na compreensão da linguagem, sendo, consequentemente, pré-requisito na aquisição da leitura e da escrita.
Na literatura especializada, também existem alguns estudos demonstrando a associação entre o transtorno do processamento auditivo e o distúrbio relacionado com leitura e a escrita6-12.
Crianças com dislexia, quando comparadas a crianças sem dislexia, apresentam diferentes formas de funcionamento do córtex pré-frontal, para o processamento acústico rápido. Foi realizado estudo com crianças disléxicas e comprovado que a ativação do córtex pré-frontal ocorre de forma mais lenta, quando elas são submetidas a estímulos verbais rápidos6.
Na comparação de adultos com e sem dislexia, a pesquisa apontou que o grupo de adultos com dislexia apresentou dificuldade de entender a fala, mediante presença de outras mensagens linguísticas e ruído. Os autores sugerem a existência de um elo entre a dificuldade de executar as habilidades auditivas de figura-fundo e fechamento e o funcionamento adequado do sistema eferente olivococlear medial11.
Consciente da importância que o processamento auditivo tem para a consciência fonológica e esta, por sua vez, para o aprendizado da leitura e da escrita, optamos por estudar essas alterações em crianças com distúrbios da leitura e da escrita. Outra escolha foi caracterizar as habilidades auditivas verbais - figura-fundo para sons verbais; ordenação temporal de sons verbais; memória sequencial simples para sons verbais e fechamento - e não verbais - figura-fundo para sons não verbais; ordenação temporal de sons não verbais e localização da direção da fonte sonora.
O objetivo desse trabalho foi avaliar o desempenho de crianças com distúrbios específicos de leitura e da escrita nos testes verbais e não verbais de processamento auditivo e comparar com o de crianças sem distúrbios específicos de leitura e da escrita.
MÉTODO
A pesquisa foi realizada na instituição de origem e as crianças, com e sem dificuldade de leitura e escrita, encaminhadas por fonoaudiólogas e professoras de escolas particulares.
As avaliações foram realizadas após a equipe de trabalho explicitar sobre os testes e suas condições, conforme descrito na carta de informação do protocolo dessa pesquisa, e de os responsáveis assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido, segundo a orientação aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição de origem, sob o número de protocolo, 094/02.
O primeiro critério de exclusão era ser portador de doença otológica, daí a necessidade de realizar anamnese otológica, meatoscopia, testes imitanciométricos e audiometria tonal liminar.
Desta maneira, foram consideradas aptas a serem submetidas a esta pesquisa, as crianças que apresentaram normalidade na avaliação audiológica básica.
As crianças selecionadas realizaram uma bateria de testes de linguagem, com o objetivo de classificá-las em dois grupos, compostos por 30 indivíduos de ambos os sexos, otologicamente normais, com faixa etária variando entre 9 e 12 anos.
O conjunto de testes de linguagem constituiu-se da Prova de Consciência Fonológica13; da Avaliação da Velocidade de Leitura14; da Prova de Leitura em voz alta; avaliação escrita com ditado de palavras reais e inventadas13; além da avaliação da compreensão de narrativas por meio da noção linguística de figura-fundo15.
No Grupo 1 (G1), os participantes não possuíam histórico nem manifestação de distúrbios de leitura e escrita; ou seja, apresentaram respostas satisfatórias em todos os testes que avaliaram leitura e escrita. Em contrapartida, no Grupo 2 (G2) estavam aqueles que apresentaram prejuízo em pelo menos um dos testes supracitados.
Todos os participantes dessa pesquisa foram submetidos à avaliação do processamento auditivo com testes especiais, agrupados e analisados considerando os estímulos verbais e não verbais16; objetivando avaliar a capacidade auditiva de processar neurologicamente informações sonoras.
Para avaliar a capacidade de processar os sons verbais, foram realizados os seguintes testes: Teste Staggered Spondaic Word (SSW) - nas condições direita competitiva, esquerda competitiva, total de acertos e inversões; teste de sequencialização sonora para sons verbais e teste de fala com ruído branco.
Os testes com estímulos não verbais foram: Teste Dicótico, nas condições atenção livre, atenção direcionada à direita e à esquerda; Teste de Sequencialização Sonora; e de Localização para Sons Não Verbais.
Para a análise estatística foram calculadas estatísticas descritivas (média, mediana, desvio padrão, valores mínimo e máximo). O nível de significância fixou-se em 0,05 ou 5%. Nesta parte da análise utilizou-se:
Teste t-Student: para comparar as médias nos testes Staggered Spondaic Word (nas condições direita e esquerda competitiva e total de acertos), Fala com ruído, Teste Dicótico Não Verbal (nas condições atenção livre e atenção direcionada);
Teste não paramétrico de Kruskal-Wallis: utilizado no Teste Staggered Spondaic Word, para comparar as respostas do tipo Inversão, nos dois grupos;
Teste qui-quadrado de homogeneidade: a fim de comparar as distribuições das respostas nos testes auditivos de Memória Sequencial Verbal e Localização, em G1 e G2.
RESULTADOS
Apresentamos os resultados referentes à análise estatística descritiva dos Testes Verbais de Processamento Auditivo na Tabela 1.
Com base na média das variáveis dos itens de acertos do Teste SSW foi utilizado, para a análise inferencial, o teste t-Student, o qual apontou diferenças estatisticamente significantes entre o G1 e o G2, com p-valores de 0,0016; 0,024; 0,002, respectivamente.
No item inversões do Teste SSW, empregou-se, também para a análise inferencial, o teste Kruskal-Wallis, que apontou diferença estatisticamente significante, entre o G1 e o G2, com um p-valor de 0,023.
No Teste de Memória Sequencial Verbal, foi realizado o teste qui-quadrado, com um p-valor de 0,136, não apontando diferenças estatisticamente significantes entre os grupos analisados.
No estudo das respostas do Teste Auditivo de Fala com Ruído, o teste t-Student apontou p-valores para a orelha direita de 0,029 e para orelha esquerda de 0,21. Esse índice indica diferenças estatisticamente significantes, apenas para a orelha direita, entre as respostas de cada grupo.
Na Tabela 2, encontram-se os resultados referentes à estatística descritiva dos Testes Não Verbais de Processamento Auditivo.
Baseada na média das variáveis dos itens de acertos do Teste Dicótico Não Verbal, nas condições atenção livre, atenção direcionada à direita e à esquerda, foi utilizado o teste t-Student para a análise inferencial, o qual não apontou diferenças significantes entre as respostas observadas no G1 e G2. O teste apresentou p-valores de 0,44 (condição atenção livre na orelha direita) e 0,32 (condição atenção livre na orelha direita).
Já para a etapa de atenção direcionada à direita e à esquerda, o Teste t-Student apontou diferenças significantes entre as respostas dos grupos, havendo p-valores de 0, 015 para atenção à direita e de 0, 019 para atenção à esquerda.
No Teste de Memória Sequencial Não Verbal (MSNV) e de Localização foi realizado o Teste qui-quadrado e não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre os grupos G1 e G2, com p-valores de 0,202 (MSNV) e de 0,166 (localização).
DISCUSSÃO
A realização de testes que avaliam o processamento auditivo, em indivíduos com distúrbios de leitura e escrita, tem sido recomendada por diversos autores4,5,9-12. Tal recomendação se faz necessária, uma vez que o Distúrbio do Processamento Auditivo, quando presente, requer treinamento auditivo específico, que pode melhorar o desempenho para o processamento acústico rápido, aumentar a ativação do cérebro e melhorar significativamente a linguagem e a leitura6.
Na pesquisa, observou-se que na avaliação linguística o G1:
mostrou boa compreensão de narrativas ouvidas, indicando bom desenvolvimento dos níveis semânticos e pragmáticos;
presença da habilidade de manipular os sons da fala, revelando que a consciência fonológica estava adequada para a faixa etária;
boa capacidade de escrever palavras regulares e irregulares, sugerindo, de acordo com o autor2; o desempenho competente no uso da estratégia ortográfica na escrita, velocidade de leitura satisfatória para o nível de escolaridade, bom nível de compreensão de narrativas, tanto para a leitura oral, quanto para a leitura silenciosa e um tipo de leitura global (lexical).
Para as crianças do G2, a análise do desempenho nos testes linguísticos demonstrou:
boa compreensão de narrativas ouvidas, parecendo ter bom desenvolvimento dos níveis semânticos e pragmáticos;
inabilidade de manipular os sons da fala, apontando que a consciência fonológica está inadequada para a faixa etária;
dificuldades de escrever palavras regulares e principalmente irregulares, sugerindo que a criança apresenta desempenho compatível com a estratégia alfabética, não tendo atingido o domínio da estratégia ortográfica na escrita.
Assim, os indivíduos que constituíram o G2 apresentaram, de modo geral, resultados insatisfatórios para a escrita de palavras reais e inventadas; velocidade de leitura insatisfatória para o nível de escolaridade; baixo nível de compreensão de narrativas, principalmente para a leitura silenciosa; e um tipo de leitura pausada e silabada (alfabética), sinalizando ineficiência no uso da estratégia ortográfica (leitura lexical) e no duplo processo para a leitura, de acordo com a literatura especializada2,15.
TESTES VERBAIS DO PROCESSAMENTO AUDITIVO
Ao analisar os testes comportamentais do processamento auditivo (Tabela 1), observamos que, no Teste SSW, a quantidade de acertos totais em porcentagem foi de cerca de 90% para G1, e de 80% para G2. Desta forma, o desempenho de G2 foi pior no mecanismo fisiológico de discriminação de sons sobrepostos em escuta dicótica, cuja habilidade é figura-fundo2,16. Tal achado também é descrito na literatura12.
Os resultados do Teste SSW, em relação às inversões da ordem das palavras, demonstraram que o desempenho de G2 foi inferior a G1. A partir daí, é possível levantar a hipótese de que a alteração, no mecanismo fisiológico de discriminação de sons em sequência, pode dificultar a aprendizagem da leitura e escrita.
Neste estudo, analisou-se que 10 (33,3%) crianças de G1 apresentaram Distúrbio de Processamento Auditivo. Dentre estas, 4 (13,3%) com alterações de processamento auditivo de grau leve; 5 (16,6%) com alterações de grau moderado; e 1 (3,3%) com alterações de grau grave.
A partir destes dados, poderão ser feitos diversos questionamentos. A alteração do processamento auditivo puro, é suficiente para causar dificuldades linguísticas? Os resultados anômalos, nos Testes Verbais de Processamento Auditivo realizados, indicam que há risco dos desenvolvimentos da linguagem e acadêmico não continuarem a progredir adequadamente naquelas crianças?
Como resultado de um estudo sobre a relação entre os Distúrbios de Processamento Auditivo e as alterações linguísticas17; os autores observaram que nem todas as crianças com problemas linguísticos apresentaram dificuldades no processamento auditivo temporal e vice-versa. O déficit de processamento auditivo pode estar presente em crianças com linguagem normal.
Segundo os autores17; são inúmeras as causas ou fatores de risco que agem sinergicamente e que levam a transtornos nos diferentes níveis linguísticos. O processamento auditivo puro não é fator suficiente para causar dificuldades de linguagem.
Por outro lado, também é descrito na literatura que as alterações de processamento auditivo - processamento binaural; dificuldade de perceber fala com ruído de fundo; déficit de discriminação e ordenação temporal de sequências rápidas, no sinal auditivo; e discriminação de frequência - podem ser a base de inúmeros problemas de linguagem18. Também é importante ressaltar que alterações da ordenação temporal de sons, de diferentes frequências (alta/baixa) e duração (longo/curto), ocorrem em crianças com déficit de consciência fonológica5.
No G2, é provável que as disfunções no mecanismo fisiológico auditivo de discriminação de sons, sobrepostos em escuta dicótica (figura-fundo) e discriminação de sons em sequência, estejam associadas aos transtornos específicos da leitura e da escrita; porém, acredita-se que isto não é a base destes problemas, podendo ser simplesmente um agravante.
Para o Teste de Memória Sequencial Verbal não ocorreram diferenças estatisticamente significantes entre as médias de G1 e G2. Assim, os indivíduos com distúrbios de leitura e escrita não apresentaram desempenho ruim nos mecanismos fisiológicos auditivos, cuja habilidade é memória sequencial para sons verbais.
Um estudo7 buscou estabelecer a relação das dificuldades de leitura e escrita com as alterações do processamento auditivo, avaliadas por meio dos Testes Comportamentais de Localização Sonora; Memória Sequencial Não Verbal; e Memória Sequencial Verbal, também denominado Avaliação Simplificada do Processamento Auditivo. As autoras não encontraram associação significante entre alteração na prova de memória sequencial verbal e o desempenho rebaixado em tarefas de leitura e escrita7; o que corrobora com os achados do presente estudo.
O presente trabalho mostra que a pesquisa do desempenho em tarefa de sequencialização, avaliada pelo Teste Diótico de Memória Sequencial Verbal, talvez não seja eficiente como único instrumento de pesquisa das alterações de processamento auditivo, nos transtornos específicos da leitura e da escrita. Isto porque não houve diferença estatisticamente significante entre G1 e G2. Assim, acreditamos que é importante realizar testes auditivos comportamentais mais complexos como os de Escuta Dicótica.
No Teste Fala com Ruído Branco, ocorreram diferenças estatisticamente significantes somente entre as respostas da orelha direita (Tabela 1).
A média das porcentagens de acertos no Teste Fala com Ruído, no qual a habilidade auditiva é o fechamento, houve diferenças de 5,06 e 3,07 nas orelhas direita e esquerda, respectivamente. Isso demonstra que o desempenho de G2, na orelha direita, foi pior no mecanismo fisiológico de discriminação de sons fisicamente distorcidos.
Ao estudar a habilidade de compreender a fala com ruído em adultos com e sem dislexia11; os autores observaram assimetria de respostas entre as orelhas e interpretaram como alterações no sistema eferente olivococlear medial direito e esquerdo, diferente do grupo controle, que apresentou funcionamento semelhante para ambas as orelhas.
TESTES NÃO VERBAIS DO PROCESSAMENTO AUDITIVO
Nesse estudo, buscou-se caracterizar o desempenho nos Testes Não Verbais de Processamento Auditivo, considerando os mecanismos fisiológicos de discriminação de sons não verbais, sobrepostos em escuta dicótica (Teste Dicótico Não Verbal, nas condições atenção livre e direcionada); discriminação não verbais em sequência (Teste Memória Sequencial Não Verbal); e discriminação da direção da fonte sonora (Teste de Localização).
Os mecanismos fisiológicos acima citados avaliam, respectivamente, as habilidades auditivas de figura-fundo para sons não verbais, ordenação temporal de sons não verbais e localização da direção da fonte sonora.
Para o estudo do Teste de Memória Sequencial Não Verbal e de Localização não ocorreram diferenças estatisticamente significantes entre as respostas de G1 e G2 (Tabela 2). A localização é uma etapa do processamento auditivo, que exerce uma função importante no processo do desenvolvimento da percepção espacial e no desenvolvimento da atenção seletiva. Assim, no G1 e G2 ocorreram predomínio de 4 e 5 acertos, que foram consideradas respostas satisfatórias, de acordo com os critérios de normalidade16.
No presente estudo, no desempenho no Teste Dicótico Não Verbal, pela condição de atenção livre (Tabela 2), não ocorreu diferença estatisticamente significante entre as respostas de G1 e G2. Assim, para a etapa de atenção livre, este prejuízo auditivo não coocorreu com os transtornos específicos observados na leitura e escrita. Este fato não foi observado com as condições de atenção direcionada à direita (AD) e atenção direcionada à esquerda (AE), para as respostas de G1 e G2.
Mesmo para as crianças do G2 que apresentaram desempenho ruim no Teste Dicótico Não Verbal, para as condições de atenção sustentada à direita e à esquerda, não foram encontradas alterações nos níveis linguísticos semântico e pragmático. Isso indica que o talento para reconhecer o significado na linguagem não foi afetado, apesar da dificuldade na habilidade auditiva de figura-fundo para sons não verbais. Isto é, a capacidade de saber informações referentes ao significado de morfemas individuais, palavras e sentenças - além de perceber as regras que governam o uso da linguagem em contextos sociais - está adequada à faixa etária dos indivíduos avaliados.
Sendo assim, podemos questionar: a linguagem, nos níveis semântico e pragmático, continuará se desenvolvendo satisfatoriamente? A avaliação do processamento auditivo, por meio do Teste DNV, não é suficiente? Assim sendo, é preciso verificar se esse é um bom indicador da análise desses níveis, por avaliar apenas os aspectos suprassegmentais e prosódicos da fala. Além disso, os resultados do Teste DNV - para as condições de atenção sustentada à direita e à esquerda - indicam risco dos níveis linguísticos semântico e pragmático não continuarem a se desenvolver conforme o esperado?
Para a correta interpretação de piadas, metáforas e ambiguidade nos sentidos, é necessário o conhecimento dos significados literais das expressões e da percepção das regras, que governam o uso da linguagem em contextos sociais17. Para interpretar corretamente o significado de uma mensagem linguística, ventila-se a hipótese de que as alterações na habilidade auditiva de figura-fundo para sons não verbais - avaliada pelo Teste DNV - relacionem-se apenas com os aspectos suprassegmentais e prosódicos da fala; ou seja, tonicidade da palavra, extensão do vocábulo e entonação da frase. Porém, há também a possibilidade dessas habilidades não serem responsáveis ou estarem relacionadas com o desenvolvimento linguístico, nos níveis semântico e pragmático (os mais elevados na hierarquia do desenvolvimento da linguagem).
Assim, apenas quando os elementos suprassegmentais da fala (tonicidade da palavra, extensão do vocábulo e entonação da frase) influenciam a compreensão de piadas e duplo sentido, podemos estabelecer associações com a inabilidade de figura-fundo para sons não verbais, avaliadas por meio do Teste DNV.
Novos estudos devem ser feitos, correlacionando os níveis mais complexos do desenvolvimento semântico e pragmático, por meio do Teste DNV.
CONCLUSÕES
O desempenho das crianças sem distúrbios na leitura e escrita foi melhor do que no grupo com o déficit - tanto na avaliação dos testes verbais quanto não verbais de processamento auditivo. Houve exceção apenas no Teste de Memória Sequencial Verbal e Teste de Memória Sequencial Não Verbal e de Localização.
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Correspondência:
Silvana Frota
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E-mail: silfrota@gmail.com
Artigo recebido: 11/5/2010
Aceito: 23/8/2010
Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ.