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Revista Brasileira de Psicanálise
Print version ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.46 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2012
LANÇAMENTOS
Psicanálise compreensiva
Uma concepção de conjunto
Walter Trinca
São Paulo: Vetor, 2011, 435 pp.
A mais nova obra desse produtivo autor da Psicanálise busca ser uma profunda contribuição ao atendimento clínico psicanalítico, utilizando marcantes ilustrações clínicas, ao apresentar um modelo geral em que o "ser interior" se distingue do "self", como apontado no capítulo inicial do livro. Dessa distinção desenvolve-se uma noção metodológica de conjunto, composta pela interação de fatores e não pela distinção de elementos, na qual se destacam o distanciamento de contato com o "ser interior", a sensorialidade, a fragilidade do "self", a constelação do inimigo interno, a angústia de dissipação do "self", a estruturação inconsciente e a expansão da consciência. Todos esses fatores possibilitam a estruturação do trabalho clínico em um contexto unitário, o que é altamente facilitador da realização de pensamentos clínicos. Trata-se de priorizar a psicanálise voltada aos fatores, para além da psicanálise de elementos, a fim de evitar a atomização das interpretações e encontrar alternativas clínicas para as explicações gerais de largo espectro teórico as quais são indistintamente aplicáveis a múltiplas situações psicanalíticas.
Luto e melancolia
Sigmund Freud
Tradução, introdução e notas: Marilene Carone
São Paulo: Cosac Naify, 2011, 144 pp.
Marilena Carone (1942/1987) trabalhou arduamente, nos anos 1980, num grande projeto de traduzir Freud para o português. Colocara-se criticamente frente às traduções que vigoravam a partir da Standard Edition inglesa. Nessa época elaborou as traduções comentadas de alguns textos de Freud: "A negação" (divulgada pela revista Discurso, n. 15, de 1983, do Departamento de Filosofia da usp), Luto e melancolia, repleto de anotações e conferências introdutórias à psicanálise. Ela segue curso original ao cuidar de desentranhar, dos escritos de Freud, uma teoria da linguagem, pela qual Freud preenche de conteúdos novos, palavras antigas, usadas no "modo popular". Procurava fazer justiça ao Freud merecedor do prêmio Goethe de literatura. Nesse sentido, Marilena Carone foi tradutora ideal de Freud dado que seu domínio da língua alemã era associado à sua experiência clínica e à sua educação literária consistente. Por conta disso, ela é capaz de fazer Freud "falar", com rigor conceitual, um português elegante, fluente, preciso, em uma grande obra de tradução. Esta obra e sua autora foram objetos de homenagem prestada pela revista Novos Estudos Cebrap (n. 32, São Paulo, mar. 1992) e agora editada pela Cosac Naify na dimensão de livro, com textos agregados de Maria Rita Kehl, Modesto Carone e Urania Tourinho Peres.
La détresse
Aux sources de l'éthique
Monique Schneider
Paris: Seuil, 2011, 381 pp.
A prestigiosa psicanalista francesa nos apresentou, em 2011, outra grande obra, agora em torno do tema da ética na psicanálise. Evocando o texto "Interpretação dos sonhos", aponta que Freud, ao exemplificar, por meio de um sonho, o apelo de uma paciente: "Se você soubesse como eu sofro...", está colocando a exigência de acabar com o sofrimento em questão muito mais sobre o "saber" dessa exigência, que sobre o "remédio" que o abrandaria. O trabalho dos sonhos legitimaria essa exigência, tal que a aproximação, a sequência, de um sofrimento a outro pode-ria conduzir a uma estratégia de esquiva ou de repúdio: "Não sou eu que sofro", fórmula que à maneira de um "anticogito" persegue todo o livro da "Interpretação dos sonhos". Tal posição, tal ausência de reverberação afetiva, poderia induzir, nos bastidores do encontro analítico, a um festim de insensibilidade levando o início de um sofrimento a se converter em anestesia latente, ao equivalente de um "não-lugar", uma "não-posição" para o sofrimento. Já o texto freudiano "Projeto de uma psicologia científica" faria ressoar o elo ausente, o aspecto faltante. Aponta-se para um "ser" deixado de lado, esquecido, um Nebenmensch (aquilo de humano posto de lado), que não reaparecerá mais na escritura freudiana, mas que é capaz de fazer com que se esteja "atento" à manifestação originária de desamparo. É tal atenção que confere ao desamparo um valor de aviso, de sinal, que se tornará fundadora do campo ético em psicanálise. Essa abordagem, explorada pelo filósofo Emmanuel Levinas, faz com que a exigência ética na psicanálise não intervenha como norma que rege qualquer experiência, mas como sua condição.
La construcción del sujeto ético
Silvia Bleichmar
Buenos Aires: Paidós, 2011, 544 pp.
Esta obra, resultado de seminário ditado pela autora ao longo de 2006, coloca desde seu início a questão do estatuto do discurso psicanalítico e sua incidência na cultura. Para Bleichmar, esse estatuto está ligado à concepção da construção do sujeito e sua relação com a ética. O acento em seu seminário é o da contraposição do sujeito ético ao sujeito disciplinado, ideal das novas sociedades de consumo. O tema da voracidade, aqui articulado com o da inveja e dos ciúmes, mostra-nos a visão lúcida de uma intelectual que se interroga sobre o estado das coisas em sua situação presente. Para a autora, o sujeito disciplinado não é o sujeito ético, e não é o caso de discutir sobre os limites, senão sobre as legalidades que o constituem. Sua proposta é "voltar a pensar um sujeito que, inscrito nas legalidades, seja ao mesmo tempo capaz de constituir uma ética mais além delas". Especial consideração mereceu o tema da ética do analista, que não se reduz somente ao exercício da técnica e à observância da abstinência, mas que se estende à posição do analista frente ao sujeito que sofre. Com clareza e precisão, características de seu estilo, com forte convicção de suas posturas sobre os problemas que interrogam a teoria e a prática da psicanálise, a autora propõe um caminho para se repensar as questões da subjetividade, da ética e das encruzilhadas que os tempos atuais nos colocam.
Landscapes of the dark
History, Trauma, Psychoanalysis
Jonathan Sklar
Londres: Karnac Books, 2011, 184 pp.
O autor integra de modo sofisticado e erudito os conceitos básicos da teoria e da prática psicanalíticos. Acompanhando-se de vários autores (Freud, Ferenczi e outros), serve-se de elegantes vinhetas clínicas, mostrando o árduo trabalho clínico do psicanalista. Seus argumentos teóricos estão baseados no trabalho de pensadores europeus da psicanálise, dos quais se encontra bela síntese. Meditando sobre os significados da psicanálise e sua prática, reafirma a importância da associação livre e da história do encontro clínico e de tudo que daí se obtêm. Seu foco é investigar o trauma no indivíduo que se faz sentir nos momentos psicóticos, nos "enactments", nos "flitting thoughts" nos silêncios, nas manifestações da transferência onde se observe o movimento do pensamento inconsciente de uma pessoa a outra, presentes no setting analítico; cuja forma determina o movimento do paciente em sua vida diária originado da tensão entre o evento real e o trauma na mente do analisando. Indica que o analista escuta, presta atenção às várias dimensões temporais do encontro analítico e faz uso de sua capacidade de arcar com a poderosa emoção que preenche tal encontro, dando-lhe significado (como um poema, uma sinfonia ou, às vezes, uma fria e sombria paisagem). Essas são suas contribuições ao árduo trabalho da análise. Além disso, Sklar reflete sobre os eventos reais que marcam a história moderna e seus efeitos sobre a dinâmica psíquica das pessoas. Seu trabalho mostra como os chamados mundos, interno e externo, da vida mental estão indissoluvelmente vinculados.
Adicções
Decio Gurfinkel
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011, 470 pp.
Este livro faz parte da coleção "Clínica Psicanalítica", dirigida por Flávio Carvalho Ferraz. O autor se dedica a esse assunto há quase 25 anos, buscando aqui uma abordagem de conjunto sobre o tema. Destaca dois eixos: a perspectiva histórica e a problemática da paixão. Diz ter "em mãos as bases para a construção de um conceito psicanalítico de adicção", a partir da teorização freudiana sobre as organizações pré-genitais da libido e sua relação com o caráter, da emergência da problemática do narcisismo e da questão do Eu. Destaca também a proposição da compulsão à repetição com a revisão da teoria pulsional da década de 1920. Aponta que a passagem do modelo pulsional para o relacional redundou em mudanças significativas, pela possibilidade de se pensar em termos de "relacionamentos adictivos" e de se compreender a gênese das adicções a partir das falhas ocorridas nas primeiras experiências de objeto. Indica a contribuição de Lacan sobre a distinção entre prazer e gozo, que possibilitou um salto qualitativo na compreensão da radicalidade desorganizadora do impulso que move o viciado. Além disso, pode-se pensar a adicção como uma forma de paixão, a qual é uma espécie de amor viciado ou de vício amoroso. Destaca que a expansão da teoria da sexualidade em direção a uma psicologia do amor tem grande importância para a psicanálise das adicções, cujo ângulo da paixão oferece a oportunidade de uma abordagem mais rica e flexível em termos de seu estatuto psicopatológico.