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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.52 no.97 São Paulo July/Dec. 2019

 

EROS

 

Sublimação e a escrita criativa: aproximações com Virginia Woolf

 

Sublimation and creative writing: approaches with Virginia Woolf

 

Sublimación y escritura creativa: enfoques con Virginia Woolf

 

Sublimation et écriture créative: approches avec Virginia Woolf

 

 

Leticia Lima VieiraI; Priscilla Melo Ribeiro de LimaII

IMestre em Psicologia (UFG). Goiânia / leticialimavi@gmail.com
IICoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás (PPGP-UFG), doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (ppg-psicc/UnB) e professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE-UFG). Goiânia / primlima@ufg.br

 

 


RESUMO

O artigo objetiva pensar sobre o mal-estar decorrente do desamparo - tanto o ontológico quanto o promovido pela modernidade. Freud reflete sobre o sofrimento que acomete a sociedade desde seus primórdios, e destaca que as condições para o processo civilizatório são necessárias para a sustentação da civilização, mas elas também frustram os indivíduos e impõem sofrimento. Diante das fontes constantes de sofrimento, Freud destaca algumas medidas paliativas. Com base nisso, consideramos a arte, principalmente a literária, como contorno possível para tal orfandade que abarca a esfera humana. Utilizaremos da escrita de Virginia Woolf para investigar e compreender como o escritor criativo utiliza-se dessa medida paliativa para tentar contornar a angústia decorrente do desamparo. Apesar da impossibilidade da felicidade plena destacada por Freud, compreendemos que a escrita criativa pode funcionar como um arranjo psíquico que constrói um caminho para a vida, para a criação e a elaboração do sofrimento.

Palavras-chave: desamparo, mal-estar, literatura, sublimação, Virginia Woolf


ABSTRACT

The article aims to reflect on the discomfort resulting from helplessness - both ontological and promoted by modernity. Freud reflects on the suffering that has been affecting society since its inception and points out that the conditions for the civilizing process are necessary for sustaining civilization as well as frustrating individuals and imposing suffering. Given the constant sources of suffering, Freud highlights some palliative measures. From this, we consider art, especially literary art, as a possible outline for such orphanhood that embraces the human sphere. We will use Virginia Woolf's writing to investigate and understand how the creative writer uses this palliative measure to try to get around the anguish of helplessness. Despite the impossibility of full happiness highlighted by Freud, we understand that creative writing can function as a psychic arrangement that builds a path to life, to the creation and elaboration of suffering.

Keywords: helplessness, discomfort, literature, sublimation, Virginia Woolf


RESUMEN

El artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la incomodidad resultante de la impotencia, tanto ontológica como promovida por la modernidad. Freud reflexiona sobre el sufrimiento que ha estado afectando a la sociedad desde su inicio, y señala que las condiciones para el proceso de civilización son necesarias para sostener la civilización, así como para frustrar a las personas e imponer el sufrimiento. Dadas las fuentes constantes de sufrimiento, Freud destaca algunas medidas paliativas. A partir de esto, consideramos el arte, especialmente el literario, como un posible esbozo de tal orfandad que abarca la esfera humana. Utilizaremos los escritos de Virginia Woolf para investigar y comprender cómo el escritor creativo usa esta medida paliativa para tratar de sortear la angustia de la impotencia. A pesar de la imposibilidad de la felicidad plena destacada por Freud, entendemos que la escritura creativa puede funcionar como un arreglo psíquico que construye un camino hacia la vida, hacia la creación y elaboración del sufrimiento.

Palabras clave: desamparo, malestar, literatura, sublimación, Virginia Woolf


RÉSUMÉ

L'article vise à réfléchir sur le malaise résultant de l'impuissance - à la fois ontologique et favorisée par la modernité. Freud se penche sur les souffrances qui affectent la société depuis sa création et souligne que les conditions du processus de civilisation sont nécessaires au maintien de la civilisation ainsi qu'à la frustration des individus et à l'imposition des souffrances. Compte tenu des sources constantes de souffrance, Freud met en évidence certaines mesures palliatives. À partir de là, nous considérons l'art, en particulier littéraire, comme un plan possible pour un tel orphelin qui embrasse la sphère humaine. Nous utiliserons les écrits de Virginia Woolf pour étudier et comprendre comment l'auteur de la création utilise cette mesure palliative pour tenter de surmonter l'angoisse de l'impuissance. Malgré l'impossibilité du plein bonheur soulignée par Freud, nous comprenons que l'écriture créative peut fonctionner comme un arrangement psychique qui ouvre la voie à la vie, à la création et à l'élaboration de la souffrance.

Mots-clés: impuissance, malaise, littérature, sublimation, Virginia Woolf


 

 

Introdução

Diante da frustração humana decorrente do pacto civilizatório e do desamparo característico da modernidade, a arte se apresenta como via sublimatória de grande importância na manutenção da civilização. Inspirado em O mal-estar da civilização (1930/1996f) de Freud, Bauman (1997/1998) demonstra que a modernidade, com seus avanços e processos de mudança, não promoveu a superação do mal-estar como se prometia. Ao contrário, o que aconteceu foi uma reconfiguração do mal-estar. Esse mal-estar, entretanto, vai carregar características próprias a cada nova reconfiguração social. Os sujeitos, atravessados pelo contexto de cada época, esforçam-se por encontrar medidas paliativas para tentar amenizar o insuperável sofrimento agregado à constituição da civilização e a suas constituições subjetivas.

Nesse sentido, ao buscar compreender o mal-estar decorrente do desamparo no qual o sujeito está inserido - tanto o desamparo ontológico quanto o promovido pela modernidade -, Freud (1930/1996f) aponta algumas possibilidades de busca de prazer e de contorno desse mal-estar. Dentre elas, Freud destaca a arte como uma satisfação substitutiva tendo em vista a impossibilidade de felicidade plena. Substitutiva, pois "são ilusões, em contraste com a realidade; nem por isso, contudo, se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que a fantasia assumiu na vida mental" (p. 83).

Pensaremos na produção artística para investigar e buscar compreender como o escritor criativo cria essa medida paliativa para tentar dar um contorno à angústia do desamparo. Recorremos à literatura para refletirmos sobre a escrita como via de elaboração. Assim, escolhemos a escritora inglesa Virginia Woolf para evidenciar nossa reflexão acerca da sublimação. A escolha se deu pela época em que ela viveu - passagem do século XIX para o século XX, marcada por mudanças drásticas nos modos de subjetivação -, mas também pelo seu lugar na literatura moderna. Fusini (2011) e Marder (2011) ressaltam que Woolf nela se destaca por ter criado tendências na forma de escrita e pela sensibilidade de sua produção.

A busca por compreender os modos de subjetivação da modernidade e o funcionamento psíquico com base na literatura não é novidade. Principalmente no que diz respeito à relação entre psicanálise e literatura. É grande a totalidade dos escritos de Freud sobre a literatura, as artes e os artistas. Desde o "Manuscrito N", anexado a uma carta a Fliess em 1897, até o discurso de agradecimento ao Prêmio Goethe, publicado pela primeira vez em 1930, Freud dá importância ao tema da criação artística e do efeito das obras de arte sobre o espectador. Essa proximidade entre esses campos do conhecimento é reconhecida até mesmo no estilo da escrita de Freud, que lhe rendeu o único prêmio que recebeu em vida, o Prêmio Goethe, atribuído a ele pelas qualidades literárias de sua obra. Não somente seu estilo de escrita e argumentação é bastante literário, seus textos também apresentam referências a diversas obras. Como se sabe, além de fortemente influenciado pela literatura universal, Freud analisou diversas obras e delas retirou vários dos conceitos fundantes para pensar a subjetividade humana. Freud (1910/1996c) recorre às produções culturais, principalmente a literatura, para buscar compreender o psiquismo e construir seu arcabouço teórico. Segundo ele, o conhecimento obtido por meio da arte, sobretudo da arte literária, é da mesma natureza que o conhecimento adquirido pela ciência psicanalítica. No entanto, a escrita em si mesma não diz respeito apenas à elaboração formal de conceitos, mas também é via para a inscrição de seus próprios desejos - visto que os textos claramente biográficos, como cartas e diários, e mesmo os que não têm essa característica, foram escritos com base nas experiências pessoais e frustrações dos autores. Freud (1906/1996a), em "Delírios e sonhos na Gradiva", afirma que os escritores criativos são "aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer toda uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar" (p. 20). É uma afirmação célebre e bastante conhecida de Freud e que reflete, ainda nos dias atuais, como a escrita literária é profícua para a compreensão do sujeito e da sociedade. É importante destacar a prudência que Freud teve na elaboração de sua teoria e em sua relação com as artes. Max Graf (1942/1993), crítico musical vienense e mais conhecido por ser o pai do "Pequeno Hans", aponta o cuidado de Freud ao submeter, por exemplo, as tragédias à investigação psicanalítica. Se, por um lado, Graf não deixou de reconhecer os interesses artísticos de Freud - em especial, seu vasto conhecimento acerca da literatura -, por outro, procurou fazer a partilha entre arte, ciência e metafísica. Graf afirma que as inclinações artísticas e a natureza romântica da exploração freudiana do inconsciente eram próprias de um tipo de praticante das ciências naturais. Sua análise do inconsciente era racionalista. Levar o inconsciente à consciência, o método que ele inventa, a transformações dos afetos - ele efetua tudo isso pelo raciocínio e se assegura de sua dominação pelo raciocínio. Freud não esperava nada da metafísica. Não era sensível à filosofia. Frequentemente, chegava a ser surpreendente a que ponto ele rejeitava, violentamente, a metafísica (conforme citado por Chaves, 2015, p. 33).

Ao destacar que o interesse máximo de Freud era a ciência, nos remetemos também a Chaves (2015), que traduziu e prefaciou uma coletânea que reúne a quase totalidade dos trabalhos de Freud acerca da arte, a literatura e os artistas. Chaves destaca a importância das análises que relacionaram a criação artística às experiências traumáticas dos artistas, em especial, à sua sexualidade e ao complexo de Édipo. Tais análises desencadearam o fortalecimento de um gênero já existente desde o século XIX, as patografias, nas quais as obras de personagens célebres, fossem escritores como Baudelaire ou filósofos como Nietzsche, eram examinadas à luz de um estudo médico-psiquiátrico de seus respectivos autores:

Um exemplo clássico da aliança entre patografia e psicanálise, por exemplo, é o livro de René Laforgue, O fracasso de Baudelaire: Um estudo psicanalítico sobre a obra de Charles Baudelaire, publicado em 1931. Laforgue, que passa à história da psicanálise como o primeiro a abrir um consultório em Paris, associava os impasses, as tensões, as escolhas dos temas na obra de Baudelaire a uma espécie de má resolução de Complexo de Édipo de seu autor... Em 1933, por sua vez, Marie Bonaparte publicava seu volumoso estudo psicanalítico sobre Edgar Allan Poe, no qual vida e obra se interpenetravam completamente. Finalmente, cabe ressaltar que, entre os pertencentes ao círculo íntimo de Freud como o foram Jones e a princesa Marie, Otto Rank ocupa não apenas um lugar proeminente como aquele que mais se interessou pelas relações entre arte e psicanálise, tendo publicado cerca de nove livros sobre o assunto, desde Oartista, de 1907, mas também, por ter sido referido com frequência por Freud (Chaves, 2015, p. 10).

A referência a alguns dos discípulos mais íntimos de Freud é para ressaltar o quanto as ideias de Freud os instigaram a realizar estudos nessa área. No entanto, segundo Chaves (2015), a articulação feita por Freud entre vida e obra do criador foi severamente criticada e acusada de reduzir a obra à neurose de seu autor e, com isso, ignorar a autonomia própria da criação. Chaves (2015) defende, porém, a posição que Freud assume diante das construções feitas com base na arte e na literatura: a psicanálise merece ser posta acima da patografia, pois ela inquire acerca do processo de criação.Como, por exemplo, a análise da escultura "Moisés", esculpida por Michelangelo, conhecida por ser um monumento parte de um imenso sepulcro, em que Freud retratou não apenas os aspectos formais da escultura. Sua análise abarcou o fundo histórico e alguns aspectos psíquicos que envolveram a criação.

Em relação à criação no processo da escrita, Freud (1908/1996b), em "Escritores criativos e devaneio", compara a produção do escritor criativo ao brincar da criança e ao devaneio adulto. Assim como a criança brinca, se constrói e realiza seus desejos com base em seu mundo fantástico, o adulto devaneia e sonha em busca da realização de desejos, e o escritor criativo utiliza suas fantasias para escrever e estetizá-las. Há, portanto, um trabalho psíquico presente na escrita semelhante ao trabalho onírico e à fantasia. Freud afirma que: "as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória" (p. 137).

O poeta apresenta a si mesmo na produção de sua escrita. Seus conflitos e desejos estão presentes de forma condensada e deslocada, assim como as aspirações da criança estão presentes na brincadeira. Nesse processo, de acordo com Freud (1908/1996b), o escritor criativo divide "seu Eu por meio da autoobservação em Eus-parciais e, em consequência disso, personifica a avalanche de conflitos de sua vida psíquica em muitos heróis" (p. 61).

Os textos de Freud (1897, 1906, 1910, 1913, 1914, 1917, 1927, 1930) ligados a arte e literatura também remontam uma problemática clássica nos estudos de estética e filosofia da arte, que consiste na questão dos efeitos das obras de arte, formulada desde os gregos, com base na concepção de catarse. Freud (1906/1996i) faz referência a esse conceito em seu texto "Personagens psicopáticos no palco", no qual direciona a investigação para os efeitos psicológicos que as encenações teatrais provocam.

Trata-se de ampliar a caracterização do drama (outro nome para tragédia, que Freud usa indistintamente no texto) para pensar em algo que se passa na própria vida psíquica do herói. A luta do herói, que causa identificação nos espectadores, é resultante de um conflito entre diferentes afetos e emoções cujo resultado final não significa o declínio do herói, mas o daqueles afetos aos quais se faz necessário renunciar. Criar acerca do humano, suas dores e alegrias, suas relações com o tempo, a natureza e os outros, oferece, tanto ao escritor quanto ao leitor-espectador, uma catarse de suas emoções. Freud (1906/1996a) ressalta que:

Neste caso, certamente é o desafogar (Austoben) dos próprios afetos que deve, antes de tudo, conduzir esse processo, e o gozo daí resultante corresponde, por um lado, ao alívio por meio de uma abundante purgação, mas, por outro, corresponde à excitação sexual conjunta, a qual, se deve admitir, lucra como ganho secundário em todo despertar dos afetos e concede ao homem o sentimento tão desejado da mais alta tensão de seu estado psíquico. O olhar participativo durante o espetáculo possibilita ao adulto o mesmo que a brincadeira possibilita à criança, cuja tocante expectativa pode ser igualmente tão satisfatória para o adulto. O espectador se sente ... como um alguém que abafou por muito tempo sua ambição, para se colocar como Eu no centro da engrenagem do mundo, melhor dizendo, ele precisou deslocá-lo, ele quer sentir, produzir efeitos, ordenar tudo de acordo com sua vontade, em outras palavras, ser herói, e os atores-poetas (Dichter-Schauspieler) lhe possibilitam isso, na medida em que permitem sua identificação com o herói... Sob tais condições, ele deve fruir como "grande", abandonar sem medo moções de reprimidas como a necessidade de liberdade religiosa, política, social e respeito sexual e se purgar, por todos os lados, nas grandes cenas individuais das vidas representadas (p. 46).

Compreendemos como a arte e a literatura criam recursos para que os seres humanos possam lidar com as condições impostas pela civilização e com o desamparo insuperável que abarca a esfera humana. Para tal destacamos aqui a literatura como um dos meios de suportar o sofrimento proveniente da vida em sociedade, já que Freud (1930/1996f) nos apontou a arte como uma satisfação substitutiva, ou seja, como meio de lidar com o infortúnio causado pela constituição da civilização. Se a escrita criativa é, portanto, uma forma de descarga pulsional e obtenção de prazer, é necessário que compreendamos como se estabelece o processo de criação. Freud (1915/1996h), em "Os instintos e suas vicissitudes", relaciona os processos criativos ao conceito de sublimação, descrito como um dos destinos pulsionais. Tal destino pulsional promove uma espécie de apaziguamento do sofrimento psíquico, organizando-o em uma direção construtiva e benéfica. A sublimação seria um processo que transforma o mundo interno daquele que escreve em algo organizado e prazeroso, e socialmente valorizado.

 

Sublimação e escrita criativa

O conceito de sublimação sofreu transformações em seu sentido no desenvolver da obra de Freud, principalmente se considerarmos suas conclusões sobre a constituição da estrutura psíquica no desdobrar da primeira tópica para a segunda tópica. Na primeira temos a estrutura do psiquismo humano constituída pelas instâncias consciente, pré-consciente e inconsciente. Compreendia-se, nesse momento, que o conflito se daria entre as pulsões sexuais e de autoconservação. O aparelho psíquico movido pela libido e o princípio do prazer-desprazer determinaria seu circuito. Essa organização estrutural, por mais que tenha sofrido alterações posteriores, é importante para entendermos o conceito freudiano de sublimação. Nessa primeira tópica, a sublimação é entendida como um desvio da meta da pulsão sexual que dirige sua energia para fins de interesse cultural. É esse desvio - a sublimação - que seria responsável pela criação da cultura, tanto no sentido das artes como no sentido do conhecimento. Em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (1901/1996j), Freud explica que:

o esconder progressivo do corpo que acompanha a civilização mantém desperta a curiosidade sexual. Esta curiosidade busca completar o objeto sexual, revelando suas partes ocultas. Pode, contudo, ser desviado (sublimado) na direção da arte, se seu interesse puder ser deslocado dos órgãos genitais para a forma do corpo como um todo (p. 147).

Em "Sobre o narcisismo: uma introdução" (1914/1996g), um elemento novo é introduzido em relação à sublimação: as instâncias ideais e a identificação. A identificação como elemento fundador do Eu, em seu funcionamento de báscula entre libido do Eu e libido do objeto, salienta a importância do outro na fundamentação da estrutura do sujeito. Emerge daí também a importância da formação do Eu-ideal, narcísico, e da organização ideal do Eu, estrutura objetal, em relação ao Outro enquanto formativo. Fica clara a relação com a capacidade simbólica, nesse momento do pensamento freudiano, para a existência da sublimação como destino pulsional. Ou seja, há exigência de uma estruturação psíquica mais complexa, levando em consideração tanto a capacidade simbólica quanto a exigência do funcionamento do ideal-do-Eu. Na segunda tópica, a estrutura psíquica torna-se mais complexa na presença de um Id pulsional que se estende para além do recalcado. Em "O ego e o id" (1923/1996e), Freud afirma que a identificação, elemento fundante da estruturação psíquica, talvez seja uma forma de sublimação. A identificação se constituiria como a única forma possível de a libido separar-se do objeto. Em relação ao objeto da pulsão, na segunda tópica, a sublimação se diferencia do recalque. E, diferentemente do recalque, implica a satisfação da pulsão. O processo de sublimação como destino de uma pulsão em seu exercício carrega consigo, necessariamente, dois outros processos que lhe são afins: a simbolização e a criação.

Segundo Birman (1999), podemos dizer que, na primeira tópica, a sublimação está relacionada ao campo da representação, ou seja, se faz pelo desvio de uma representação sexual a outra que lhe é equivalente, simbolicamente. Seu caráter, entretanto, seria não sexual. Haveria, assim, um processo de dessexualização cuja energia é utilizada no sentido da criação cultural. Na segunda tópica, entretanto, o campo representacional é substituído pelo campo das intensidades. Com a introdução da pulsão de morte, emerge a hipótese da intensidade pulsional sem representação - já que a pulsão de morte é silenciosa, não faz ligação e não há, portanto, representação. O campo representacional postulado na segunda tópica pode ser considerado como estruturante do aparelho psíquico, levando à tendência ao equilíbrio, por meio das representações equacionadoras da tensão interna: Eros-Tânatos. O campo das intensidades pode ser classificado como desestruturante, pois o aparelho psíquico vê-se destinado ao excesso e às intensidades.

No entanto, apesar de ser um possível destino pulsional, a sublimação não retira a possibilidade da formação de sintomas. Carvalho (2001), em análise acerca dos processos sublimatórios, ressalta que existem situações em que o indivíduo criativo, o artista e o escritor não estão livres de desenvolverem sintomas. Pelo contrário, "o profundo sofrimento emocional relacionado à criação artística tem sido apontado, muitas vezes, como uma marca na vida de escritores e artistas" (p. 252). Embora a sublimação surja, num primeiro momento, como uma saída menos sofrida do que a repetição desgastante dos sintomas, ela não elimina o cenário de sofrimento que, muitas vezes, se encontra na base das motivações das quais resulta a obra de arte.

Podemos identificar esse aspecto no processo de escrita de Virginia Woolf. Marder (2011) nos explica, com base na leitura de seus diários, que o trabalho de construção de seus personagens e de escrita era sua tábua de salvação, ao mesmo tempo em que, quando tinha dúvidas ou dificuldades para conceber e escrever, sentia-se como que à beira de um "grande lago de melancolia, no qual poderia cair de afogar-se a qualquer momento; somente seu trabalho a mantinha a salvo"(p. 48). Em uma passagem de seu diário, Woolf expõe sua dificuldade em viver e narrar momentos que ela designa como non-being, ou seja, "não-ser" ou "não-existência". Compreendemos que se trata de momentos da vida que ela considerava vazios de reflexões e de sensações intensas, ou simplesmente vazios de sentido. Virginia demonstra que escreve sobre seus sentimentos mais profundos e íntimos, e que, assim como é difícil viver momentos esvaziados de sentido, também é difícil escrever sobre tais momentos:

Muitas vezes, quando escrevo um dos meus chamados romances, fico perplexa com esse problema; isto é, como descrever o que chamo em minha escrita particular - "não-ser". Cada dia inclui muito mais "não-ser" do que "ser"... Uma grande parte de cada dia não é vivida conscientemente. Uma pessoa anda, come, vê as coisas, lida com o que tem que ser feito; o aspirador de pó quebrado; encomendar o jantar; escrever ordens para Mabel; lavar; jantar, encadernar. Quando é um dia ruim, a proporção de momentos de "não-ser" é muito maior. Eu tive uma baixa temperatura na semana passada; quase o dia inteiro de "não ser". O romancista de verdade pode de alguma forma transmitir os dois tipos de ser. Eu acho que Jane Austen pode... eu nunca fui capaz de fazer as duas coisas. (1976/1985, p. 70)1

Acerca disso, Marder (2011) afirma que ser ou se identificar como uma pessoa comum a desorientava e chocava. Embora ela "execute os rituais sociais de praxe, encontre amigos e frequente salões, está sempre se virando para a janela, com os olhos fixos em algo além do horizonte visível" (p. 86). Sendo assim, Virginia usava seu diário, muitas vezes, com "intenções terapêuticas, não apenas para registrar sua depressão, mas também para debelar suas ansiedades e inquietações, ao anotá-las", analisa Marder (p. 170).

Voltando a Freud, o sofrimento psíquico encontra na criação artística e literária uma expressão diferente do sintoma, naquilo que o caracteriza como uma expressão repetida e não compartilhável. A especificidade da sublimação, de acordo com Freud (1917/1996d), em "Os caminhos da formação do sintoma", teria muito mais a ver com o efeito que resulta na transformação compartilhável das forças motivadoras mentais do artista do que com o fato de que, por meio dela, o artista poderia se ver livre do sofrimento mental. O caminho da sublimação não faz com que o artista ou o escritor esteja protegido dos perigos internos ou externos, mesmo porque é preciso que o artista e o escritor mantenham algum grau de contato com a fonte desses perigos para poder criar.

Assim, muitas vezes ou quase sempre, o processo de criação se mostra ambivalente e difícil. Tais aspectos ressaltam os limites da sublimação. Carvalho (2001) afirma que se considerarmos esse ponto estaremos mais preparados para abordar um fenômeno intrigante que é a morte trágica daqueles escritores que se suicidaram durante um período de intensa produção artística. Na literatura do século XX, por exemplo, o número de autores suicidas é extenso, fazendo parte dele Virginia Woolf. Sabemos que seria incorreto articular do mesmo modo o suicídio de cada um dos artistas e escritores, pois suas vidas transcorreram em contextos históricos, sociais e culturais diferentes, e suas problemáticas pessoais eram distintas. Carvalho (2001), porém, destaca tal fato para pensar nos elementos que circunscrevem a sublimação. Dessa forma, é importante considerar e destacar o elemento autobiográfico na escrita woolfiana para melhor compreendermos seu processo de escrita e a construção de seus personagens.

Para tanto, resgatamos aqui algumas questões levantadas por Aristóteles na Poética e no Livro vi da Ética a Nicômaco, como destacado por Lima (2013) e Lima, Viana e Lima (2015). Em sua análise, procurando compreender como a composição da poesia diferencia-se da construção histórica, Aristóteles afirma que o poeta imita a vida e as ações. Ao imitar, ele recria a realidade e acaba por enunciar verdades universais, diferentemente do historiador, que apenas relata o que aconteceu. Lima (2013) destaca que essa poiesis, ou seja, esse ato de criar do poeta, indica um a posteriori, ou seja, aquilo que poderia acontecer, o que é possível, apesar de se basear em algo que já aconteceu, ou seja, no passado. A elevação e a filosofia da poesia, destacadas por Aristóteles, se fazem presentes justamente na capacidade do escritor de transformar o passado e o presente em possibilidades de recriação e transformação do futuro, de acordo com análise de Lima (2013). A escrita de Virginia Woolf nos ilustra claramente esse atributo próprio dos poetas.

É possível identificar a forma com que Virginia transpõe a si e a realidade ao seu redor para suas narrativas. Marder (2011) ressalta essa característica autobiográfica das obras de Virginia. Ao mencionar a obra Ao farol, Marder aponta como Woolf "reconstruiu o mundo de sua infância e traçou vívidos retratos de seus pais, a fim de reduzir o poder que eles ainda tinham sobre ela" (p. 38). Outra obra, As ondas, é nomeada por Marder "autobiografia fictícia" de Virginia. Nesse romance, temos a presença de seis amigos a "sintetizar suas vidas numa série de solilóquios impessoais" (p. 41). Com base na análise dos diários e cartas pessoais de Virginia, o biógrafo afirma que essa obra "foi uma tentativa de encontrar uma razão em face da morte prematura do irmão" (p. 115). Virginia expressa seus próprios sentimentos em relação a acontecimentos de sua vida em sua escrita, pois "por trás do romance jazia sua raiva muda de que seu irmão Thobby não estivesse sempre com eles" (p. 115).Outro destaque é o livro Orlando, publicado em 1928 e descrito por Marder (2011) como uma "biografia fantástica de sua amiga Vita Sackville-West" (p. 23), e nele Woolf representa seu próprio sentimento de agradar o pai, e seu amor e desejo por Vita. Para descrever o caráter autobiográfico da obra Orlando, Marder ressalta que, no interior da narrativa, o pai de Virginia (representado pelos clássicos ingleses presentes na biblioteca paterna) e a amante dela, Vita (representada pela escritora aristocrática, descendentes de nobres elisabetanos), habitam um corpo único, integrando-se harmoniosamente na figura andrógina de Orlando.

Fusini (2011), em sua biografia de Virginia, afirma que só poderia recorrer às próprias obras de Virginia para elaborar sua biografia, "pois é nelas que ela fala de si mesma, não é possível conhecê-la em outro lugar" (p. 11). A biógrafa afirma que "ela [Virginia] é uma escritora, e graças à terceira pessoa fala de si" (p. 15), destacando que, pelo tipo particular de escritora que Virginia é, "o estilo, o ritmo e a repetição de certos temas dão unidade à experiência" (p. 15). Os diários e cartas analisados por Marder (2011) e Fusini (2011) evidenciam que Woolf era fortemente sensível ao mundo à sua volta, e isso se refletia em sua escrita. Marder (2011) ressalta que a escritora era "distante observadora, mas também perversamente envolvida, ela viu a agressão fortuita, o acidente, os velhos na pobreza, como se tais cenas revelassem algo que ela própria queria, uma verdade, uma confirmação de uma realidade que sentia dentro de si" (p. 37). A escrita de si, enquanto poiesis (construção) do eu, nas narrativas autobiográficas, não apenas reconta trajetórias, mas também reconstrói o si mesmo. Lima (2013) destaca, também, a poiesis com base em sua segunda característica - a criação. O ato de escrever (re)cria novas realidades e aperfeiçoa velhas realidades. Quando "a história narrada é a própria história, aspectos do eu são transformados em palavras e podem ser remontados de diversas formas" (p. 75). A poiesis aponta, portanto, para a (re)construção do próprio eu do poeta. "É a partir da palavra e pela palavra que o eu se constrói" (p. 75).

Fica evidente que a escrita na vida de Woolf servia a esse aspecto de reconstrução e elaboração, tanto na construção de seus personagens, quanto na escrita de seu diário. Enquanto Virginia narrava os eventos de seu dia a dia, também refletia acerca da função da escrita em sua organização psíquica. Em seu diário, ela relata:

estes são três exemplos de momentos excepcionais. Costumo contá-los frequentemente, ou melhor, eles vêm à superfície de forma inesperada. Mas agora que pela primeira vez eu os escrevi, percebo algo que nunca havia percebido antes... Me dou conta disso pondo em palavras. É somente pondo em palavras que eu faço isso um todo, essa totalidade significa que eles perderam seus poderes de me ferir; isso me dá, talvez porque ao fazê-lo eu tire a dor, um grande prazer de juntar as partes cortadas. Talvez este seja o maior prazer conhecido por mim. É o arrebatamento que recebo quando, por escrito, pareço descobrir o que pertence a quê; fazendo uma cena dar certo, fazendo um personagem se unir. (Woolf, 1976/1985, p. 72)2

Aliada a essa ideia de reconstrução e de sublimação, Carvalho (2001) afirma que "será sempre de uma determinada posição subjetiva que o escritor vem falar, e é esse aspecto que constituirá seu estilo" (p. 256). Carvalho (2001) afirma que a multiplicidade presente no texto literário ilustra bem o drama teorizado por Freud acerca das tentativas que fazemos para nos representar na linguagem. A obra de cunho autobiográfico muitas vezes transforma a situação pessoal do autor em uma dimensão universal, na qual o leitor pode se identificar. A importância da escrita está justamente nessa alteração que se faz da experiência autobiográfica. Como todo o processo criativo, a eficiência dessa transformação de algo vivido individualmente em uma experiência compartilhável e que gera identificação relaciona-se ao fato de que, durante algum tempo, é sustentada pelo desejo de estabelecer uma restauração, desejo que se opõe à inércia e à morte. Até esse ponto, é possível identificar que, através da escrita literária, Virginia Woolf conseguiu obter alguma contenção em seus impulsos autodestrutivos. Seus impulsos autodestrutivos encontraram formas de simbolização e descarga. Esse processo, que se mostra difícil, pois se constitui de certo contato com o íntimo do escritor e de um desvelamento de si, também contribui para a manutenção da vida. Portanto, concluímos que a escrita funciona como forma de arranjo psíquico que possibilita um caminho para a vida, para a criação e elaboração.

 

Referências

Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. (M. Gama & C. M. Gama, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1997)        [ Links ]

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Recebido em: 20/6/2019
Aceito em: 5/11/2019

 

 

1 Often when I have been writing one of my so-called novels I have been baffled by this same problem; this is, how to describe what I call in my private shorthand - 'non-being'. Every day includes much more non-being than being... A great part of every day is not lived consciously. One walks, eats, sees things, deals with what has to be done, the broken vacuum cleaner; ordering dinner; writing orders to Mabel; washing; cooking dinner, bookbinding. When it is a bad day the proportion of non-being is much larger. I had a slight temperature last week; almost the whole day was non-being. The real novelist can somehow convey both sorts of being. I think Jane Austen can... I have never been able to do both. (Tradução livre da autora)
2 These are three instances of exceptional moments. I often tell them over, or rather they come to the surface unexpectedly. But now that for the first time I have written them down, I realize something that I have never realized before ... I make it real by putting it into words. It is only by putting into words that I make it whole, this wholeness means that it has lost its powers to hurt me; it gives me, perhaps because by doing so I take away the pain, a great delight to put the severed parts together. Perhaps this is the strongest pleasure known to me. It is the rapture I get when in writing I seem to be discovering what belongs to what; making a scene come right, making a character come together. (Tradução livre da autora)

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