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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia no.25 Canoas June 2007
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Desafios para uma epistemologia da pesquisa com grupos
Challenges for an epistemology of group research
Maria da Penha Nery1; Liana Fortunato Costa2
Universidade de Brasília
RESUMO
O artigo disserta sobre o paradigma subjetivista/construtivista/interpretativo de pesquisa nas ciências sociais e humanas. Para o estudo desta realidade, o pesquisador se insere na epistemologia da pesquisa qualitativa e com grupos, e enfrenta desafios para aperfeiçoar e desenvolver métodos de pesquisa que ampliem o conhecimento dos fenômenos relacionais. O texto apresenta a Socionomia, o Psicodrama e o Sociodrama como um suporte teórico-metodológico que produz uma pesquisa ativa, na qual a compreensão de síndromes culturais coletivas está atrelada ao seu tratamento. Pretende-se a inclusão de contextos que têm ficado fora do eixo das pesquisas, por exemplo: o comunitário, os pequenos grupos, o grupal familiar, os grupos socialmente excluídos, crianças e adolescentes em situação de violência, abuso sexual, de rua ou em conflito com a justiça.
Palavras-chave: Pesquisa qualitativa, Epistemologia, Grupos, Socionomia, Psicodrama.
ABSTRACT
The article explains the subjectivist/constructivist/interpretative paradigm of research on human and social sciences. For the study of this reality, the researcher deals with the epistemology of qualitative and group research and faces challenges to enhance and develop research methods which may enlarge the knowledge of relational phenomena. The text presents Socionomy, Psychodrama and Sociodrama as a theoretical-methodological support that produces an active research in which the comprehension of collective cultural syndromes is connected with their treatment. It is intended to include contexts which have been out of latest researches such as the communitarian, small groups, family groups, socially excluded groups, children and adolescents exposed to violence situation, sexual abuse, street situation or in conflict with justice.
Keywords: Qualitative research, Epistemology, Groups, Socionomy, Psychodrama.
Introdução
A pesquisa qualitativa e os desafios do psicólogo pesquisador
No campo da Psicologia, foram muitos os pesquisadores que, para serem reconhecidos como cientistas, se inseriram no paradigma empírico/positivista ou cartesiano/newtoniano, com metodologias eminentemente quantitativas para o estudo do comportamento humano (Ferreira, Calvoso & Gonzales, 2002). Para estes, o estudo do ser humano deveria atender os seguintes pressupostos básicos (Levy, 2002): pensamento racionalista (a razão domina qualquer outra dimensão humana); pensamento linear de causa e efeito (deve-se conhecer a origem do fenômeno para dominá-lo ou controlá-lo); metáfora do homem-máquina (ele pode ser desmontado, pode ser cindido); objetividade (o objeto existe independentemente do observador) e existência de certezas absolutas. O peso desta história atraiu o pesquisador para um conhecimento do homem, cuja dominância foi a separação e a redução. O ser humano ficou isolado de suas dimensões e das dimensões do mundo. O pesquisador foi treinado a utilizar raciocínios causais e modelos dicotômicos na realização de seus trabalhos científicos. Entretanto, a história da Psicologia também nos revela a existência de polêmicas sobre o saber psicológico, que provocou um conflito de paradigmas e nos colocou diante de desafios teórico-metodológicos, mostrando a evolução da pesquisa numa perspectiva dos aspectos psicológico e social não mais excludentes, mas, sim, fazendo parte do mesmo tecido.
Arendt (2003), num artigo no qual debate sobre as contribuições do Construcionismo e do Construtivismo para a Psicologia Social, traça uma trajetória de autores da Filosofia desde o final do século XIX (citando W. Dilthey), mostrando a evolução do conhecimento da Psicologia no sentido de compreender os fenômenos sociais e vê-los situados historicamente. Farr (1998), numa perspectiva mais rigorosa, aponta que toda a Psicologia deve ser encarada como social e não apenas as partes rotuladas como Psicologia Social. No Brasil, Bernardes (1998) aponta a importância da Associação Brasileira de Psicologia Social & ABRAPSO & na produção de um conhecimento que é histórico, contextualizado, preocupado com os valores e a cultura nacional, e que pode se colocar ampliando os avanços da Psicologia Social tanto norte-americana como latino-americana.
Por todo o século XX pensadores da ciência questionaram as Ciências Sociais e Humanas e as amarras de um paradigma positivista, clarificando as especificidades destes campos de estudo, integrando conhecimento das ciências naturais que se modernizou com as influências teóricas da física quântica, da teoria da relatividade e da biologia moderna. Neubern (2005), ao comentar como um paradigma dominante na ciência produziu uma dimensão regulatória sobre a Psicologia Clínica, aponta autores (citando M. Weber e S. Freud), que, já na primeira metade deste século XX, introduziram linhas de pensamento que reivindicavam o reconhecimento de que a Psicologia apresentava uma natureza distinta para observação do objeto de seu estudo. Neubern indica ainda que estas inspirações ocorreram mais em termos metodológicos e não tanto em termos epistemológicos, sendo que estes impasses sobre a produção do conhecimento científico perduraram ainda por todo este século, mesmo que na segunda metade outros autores (Bourdieu, 1997; Capra, 2002; Maturana & Varela, 1984; Morin, 2002; Prigogine, 1996; Santos, 1998) tenham vindo acrescentar sua posição crítica chamando atenção para a condição privilegiada de um ser humano sempre em relação. Na construção do conhecimento, a subjetividade do pesquisador é vista como uma construção sócio-histórico-cultural e a partir do grau perceptivo em que ele se encontra (Glasersfeld, 1996; Hoffman, 1990; Maturana, 1996; Pearce, 1996; Watzlawick & Krieg, 1995).
Morin (2000b) questiona a atividade científica reforçadora da hiper especialização das ciências humanas e que é destruidora da noção de homem. Assevera que a experiência científica clássica reduz o pensamento ao atribuir a ‘verdadeira’ realidade aos elementos, não às totalidades, realidade que valoriza os enunciados formalizáveis e quantificáveis, não os seres e os entes. E afirma que “Existem até certas disciplinas da psicologia que eliminam o homem, seja em proveito do comportamento, seja em proveito da pulsão. A idéia de homem foi desintegrada” (p. 43). Este autor ainda critica a Psicologia, ao discutir a Teoria da Complexidade, que se apresenta super especializada e perde a interdisciplinaridade, se desliga da natureza das ciências do homem e gera uma esoterização do saber que a leva para o anonimato. A prática científica segmentada limita a consciência das inter-retroações de ciência, sociedade, técnica e política, pois cria preconceitos que cerceiam a politicidade do psicólogo. Segundo Morin (2002), não há pesquisadores superiores ou inferiores, mas há muitas coisas no mundo que são infra ou supra verdade, que estão simultaneamente acima, abaixo ou fora da verdade, como, por exemplo, o amor. E o amor é apenas um dos sentimentos que compõe a afetividade, objeto de estudo fundamental dos psicólogos-pesquisadores!
Os novos paradigmas científicos da produção do conhecimento reconstruíram a Epistemologia da Psicologia, direcionando-a para o paradigma qualitativo e construtivo (Brito & Leonardos, 2001; González Rey, 1997) e para o surgimento de metodologias qualitativas. A pesquisa qualitativa ganhou força (González Rey, 1997; Neubern, 1999) trazendo o estudo do ser humano integrado em suas dimensões sociais, culturais, históricas e afetivas. O paradigma qualitativo e construtivo tomou impulso, a partir da pesquisa da subjetividade, com Freud oportunizando a escuta do sujeito para o diagnóstico na área clínica e da pesquisa que valora a inscrição histórica e sociocultural no conhecimento do humano, por exemplo, os estudos de Vigotsky (González Rey, 1999; Turato, 2003).
Lapassade (2005), defensor de estudos da microssociologia, mostra como a pesquisa e a intervenção em pequenos grupos, trabalha a favor da superação da alienação institucional e do fortalecimento do aspecto instituinte. Neste sentido, este autor aponta a sociometria de Jacob Levy Moreno (criador do Psicodrama) como uma microssociologia que influenciou vivamente o pensamento político francês da primeira metade do século XX, enfatizando que “nas experimentações microssociológicas, os investigadores devem tornar-se não somente observadores participantes, mas também atores participantes” (p. 29).
A pesquisa e a intervenção nos grupos, nas organizações e nas comunidades também são campos de atuação da Psicossociologia, uma vertente da Psicologia Social, desenvolvida no início do século XX. Levy, Nicolai, Enriquez e Dubost (1994) afirmam que a Psicossociologia pretendeu, em seus primórdios, monopolizar a questão da mudança social. Porém, esta pretensão, mesmo em uma perspectiva microssociológica, não foi aceita pelos cientistas sociais. Assim, segundo o autor, a Psicanálise se tornou influência necessária, desde os anos 60, para uma reavaliação dos métodos e objetivos da Psicossociologia, “dominados principalmente, até então, por perspectivas lewinianas, rogerianas e morenianas...” (p.111). Nesse sentido, conclui que a Psicossociologia necessita de uma abordagem pluridisciplinar e de se renovar, a partir das contribuições externas.
Em função das críticas, Levy (2001) desenvolveu uma concepção mais abrangente de clínica social, afirmando-a “uma démarche específica, simultaneamente de pesquisa e de intervenção, junto a grupos e organizações” (p. 3). E define o ato clínico como uma “intervenção em uma situação sempre marcada por uma crise do sentido” (p.23). O posicionamento clínico é o ato fundamental do pesquisador e é “uma compreensão daquilo que faz a singularidade radical de uma situação, de um problema, ou de um mal-estar vivido por determinados grupos ou pessoa”. (p.23-24). Para Levy (2001), este posicionamento considera o imaginário, a intuição, o trabalho inconsciente, a atividade de pensamento e de elaboração de sentido, essenciais para a compreensão da realidade, em sua globalidade e singularidade.
Outro enfoque psicossociológico, que articulou contribuições freudianas e lewinianas, foi elaborado por Pichon-Rivière (1988). O autor, ao criar o grupo operativo, na década de 40, afirmou a presença de conteúdos conscientes e inconscientes na situação grupal. Nesse sentido, as funções principais do coordenador eram: estabelecer um enfoque para a operação do grupo e ajudar, por meio de intervenções interpretativas, o grupo a compreender seus processos inconscientes e a realizar uma tarefa reflexiva, a fim de cumprir sua tarefa externa. Portanto, Levy (2001) e Pichon-Rivière (1988) são exemplos de teóricos que, ao aprofundar e desenvolver métodos de pesquisa e de intervenção psicossociológicas, contribuíram com o projeto democrático e para a luta contra a “colonização das consciências”.
Em Ciências Sociais, a politicidade, do pesquisador, estrutura a pesquisa qualitativa, pois tanto ele quanto o sujeito são atores responsáveis pelo processo de conhecimento. Para Foucault (2002), os regimes de verdade e os exercícios de poder emaranham todo cientista às práticas sociais e aos enunciados de saberes. Tanto o saber local como o senso-comum deve ser valorizado e devem trazer novas noções de tempo/espaço para a ciência, impregnadas pela novidade e pela presente luta por uma sociologia das ausências e da urgência. As críticas à epistemologia ocidental apontam que é o momento de se resgatar as verdades caladas pelas verdades dos conhecimentos ocidentais (Geertz, 1989; Santos, 2003).
A concepção do ser humano no paradigma subjetivista/construtivo/interpretativo da Psicologia é a de que ele é ator, ou seja, tem autonomia, liberdade para dar sentidos e para escolher. Segundo González Rey (1997,1999), os partícipes da pesquisa em Psicologia estão influenciados, mas não subjugados, ao processo sócio-cultural. Assim, o processo de atribuição de sentidos advém da relação a ser construída entre o pesquisador e aqueles que são estudados, ou seja, a interpretação implica em intersubjetividade. A pesquisa é, pois, um processo interacional sujeito observador/sujeito observado. A Psicologia que se propõe a conhecer o homem, sua vivência nos grupos e na sociedade e intervir no seu sofrimento para fornecer-lhe recursos que o ajudem a evoluir, exige superação da quantificação e dos formalismos radicais, exige a valorização do saber do sujeito e das suas emoções (Moreno, 1983; Neubern, 1999).
Ao psicólogo pesquisador, inserido no atual paradigma científico, se impõem alguns desafios para atingir os critérios específicos das Ciências Humanas. O primeiro desafio científico na construção do conhecimento é o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de métodos qualitativos que melhor captem a apreensão da realidade subjetiva e interacional do ser humano. O segundo desafio é contribuir para a complementação das metodologias quantitativas e qualitativas & ou para a síntese destas metodologias & para se atingir o conhecimento de um objeto tão complexo, como o ser humano; realizado por um observador que é o seu reflexo, um outro ser humano (Demo, 1998).
Denzin e Lincoln (1994) afirmam que os avanços epistemológicos propõem discussões sobre o qualitativo e o quantitativo visando a superação das visões clássicas do que seja exato ou do que seja científico, por meio da integração coerente de ambas metodologias, viabilizadora dos objetivos e da produção do conhecimento específico das ciências humanas. A conjugação das metodologias quantitativas e qualitativas demonstra que a palavra é insuficiente para descrever o ser humano, que a observação do seu comportamento é insuficiente para compreendê-lo, e que a captação da ação humana também não abarca sua realidade. Qualquer abordagem atingirá seus objetivos, se nela estiver contida a interdisciplinaridade e a noção dialética de quantidade na qualidade e de qualidade na quantidade.
O terceiro desafio do psicólogo-pesquisador: desenvolver um pensamento polidimensional que enfatize as relações complexas dos elementos da realidade humana e social, com uma visão poliscópica do ser humano (Morin, 2000b) e por meio da qual poderá comunicar as dimensões de sua vida e permitirá que o sujeito também as comunique. Na Psicologia, a prática da pesquisa qualitativa visa integrar os componentes constitutivos do ser humano: o psíquico, o interpsíquico, o social, o histórico, cultural, o espiritual e o biológico. Tenta-se uma composição de, no mínimo, quatro aspectos: a subjetividade do pesquisador, a literatura científica, o objeto/sujeito da pesquisa e as variáveis que permeiam o processo da pesquisa, dentre elas a comunidade científica, a metodologia de pesquisa e o senso científico aliado ao senso comum (Santos, 1998).
O quarto desafio do psicólogo-pesquisador é tentar captar a dinâmica da realidade. A realidade possui dinâmicas padronizadas e padrões dinamizados. Os padrões comportamentais e sociais são o mote dos estudos positivistas. A partir do paradigma moderno, a ciência tentou captar a dinâmica, mas ainda se sustenta na análise. A análise é um procedimento para descobrir o lado invariante da dinâmica. Trata-se de decomposição do todo em suas partes. As leis ou os padrões regulares trazem segurança para o ser humano, pois lhe expõe um pouco do que pode ser conhecido e dominado. Neste sentido, ainda hoje, cabe em ciência o que admite formalização, que é um tipo de interpretação, selecionando na realidade seus algoritmos, ou, seja, os pedaços recorrentes (Demo, 2000).
A tentativa de apreensão de processos dinâmicos da realidade, pressupõe, além de novas concepções sobre o conhecimento, o ser humano, e a forma de conhecê-lo: o olhar criativo, o inovar a postura diante do objeto/sujeito de estudo e da comunidade científica, uma apreensão da categoria do momento e a consciência das implicações políticas da ciência para a sociedade.
O quinto desafio da pesquisa qualitativa floresce da concepção de que o ser humano se forma nos vínculos, não vive sem grupos, sociedade ou cultura. Essa visão impõe o desenvolvimento de métodos de pesquisa que sejam capazes de captar a interação humana e que propiciem o conhecimento dos fenômenos relacionais. Sendo a intersubjetividade constitutiva do ser humano, a pesquisa qualitativa tenta aprofundar os conhecimentos dos fenômenos relacionados à troca mental específica que ocorre num vínculo ou num grupo. É o reconhecimento de que o ser humano é social por excelência (Maturana & Verden-Zoller, 1997). Neste caso, há limites na conceituação, há limites na observação e a vivência ou a experiência, segundo Geertz (1983) e Moreno (1975), devem ter prevalência.
Qual seria o método mais adequado para dar conta desta interação multifacetada? Seria um método etnográfico-participativo-ativo-interativo? Como pensar num método que conjugue a situação, a ação grupal num momento e a experiência da realidade dos sujeitos do estudo, e ao mesmo tempo forneça o conhecimento de tramas ocultas pertencentes à realidade social, e permita a intervenção coletiva para a construção de novos modos relacionais, menos sofridos?
O sexto desafio do psicólogo pesquisador é o treino do olhar que se posiciona globalmente, pois sua pesquisa é ativa e interventiva. Dentro desta experiência, ele se torna um terapeuta-interventor-observador-participante, mediando a realidade e o conhecimento através dos métodos que escolhe para elucidar seu pensar (Minayo, 2002). Em determinados contextos da Psicologia, como o clínico e o grupal, é árduo estabelecer a regra do jogo científico clássico de coleta de dados e de obediência a antigos critérios de rigor, pois a verificação experimental é quase impossível e a subjetividade e a intersubjetividade são partes do processo. Faz-se mister construir a condição de especificidade científica das Ciências Humanas, devido à pluralidade de conflitos na obediência às regras empíricas lógicas.
O cenário atual produz, portanto, muitas questões: Que métodos contribuem para o conhecimento das interações entre os diversos sujeitos relacionados a uma problemática social? Como os indivíduos de uma comunidade concebem um sofrimento comunitário e a eles se adaptam? Como pesquisar e tratar síndromes culturais coletivas? Que critérios científicos específicos legitimam cada vez mais a pesquisa qualitativa, ativa, dinâmica, situacional, interventiva na Psicologia? As regras científicas do rigor, da validade e da fidedignidade podem ser cumpridas no universo da intersubjetividade; ou elas precisam ser redefinidas para esta aplicação? Diante de produções da pesquisa-interventiva tão complexas, como, por exemplo, mensurar as mudanças ocorridas num grupo pesquisado? Qual é a ética específica da pesquisa intervenção? Que ciência se produz diante das novas demandas sociopsíquicas e com a mediação de tantos conhecimentos advindos de outros saberes? Sobre estes questionamentos éticos, alguns autores contemporâneos (Dutra, 2004; Morin, 2000a; Neubern, 2005) procuram enfocar a ética como responsabilidade social (de modo geral). Edgard Morin só reconhece o ser humano como parte de um quádruplo pertencimento: é indivíduo, é parte da sociedade, é parte da espécie e parte do desenvolvimento planetário. Elizabeth Dutra volta-se para a importância dos compromissos do profissional e do pesquisador com as conseqüências da ação de sua pesquisa. Maurício Neubern indica que o pesquisador precisa se reconhecer no que está estudando, e dialogar com seu objeto de investigação, ou seja, aprender e refletir com ele, e estar pronto a se transformar ao entrar em “contato” com as “verdades” advindas do que se acrescenta de conhecimento ao conhecimento já conhecido.
O sétimo desafio do psicólogo é continuar na luta por uma ciência politizada que busca um mundo mais justo e digno. Segundo Campos, Pochmann, Amorim e Silva (2003), o Brasil é um país que muito faz sua população sofrer, devido aos índices alarmantes de exclusão social, racial, miséria, de morte infantil e de falta de acesso ao ensino público, dentre outras misérias econômicas, afetivas e sociais. A pesquisa qualitativa, numa perspectiva crítica, cuida do homem não apenas da doença, mas do relacionamento do pesquisador/interventor com o diferente/semelhante mundo do outro e da experiência socio/cultural humana. Uma Psicologia reflexiva e crítica alerta o pesquisador sobre os limites do empirismo e do racionalismo e sobre a necessidade dos avanços metodológicos e avaliativos das metodologias qualitativas e vivenciais.
A epistemologia socionômica do ser humano em relação
O pesquisador pode encontrar, nos intercâmbios interdisciplinares com a Filosofia, as Ciências Sociais e Naturais modernas, o apoio para seus trabalhos. Apresentamos, a seguir, a Socionomia, (Psicodrama e Sociodrama) como um dos suportes teóricos metodológicos para o psicólogo pesquisador.
As idéias de Moreno: impasses e conquistas epistemológicas
No início do século XX, entre 1920 e 1925, o médico e cientista social Jacob Levy Moreno (1974, 1975) alinhou-se aos autores que já apresentavam as atuais questões epistemológicas e metodológicas, ao criar a Socionomia & ciência que estuda a articulação do individual com o coletivo e as leis grupais.
Por razões históricas e de divulgação, a Socionomia ficou conhecida como Psicodrama, pois somente ao final de sua vida, nos anos 70, Moreno sintetizou seus conhecimentos e metodologias e propôs a Socionomia (Moreno, 1974). A Socionomia contém três ramos interligados: a Sociodinâmica, a Sociometria e a Sociatria. A Sociodinâmica estuda a dinâmica e as leis grupais e seu principal método de investigação é o “role-playing” ou a interpretação de papéis. A Sociometria estuda o desenvolvimento e as estruturas grupais e seu principal método é o teste sociométrico. A Sociatria visa a aplicação dos conhecimentos socionômicos (e de ciências afins) para a intervenção terapêutica nos indivíduos e nos grupos em sofrimento. O Teatro Espontâneo foi o primeiro método de pesquisa-socioterapêutico criado por Moreno, em 1921, e logo após surgiram a Psicoterapia de Grupo, os Jogos Dramáticos, o Role- Playing, o Psicodrama e o Sociodrama.
A ação produzida por estes métodos ocorre por meio de níveis de aquecimentos dos participantes, que viabilizam a transformação dos papéis sociais para os psicodramáticos e imaginários num espaço específico. Nesta vivência dramática, há uma realidade suplementar, na qual o psicodramatista e o grupo (re)vivem situações-problemas buscando respostas novas para elas, num processo co-criativo (Aguiar, 1990; Nery, 2003).
Moreno realizou severas críticas aos cientistas sociais e tentou afirmar sua posição de cientista inovador, na década de 30 quando já morava nos Estados Unidos, ainda na fase do desenvolvimento da Sociometria, Estas críticas, mesmo não sendo bem aceitas, foram decisivas para a construção do seu projeto socionômico e proporcionaram o questionamento: “deve existir um meio termo entre os extremos vigentes: o caráter inumano da experimentação em laboratório e o caráter demasiado humano & e de alguma maneira mágico & da clínica médica” (Moreno, 1972, p. 25).
Moreno afirmava que os estudos em Ciências Sociais tinham certos impasses, dentre eles a separação da realidade social, devido a uma falta de compreensão das condições reais da vida em grupo, nos limites de uma planificação de experiências, e também a uma certa incapacidade para pensar abstratamente as realidades concretas. A partir dessa visão, o autor teceu críticas a outros cientistas sociais contemporâneos: Kurt Lewin, Robert Freed Bales, Sigmund Freud e Hippolyte Bernheim. Segundo Moreno, Lewin em seus estudos sobre a influência dos climas democrático ou autocrático no rendimento do trabalhador, cometeu dois erros:
Em primeiro lugar, o de não realizar uma investigação intensa da situação desde o ponto de vista sociométrico. A sociometria tem mostrado que o grupo possui uma unidade estrutural dinâmica. Isto deveria ser levado em conta quando se trata de estabelecer a igualdade de dois grupos, ao submetê-los, respectivamente, a ambos regimes. Como essa igualdade foi insuficientemente estabelecida, a experiência carece de uma base sólida. Há aqui, o segundo erro de Lewin: o papel de chefe de tipo autoritário pode ser atribuído a um homem mais apto para dirigir um grupo democrático; e o papel de chefe de tipo democrático, pode ser atribuído a alguém mais qualificado para dirigir o grupo que devia submeter-se a um regime autoritário: carecemos de toda certeza em relação a este ponto. (Moreno, 1972, p. 26)
Moreno também identificou ressalvas relativas aos estudos de Bales sobre a interação humana. Bales trabalhou com colaboradores, que se postavam atrás de espelho unidirecional, e observavam pessoas resolvendo um problema de xadrez. Elas sabiam que eram observadas, mas não viam os observadores. Para Moreno importa pouco, para o método, a visibilidade dos observadores para os sujeitos. O problema é que Bales não falava de seus sujeitos, pois apenas pretendia categorizar as interações diante de um problema. Numa perspectiva psicodramática, é importante que o experimentador conheça os sujeitos, as situações em eles que se encontram, e suscite seus estados de espontaneidade, para que distinga os vários aspectos do problema, com mais discernimento.
O método de Bales (...) trata de uma ciência do observador e não de uma ciência dos atores e de suas ações. (...) Bales parte de uma teoria incompleta da ação (...). No ponto a que chegamos sobre as investigações da ação e da dinâmica do grupo, uma teoria incompleta da ação representa um sério perigo para o trabalho experimental. (Moreno, 1972, p. 28)
Em relação ao método psicanalítico, Moreno reconhece sua importância ao progredir ante a observação externa. Porém, “Freud, em vez de apelar à personalidade total do sujeito, se deteve no meio do caminho, dirigindo-se ao sujeito (...) que se inclina sobre seus traumas passados (...) O momento presente só tinha um interesse secundário (...)” (Moreno, 1972, p. 44-45). A atitude oposta consistia em entrar na situação como um diretor de cena e utilizar técnicas que se apoiassem no presente imediato, na direção mesma da vida e do tempo.
E quanto à corrente ideológica representada por Bernheim que estudou os estímulos interpessoais, que conduziu ao estudo dos grupos que das multidões, Moreno (1972) afirma que
essa investigação constituiu um progresso na medida em que se interessou mais pelos grupos do que pelos indivíduos tomados isoladamente. Os investigadores russos começaram considerar o grupo como uma realidade superior ao indivíduo, como coletividade e a estudar as formas que essas coletividades podiam assumir em condições diferentes. Mas quanto mais importantes se faziam os grupos, mais os indivíduos eram reduzidos a símbolos e suas interações reduzidas a processos nebulosos. Como esses investigadores só podiam captar a superfície dessas coletividades, não conseguiam senão estudar estrutura superficiais. (Moreno, 1972, p. 45)
Principais aspectos teóricos
Em sua busca por uma ciência ativa Moreno criou a Sociometria e obteve resultados, como por exemplo, o estudo de derivações entre a probabilidade calculada e as eleições efetivas em uma determinada configuração social (escolhas sociométricas), e a descoberta das redes psicossociais. A Sociometria revelou-se na criação de um método que considerasse o indivíduo no seio do coletivo. Assim, se poderia obter a geografia psicológica da coletividade. Na estrutura de uma coletividade está a posição concreta de cada indivíduo e o núcleo de relações que se forma de maneira mais rica ao redor de alguns e mais pobre ao redor de outros. “Este núcleo de relações que constitui a menor estrutura social, é o átomo social (...) Partes do átomo social se relaciona com outros átomos, formando cadeias complexas de inter-relações, ou seja, as redes sociométricas.” (Moreno, 1972, p. 62). O que Moreno chama de átomo social
Designa, pois, os horizontes de um espaço social, definido pela intersubjetividade e que circunscreve um campo de interação de vários sujeitos; interpenetração, oposição e síntese do atual e do virtual, do real e do imaginário, do co-consciente e do co-inconsciente. (...) Os sociólogos aceitam tacitamente uma escala que começa pelo indivíduo e termina com o universo inteiro. Nós, os sociômetras, recusamos esse ponto de vista. É o átomo social que constitui a menor unidade social e não o indivíduo. (...) Com o conceito de átomo social, reencontramos a interioridade que (...) definia a própria sociometria nas suas propostas metodológicas. (Naffah Neto, 1997, p.171)
Para Moreno, uma teoria da ação se vincula com categorias “actoriais” e com potencialidades de interação, dentre elas: a espontaneidade, a criatividade, o momento, o encontro dos atores, a complementação dos papéis sociais, os egos auxiliares, e outras categorias que, relacionadas com a situação, traduzem as experiências mutuamente vividas de um mundo de ator. A proximidade e a intensidade geram laços entre os indivíduos, que demonstram uma dinâmica relacional, e grupal, única e específica que resulta da troca de conteúdos conscientes e inconcientes. Esse intercâmbio mental é o que Moreno (1975) denomina de co-consciente e co-inconsciente. Segundo Naffah Neto (1997), “o conceito de co-inconsciente representa um esforço (...) de caracterizar o inconsciente não mais como uma dimensão intrapsíquica e que se esconde no âmago de cada um, mas como uma dimensão presente na própria vida intersubjetiva” (p. 126).
A Socionomia evitou métodos terapêuticos que se propusessem a transformar o indivíduo ou a levá-lo a uma conduta normal devido a uma ação direta. Adotou uma terapêutica social que contemplava a mudança do indivíduo, considerando a reorganização dos grupos a que pertence. Quando um indivíduo “encontra seu lugar em uma coletividade (...) se encontra, ao mesmo tempo, na segurança de não transgredir os limites de seu desenvolvimento e de sua expansão naturais: então lhe resulta possível apelar a uma forma modificada de sublimação para seguir desempenhando seu papel de agente...” (Moreno, 1972, p. 41)
Todas as críticas realizadas por Moreno aos teóricos sociais, seus contemporâneos, foram feitas na tentativa de desenvolver uma epistemologia e metodologias mais coerentes para a pesquisa do sujeito em relação. O autor tentou, com menos sucesso do que desejava, ser reconhecido em suas idéias e pesquisas. Buscou viabilizar que a Sociometria ocupasse um lugar entre a psicologia, o socialismo científico e a Sociologia, introduzindo métodos experimentais aplicáveis a todas as Ciências Sociais. Assim, a Sociometria se torna uma ciência que tenta eliminar as dicotomias indivíduo-sociedade, pesquisador-pesquisado, medida-experiência vital e
confere aos sujeitos um status de investigador, mercê do qual deixam de ser sujeitos passivos para se converterem em atores que participam em seus experimentos e dão valor aos seus resultados. Trabalha sobre grupos constituídos ou em formação e elabora técnicas utilizáveis em situações concretas (...) Se interessa tanto pela dinâmica, quanto pela medição e avaliação das ações no grupo. (Moreno, 1972, p. 15)
Moreno (1974, 1975) pressupõe que a compreensão da intersecção indivíduo-coletividade ou do ser-humano-em-relação está no desvendamento da Tricotomia Social. A Tricotomia Social é o conjunto da realidade social mais a resultante da articulação entre realidade externa e a matriz sociométrica. A realidade social é constituída das dinâmicas e das padronizações vinculares e sociais específicas, geradas pelo consciente e inconsciente comum (co-inconsciente). A realidade externa é a realidade formal dos papéis e funções sociais. A matriz sociométrica é a realidade informal do campo das relações, em suas estruturas e fluências ocultas e afetivas: afinidades, identificações, escolhas para realizações de projetos dramáticos primários e secundários. A verdade que o socionomista procura está na realidade social produzida pela intersubjetividade, ou pelos estados co-conscientes e co-inconscientes das relações humanas e que pode ser desvendada por métodos de ação.
Em síntese, a epistemologia moreniana (Moreno, 1983), parte do pressuposto de que as Ciências Humanas produzirão análises mais completas sobre o ser humano, quanto mais este se fizer presente em sua subjetividade. A subjetividade total traz ao investigador social um retrato fenomenológico do que se passa na situação humana. Se o subjetivismo for levado a sério, assume um caráter quase objetivista que submete os fenômenos à mensuração. Quanto mais exaustiva e honestamente forem atuadas as experiências subjetivas, mais precisas elas se tornam. Este autor afirma ainda que no campo das ciências humanas é fundamental produzir a validação existencial, não apenas a validação científica. A validação existencial está presente na experiência do sujeito concreto, na vivência da liberdade de expressão, nas reações espontâneas às situações. Quando as validações existenciais e científicas não se excluem uma à outra e são construídas num continuum é possível superar a dicotomia objetividade/subjetividade na ciência.
A epistemologia socionômica também se alicerça no pressuposto de que o ser humano se estrutura e se desenvolve nas relações humanas. Se o ser humano é um ser em relação, um ser em situação, sua existência está atrelada à co-existência. Este novo objeto a ser estudado abre as portas para uma pesquisa interventiva, não só analítica, mas também sintética.
As críticas
Porém, não faltam críticas epistemológicas ao projeto socionômico de Moreno, dentre elas as de Gonçalves (1990) e as de Naffah Neto (1997). A maioria das críticas epistemológicas ao Psicodrama surgem dentro do escopo de que Moreno foi um teórico um tanto indisciplinado e que sua obra foi publicada de modo errático e sem uma costura teórica seqüencial. Gonçalves (1990) critica a ambigüidade e certa inconsistência metodológica e acadêmica que Moreno apresentou durante sua trajetória de epistemólogo. A autora, partindo do conceito de Russell (1978, conforme citado por Gonçalves, 1990) de que epistemologia: é “um escrutínio crítico do que é tido como conhecimento” (p. 91), afirma que se um filósofo usar os critérios de epistemologias atuais, o corpo teórico psico e sociodramático, por ser ambíguo e precário, pode não resistir aos exames necessários. Mas, em contraposição, afirma que é preciso ver as condições de possibilidade de conhecimento efetivo e não se deter diante da fragilidade do objeto.
Moreno (1974, 1975) (paradoxalmente) também tentou se inserir numa ideologia positivista e operacional de sua época, e criou testes para observar e quantificar o desempenho de papéis, os graus de espontaneidade de um indivíduo, numa situação-problema, e verificou, mediante o teste sociométrico, a presença do fator tele, fator sócio-psíquico responsável pelas escolhas afetivas mútuas diante de determinado critério de ação. Atualmente o fator tele está sendo revisto por alguns autores psicodramatistas (Perazzo, 1994; Nery, 2003) como fator sócio-psíquico catalizador da co-criação. Porém Gonçalves (1990) afirma que a maior parte dos conceitos psicodramáticos são criados “ad hoc” ou de teorias sociológicas e filosóficas pouco conhecidas por Moreno.
O Psicodrama é um teatro do improviso (Moreno, 1984). O pesquisador psicodramatista tem para sua informação a dramatização, que também é uma forma de conhecimento. Gonçalves (1990, citando Bachelard, 1985) afirma que para examinar o conhecimento atingido por um protagonista numa dramatização, não se pode usar uma epistemologia que investiga os enunciados científicos, ou uma filosofia diurna, Com certeza, Gonçalves (1990) instiga o psicodramatista a se depurar epistemologicamente, para que se desenvolvam os conceitos socionômicos com mais consistência na efetivação do conhecimento da realidade relacional ou grupal. É importante atentar à sua proposta de reconhecer a cena dramática como um produto da imaginação concretizada no espaço para a ação, como uma encenação da fantasia ou do desejo. Trata-se de uma leitura louvável da produção sociopsicodramática.
Outra importante crítica à Socionomia foi realizada por Naffah Neto (1997). O autor partiu de uma concepção marxista para afirmar que o projeto moreniano foi precário, devido às ausências, em suas propostas, da visão histórica da constituição e reprodução da sociedade de classes e de seus determinantes econômicos e ideológicos. Por exemplo, na reorganização sociométrica da penitenciária de Hudson, na década de 1930, Moreno (1978) realizou testes sociométricos e fez intervenções sociátricas durante 18 meses, para que as detentas e as carcereiras pudessem conviver com maior respeito, colaboração e afetividade. Naffah Neto (1997) afirma que Moreno, ao reorganizar a penitenciária, não fez uma apreensão da realidade global, pois não abordou o momento histórico da sociedade americana e não descreveu pormenores das forças econômicas, políticas e ideológicas daquele momento.
A análise marxista da teoria moreniana realizada por Naffah Neto, despertou-lhe a necessidade de não restringir o conceito de papéis sociais a unidades culturais de conduta, que operacionalizam o funcionamento do eu, nos diversos momentos e contextos sociais. O autor adverte sobre a existência de um outro tipo de papel que expõe a relação dominador dominado e circunscreve os papéis sociais: os papéis históricos. A Sociatria, nesse sentido, se propõe a um “trabalho de explicitação, desenvolvimento e transformação das relações intersubjetivas, numa dimensão que enfoca as tensões e as ideologias sociais, nas suas formas de manifestação mais ampla” (Naffah Neto, 1997, p. 135). Para este autor a Sociometria tem seu espaço no campo microssociológico, enfocando a unidade de pesquisa do indivíduo para seu meio social, mantendo, porém, um espaço para a compreensão da subjetividade (tal qual enfoca Lapassade, 2005). A Socionomia não pode dar conta de uma visão estrutural da sociedade. O drama humano é tão amplo e contraditório que resulta difícil um projeto abarcar todas as suas dimensões. Por isso, o projeto socionômico produz uma revolução, dentre as diversas revoluções possíveis de serem realizadas na sociedade, principalmente quando integra as contribuições marxistas em seu projeto terapêutico.
Portanto, Moreno, apesar das diversas críticas epistemológicas sofridas à sua criação, inovou e se tornou um dos precursores de uma ciência social que estuda, numa visão mais totalizante, o indivíduo na coletividade; foi um criador de experimentos que trazem a situação concreta vivida pelos sujeitos e os tornam atores da pesquisa e um cientista que trouxe a importância da participação do pesquisador no processo de construção de conhecimento, dentre outras questões epistemológicas.
Considerações finais
Nossa pretensão neste texto foi tentar traçar uma trajetória que indica as possibilidades de que vários contextos que têm ficado fora do eixo das pesquisas venham a ser incluídos, na medida em que se possam ampliar as opções metodológicas para este fim, como bem critica Demo (1998) apontando a ditadura do método como o ponto de partida das reivindicações das Ciências Sociais, nas opções metodológicas próprias destas ciências.
Uma pesquisa relacional contextual ou ecológica deve usar métodos que tratem e pesquisem não apenas o indivíduo, mas também o indivíduo em seus vínculos e grupos, assim como os vínculos e os grupos. Os métodos de ação facilitam os estudos interdisciplinares e ganham mais eficiência, quando aplicados in situ. Na situação concreta, permite-se a subjetividade em sua expressão total e, assim, é mais possível “objetivamente ver” o que é ser humano.
Vários pesquisadores psicodramatistas têm se proposto a refletir sobre as configurações de suas pesquisas (Conceição & Sudbrack, 2003; Marra & Costa, 2004; Nery & Conceição, 2005; Nery & Conceição 2006; Polejack & Costa, 2003; Seixas, 1992; Zampieri, 1996), na busca de apoio epistemológico e metodológico que possibilite que várias realidades, até então fora do circuito de conhecimento, venham a se constituir em contextos interessantes também destes pontos de vista, e que também possam gerar demandas por parte de seus integrantes.
Para Santos (1998), a ciência social é uma ciência subjetiva e compreende os fenômenos sociais como de natureza subjetiva, a partir de atitudes e interpretações mentais. O conhecimento obtido deve ser intersubjetivo, descritivo e compreensivo, ao invés de objetivo, explicativo e nomotético. Este autor reconhece que ainda estamos em fase de transição científica, resgatando o simples, o prático, o útil para nossas vidas e para a sociedade. A questão, mais que nunca, é: como pode a ciência melhorar a vida do ser humano? Como as pesquisas sobre a sociabilidade humana podem oferecer subsídios para o avanço da discussão sobre as relações éticas na atualidade? Como os pesquisadores que se interessam pelos fenômenos grupais podem dar continuidade ao tanto que já se produziu em matéria de conhecimento sobre as relações humanas?
Compartilhamos com Ferreira, Calvoso e Gonzales (2002) a posição de a pesquisa qualitativa não tem pretensão de atingir verdades absolutas, mas que cumpre seu propósito de observação dos fenômenos da realidade, e que pode, sim, ajudar a melhoria das condições humanas (Demo, 1998). Finalmente queremos afirmar as possibilidades que o Psicodrama, em sua epistemologia de relação e em seu método de ação, oferece ao pesquisador. Reconhecemos o Psicodrama, como aponta Demo (1998), com qualidades que proporcionam discussão, re interpretação, dinâmica passageira, dimensão histórica e principalmente, a qualidade formal e a política. A qualidade formal (instrumentos e procedimentos) proporciona que possamos reproduzir a experimentação e a qualidade política (relação social) proporciona que possamos intervir através da observação e da ação.
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Endereço para correspondência
E-mail: mpnery@yahoo.com.br
Recebido em maio de 2006
Aceito em novembro de 2006
1 Maria da Penha Nery é psicóloga, doutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília
2 Liana Fortunato Costa é psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo; docente do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília