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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.13 no.2 Ribeirão Preto  2012

 

EDITORIAL

 

Teorizar sobre grupos, experienciar grupos: uma complexa e fundamental articulação

 

Fabio Scorsolini-Comin 1

 

 

As relações entre teoria e prática constituem um desafio ainda em discussão em diversas disciplinas científicas, como é o caso da Psicologia. Embora o caminho da articulação e da íntima associação entre essas dimensões seja trazida na contemporaneidade como uma necessidade, há que se destacar que isso nem sempre pode ser concretizado em nossa atuação. Pairam sobre esse universo as dificuldades de empregar conceitos teóricos por vezes herméticos e de extrema complexidade e também as especificidades de comunicação científica, a fim de que experiências inovadoras e desenvolvidas com diferentes comunidades possam vir à baila e contribuir com a proposição de novos estudos, estágios e atendimentos.

É nesse efusivo diálogo que a Revista da SPAGESP, há mais de dez anos, apresenta-se como espaço que não apenas fomenta essa relação como permite que esses conhecimentos sejam disponibilizados no meio acadêmico e inaugurem diferentes conversas. No presente número são apresentados diálogos importantes sobre grupos, saúde mental e psicanálise que podem efetivamente contribuir para a produção de conhecimentos e práticas nas áreas de interface priorizadas por este periódico.

O número 2 do volume 13 da Revista da SPAGESP, ano 2012, é aberto com o artigo intitulado "Atendimento psicanalítico conjunto pais-crianças: Uma investigação teórica, técnica e metodológica", da autoria de João Luiz Leitão Paravidini, da Universidade Federal de Uberlândia, e de Ludmilla de Sousa Chaves, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Este estudo articula proposições técnicas, teóricas e metodológicas acerca de uma proposta de intervenção clínica em saúde mental na primeira infância a partir do referencial psicanalítico.

"Olhares sobre a loucura: Os grupos na experiência de Gorizia", da autoria de Anamélia Maria Guimarães Junqueira, do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS I) da cidade de Jaboticabal, Estado de São Paulo, e de Isabel Cristina Carniel, da Universidade Paulista, destaca a importância dos grupos durante o processo de abertura do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, na Itália, marco da reforma psiquiátrica italiana e forte influência no processo de reforma psiquiátrica brasileira. O estudo conclui que a atenta reflexão acerca do processo italiano pode trazer contribuições para as práticas do trabalho em saúde mental na atualidade e para o estudo das situações grupais, que se apresentam como campos em construção.

O terceiro artigo, da autoria de Francirosy Campos Barbosa Ferreira, da Universidade de São Paulo, intitula-se "Por uma antropologia dos ‘diversos’ saindo da invisibilidade: Imagética, performática para um diálogo amplo com a (Etno)Psicologia". No texto, a autora e antropóloga discorre sobre alguns temas que considera "emergentes" na antropologia e que podem criar um espaço de diálogo profícuo com a psicanálise winnicottiana. Tratam-se de temas "emergentes" por estimularem outros modos de fazer etnografia, trazendo novas formas de articular determinadas metodologias e, nesse sentido, ampliar o campo a ser pesquisado.

Na sequência, "A vivência religiosa no candomblé e a concepção junguiana do Religare", de Veridiana Silva Machado, da Universidade de São Paulo, parte da consideração de que a vivência religiosa no Candomblé pode ser análoga à experiência do religare descrita por Carl Gustav Jung como uma conexão aos elementos divinos ou aspectos transcendentes do Self, ressaltando-se a função da expressão religiosa para a alma humana. A autora destaca o contexto do Candomblé no Brasil, estabelecendo relações entre suas características e a Psicologia Analítica.

O artigo "Representação dos profissionais da saúde pública sobre o aborto e as formas de cuidado e acolhimento", da autoria de Ana Silvia Sandoval de Freitas Barbosa e Jacqueline Aparecida Cosmo Bobato, da Universidade Paulista, e de Mariana Gondim Mariutti, da Faculdade Libertas de Minas Gerais, investigou as representações de dez profissionais da saúde atuantes em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e de uma maternidade do interior do Estado de São Paulo sobre o cuidado e acolhimento prestados às mulheres em situações de abortamento. O estudo revelou a dificuldade desses profissionais de lidar com a temática, considerada polêmica. As autoras apontam para a necessidade de inclusão do psicólogo na formação de uma equipe multiprofissional na área de ginecologia e obstetrícia na rede pública para auxiliar no aprimoramento do cuidado.

"Grupoterapia e deficiência auditiva infantil: Trabalhando com mães e crianças" é um estudo desenvolvido por Natália Michelato Silva, Fernanda Cevithereza Paiva e Cláudia Alexandra Bolela Silveira, da Universidade de Franca. Destaca-se a experiência de um grupo realizado a partir de um estágio de grupoterapia oferecido a três crianças com deficiência auditiva e suas mães. Compartilha-se a experiência grupal de trabalhar com as crianças e seus familiares em grupos distintos, porém concomitantes, oferecendo um espaço que favorece a expressão de conflitos pessoais e relacionais. As autoras observaram mudanças positivas na relação de mães e filhos e, por meio do grupo, puderam lidar com os conflitos vivenciados acerca da deficiência auditiva e do relacionamento familiar.

Cybele Carolina Moretto e Antonios Terzis, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, apresentam o estudo "Experiências de uma equipe interdisciplinar de saúde mental", que investigou algumas experiências emocionais de uma equipe interdisciplinar, com o intuito de compreendê-las a partir dos vínculos que se formaram. Concluiu-se que o espaço grupal possibilitou a sensibilização aos fenômenos de grupo e que a compreensão de certas formulações psíquicas deste funcionou como um facilitador para que os integrantes expressassem tensões e sentimentos, além de proporcionar a reflexão sobre as práticas de trabalho.

O estudo "Experiências de formação com dispositivos psicanalíticos de grupo com não psicólogos", de Domenico Uhng Hur, Anna Karollina Silva Alencar e Henrique Batista Almeida, da Universidade Federal de Goiás, discutiu uma experiência oferecida a estudantes de cursos de graduação diferentes da Psicologia. Os dispositivos grupais utilizados foram o Grupo Operativo, o Psicodrama Psicanalítico e a Multiplicação Dramática sob os princípios do Esquizodrama. Os autores destacaram mudanças significativas ao final do processo, com diminuição de ansiedades e implicação para a elaboração da aprendizagem.

Finalizando este número, Heloísa Gonçalves Ferreira, Daniela Maria Xavier de Souza e Lima e Régia Zerbinatti, da Universidade Federal de São Carlos, apresentam o artigo "Atendimento psicoterapêutico cognitivo-comportamental em grupo para idosos depressivos: Um relato de experiência", na categoria de relato de experiência profissional. O atendimento foi estruturado em 16 sessões, composto por blocos com diferentes objetivos, entre eles o de criar condições para aumento da prática de atividades prazerosas. Os resultados revelam que houve diminuição dos sintomas de depressão dos participantes ao término do tratamento, o que contribui para os estudos que apontam o contexto grupal como adequado para tratar a depressão em idosos.

Que esses estudos e experiências aqui relatados possam convidar pesquisadores, professores e profissionais a encaminharem suas contribuições para a Revista da SPAGESP. Que essas produções possam ser disparadoras de reflexões, debates e novas investigações que venham a ampliar repertórios, conhecimentos e questões que podem e devem ser formuladas constantemente. Desejo a todos uma proveitosa leitura desse rico material que se apresenta no presente número.

 

 

1 Professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Editor da Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, e-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br.