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Ciências & Cognição

On-line version ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.5 no.1 Rio de Janeiro July 2005

 

Divulgação Científica

 

O papel da interação social para o desenvolvimento do discurso em humano e para a emissão de canções em pássaros

 

Human speech and birdsongs

 

 

Danielle Martins Rocha

Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 

Comentário sobre o artigo: "Social interaction shapes babbling: Testing parallels between birdsong and speech." - Michael H. Goldstein, Andrew P. King e Meredith J. West, PNAS, 2003; 100: 8030-8035.

O aprendizado do canto por pássaros é, freqüentemente, considerado como um modelo do desenvolvimento do discurso humano. As primeiras vocalizações em ambas espécies são imaturas e instáveis quando comparadas às formas adultas.

As canções dos pássaros jovens produzem, inicialmente, "sub-sons", que são caracterizados por uma alta variabilidade em sua estrutura e em seu sincronismo. O padrão acústico e motor do sub-som é, qualitativamente, distinto da forma adulta, sendo emitido em baixa amplitude e incluindo elementos que não estão presentes nas canções de animais adultos. Após esta fase inicial, observamos uma segunda fase de plasticidade sonora, que contém notas e assobios característicos da canção adulta. Contudo, esses elementos são pobremente articulados e não são cantados numa ordem estável. Durante o processo de plasticidade, alguns elementos são repetidos e retidos enquanto outros são retirados do repertório. Mais adiante, o "som plástico" é gradualmente reduzido a uma canção cristalizada, compreendendo um jogo limitado de características sonoras típicas de cada espécie. Assim, pode-se dizer que as variações estruturais e temporais presentes na "sub-canção" e do som plástico são similares àquelas encontradas no balbucio pré-canônico e canônico dos bebês. Um padrão muito semelhante de mudanças na vocalização pré-lingüística foi descrito enquanto elas gradualmente se transformam em um discurso, durante o primeiro ano de vida em humanos.

Goldstein e Colaboradores testaram a habilidade do bebê humano em usar a retroalimentação proporcionada pelo contato social para facilitar a transição do comportamento vocal. Foram estudadas crianças de 8 meses de idade, devido ao seu desenvolvimento vocal se encontrar ainda em um período de transição entre o som rudimentar, que caracteriza os primeiros meses de vida (balbucio) e as sílabas canônicas estáveis que emergem próximo ao fim do primeiro ano. A variabilidade acústica inerente a este estado transitório permite examinar a sensibilidade do sistema às perturbações sociais. Assim, os pesquisadores ao observarem o comportamento social entre mães e seus bebês em duas sessões de 30 minutos, manipularam a contingência entre a responsividade das mães e a produção vocal das crianças. O estabelecimento de um período inicial de adapção entre a dupla era seguido pela investigação do papel da contingência social no aprendizado vocal.

Durante o segundo período de 10 minutos "período da resposta social", o paradigma consistiu em se analisar o padrão de vocalização dos bebes frente a diferentes comportamentos sociais das mães (sorrir, mover-se para mais perto do bebê e tocá-los). À metade das mães (CC) foi dito para reagir imediatamente após a vocalização de seus bebês, enquanto que a outra metade (YC) foi instruída para responder segundo ordens do experimentador (de acordo com as respostas geradas pelas mães "CC"). O pareamento entre mães do CC e YC foi aleatório. As respostas das mães de YC foram ligadas assim àquelas das mães CC, de modo que os bebês do controle receberam a mesma quantidade de estimulação social (um número idêntico de respostas) comparada as mães CC, destacando-se, neste caso, a não sincronização entre o comportamento social da mãe e a vocalização da criança. Na fase final do teste era realizada a extinção do fenômeno, o que além de extinguir as contingências de responsividade, controlou a potencial confusão representada pela tendência dos bebês em aumentar sua taxa de vocalização porque se familiarizaram com o ambiente dos testes. A medida do número de vocalizações a que as mães responderam, do número total de vocalizações infantis, e de diversos parâmetros infrafonológicos dos sons dos bebês, mostrou que as interações sociais contingentes aumentaram as proporções das vocalizações com padrões mais maduros de estrutura silábica e apresentando transições (canônicas) mais rápidas de consoante-vogal.

Desta forma, podemos dizer que as interações sociais facilitaram as mudanças no comportamento vocal que espelham mudanças no desenvolvimento. Estes dados mostram que o comportamento vocal precoce dos bebês é sensível às perturbações do ambiente social. Na sala de jogos onde o estudo ocorreu, os bebês estavam livres para deixar suas mães e explorar o quarto, brincar com brinquedos, ou se comportar sem produção de sons vocais. Mesmo com muita liberdade, os sons dos bebês foram ligados firmemente ao comportamento de seus acompanhantes.

Quais mecanismos seriam os responsáveis pelo relacionamento observado entre a contingência aumentada de responsividade e de mudanças sociais na qualidade do comportamento vocal? Outros trabalhos já mostraram que o comportamento maternal é sensível às qualidades infrafonológicas de sons precoces (e.g., exprimir um som, articulação da sílaba) e neste trabalho de Goldstein e colaboradores, em particular, mostra-se que uma resposta social materna sincronizada ao balbucio gera sons mais elaborados e canônicos. Assim, o balbucio regula e é regulado pela interação social. Tal sistema de influências recíprocas constitui um mecanismo social da aprendizagem e do desenvolvimento vocal.

A idéia de que a percepção da contingência reforça e induz novas formas de comportamento é contrastante ao paradigma atual da aprendizagem social humana. A visão atual confia na imitação como mecanismo chave para a mudança vocal durante o desenvolvimento e muito pouco se pesquisa sobre a aprendizagem não imitativa, como destacado aqui pelo papel do desenvolvimento social. Este estudo demonstrou que o balbucio dos bebês mudou, mesmo sem a presença de comportamentos maternos que poderiam servir como a base para a imitação vocal. Além disso, a imitação atrasada de movimentos da boca do adulto não poderia criar as mudanças observadas na expressão e no sincronismo.

As funções motoras observadas durante o desenvolvimento fonológico precoce (e.g., sustentação crescente da respiração; abertura da parte posterior do trato vocal; produção de movimentos mais rápidos da língua) não são diretamente observáveis pelos bebês. As mudanças no balbucio não são geradas apenas por um processo de imitação da mãe. Os dados deste artigo permitem a construção de vários paralelos impressionantes entre os mecanismos sociais da aprendizagem vocal em diversas espécies de aves canoras e em humanos. Em cowbirds, os machos novos produzem canções imaturas. As fêmeas adultas, que naturalmente não cantam, se utilizam de gestos e de exposições sociais para modular a taxa, a qualidade, e a retenção dos padrões vocais específicos nos filhotes machos. Uma vez que estas fêmeas não realizam uma retroalimentação canora, o mecanismo de aprendizado vocal não pode ser por imitação. Desta forma, sugere-se um processo dependente de interação social para a aprendizagem da canção. Como em humanos os sons que recebem a atenção social são mais prováveis de produzir um retorno comportamental, a contingência do reforço social pode ser a chave no processo que precede o aprendizado por imitação. Assim, como em humanos, as fêmeas de cowbirds que estimulam, através de sinais sociais, os filhotes machos são mais eficientes em promover o desenvolvimento nos filhotes de canções maduras mais eficazes, em taxas mais rápidas e elaboradas. Em ambos os casos, os precursores vocais têm significado funcional importantíssimo como parte de um sistema de influências recíprocas entre um aluno novo com um repertório variável e um ambiente social que tenha recursos para estimular o desenvolvimento de padrão final estruturado.

 

Endereço para Correspondência

D.M. Rocha é Monitora de Neurofisiologia, Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) e Graduanda do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Endereço para contato: dannymartins@superig.com.br.

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