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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.60 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2008

 

ARTIGOS

 

Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores

 

Burnout Syndrome and the confronting strategies in teachers

 

 

Vania Mazon; Mary Sandra Carlotto; Sheila Câmara

Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia do Curso de Psicologia, Canoas, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar a existência de associação entre as dimensões da Síndrome de Burnout e estratégias de enfrentamento em professores de escolas municipais da área urbana de uma cidade do litoral norte do Rio Grande do Sul. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa o Maslach Burnout Inventory (MBI), a Escala COPE &– Estratégias de Enfrentamento e um questionário de dados sociodemográficos e laborais para caracterização da amostra. A amostra aleatória com critério de proporcionalidade foi composta de 93 professores. Os resultados obtidos por meio da prova de correlação de Pearson revelam que, quanto maior a utilização das estratégias de enfrentamento de coping moderado, suporte emocional, foco na emoção e desligamento mental, maior é o sentimento de Exaustão Emocional. Já quanto maior a utilização de coping ativo, menor o sentimento de Despersonalização. Utilizar coping ativo, buscar suporte emocional e fazer reinterpretação positiva das situações estressoras aumentam o sentimento de realização profissional.

Palavras-chave: Síndrome de Burnout; Estratégias de enfrentamento; Coping; Professores.


ABSTRACT

The purpose of this study was to verify the existence of association between the dimensions of Burnout Syndrome and confronting strategies in municipal school teachers from an urban area of a north coastland city from Rio Grande do Sul. As research instrument it was used the Maslach Burnout Inventory (MBI), the Scale COPE &– Confronting Strategies and a questionnaire of social demographic and labour for a characterization of the sample. An aleatory sample with proportionality criterion was made with 93 teachers. The obtained results through the proof of correlation of Pearson reveal that as bigger the use of confronting strategies of moderated coping, emotional support, focus on emotion and mental unattached, bigger is the feeling of Emotional Exhaustion. And as bigger the use of active coping, smaller is the feeling of depersonalization. Using active coping, seek emotional support and to make positive reinterpretation of the stressed situations increase the feeling of professional accomplishment.

Keywords: Burnout syndrome; Confronting strategies; Coping; Teachers.


 

 

INTRODUÇÃO

O cenário educativo brasileiro apresenta um quadro bastante problemático no que se refere às questões relacionadas à saúde dos professores e às condições de trabalho (MARIANO; MUNIZ, 2006). Ensinar é uma atividade, em geral, altamente estressante, com repercussões evidentes na saúde física e mental e no desempenho profissional dos professores (REIS et al., 2006).

No trabalho docente, atualmente, estão presentes aspectos potencialmente estressores, como baixos salários, escassos recursos materiais e didáticos, classes superlotadas, tensão na relação com alunos, excesso de carga horária, inexpressiva participação nas políticas e no planejamento institucional (BENEVIDES-PEREIRA et al., 2003). Segundo Sparks (1983), o estresse neste tipo de profissão ocorre porque os professores ficam muito tempo de seu dia fisicamente isolados de seus colegas de trabalho, não podendo expressar e dividir suas idéias com eles. Muitos professores não visualizam perspectivas em seu trabalho, não examinam seu sucesso profissional, sua competência e a satisfação que obtêm com ele. Trabalham estabelecendo uma rotina, esquecendo-se de atividades extraprofissionais e de lazer, não criando um estilo de vida saudável. Harden (1999) acrescenta a estes estressores a preocupação em como fazer seu trabalho de forma a lidar com a pressão para a conformidade e a necessidade de adotar algumas práticas com as quais o professor não se identifica.

Segundo Romeu (1987), os problemas no campo da educação no Brasil são mais sérios em relação à escola pública do que em relação à particular e, mesmo entre estas, mostram-se mais acentuados em umas do que em outras. Ferenhof e Ferenhof (2002) mostram que a ecologia da escola pública se encontra abalada por vários fatores, entre eles, o descaso das autoridades do Estado: sujeira, grafitagem, alusão a siglas de grupos marginais ou rivais, cerceamento do direito do cidadão-professor de ir e vir, violência física e psicológica, rendição diante do quadro de marginalidade intra e extramuros escolares, desrespeito à função docente etc.

O professor, um dos principais atores desse cenário, acompanha perplexo esse novo contexto e as novas exigências e responsabilidades, desafiado a assumir um papel diferente do até então exercido (ESTEVE, 1999). Segundo o autor, esse novo contexto causa, não raras vezes, no profissional docente, sentimentos de mal-estar e impotência. Assim, o autor adverte sobre as desastrosas tensões e desorientações provocadas nos indivíduos quando estes se vêem obrigados a sofrer uma mudança excessiva em um período de tempo demasiadamente curto.

De acordo com Araújo et al. (2005), a categoria docente é uma das mais expostas a ambientes conflituosos e de alta exigência de trabalho. Assim, estressores psicossociais estão constantemente presentes e atuando sobre a saúde do professor.

O estresse é o resultado da interação entre indivíduo e ambiente, em que a pessoa percebe uma discrepância, real ou não, entre as demandas situacionais e os recursos dos seus sistemas biológico, psicológico ou social (SARAFINO,1994). As fontes de estresse são situações que dependem de uma determinada apreciação por parte de quem a vivencia e que impele a pessoa a realizar um esforço de adaptação superior às suas condutas habituais (FERNÁNDEZ-CASTRO; EDO,1998).

Segundo Lipp (2002), o estresse ocupacional constitui uma experiência extremamente desagradável, associada a sentimentos de hostilidade, tensão, ansiedade, frustração e depressão, desencadeados por estressores localizados no ambiente de trabalho. Os fatores contribuintes para o estresse ocupacional vão desde as características individuais de cada trabalhador, passando pelo estilo de relacionamento social no ambiente de trabalho e pelo clima organizacional, até as condições gerais nas quais o trabalho é executado.

No trabalho docente, conforme Carlotto (2005), alguns estressores são típicos da natureza da função e outros são ocasionados pelo contexto em que o mesmo se realiza. O impacto dos fatores estressantes sobre profissões que requerem condições de trabalho específicas, com grau elevado de relação com o público, como a do professor, tem sido estudado pela comunidade científica internacional sob a denominação de Síndrome de Burnout (SB) sendo que, no Brasil, também é conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional.

O Ministério da Saúde brasileiro (2001) reconhece a “Síndrome de Burn-out” ou “Síndrome do Esgotamento Profissional” como um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho, que afeta principalmente profissionais da área de serviços ou cuidadores, quando em contato direto com os usuários, como os trabalhadores da educação, da saúde, policiais, assistentes sociais, agentes penitenciários, entre outros.

De acordo com Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), Burnout é um fenômeno psicossocial que surge como uma resposta crônica aos estressores interpessoais ocorridos na situação de trabalho, sendo constituído de três dimensões relacionadas, mas independentes: Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização Profissional (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; MASLACH; JACKSON, 1981; MASLACH, 1993; MASLACH; SCHAUFELI; LEITER, 2001). A Exaustão Emocional é caracterizada pela falta ou carência de energia, entusiasmo e por sentimento de esgotamento de recursos. A Despersonalização faz com que o profissional passe a tratar clientes, colegas e a organização como objetos. Por fim, a Baixa Realização Profissional caracteriza-se por uma tendência do trabalhador em se auto-avaliar de forma negativa, sentindo-se infeliz e insatisfeito com seu desenvolvimento profissional.

O processo de desenvolvimento de Burnout é individual e sua evolução pode levar anos e até mesmo décadas (RUDOW, 1999). Seu surgimento é paulatino, cumulativo, com incremento progressivo em severidade (FRANÇA, 1987), não sendo percebido em sua fase inicial pelo indivíduo, que, geralmente, se recusa a acreditar estar acontecendo algo errado com ele (DOLAN, 1987; FRANÇA, 1987; RUDOW, 1999). No que diz respeito às repercussões, estudo de Codo (1999) destaca as doenças cardiovasculares, distúrbios advindos do estresse, labirintite, faringite, neuroses, fadiga, insônia e tensão nervosa. Conforme o autor, o estresse ocupacional pode ser constatado, entre os docentes, pelos seus problemas de saúde e pela redução na freqüência ao trabalho. Além das conseqüências individuais, Abel (1999) refere que Burnout em professores afeta diretamente o trabalho com alunos e a qualidade de ensino.

Embora pesquisas sobre Burnout tenham uma longa tradição na América do Norte e na Europa, no Brasil ainda são escassos os estudos sobre essa temática. Segundo Benevides-Pereira (2002), a produção nacional ainda é incipiente comparada à internacional. No entanto, já é possível identificar vários estudos realizados nos últimos anos com a população de professores (CARVALHO, 1995; CARLOTTO, 2005; CARLOTTO; PALAZZO, 2006; CODO, 1999; GARCIA; BENEVIDES-PEREIRA, 2003; MALLAR; CAPITÃO, 2004; MOURA, 1997; ROAZZI; CARVALHO; GUIMARÃES, 2000; SILVA; CARLOTTO, 2003). Estudo sobre a produção científica nacional da Síndrome de Burnout realizado por Carlotto e Câmara (2007) identificou 28 artigos, sendo que, destes, onze foram realizados com professores.

Geralmente os estudos de Burnout têm se focado em variáveis organizacionais e contextuais. No entanto, pesquisadores sugerem que não necessariamente altos níveis de estresse levam o sujeito a desenvolver Burnout. Há pessoas que obtêm sucesso diante de determinados estressores e outras que se fragilizam e se tornam vulneráveis a desenvolver a síndrome. Neste sentido, torna-se importante explorar as características dos professores que os protegem desse agravo e as que os tornam mais vulnerável (PITHERS, 1995).

As formas de enfrentamento (coping) de situações estressantes podem ser um dos fatores de proteção da SB (GIL-MONTE, 2005; MORIANA-ELVIRAL; HERRUZO-CABRERA, 2004). Na perspectiva de Hernández, Olmedo e Ibáñez (2004), a maneira como uma pessoa vivencia o estresse e os recursos que ela emprega para lidar com ele estão, entre outros fatores, na base de desenvolvimentos de Burnout (MEARNS; CAIN, 2003).

De acordo com Savóia, Santana e Mejias (1996), existem diferenças de níveis de tolerância a situações estressantes, ou seja, algumas pessoas são perturbadas pela mais ligeira mudança ou emergência, enquanto outras são afetadas apenas por estressores de maior magnitude ou quando a exposição a eles é muito prolongada. Por outro lado, também diversas são as estratégias utilizadas para lidar com as demandas internas e externas de um evento estressante.

Lazarus e Folkman (1984) definem coping como os esforços cognitivos e comportamentais constantemente alteráveis para controlar, vencer, tolerar ou reduzir as demandas internas ou externas específicas que são avaliadas como excedendo ou fatigando os recursos da pessoa. A forma como a pessoa lida com as situações estressantes desempenha um importante papel na relação entre o estresse e o processo de saúde-doença.

As estratégias de enfrentamento podem ser classificadas em dois tipos, conforme sua função, focado na emoção ou no problema. O coping focalizado na emoção é um esforço para regular o estado emocional que é associado ao estresse, ou é o resultado de eventos estressantes. Este esforço tem por objetivo alterar o estado emocional da pessoa na tentativa de reduzir a sensação física desagradável do estado de estresse. O coping focalizado no problema é um esforço para mudar a situação que deu origem ao estresse e tem como função alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o ambiente que está causando a tensão (FOLKMAN; LAZARUS, 1980).

Estudiosos como Carver, Scheier e Weintraub (1989), a partir da categorização originalmente proposta por Folkman e Lazarus (1980), proporcionam um maior detalhamento dos tipos de enfrentamento: a) coping ativo, que consiste no processo de estabelecer passos sucessivos para remover, atenuar ou melhorar os efeitos do estressor; b) planejamento, que representa a atividade de pensar sobre alternativas para lidar com um estressor por meio de estratégias de ação; c) supressão de atividades concomitantes, que se caracteriza pela supressão de atividades que distraiam o sujeito do foco representado pelo estressor; d) coping moderado, que significa esperar uma oportunidade apropriada para a ação, restringindo a impulsividade; e) busca de suporte social por razões instrumentais, que se configura pela procura por conselho, auxílio ou informação relativos ao estressor; f) busca de suporte social por razões emocionais, ou seja, a busca por apoio moral, compaixão ou entendimento; g) foco na expressão de emoções, que é a tendência em focalizar a experiência de estresse, ventilando sentimentos negativos; h) desligamento comportamental, que é o abandono das tentativas para atingir metas nas quais o estressor interfira; i) desligamento mental, que ocorre pela utilização de atividades alternativas para afastar o problema da mente; j) reinterpretação positiva, que consiste em reinterpretar uma situação negativa ou tensa em termos positivos; k) negação, no sentido de recusa em acreditar na existência do estressor, ou agir como se esse não fosse real; l) aceitação, que corresponde, em um primeiro momento, à percepção do estressor como real e, em um segundo momento, à aceitação do estressor como um fenômeno natural; m) religiosidade, que é a tendência a voltar-se para a religião como forma de aliviar a tensão; n) humor, que se configura como a estratégia de fazer graça da situação estressora; e o) uso de substâncias, que consiste em se desviar do problema pelo uso de substâncias psicoativas que interfiram na capacidade de avaliação das situações.

Gil-Monte (2005) refere que os desgastes cognitivo e emocional são respostas ao estresse laboral e, em razão de seu caráter desagradável, o indivíduo tenta eliminar esse sentimento utilizando estratégias emocionais ou cognitivas. Para o autor, as pessoas que utilizam, com maior freqüência, estratégias de caráter ativo ou centradas no problema possuem maior capacidade de prevenir o Burnout.

Assim, considerando que Burnout é um fenômeno psicossocial decorrente de estressores laborais e que as estratégias de enfrentamento utilizadas podem prevenir ou ocasionar a SB, este estudo observacional analítico transversal (GRIMES; SHULZ, 2002) procurou identificar a existência de associação entre as dimensões da SB e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores de escolas municipais da área urbana de uma cidade do litoral norte do Rio Grande do Sul (RS).

 

MÉTODO

População e amostra

A população constituiu-se de 356 professores distribuídos nas dez escolas municipais da área urbana de uma cidade do litoral norte do RS. Estas atendem aproximadamente 5.700 alunos. Da população total, 75 sujeitos foram excluídos do cálculo amostral por estarem afastados do exercício docente ou exercendo cargos administrativos. Assim, a população foi composta de 281 professores em efetivo exercício profissional.

A amostra aleatória seguiu o critério de proporcionalidade e constituiu-se de 93 sujeitos. Os professores, em sua maioria, são do sexo feminino (97,8%), casados (67,4%), possuem filhos (77,4%) e a média de idade é de 38 anos (DP=6,38). Quanto à formação profissional, a maioria possui ensino superior completo (63%), seguido de pós-graduação (17,4%), magistério (12%) e ensino superior incompleto (7,6%). Grande parcela dos professores trabalha nos turnos manhã/tarde (45,2%) e 41,9% trabalham ou no turno da manhã ou no da tarde. No que diz respeito ao vínculo institucional, a maioria dos docentes (68,9%) trabalha somente em uma escola. Desenvolvem suas atividades em uma carga horária média de 32,62 horas (DP=10,98), atendendo diariamente uma média de 70,34 alunos (DP=58,36). Com relação ao tempo de docência, apresentam uma média de 14,28 anos (DP=5,71), na escola atual 7,96 anos (DP=5,02) e no nível de ensino 11,6 anos (DP=5,82).

Instrumentos

O levantamento das características da amostra foi elaborado a partir de um questionário elaborado especificamente para este estudo com questões sociodemográficas e laborais. Para avaliar a SBfoiutilizado o Maslach Burnout Inventory (MBI) elaborado por Maslach e Jackson (1986). O inventário, traduzido e adaptado por Benevides-Pereira (2001), é auto-aplicado e totaliza 22 itens que avaliam as três dimensões de Burnout: Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização Profissional. Em sua versão americana, a freqüência das respostas é avaliada por meio de uma escala de pontuação que varia de 0 a 6. Utiliza-se, neste estudo, o sistema de pontuação de 1 a 5, também usado por Tamayo (1997) na adaptação brasileira do instrumento, pois foi verificado que os sujeitos apresentavam dificuldade em responder muitos itens do instrumento, em virtude da especificidade da escala original. Utiliza-se, então, 0 para “nunca”, 1 para “quase nunca”, 2 para “algumas vezes”, 3 para “regularmente”, 4 para “bastante vezes”, 5 para “quase sempre” e 6 para “sempre”. Estudo realizado por Carlotto e Câmara (2004) indica que a versão brasileira do MBI apresenta os requisitos necessários em termos de validade fatorial de consistência interna para ser utilizada na avaliação da SB em professores em nossa realidade. O alfa obtido nas dimensões variou de 0,58 a 0,88.

Para avaliar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores, foi utilizada a versão adaptada para a realidade brasileira do inventário COPE &– Escala de Enfrentamento, de Carver, Scheier e Weintraub (1989). A escala é auto-aplicada e totaliza sessenta itens com sistema de pontuação de 1 a 4, sendo 1 para “não costumo fazer isso nunca”, 2 para “costumo fazer isso um pouco”, 3 para “costumo fazer isso moderadamente” e 4 para “costumo fazer isso muito”. Esta escala se subdivide em quinze subescalas que abarcam, respectivamente, coping ativo, planejamento, supressão de atividades concomitantes, coping moderado, busca de suporte social por razões instrumentais, busca de suporte social por razões emocionais, reinterpretação positiva, aceitação, religiosidade, foco na expressão de emoções, negação, desligamento comportamental, desligamento mental, humor, e uso de substâncias.

O processo de adaptação foi realizado pelas autoras do estudo, tendo sido o instrumento traduzido e adaptado utilizando-se processo de retrotradução a partir das versões inglesa e espanhola da escala. Resultados de estudo preliminar, com amostra brasileira de 234 estudantes, considerando-se os quinze fatores originais da escala apresentaram alfas que variaram de 0,60 a 0,86. Na escala original, a fidedignidade encontrada em relação à consistência interna variou de 0,62 a 0,92 nos quinze fatores, o que foi considerado satisfatório pelos autores. Apenas a dimensão desligamento mental obteve alfa inferior de 0,45. Os autores atribuem a baixa consistência interna ao fato de esta subescala ser diferente das demais por apresentar uma maior diversidade de ações possíveis (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB,1989).

Procedimentos

Primeiramente foi realizado um contato com o secretário de Educação do município pesquisado, em que foi apresentado o objetivo do estudo a fim de obter a autorização e o apoio para a aplicação dos instrumentos. Após autorização, foi feito contato com os diretores de escolas para definir o estabelecimento da logística para a coleta de dados. Os questionários foram aplicados em grupo e recolhidos no final do preenchimento. Quando da ausência de algum sujeito sorteado, este foi localizado posteriormente e convidado a responder de forma individual a fim de manter-se a proporção calculada para cada escola. A aplicação foi realizada no mês de setembro, período no qual não ocorreriam reuniões, provas ou outros eventos nas escolas.

Foram realizados os procedimentos éticos conforme legislação do Ministério da Saúde (1997), resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Foi esclarecido aos professores e aos diretores das instituições de ensino tratar-se de uma pesquisa sem quaisquer efeitos avaliativos individuais e/ou institucionais e que as respostas e os dados referentes aos resultados das escolas seriam anônimos e confidenciais.

O banco de dados foi digitado e posteriormente analisado em pacote estatístico. A análise dos dados foi realizada por meio da prova de correlação de Pearson para analisar a magnitude e a direção do relacionamento entre as dimensões da Síndrome de Burnout e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores.

 

RESULTADOS

Os resultados em termos de relação entre as estratégias de enfrentamento e Burnout evidenciam que, quanto maior a utilização das estratégias de enfrentamento de coping moderado, foco na emoção e desligamento mental, maior é o sentimento de Exaustão Emocional. A estratégia de suporte emocional associou-se de forma negativa à Despersonalização.

Já quanto maior a utilização de coping ativo, menor o sentimento de Despersonalização. Utilizar coping ativo, buscar suporte emocional e fazer reinterpretação positiva das situações estressoras aumentam o sentimento de realização profissional, conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1: Matriz de correlação entre dimensões de Burnout e estratégias de enfrentamento

 

 

DISCUSSÃO

O objetivo da pesquisa foi verificar a existência de correlação entre as dimensões da SB e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores. Os resultados obtidos evidenciam associação positiva entre a Exaustão Emocional e a utilização das estratégias de enfrentamento de coping moderado, foco na emoção e desligamento mental e associação negativa com a estratégia de suporte emocional.

No caso dos professores investigados, podem ser identificadas as estratégias, focadas no problema ou na emoção, que constituem fatores de risco e proteção para a SB. Em termos de estratégias que contribuem para um incremento da SB, são identificadas as de desligamento mental, foco na emoção e coping moderado. Quanto às estratégias que contribuem como fatores de proteção, verificam-se coping ativo e a reinterpretação positiva.

O desligamento mental consiste na busca de atividades que desviem a atenção do estressor. O professor, ao evitar pensar, não reconhece os estressores relacionados ao seu trabalho e, portanto, não consegue desenvolver estratégias para encará-los. Além disso, a busca por atividades que distraem o sujeito acaba por criar uma sensação de vazio e estagnação.

Esses sentimentos que causam mal-estar subjetivo também estão presentes na utilização da estratégia de foco na emoção. Esta implica que o indivíduo se fixe nos aspectos emocionais negativos, dando excessiva relevância, atenção e despendendo mais tempo em torno desses sentimentos. Isso faz com que a pessoa se volte para si mesma e sua experiência emocional, tendo pouca disponibilidade para realizar uma avaliação do contexto e das pessoas à sua volta, tanto em termos objetivos como emocionais (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB, 1989). Segundo Edelwich e Brodsky (1980), um dos indicativos de Burnout em professores é quando eles costumam utilizar muito tempo de seu intervalo denegrindo alunos e reclamando da administração.

A estratégia de coping moderado refere-se ao autocontrole para não agir de forma impulsiva ou prematura. Pode ser considerada uma estratégia ativa, no sentido de que a pessoa está tentando lidar com o problema, mas tem um efeito de passividade, pois o autocontrole exige um tempo de auto-organização no qual o indivíduo está voltado para suas reações enquanto não age (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB, 1989). No contexto escolar, esta é uma estratégia necessária, mas demanda uma série de esforços adicionais destinados a cada estressor. Entretanto, no cotidiano da prática docente, os estressores sobrepõem-se, incrementando a Exaustão Emocional.

Estudo realizado por Yela (1996) revelou que os professores com maiores níveis de Exaustão Emocional empregam mais freqüentemente estratégia de desligamento mental e comportamental, de inibição e de foco e expansão das emoções, confirmando assim, segundo o autor, a idéia de que os docentes com Burnout usam fundamentalmente estratégias de coping passivo.

A estratégia que parece constituir um fator de proteção mais potente para a SB é o coping ativo, tendo em vista que se associa a menores índices de Despersonalização e maiores índices de realização profissional. Pode-se tomar como hipótese que o professor, ao desenvolver suas ações de forma racional, tentando lidar com o problema de maneira a isolar os aspectos não relevantes do mesmo, seguindo passo-a-passo o que tem que ser feito em uma ação direta ao estressor, apresente menor sentimento de distanciamento de sua clientela. Essa maior implicação com suas relações interpessoais permite que o professor consiga identificar os resultados de suas ações, o que aumenta a percepção de auto-eficácia e, conseqüentemente, eleva o sentimento de realização no trabalho. Chan e Hui (1995) encontraram resultados semelhantes em estudo realizado com professores, principalmente com relação ao uso de coping ativo. Os autores verificaram que as estratégias de coping ativo como a resolução de problemas e o confronto são preditores dos sentimentos de realização profissional.

A reinterpretação positiva, que também contribui para maior realização profissional, consiste no redimensionamento do estressor a partir da modificação do estado emocional. Embora essa estratégia não esteja voltada diretamente para a resolução do problema, permite que o indivíduo alcance um equilíbrio emocional que, muitas vezes, é necessário como um passo anterior à ação (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB, 1989). Ao avaliar sua prática profissional com uma perspectiva positiva, o professor consegue uma redução do estresse, fazendo com que ele se sinta melhor em relação ao seu trabalho, o que aumenta o sentimento de realização profissional.

Considerando as estratégias de enfrentamento que se associaram às dimensões da SB, verifica-se um maior impacto das voltadas para a emoção. Os resultados encontrados merecem especial atenção, uma vez que, segundo Gil-Monte (2005), trabalhadores que utilizam estratégias focadas na emoção são mais vulneráveis ao Burnout.

É importante destacar a não associação de determinadas estratégias com as dimensões de Burnout. Schonfeld (1990) salienta que nem todas as estratégias de coping utilizadas pelos professores na vivência de estresse reduzem necessariamente o seu mal-estar. Algumas podem simplesmente não afetar ou até mesmo exacerbar os níveis de mal-estar dos docentes, designadamente em termos de sintomatologia física e psicológica. Assim, o uso de diferentes formas de coping pode associar-se a diferentes resultados, de acordo com o padrão em que essas estratégias se enquadram (usado em exclusivo ou recorrendo igualmente a coping ativo) e, muito em especial, com a maneira como o indivíduo percebe a situação (por exemplo, como controlável ou não controlável ou recorrente).

Estudos feitos por Fontana (1998) demonstram que professores que conseguem conviver ou superar as adversidades parecem pertencer a um tipo de personalidade cujas características psicológicas e outras como idade, gênero, educação, posição social e experiências passadas levam a certas variações sobre a forma como avaliar uma situação estressante e que o grau de envolvimento com as situações estressantes varia em conseqüência da capacidade psicofísica de resistência de cada indivíduo. É interessante notar como essas constatações fazem sentido na análise que Hiebert e Farber (1984) realizaram em estudo com várias escolas do Reino Unido, no qual demonstraram que, embora o nível de estresse não variasse muito de escola para escola, variava amplamente dentro de cada uma delas, já que, enquanto para alguns professores os agentes estressantes eram desafios estimulantes, para outros surgiram como pressões devastadoras.

Os resultados demonstram a importância de se considerar a dimensão emocional, fundamental para o ser humano e para esse tipo de profissão, que tem sido pouco abordada em estudos e intervenções relacionadas à SB. A educação por anos preocupou-se com questões pedagógicas e a formação docente; só recentemente vem se dedicando ao profissional da educação, o professor. Tenta-se entender, hoje, seus sentimentos, formas de vivenciar sua profissão e os pontos de desgaste profissional. O professor conhece muito sobre o quê e como ensinar e muito pouco sobre si mesmo (DOMÉNÉCH, 1995).

Para tanto, é preciso considerar o desenvolvimento e o treinamento de habilidades psicológicas, intelectuais e sociais necessárias para o estabelecimento de relações interpessoais saudáveis. Habilidades estas que se constituem em recursos importantes em situações de conflito, nas quais é preciso dispor de agilidade, equilíbrio e potencial inovador para fazer frente às dificuldades do cotidiano (VECINA-JIMÉNEZ, 2006). Essa pode ser a diferença entre o manter-se saudável e o adoecer.

Pelo exposto, destaca-se a importância da realização de novos estudos com outros delineamentos e variáveis a fim de ampliar a compreensão sobre Burnout e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores. Desta forma, pode-se pensar em ações específicas voltadas para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento para os que se avaliam como acometidos por Burnout ou mesmo por aqueles que, sem ter vivenciado seus efeitos, decidem aprender estratégias mais adequadas para enfrentar o estresse laboral, em uma atitude de prevenção ao surgimento da síndrome, conforme sugerem Moriana-Elviral e Herruzo-Cabrera (2004).

 

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Endereço para correspondência
Vania Mazon
E-mail: vaniamazon@terra.com.br

Mary Sandra Carlotto
E-mail: mscarlotto@terra.com.br

Sheila Câmara
E-mail: scamara@via-rs.net

Recebido em: 02/06/2007
Aprovado em: 27/09/2007
Revisado em: 16/11/2007

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