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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.51 no.1 São Paulo ene./mar. 2017

 

EM PAUTA

 

Ser daqui vindo de lá, ser de lá vivendo aqui: narrativas e deslocamentos1

 

Belonging here and coming from there; belonging there and living here: Narratives and displacements

 

Ser de aquí viniendo de allá, ser de allá viviendo aquí: narraciones y desplazamientos

 

 

Patrícia Bohrer Pereira Leite

Psicóloga clínica e psicanalista. Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise; Mestre em Psicologia Clínica e Psicopatologia pela Universidade de Paris V e especialista em Técnicas de Saúde Mental pela Universidade de Paris XIII. Membro fundador de A Cor da Letra Centro de Estudos em Leitura, Literatura e Juventude

Correspondência

 

 


RESUMO

Ninguém deixa seu lugar de origem sem razão ou preço. Qualquer situação de deslocamento implica em perdas e adversidades. A arte tem um lugar essencial no fomento de uma sociedade mais solidária, e a mediação de narrativas literárias pode incrementar práticas multidisciplinares de educação, cultura, saúde e psicanálise. Uma ação cultural inserida na vida cotidiana cria uma liberdade e auxilia a pessoa descentrar destas situações difíceis, extremas. Um prazer secreto, íntimo e nos relembra quem somos. Inscrito na memória do encontro, onde o outro nos solicita, e acompanhado com arte, nos recorda nossa poética.

Palavras chave: migrações, alteridade, literatura, leitura, identificação, linguagem.


ABSTRACT

Nobody leaves their birthplace for no reason and with no price. Any situation of displacement implies both loss and adversities. Art plays an essential role in promoting more solidarity, namely, a more supportive society. The mediation of literary narratives may encourage (and improve) multidisciplinary practices of Education, Culture, Health, and Psychoanalysis. Including cultural action in everyday life creates freedom and helps people shift their focus from difficult, extreme situations to better experiences. A secret, intimate pleasure that reminds us who we are. A pleasure that is inscribed on the memory of the encounter, in which the other request our presence. If this pleasure comes with art, it will remind us our poetics.

Keywords: migrations, alterity, literature, reading, identification, language


RESUMEN

Nadie deja su lugar de origen sin una razón o un precio. Cualquier situación de mudanza trae consigo pérdidas y adversidades. El arte tiene un lugar especial en la construcción de una sociedad más solidaria, y la participación de las narraciones literarias puede incrementar las prácticas multidisciplinarias de educación, cultura, salud y psicoanálisis. Una acción cultural insertada en la vida cotidiana crea una libertad y ayuda a la persona a no centrarse en las situaciones difíciles, extremas. Un placer secreto, íntimo, nos recuerda quiénes somos. Inscrito en la memoria del encuentro, donde el otro nos solicita, y acompañado con el arte, nos recuerda nuestra poesía.

Palabras clave: migraciones, alteridad, literatura, lectura, identificación, lenguaje.


 

 

Com a neve foi chegando A notícia ao oriente

Na Polônia uma cruzada Infantil era nascente

Pequeninos mui famintos Em tropinhas se juntavam Atraindo mais crianças Das ruínas que os cercavam

Escapavam às batalhas E deixavam a dor pra trás, Desejavam só descanso Num país cheio de paz.

(Bertold Brecht, A cruzada das crianças)

Como tantos entre nos, minha vida foi repleta de deslocamentos, reais no espaço e tempo. Partidas e reencontros foram uma constante e fazem parte de minhas trajetórias profissional e pessoal. Nenhuma comparação é possível à trágica, terrível situação dos pequenos cantados por Brecht, à dos que vivem em países em conflito armado, no exílio forçado, em campos de refugiados, raptados, errantes e outros. Tive quem conversasse comigo a possibilidade de negociar saudades, cultivar lembranças, significar estas experiências, nomeá-las e integrá-las. Compreendi esta conquista incerta como preciosa e reconheço que requer difícil e sutil processo, variável em cada pessoa. Ninguém deixa seu lugar, seu pouso, sem razão ou preço. Aqueles que conosco partem são companheiros de estrada, farão sua própria rota. Sobreviver à travessia é chegar a outro porto (imaginário, teórico), em uma realização que nem todos compartilham. A constatação desta alteridade além de difícil é perturbadora e importante para seguir e crescer.

Qualquer situação de deslocamento implica em perdas e adversidades, grandes ou pequenas, passageiras ou definitivas. Inevitavelmente encontrei pessoas, no meu percurso, que como eu viviam longe de “seus lugares” e este era também nosso local de encontro: o sentimento de deslocamento e a possibilidade de intercambiar-mos poéticas.

De forma alguma sou uma especialista em migrações. Porém penso que as crianças têm o direito de ser bem recebidas, vistas em sua complexidade e singularidade, assim como de participar da construção deste mundo. E nós, profissionais da infância, temos a responsabilidade de lembrar isto.

Talvez na história moderna a humanidade jamais tenha se deslocado tanto, e dentre estes deslocamentos observamos um número sem precedentes de pessoas desenraizadas devido a catástrofes, conflitos e guerras, em todos os continentes (Edwards, 2016). Mais da metade destes refugiados são crianças e jovens com menos de dezoito anos, viajam com seus pais à procura de uma vida melhor, só viveram em situações de conflito, nunca frequentaram escola. Ainda há aqueles que viajam sozinhos, desacompanhados, trabalham para sobreviver, e sofrem formas de abuso diversas (ONU, 2016).

As migrações podem introduzir uma grande desordem na transmissão da cultura entre gerações, na transmissão da linguagem materna, da história vivida ou de origem. Os ingredientes necessários (afeto, alimento, narrativas) ao desenvolvimento pleno vêm a faltar. A qualidade do investimento dos pais fica comprometida por suas próprias angústias; somam-se a isto o silêncio e o recolhimento dos adultos e as rupturas; a falta da família expandida, de um grupo de pertencimento, aumenta a solidão e dificulta os modos de guarda e educação na primeira infância. A precariedade das estruturas mínimas de atendimento e moradia são condições frequentes.

No começo existe a voz da mãe, mas também “as vozes” culturais que acompanham um ser humano por toda a sua vida. Estes começos, nós todos compartilhamos! (Bonnafé, 2008, p.7)

E de repente somos e não somos iguais em nossa humanidade, em nossos “direitos”. A alteridade que nos é fundamental, que nos une - seres singulares, seres de linguagem e cultura -, subitamente assombra e assusta? O que tememos e porque nos tornamos indiferentes a estes semelhantes distintos de nós?

Estes nômades, que não estão assim por vontade própria, mas pelo veredito de um destino desapiedado, nos fazem lembrar, de um jeito irritante, da vulnerabilidade de nossa posição e da fragilidade de nosso bem-estar. É um costume humano, humano demais, culpar e castigar os mensageiros pelo odioso conteúdo da mensagem que transmitem, em vez de responsabilizar as forças mundiais incompreensíveis, inescrutáveis, aterrorizantes e logicamente ressentidas que suspeitamos que são as culpadas do angustiante e humilhante sentimento de incerteza existencial que nos arrebata a confiança e causa estragos em nossos planos de vida. (Bauman, 2015, on-line)

Sou fruto de mestiçagem e, assistindo ao vídeo Gaúcho: corpo estrangeiro? (Trachtenberg, S.D.), apresentado no congresso da FEPAL 2016 pelo grupo da sppa, me identifiquei. Nesta mistura de origens somos gaúchos, uma entre tantas alteridades. Meus antepassados migraram por motivos diversos, por mim desconhecidos, em épocas distintas - distantes de meu nascimento, se misturaram. Mas este passado sempre me foi apresentado como um patrimônio: tantas histórias, origens, cores e maneiras de ser. Porque ficamos tão assustados com a mestiçagem praticamente inevitável nas sociedades atuais, onde pessoas e informações se movimentam tão rapidamente?

Fui levada a trabalhar com famílias migrantes na Europa, vindos da África Negra, da Ásia, do sul e do leste da Europa;magrebinos de origem judaica e muçulmana, turcos, palestinos e outros; também com crianças ciganas de populações nômades; e, no Brasil, com os migrantes internos, os jovens em situação de cisão social, crianças errantes por nossas cidades, trabalhadores rurais nômades seguindo as colheitas etc. Isto é um desafio e demanda negociações, questionamentos constantes e criatividade.

Estes grupos formam um falso conjunto. Eles são distintos entre si; em termos sociológicos, culturais, étnicos e no que concerne aos elementos fundamentais: laços familiares, religião, valorização da língua e da cultura de origem; maneira de cuidar dos pequenos, divisão de papéis dentro da família etc. A adaptação é diferente para cada caso. Algumas culturas são mais próximas da nossa e outras mais distantes: nós, profissionais, precisamos levar isto em conta. As estruturas educacionais e de saúde nem sempre estão preparadas para lidar com aspectos transculturais, tendo dificuldade de se identificar com estes diferentes funcionamentos. Desta forma, nem sempre contemplam o acolhimento e o formato que levariam a, efetiva e adequadamente, receber estas crianças. Que fazer?

Fiz o caminho contrário de meus antepassados. Ser migrante foi um facilitador na minha relação com as crianças. Eu era como elas: vinda de outro lugar, jovem e sem o pleno domínio da língua, eu estranhava as reações dos colegas, me atrapalhava, ficava triste e aflita com a dificuldade de compreensão. E procurava meu lugar, minha identidade. Minha vivência aumentava a identificação com eles; gerava uma sensibilidade, uma curiosidade e maior plasticidade em relação a todas estas maneiras de ser. Longe de ser fácil, porém, tínhamos diferenças: minha posição, minha formação, história e cultura era algo bom do qual me orgulhava - o que nem sempre ocorria com elas. Este valor é uma base para se integrar e crescer; e isso me amparava.

A leitura de narrativas literárias, como uma necessidade, foi eleita minha preferida estratégia de refúgio, como contorno e paradoxalmente lugar de encontro e aprendizagem desta nova cultura. Tal qual o sonho acordado, a literatura nos permite brincar com nossas ideias, criar nosso próprio mundo: uma transposição do real para o imaginário (sonho e fantasia), espaço próprio de elaboração, criatividade, liberdade e descanso. Estas leituras ocuparam grande parte do meu período de adaptação e viraram oficio. Eu as elegi como ferramenta de mediação nestes diferentes e complexos contextos. É isto que pretendo compartilhar.

Parto aqui de experiências práticas que tive o privilégio de acompanhar, desde a criação e durante longos anos, na Associação Acces, com os bebês e seus pais; enquanto terapeuta do ateliê biblioteca da Unité de soins intensifs du soir René Diatkine - USIS2 com crianças e jovens entre 6 e 18 anos; e nos projetos desenvolvidos pela A Cor da Letra, com crianças, jovens, famílias, comunidades e profissionais de diferentes estruturas.

Penso que a arte, em suas múltiplas formas de expressão, tem um lugar essencial no fomento de uma sociedade mais solidária e constitui um ingrediente importante na promoção da integração das pessoas em deslocamento ou crise. A mediação de narrativas literárias incrementa práticas multidisciplinares de educação, saúde e psicanálise: ação cultural, ação educacional, ação de prevenção ou terapêutica; contribui para o desenvolvimento, bem como para a saúde e integração das pessoas e grupos. Muitos são os exemplos e as propostas, que variam segundo seus enquadres e protagonistas, requerem conhecimento, técnica, respeito, delicadeza e implicam em caminhos distintos. É de um lugar onde se cruzam disciplinas e linguagens que parto. Todas as experiências que relato têm a participação ativa de diversos profissionais (pediatras, psicanalistas, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, pedagogos, bibliotecários e outros) que atuam em equipes multidisciplinares; e consideram a mediação da literatura um instrumento importante. Constatamos, pelo acompanhamento no tempo, observações e pesquisa, que esta é uma escolha fecunda e feliz.

 

Literatura

Provavelmente, primeiro surgiu a necessidade de brincar e se comunicar, então o homem criou a linguagem. Depois, para contar suas histórias, nomear o desconhecido a humanidade, criou a literatura.

Criamos a esfinge no sonho, no mito, para explicar, elaborar algo que nos assusta e parece incontrolável, a partir do momento em que somos capazes de brincar no nosso pensamento, de brincar simplesmente, nos lançamos na criação ou na busca de representações, criamos ficções que possam nos abrigar, explicar, aquilo que sentimos; o mundo, o viver... A literatura, portanto, nos constitui, é criação nossa - humana e universal - diante de uma necessidade de expressão, de elaboração, de construção de sentidos, enfim, invenção poderosa e necessária à nossa sobrevivência psíquica. (Pereira Leite, 2005, p.43)

O que estou chamando de literatura compreende todas as criações poéticas, ficcionais ou dramáticas encontradas nos diversos níveis de uma sociedade e em várias culturas (Candido, 1988/2004). Algumas características destas produções garantem qualidade: estética, gráfica, de escrita; uma riqueza narrativa, musical e rítmica; uma diversidade de referências culturais ou históricas que estimamos imprescindíveis. Os álbuns ilustrados são bons e belos objetos culturais e de arte cuidadosamente elaborados. Portadores de narrativas, prestam-se como suporte de emoções e sentimentos, continência; espaço de brincadeira; possibilitam a identificação com papéis e personagens, a descoberta do mundo e a transmissão de conhecimentos e emoções compartilhados. Crianças e adultos têm vontade de pegá-los, explorá-los, levá-los consigo e deles se apropriar. A forma física do livro e as ilustrações abrem um caminho que parte do corpo de quem lê e se desenvolve em direção ao imaginário, com sonho e conhecimento tecendo-se, assim, um no outro.

Os contos de fada são cosmopolitas; possuem forma, estrutura própria, referências temporais precisas; desenvolvimento dos personagens e uma profusão de elementos simbólicos (Diatkine, 2013; Propp, 1965X1970). Prestam-se bem para leitura entre gerações e entre grupos. Muitas destas narrativas tratam de temáticas universais.

Um aspecto essencial diferencia a narrativa escrita e a narrativa oral, ligado à escrita em si: o texto escrito tem uma duração, um espaço preciso, e como tal necessita ser percorrido em uma sequência. Sua leitura é linear e não pode entrar em uma desordem completa. Optamos por trabalhar com a transmissão de narrativas literárias lidas ao constatar que ler para o outro é uma estratégia que permite a transmissão, a apropriação da história, e assegura sua permanência, ingredientes fundamentais nos contextos em que atuamos.

Outro aspecto de interesse da literatura está na dupla temporalidade que possibilita viver: o tempo do momento em que a história é lida e o tempo em que se desenvolve a narrativa. Pode-se, assim, brincar com um tempo dentro de outro tempo. O tempo das narrativas literárias é diferente do tempo da urgência; naquele, as palavras trocadas não estão focadas na apreensão e na angústia. Estas leituras trazem outras histórias, que têm desenvolvimento próprio e falam de outras realidades: histórias fantásticas e imaginárias que nos situam na história do mundo, da humanidade, e possibilitam o resgate da consistência do tempo, um tempo no qual presente, passado e futuro estão articulados.

Constatamos que as crianças que foram familiarizadas com a leitura de narrativas escritas rapidamente identificam os formatos das histórias, e percebem que estas narrativas são arbitrárias mas sempre comportam início, meio e fim, recorte de tempo e espaço delimitados pelos acontecimentos e seres que as cercam. Neste exercício de percepção da reprodução da reprodução, de formas, sons e situações, a criança se encontra com o próprio ato criativo e são inumeráveis suas manifestações.

 

Um enquadre preciso e insólito

Assim como o funcionamento da USIS parecia muitas vezes insólito para pais e professores, as sessões de leitura nestes lugares públicos, isentas de qualquer designação de evento, parecem insólitas àqueles que as frequentam pela primeira vez e geram nos profissionais locais questionamentos. Ação terapêutica, cultural, educativa? Dependendo da proposta, os objetivos, a atuação e o enquadre são diferentes. Uma intervenção nos serviços de pediatria, por exemplo, com literatura e livros contribui para melhores condições de acolhimento, acesso ao conhecimento e familiarização com a língua escrita. Instaura outro campo de linguagem, mais rico e humano.

São iniciativas culturais, uma escolha pensada, feita a partir de conhecimentos, mas também de uma posição ideológica: perderíamos de outra maneira algo fundamental: ignorando voluntariamente a história das crianças e de seus pais, podemos nos deixar surpreender, observamos elementos que não teríamos visto [...] temos consciência de que estamos lá em uma posição totalmente diferente de nossas posições profissionais habituais, é um trabalho cultural e não psicológico. (Diatkine, 1983/2011, p. 9)

É próprio do viver o aprender; é fundamental aprender a ler, a escrever e a contar, assim como é função da escola ensinar. Como espaço social da infância, o acesso à escola constitui um direito. Estar em contato com narrativas e livros contribui para a educação e melhora a relação com a aprendizagem e a leitura, mas este não é o objetivo principal nestas experiências que relato. Já nossa posição e nossa intenção quando atuamos na USIS são de um acompanhamento terapêutico.

 

Linguagem

Ao ler para uma criança lemos também para nós mesmos. A língua não se ensina, se transmite - e é importantíssima para a formação do sujeito humano. Quando um bebê escuta, demonstra que é um sujeito! Escutar é diferente de ouvir. Ele lê o rosto, lê a voz, as cores, o mundo que o cerca. A linguagem é uma brincadeira gratuita no interior do pensamento de cada um, uma atividade sem utilidade precisa, que supõe a existência de várias pessoas. Supõe a alteridade.

Para construir sua subjetividade um bebê necessita de um adulto que lhe envie um eco. As rimas, as histórias cantadas são suportes para falar com um bebê, elas oferecem um eco, um face a face com o adulto e geram um banho de linguagem e cultura essencial a seu desenvolvimento. (Cabrejo-Parra, 2008, p.19)

Nós, adultos, somos bastante atentos à semântica das palavras, mas nestas mediações delicadas é a poética da narrativa, sua melodia, seus compassos, sua estrutura e o face a face com o adulto que lê, e assim garante o fio da narrativa, que dão consistência e servem de continência.

Os contos de fada são propícios à interpretação, como bem os explorou Bettelheim (1976). Seria tentador interpretar porque uma criança escolhe este ou aquele conto, ou comprar livros que falam deste ou daquele assunto que, pensamos, pode-riam trazer aquela problemática ou questão. Mas estamos aqui em um lugar distante de receitas e fórmulas. As crianças sabem o que escolhem, basta acompanhá-las.

 

Fazer diante sem se substituir: surpreender, respeitar e esperar

Abdel Ali é um menino de cinco anos de idade, com origem no Magreb. Quando chego à sala de espera do ambulatório de pediatria onde eu iria realizar uma sessão de leitura, ele está lá, entre outras crianças, mães e seus bebês. Proponho a leitura de uma história. Zaki vem prontamente e escolhe um livro para que eu leia. Abdel Ali se aproxima, enquanto sua mãe, distante, observa e sorri. Leio o “Canto das baleias”. Ele se coloca bem na minha frente, escolhe outro livro (completamente diferente e com ilustrações que utilizam figuras geométricas, abstratas: “Kaleidoscópio”), o coloca no chão, face ao meu, e quando faço minha primeira pausa na leitura para virar a página, ele começa a me contar, a nos contar, outra história. Começa a criar uma historia e conta (lê) a partir das ilustrações deste livro. Isto se acrescenta, se mescla, à leitura da outra história e do que se passa entre Zaki e eu. Aproveita as pausas de minha leitura para contar: “Aqui é o sol; aqui, os barcos; os barcos estão na praia; agora é a lua e o sol vai se pôr... O sol vai se pôr e papai vai chegar. Papai vai voltar para casa”.

Assim fomos tecendo uma trama de histórias: a lida por mim, a contada por ele, a da mãe que assistia e outras tantas que eram provavelmente pensadas pelas crianças e pelos adultos que escutavam nossa composição. Abdel Ali se exercitava como narrador (aprendia e ensinava), brincava em seus pensamentos, nos dava o presente de sua história e o fazia acompanhado de minha leitura, da estrutura da narrativa, de outras presenças, dos livros com suas letras e imagens, em uma situação de total gratuidade (sem comentários, perguntas ou interpretações). Nossas histórias se misturavam: O canto das baleias também se passa na praia, também tem uma criança que espera. As formas geométricas e a narrativa de Abdel me fazem imaginar outro continente, com arquitetura bem diversa daquela que me é familiar e desta “banlieu” parisiense cheia de concreto. Campos associativos se mesclam. E é isto que em geral acontece nestas situações de mediação de leitura: uma experiência rica, em que narrativas podem se colocar em cena a partir do repertório de cada um, do repertório que o texto traz, das associações que se criam, do que está ocorrendo no momento; algumas são ditas, outras restam secretas.

Um trabalho cultural é, de certa forma, criar uma liberdade que permite descentrar das situações difíceis. Um prazer ultrassecreto, íntimo e independente, que nos relembra quem somos e desperta a capacidade de imaginar, sonhar com outras possibilidades. A introdução de um ritmo permite que o aparelho psíquico se desbloqueie, desvende um nó, liberte o desejo de simbolizar e dramatizar, inventar histórias, brincar, compartilhar. Na história lida, o conto e o livro têm uma função continente, guardam de maneira constante as peripécias e a maneira como se desenvolvem. Em geral, no fim os elementos expostos no início se encontram com suas funções inalteradas, mesmo que diferentes. Estas leituras compartilhadas guardam os traços, a memória de um encontro.

Se uma mãe tem dificuldade “de conversar” com seu bebê, de pouca serventia será o profissional dizer-lhe “mãe, converse com o seu bebê”. É importante propor-lhe algo que desperte este desejo, que relembre esta capacidade, que também alimente esta mãe, este pai e este entorno. Com esta intenção foi criada a Associação Acces.3

Nestas situações, os pais descobrem ou relembram, através seus filhos, elementos importantes e vice-versa. O brilho nos olhos da criança, seu prazer com a narrativa, com o livro que a animadora-leitora está lendo, bem como a relação que se estabelece, permitem reencontrar algo de sua infância. Ao ver seu bebê, os pais lembram quem foram um dia: crianças que brincaram, sonharam, receberam palavras e histórias; e que possuem repertório. Isto está longe de ser simples e os sentimentos podem gerar situações explosivas e conflituosas, e aí a delicadeza e a seriedade de um equilibrista são necessárias. Estas sessões têm participação livre; o ir e vir, assim como a distância estão disponíveis - e, com sorte, paciência e tolerância, o tempo de retornar, também.

 

Mamãe “du Voyage”

Durante dois anos acompanhei consultas pediátricas de primeira infância, realizadas em um caminhão que ia até os assentamentos ciganos4. A cada 15 dias, passava uma manhã lendo histórias para mães e bebês. Dois ambientes: o de espera e o da consulta. Éramos três: a pediatra, a enfermeira e a animadora leitora, situação que me permitiu acompanhar durante algum tempo as mesmas crianças. Os álbuns ilustrados estavam à disposição, faziam parte do que ali se passava e podiam ser emprestados. Eram utilizados por todos, inclusive a médica e a enfermeira, na minha presença ou ausência.

Estes acampamentos podem ser muito precários, e ter uma atividade de transmissão cultural ativa ou não. A oralidade e a música são as formas de expressão valorizadas. Em diversos grupos na Europa, por exemplo, os pais compõem uma música para o bebê que irá nascer e a cantam para ele durante toda a gestação. Esta música e a presença do pai vão, assim, se inscrevendo na relação mãe-bebê, para além do imaginário da mãe. Precioso!

Sindy é uma pequena rechonchuda e risonha de 11 meses. Sua mãe, jovem e desconfiada, a coloca na bancada diante da janela. Estou lendo para outro bebê um pequeno livro cartonado, “Arthur e sua família”. Sindy, à distância, começa a participar: balbucia, sorri, quer se arrastar para se aproximar, o que a mãe permite, segurando para que não caia. Quando findo esta pequena história, pego outro livro, com muitas fotos de Tana Hoban: “Des couleurs et des choses”. Pergunto à mãe se posso mostrá-lo à Sindy e ela aceita. Sindy jubila, brinca, ri, reage e participa: aponta com o dedo a banana, quer aproximar a boca da imagem, dá tapinhas no livro, experimenta. É um livro praticamente sem texto, só há palavras na capa. Tento envolver a mãe nesta brincadeira com pouco sucesso. Sindy tem prazer e o demonstra ativamente. Quando o livro finda, sugiro outro, mas a mãe imediatamente a pega no colo, vira para si e me diz, brava: “Eu não fui bem na escola, não sei ler, ela é igual a mim!”. Sem argumentações, aceito.

Durante vários meses a mãe de Sindy a trará à consulta, me ignorando e discretamente me observando, porém deixando Sindy interagir comigo. Muito tempo depois, ela me pede aquele primeiro livro e pergunta se pode levar emprestado. Ela o leva. Uma nova história começa então entre nós e podemos brincar com estas narrativas. A mãe, através da filha, se autoriza a explorar os livros e textos, a cantar, a relembrar a infância, e valoriza suas capacidades. Sindy é um bebê saudável, alegre, comunicativo, ativo, certamente esta mãe a recebeu com carinho e palavras.

Os bebês são pequenos “pesquisadores” cheios de possibilidades. Ao nascer, suas competências independem do meio social. Se um bebê adquiriu a linguagem, os adultos que o acompanham falam e se comunicam; isto demonstra que, quando crianças, adquiriram este extraordinário conhecimento que é o domínio de uma língua, a língua materna, transmitida através dos cuidados maternos; significa que a transmissão da linguagem se efetuou em toda a sua complexidade. Vários estudos e profissionais de diversas áreas apoiam esta afirmação (René Diatkine, Serge Lebovici, Emilia Ferreiro, Jerome Bruner, Albert Jacquard, Evélio Cabrejo-Parra e outros). A evolução de uma criança estará ligada, em parte, também à sua classe social e condições de vida, mas isto nada tem a ver com herança genética (Bonnafé, 2008). O prazer de brincar com a literatura é universal. Temos este patrimônio à nossa disposição, um tesouro inicial, e devemos aproveitar facilitando o encontro de todos com ele, em nossas atuações. Principalmente aqueles que, sem escolher, estão privados deste acesso.

 

“Estas crianças vieram tratar da saúde, não brincar ou ouvir histórias!”

Foi o que afirmou a intérprete do ambulatório de pediatria, quando lhe solicitei que traduzisse para as mães o que fazia ali, com os livros.

Sentadas junto à parede, estáticas e silenciosas, uma dezena de mães palestinas, em seus longos vestidos e véus tradicionais, seguram bebês de idades variadas.

Insisto, com delicadeza mas firme, que as histórias também são importantes para a saúde. Nada feito. Sem intérprete, decido recorrer à leitura de uma de minhas histórias preferidas na época e também um sucesso entre os bebês, “Roule Galette”, um conto tradicional de adição do qual existem muitas versões. Os elementos vão se adicionando à narrativa principal e um pequeno refrão musical se repete a cada vez que a pequena torta encontra um personagem em seu caminho, até ser comida pela raposa malandra. Leio, mostro as imagens, canto a pequena canção. Ao fim, uma das mães me dirige a palavra sorrindo e solicita a tradução da intérprete: “Ela conhece o conto e gostaria de contá-lo na sua língua”. Estendo o livro à mãe, que se levanta, coloca seu bebê próximo a mim e começa a nos contar “Roule Galette” em seu idioma natal. Naturalmente, tudo muda: as outras mães aproximam-se do tapete, olham os livros, riem, conversam entre elas, comigo e com seus bebês. Elas continuam sem falar francês, e eu, sem entendê-las semanticamente. Mas ali foi criado um espaço onde outra linguagem, que todos falamos, a da poesia, está estabelecida, assim como o brincar e a conversa. Como os bebês, iniciamos um diálogo musical cheio de gestos e mímicas, e nos encontramos em nossa humanidade. A estética deste álbum ilustrado e a qualidade deste texto são ingredientes imprescindíveis na situação descrita.

Independente da idade das crianças, da sua capacidade de falar ou do domínio (ou não) de um idioma de uns e outros, observamos efeitos impressionantes: as crianças se envolvem com as histórias e participam; os outros profissionais finalmente entendem que ali acontece algo interessante e importante; e as mães, surpresas pela atenção recebida, pelas reações de suas crianças, pela qualidade destes objetos, sentem-se valorizadas, se apropriam dos livros, tomam a palavra e começam por sua vez a contar. Podem assim se apresentar de outra forma, sem ficarem constrangidas, encolhidas; mostram sua inteligência, humor e entusiasmo, apresentam seus conhecimentos, apesar das dificuldades pessoais eventuais e das que se referem às diferenças culturais.

Neste trabalho cultural, doamos um pouco de sonho e imaginação, brincamos com os bebês, com narrativas e livros, diante de seus pais; é isto, em essência. Criamos momentos prazerosos de “conversa” em torno de belos objetos culturais inseridos naturalmente e inscritos na corrente do viver. Passamos histórias, ouvimos histórias e servimos de despertadores ou facilitadores de habilidades adormecidas.

 

Uma pequena biblioteca no final do corredor

Trabalhar na Unité de Soins Intensifs du Soir (USIS) era, como o nome diz, intenso. No meu caso, apesar da grande vontade de aprender, no início era exaustivo, um excesso de elementos novos: a psicanálise, a língua, a pesada carga horária de formação, os colegas de equipe e suas marcantes personalidades, as tardes com as crianças e jovens. Em certos momentos, no início, me senti tão perdida quanto elas ao entrar; achava incrível a confiança que depositavam em mim, aprendiz de quase tudo. Esta atitude de meus superiores e colegas foi importante para meu desenvolvimento, aprendizagem e integração.

Trabalhei como estagiária e conheci os diversos ateliês. Depois fui contratada como psicóloga e terapeuta responsável pela pequena, exígua biblioteca de literatura (descrita também por Cruziat, 1984), no fundo do corredor de entrada deste grande apartamento onde a USIS funcionava. Quase metade das crianças recebidas tinha ao menos um dos pais imigrante (Avram & Lefrère, 1990).

Esta instituição, que se assemelhava a um hospital dia, fora criada com a intenção de diferenciar-se do modelo tradicional e de experiências anteriores realizadas neste setor. As crianças vinham após a escola e ficavam até o final do dia. Era uma instituição que se pretendia essencialmente terapêutica. Parte da equipe trabalhava com a escola e os familiares; outros, com as crianças e a escola, ou somente com as crianças. As condições necessárias para a garantia de um setting psicanalítico clássico eram difíceis neste enquadre.

[...] os psicanalistas responsáveis pela USIS se propuseram então a seguir as dramáticas peripécias das crianças nos movimentos destas novas coordenadas, sem interpretações selvagens nem discursos pseudopsicanalíticos. (Diatkine,1995, p.19)

Todos nós assistíamos a consulta inicial da criança com o psiquiatra psicanalista, pela qual se iniciava o processo de admissão na USIS, e a decisão final somente era tomada após a discussão de equipe. E assim se seguia durante todo o acompanhamento. O que se passava em minha pequena sala fazia parte de uma enorme estrutura complexa e rica que era proposta às crianças.

[...] Escutar um terapeuta lendo era um dos elementos do tratamento na USIS, tal qual um baixo contínuo nem sempre audível que dá sentido as outras vozes. Suporte da produção psíquica permitindo superar o agir e a repetição, as histórias e os contos se articulam com as produções pessoais das crianças nos outros ateliês. temas complementares se desenvolvem em coordenadas temporais e espaciais diferentes. O conto é intemporal (“era uma vez”) e não localizável (“em um país distante”), mas o texto é imutável e o livro permanece, na biblioteca ou mesmo se a criança o empresta e o leva para casa. Cada releitura é uma nova descoberta que permite renovar e reforçar o sentimento de existir de um jeito diferente que aquele atravessado pela adversidade. (Diatkine,1995, p.157)

A Biblioteca era o primeiro ateliê a abrir e o último a fechar; assegurava a presença de um adulto e de histórias nos momentos de transição. Lá, as tardes tinham momentos diversos, ditados pela circulação das crianças, suas demandas e necessidades.

São 17 horas e Malika, uma menina de oito anos, sozinha e um pouco sem saber o que fazer me pergunta: “Vamos ler Dinomir?”. Já faz alguns meses que, tarde após tarde, Malika me pede este mesmo livro simples, que conta em poucas frases a história de um pequeno dinossauro. Ela diz “Barbapapa” e depois “Dinomir!”. E observa que estão faltando livros nas prateleiras. Às vezes fico cansada desta repetição de pedidos sem surpresas, mas também tocada pela sua necessidade constante de encontrar referências. “Eu sei ler, quer ver?” Ela me recita passagens inteiras de Dinomir, que sabe de cor (alguns meses mais tarde, realmente aprenderá a ler e sozinha, o que fará com prazer para si e para os outros). Escolhe então outro livro, Koloboque, uma história cantante de um pequeno pão, e depois Xandi e o Monstro. Mas fica aflita:“Tenho medo!”, diz ela, grudada a mim, e segue assim o fio do narrador e acaba por tomar uma distância do objeto de suas angústias. Ao final se diverte com Xandi. A beleza e a estrutura da língua cumpriram sua função. Mas agora a biblioteca está cheia. A pilha de livros nos meus joelhos aumentou e Malika não está gostando nada desta concorrência. Momento delicado. Alguns adolescentes passam e, do corredor, me cumprimentam. Oscar, como sempre, a uma distância respeitosa, observa da porta. Oscar escolhe sempre o lugar de goleiro deste lado quando uma partida se faz no corredor. Temos um pacto silencioso e eu sei que ele escuta atentamente as histórias de longe.

Agora leio La première chasse: as imagens são lindas e todos estão interessados. Surgem muitas questões: “Os impalas são antílopes? Um leopardo corre mais rápido que uma moto? Certamente não, mas que uma Peugeot sim.” Mathieu me diz que irá me trazer um Búfalo da Argélia. Hoje ele está particularmente nervoso; pouco a pouco, me escutando, se acalma e deixa a sala 15 minutos depois, pedindo para participar do passeio que faremos na quarta feira. Nós estamos avaliando as chances de os leões pegarem os búfalos e de verificar se realmente tem um rio à esquerda da imagem quando Sembenne entra na sala e diz: “Quem é o velho?”. Vejo René Diatkine, que desce a escada, Jean-Charles explica que já o conhece e Tom me diz: “Ah! Então é ele que eu verei?” Conversamos um pouco sobre isto e voltamos ànoite que caía sobre o Kilimanjaro. (Pereira Leite, 1995, p. 158)

René Diatkine gostava de lembrar-nos que todo ser se constrói em permanência, e que todo encontro, durante a vida, inclusive um encontro cultural, pode levar a uma mudança definidora.

Nestes contextos extremos, criar espaços onde a linguagem pode ser exercida em sua expressão mais lúdica, com gratuidade, traz acolhimento e convida ao diálogo. Quando a adversidade nos atinge, silenciamos em nossas poéticas. Só nos entregamos quando solicitados (Crémieux,1999). Inventamos a arte para expressar o viver. Ela é nossa aliada diante do assombro do desconhecido, da perda, da violência; somos seres de sentidos, seres de palavras, seres Brincantes!

[...] escolhida ou não toda migração é um ato de coragem. e leva a modificações no conjunto da história familiar. A migração, esta é sua grandeza existencial, é um ato complexo que não pode ser reduzido a categorias da sorte ou da necessidade! Independentemente das razões que levaram a este ato, a migração é às vezes traumática [...] A psicanálise reconhece três significações de trauma [...] este refere-se à perda do enquadre cultural interno, a partir do qual era decodificada a realidade externa. (Moro, 2002, p.161)

Devemos, como sugerem Diatkine (1990) e Petit (2016), investir em uma cultura do acolhimento e da hospitalidade em nossa sociedade e nossas instituições, uma cultura na qual cada pessoa ou grupo seja considerado como sujeito singular. Para isso, propor ações que priorizem a criação de espaços de escuta, intercâmbio e a transmissão da cultura e deem lugar para formas de expressão diversas - que acolham a todos sem espera específica, resposta “adequada” ou produto. Nós, profissionais, precisamos, sem perder a seriedade e o rigor, cuidar para impedir engessamentos que nos retirem a liberdade de pensar e inventar nestes contextos adversos e extremos. Assim, quem sabe, poderíamos minimizar e evitar agravar as consequências destes deslocamentos.

 

Notas

1 A Sonia Azambuja e a René Diatkine (in memoriam), pela companhia e acolhimento nestas travessias.

2 A Unité de Soins Intensifs du Soir (USIS) e as Unidades René Diatkine são descritas pela Associação de Saúde Mental do 13° Arr. de Paris em http://www.asm13.org/Les-Unites-Rene-Diatkine. Ver também R. Diatkine e C. Avram (1995).

3 Veja mais sobre a Associação Acces em: http://www.acces-lirabebe.fr/.

4 “Les gens du Voyage”, em expressão francesa.

 

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Correspondência:
Patrícia Bohrer Pereira Leite
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Recebido em 24.01.2017
Aceito em 07.02.2017

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