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Psicologia da Educação

versión impresa ISSN 1414-6975versión On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  n.22 São Paulo jun. 2006

 

AMPLIANDO

 

Grupo de Trabalho Psicologia da Educação: uma análise da produção acadêmica (1998-2004)

 

Educational Psychology: analysis of academic production (1998-2004)

 

Grupo de Trabajo Psicología de la Educación: un análisis de la producción académica (1998-2004)

 

 

Luciane Maria SchlindweinI; Marilene Proença Rebello de SouzaII; Lourdes Helena da SilvaIII; Flávia da Silva Ferreira AsbahrIV; Cristiane NadaletoV

IDoutora em Educação (Psicologia da Educação), PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado) da Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina. E-mail: lucmas@uol.com.br
IIDoutora em Psicologia (Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia. E-mail: mprdsouz@usp.br
IIIDoutora em Educação (Psicologia da Educação), PUC-SP. Professora da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. E-mail: lhsilva@ufv.br
IVDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. Professora da Universidade Ibirapuera, São Paulo. E-mail: flaviasfa@yahoo.com.br
VMestranda do Programa de Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina. E-mail: crisnadaleto@hotmail.com

 

 

A Psicologia da Educação na ANPEd

A Psicologia da Educação, ao mesmo tempo em que se afirma como área do conhecimento, suscita polêmicas acerca dos seus limites, possibilidades e formas de articulação entre os campos da Psicologia e da Educação (Gatti, 2004; Meira, 2002; Maluf, 2005, dentre outros). Tais polêmicas são salutares, uma vez que permitem considerar que o processo de construção do conhecimento é dialético, social e historicamente determinado (Antunes, 2003), exigindo um constante movimento de crítica, presente, principalmente, no interior do espaço acadêmico.

Considerando-se, portanto, a importância da Psicologia da Educação para a compreensão dos processos e práticas educativas é que se constituiu, no interior das Reuniões Anuais da Associação Nacional de Estudos e Pesquisas em Pós-Graduação - ANPEd, o GT de Psicologia da Educação. Passados oito anos de trabalhos no Grupo Psicologia da Educação, a pedido de seus participantes, realizamos um amplo levantamento das pesquisas apresentadas, com o intuito de melhor compreender: a) as principais questões atualmente formuladas pelos pesquisadores brasileiros nessa área; b) os referenciais teórico-metodológicos utilizados para compreender a realidade educacional; e c) as alternativas apresentadas, a partir da pesquisa em Psicologia da Educação, para o enfrentamento dos grandes desafios educacionais brasileiros. Este levantamento constitui-se do conjunto dos trabalhos encomendados, comunicações e pôsteres apresentados no período de constituição deste Grupo de Estudo e de Trabalho em Psicologia da Educação, de 1998 a 2004.

Resgatar a história acadêmica desse grupo é fundamental para se avaliar o percurso realizado até o presente momento, destacando as principais temáticas discutidas e as concepções teórico-metodológicas utilizadas pelos pesquisadores da área de Psicologia da Educação. Consideramos que esse movimento de análise da produção acadêmica do GT permite também anunciar perspectivas na direção de futuros temas de pesquisa e questões da realidade educacional a serem exploradas.

 

GT Psicologia da Educação: um pouco de história

Historicamente, segundo Placco (1999), o GT Psicologia da Educação nasce a partir de uma demanda então explicitada por profissionais dessa área que não encontravam, no campo da Educação, um espaço sistemático e específico de discussão e apresentação de suas pesquisas. Essa discussão ocorreu ainda na 20ª Reunião Anual da ANPEd, em 1997, resultando, no ano seguinte, na constituição do Grupo de Estudos Psicologia da Educação, cujos objetivos eram estabelecer:

[...] um espaço para o debate sistematizado de temas da Educação, analisados a partir de uma perspectiva integrada com a Psicologia, procurando articular indivíduo-grupo-sociedade-mundo e pretendendo estimular a produção na área, visando à sua consolidação e ampliação. E ainda, divulgar, socializar e multiplicar essa produção junto à comunidade científica e profissional do país. (Placco, 1999, p. 155)

Dentre as temáticas elencadas no momento de constituição do GE por seus fundadores, destacavam-se: processo ensino-aprendizagem na situação escolar, práticas educativas formais e informais, desenvolvimento humano, interações no processo educativo, análise do espaço e da cultura escolar e formação do professor. Além disso, ressaltava-se a necessidade de reflexões sobre os aspectos metodológicos, históricos e epistemológicos, tendo em vista a necessidade de construção de identidade da Psicologia da Educação como área de conhecimento (ibid., p. 155).

Para iniciar os trabalhos do GE, foi convidada a Profa. Dra. Bernardete Gatti, que havia publicado, recentemente, na Revista Psicologia da Educação, do Programa de Estudos Pós-Graduados da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o instigante trabalho intitulado "O que é Psicologia da Educação? Ou o que ela pode vir a ser como área de Conhecimento?" (1997). Os questionamentos e as reflexões presentes nesse artigo foram elementos desencadeadores de várias discussões que se fizeram presentes nos trabalhos apresentados nos anos subseqüentes.

Nesse texto inaugural, a autora teve como objetivo problematizar a configuração do campo de conhecimento em Psicologia da Educação, "campo esse que se apresenta, no momento, como espaço movente e mutante" (p. 73). Para isso, analisou artigos em 30 periódicos das áreas de Psicologia Educacional, Psicologia e Educação, de revistas nacionais e internacionais, e observou que a ampla maioria dos estudos adota dois pontos de partida distintos: a) a Psicologia adentra o problema educacional e retorna à Psicologia com suas contribuições; ou b) a Educação busca, na Psicologia, aspectos dessa área de conhecimento que possam ser integrados à ótica educacional. Esses dois movimentos identificados na relação Psicologia e Educação revelavam uma dicotomia entre as áreas de conhecimento, de forma a ser necessária, ainda, a superação dessa relação na direção da construção de uma articulação entre os conhecimentos produzidos nos dois campos. Como analisou Gatti, "sem que a forma de compreensão própria da primeira domine o que é peculiar aos estudos educacionais, e vice-versa" (p. 88).

Durante este período, o grupo vem cumprindo seus objetivos, acolhendo diferentes trabalhos que ampliem a discussão proposta no campo de conhecimento da Psicologia da Educação. Nesse sentido, o GT vem contando com a participação expressiva de pesquisadores de várias instituições de pesquisa em pós-graduação de diversos estados brasileiros. Esse movimento garantiu a consolidação do grupo, que resultou no GT-20 Psicologia da Educação, efetivando seu funcionamento no interior da estrutura da ANPEd.

 

A construção do trabalho e alguns resultados iniciais

O caminho teórico-metodológico percorrido para a realização deste "balanço", bem como o resultado e a discussão dele provenientes, foi delineado a partir de uma leitura inicial do conjunto dos trabalhos apresentados nesses sete anos de funcionamento do grupo. Não temos a pretensão de esgotar tal análise, mas possibilitar uma primeira reflexão sobre o conjunto da produção acadêmica do GT Psicologia da Educação.

O levantamento do conjunto da produção acadêmica do GT demonstra que 128 trabalhos foram apresentados no grupo de 1998 a 2004. O quadro abaixo apresenta o número de cada uma das modalidades: trabalhos encomendados (N=16), comunicações (N=83) e pôsteres (N=30).

 

 

Cada uma dessas modalidades de produção possui características próprias, assim definidas:

1. Trabalhos encomendados: a vanguarda do pensamento. Consideramos que esses trabalhos expressam as discussões do GT como grupo de pesquisadores, no sentido de indicarem temáticas que anunciam novas perspectivas ou discussões a serem aprofundadas ou trazidas para a Psicologia da Educação. Podem ser categorizados como trabalhos que expressam certa vanguarda do pensamento do GT-20.

2. Comunicações: estado do conhecimento. Expressam a produção recente acadêmico-científica na interface Psicologia e Educação dos programas de Educação e Psicologia Escolar/Educacional no Brasil. As comunicações são indicativas do estado do conhecimento no campo da Psicologia da Educação.

3. Pôsteres: tendências das temáticas. Expressam uma produção acadêmico-científica ainda em estado embrionário ou em processo, e que indica tendências das temáticas de pesquisa na área de Psicologia da Educação.

4. Minicursos: necessidades de estudo. Expressam uma necessidade de estudo e aprofundamento de perspectivas teóricas ou metodológicas no âmbito da Psicologia da Educação.

A leitura e a análise desses trabalhos foram orientadas pelas seguintes questões norteadoras: quais são as temáticas explicativas dos estudos realizados? Quais são as perspectivas teóricas adotadas? Qual ótica privilegia a leitura do objeto investigado nos textos: a da Psicologia, a da Educação ou a da Psicologia da Educação? Como são analisados os fins da educação? De que natureza são as contribuições para o campo educacional? Que modalidade de crítica é feita à educação? Qual a relação que se estabelece entre educadores e psicólogos?

A partir da leitura criteriosa dos 128 trabalhos apresentados, foram constituídas fichas analíticas individuais, elaboradas nos moldes metodológicos de Ozella (1998). Tais fichas têm como objetivo identificar os seguintes aspectos do trabalho analisado: modalidade de trabalho, ano de apresentação, autor, instituição, programa de pós-graduação, titulação, temática, filiação teórica, objetivos, procedimentos metodológicos, resultados e observações, conforme quadro a seguir.

 

 

Em seguida, foram elaborados quadros-síntese constando temática, filiação teórica, problema/problemática, resultados, metodologia, objetivo, interface com a Educação e interface com a Psicologia. Tais quadros, pautados nas questões norteadoras, foram elaborados por ano e por modalidade de produção textual. Consideramos que o quadro analítico, especialmente, constituiu-se em instrumento facilitador para a organização dos dados e a categorização dos textos.

O passo seguinte deu-se na direção de descrever a analisar cada um dos eixos das questões norteadoras, ao longo do período estudado. Considerando-se a dimensão deste artigo, centramos a análise nas três primeiras questões norteadoras, identificando as principais temáticas presentes no GT, os referenciais teóricos adotados e a ótica sob a qual a realidade educacional é analisada.

 

A vanguarda do pensamento no GT Psicologia da Educação a partir dos trabalhos encomendados

A partir dos trabalhos encomendados, foi possível identificar três grandes movimentos na produção científica do GT:

a) contribuições e ou implicações das teorias psicológicas à Educação;

b) análise crítica das apropriações de algumas teorias psicológicas pela Educação, produzindo um movimento de psicologização da educação e a necessidade da constituição de abordagens críticas, no campo da Psicologia da Educação, que superem a primazia do conhecimento psicológico sobre outras modalidades de conhecimento;

c) análise da constituição da subjetividade nos processos educativos, procurando superar a dicotomia Psicologia e Educação, ou seja, a educação apresentada como um espaço privilegiado de constituição dessa subjetividade e de desenvolvimento humano.

 

O momento de constituição do GT: as abordagens em pauta

Contribuições e ou implicações das teorias psicológicas à Educação: a primeira tendência

Com relação às contribuições das principais tendências teóricas da Psicologia da Educação, observamos que, na 22ª reunião anual da ANPEd, de 1998, pudemos ter um panorama das principais vertentes teóricas que, nos últimos 30 anos, têm se implicado diretamente com o processo educacional. Foram apresentadas as seguintes abordagens psicológicas: behaviorismo radical de Skinner, epistemologia genética de Piaget, psicanálise de Freud, psicologia concreta de Vigotski, humanismo de Rogers e psicogênese da pessoa completa de Wallon. As abordagens foram discutidas por consagrados pesquisadores representantes de cada linha teórica, na seqüência: Sérgio Vasconcellos de Luna, Maria Lúcia Faria Moro, Maria Aparecida Morgado, Angel Pino, Laurinda Ramalho de Almeida e Abigail Alvarenga Mahoney.

A discussão promovida por esses seis trabalhos encomendados foi fundamental, naquele momento de constituição do GT, uma vez que permitiu o delineamento das diferenças existentes em cada perspectiva teórica, bem como permitiu o aprofundamento das questões anunciadas por Gatti (1997) no momento da implantação do GT. Tratava-se de um momento em que era preciso "recuperar princípios e diretrizes, comparativamente, de modo a possibilitar uma escolha pertinente e uma adesão crítica" (Placco, 2000, Apresentação). Ou seja, havia uma preocupação em resgatar as diferentes abordagens que historicamente se constituíram nas contribuições da Psicologia ao campo educacional e também delimitar um espaço de circulação dessas abordagens como possíveis referenciais teóricos a serem utilizados nas discussões futuras de trabalhos de pesquisa no GT-20. Dessa forma, tais esclarecimentos iniciais teriam como finalidade evitar interpretações viesadas ou distorcidas das abordagens, como também possibilitar o aprofundamento dos fundamentos teórico-metodológicos presentes em cada uma das perspectivas no campo da Psicologia.

Foram discutidas as concepções de educação, de desenvolvimento e aprendizagem e de constituição do psiquismo, bem como implicações gerais das linhas teóricas em foco quanto à formação e à atuação docente. Nesse movimento, a Psicologia vai à Educação para analisar aspectos do fenômeno educacional e volta às teorias psicológicas para compreendê-los, fornecendo contribuições, tanto à Psicologia como à Educação, ou, como aponta Gatti, analisa os "fenômenos educacionais vistos em sua base psicológica" (1997, p. 81). Se, por um lado, tais abordagens ainda refletem fortemente a grande influência da Psicologia no campo educacional, por outro lado, é fundamental a demarcação de tais espaços e concepções para avançarmos na direção da construção do campo de conhecimento denominado "Psicologia da Educação".

Se considerarmos os critérios acima estabelecidos quanto ao movimento realizado pelos trabalhos encomendados no GT de Psicologia da Educação, podemos observar que se soma a esse grupo o trabalho apresentado por Claudia Davis, Marina M.R. Nunes e Cesar A.A. Nunes (2004), intitulado "Metacognição e sucesso escolar: articulando teoria e prática". Os autores partem de conceitos da Psicologia, referentes à metacognição, para compreender as dificuldades no processo de aprendizagem, bem como as possibilidades de superação de tais dificuldades por meio da resolução de problemas. No âmbito da metacognição, o centro do processo educativo é o aluno, que deverá "ter consciência do que sabe e do que não sabe" e, ao desenvolver métodos de trabalho, motivação, capacidade de transferir conhecimentos de uma situação para outra, estará "alcançando a independência intelectual imprescindível ao exercício da cidadania" (p. 21). Embora esse trabalho procure romper a dicotomia entre teoria e prática no campo educacional, tem a sua frente um grande desafio, a saber, como articular esse conhecimento advindo do campo da Psicologia sem que seja apropriado como mais um modelo psicológico a ser seguido pelos educadores.

Apropriações de teorias psicológicas pela educação: a segunda tendência

A análise de um outro bloco de trabalhos encomendados indica a presença do que denominamos uma segunda tendência do GT. Trata-se da análise crítica das apropriações, pela Educação, de algumas teorias psicológicas que produziram um movimento de psicologização da educação, e da necessidade da constituição de abordagens críticas, no campo da Psicologia da Educação, que superem a primazia do conhecimento psicológico sobre outras modalidades de conhecimento.

Nesse grupo, inserem-se os trabalhos de Leandro Lajonquiére, intitulado "As apropriações das teorias psicológicas pela prática educativa contemporânea: a Psicanálise frente à psicologização do cotidiano escolar"; Newton Duarte, com a apresentação "As apropriações das teorias psicológicas pela prática educativa contemporânea: a incorporação de Piaget e de Vigotski ao ideário pedagógico"; Odair Sass, com o artigo "Interrogações da Educação sobre a Psicologia da Educação"; Marília Gouveia de Miranda, com o trabalho "Psicologia da Educação e política educacional", e Antônio Flávio Barbosa Moreira, "Por entre ficções e descentramentos: discussões atuais de currículo e a Psicologia da Educação".

Lajonquiére (2000) questiona as "teses psicopedagógicas da adequação" que naturalizam a ação educativa como simples ato de adestramento humano. Várias experiências educativas, segundo o autor, estavam imbuídas por "ilusões didático-psicologistas", pautadas na crença da possibilidade de adequação natural das crianças ao meio social. Destaca, nessas abordagens, a importância da intervenção do adulto nesse processo, enquanto aquele que "molda ou escreve sobre o caráter infantil". Contrapondo-se a essa concepção, defende uma visão de educação centrada em uma intervenção educativa, cujo objetivo é possibilitar uma filiação simbólica humanizante, ou seja,

A intervenção educativa, à diferença do adestramento, capaz de desenvolver um savoir faire natural, possibilita o desdobramento de um savoir vivre artificial. A educação não aperfeiçoa o ser infantil, retirando metodicamente uma lógica já dada no real, mas inocula e alimenta os germes culturais, alojados no campo Outro das línguas humanas, ou, se preferirmos, insere e sustenta legalidades próprias dos jogos de linguagem. (p. 3)

Duarte (2000) apresenta o debate por ele inaugurado no Brasil a respeito das apropriações neoliberais e pós-modernas da obra de Vigotski. Inicia sua apresentação introduzindo cinco teses:

Primeira tese: a incorporação das teorias de Vigotski e Piaget ao ideário pedagógico contemporâneo tem ocorrido de maneira a fortalecer os ideários pedagógicos sintetizados no famoso lema "aprender a aprender". Segunda tese: o lema "aprender a aprender" é representativo de um tipo de ideário pedagógico bastante adequado ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno. Terceira tese: a teoria de Piaget é compatível com o lema "aprender a aprender" e com o universo ideológico neoliberal e pós-moderno. Quarta tese: a teoria de Vigotski não é compatível com o lema "aprender a aprender" e com o universo ideológico neoliberal e pós-moderno. Quinta tese (conseqüência das anteriores): as teorias de Piaget e Vigotski são inconciliáveis e conflitantes uma em relação à outra.

Como conseqüência das apropriações neoliberais e pós-modernas da obra de Vigotski, tem-se um esvaziamento do caráter materialista-histórico-dialético desta perspectiva, aproximando-a do ideário escolanovista do "aprender a aprender", e denominando-a abordagem sociointeracionista. Além disso, destaca que tal leitura ideologicamente comprometida da obra do autor conduz ao afastamento da concepção marxista de educação e socialista de sociedade nela presente.

Sass (2001) defende a importância da psicologia no campo pedagógico, mas considera fundamental compreender essa relação a partir de dois passos: o primeiro se refere à denúncia do desgarramento existente entre o indivíduo e sociedade, o que exige uma articulação interna da Psicologia como área de conhecimento. O segundo passo postula que essa articulação deve ser mediada por uma teoria crítica da sociedade, bem como por investigações científicas rigorosas. Dessa forma, Sass postula que cabe à Psicologia da Educação contribuir para a formação crítica do indivíduo num sentido oposto ao da irracionalidade imposta por uma sociedade que reproduz sujeitos cada vez mais frágeis e adaptados ao existente.

Miranda (2002), utilizando-se de uma análise histórica e documental das políticas educacionais brasileiras, considera que a Psicologia vem contribuindo fortemente para a consolidação da primazia da aprendizagem sobre o ensino, pelo menos do ponto de vista de fornecer elementos que sustentam uma retórica discursiva que dá legitimidade ao processo educativo, tal qual vem sendo implementado na sociedade contemporânea. Dessa concepção podem ser extraídas algumas conseqüências importantes para a Psicologia da Educação:

Primeiro, a ênfase dada aos valores, conhecimentos e processos como se estes fossem puramente individualizados, e, portanto, exclusivamente psicológicos, numa visão estreita de Psicologia, em detrimento dos valores societários. Segundo, a qualificação dos processos que supõem o exercício da autoridade (dos pais, dos professores, por exemplo) como exercício autoritário de poder. Terceiro, a negação da legitimidade formadora dos conhecimentos acumulados, no suposto de que um conhecimento só é legítimo se validado pelo processo individual (ainda que compartilhado) de descoberta, aquisição ou significação dos conteúdos. Estaria em causa, portanto, uma exacerbação dos processos psicológicos de aquisição de conhecimentos e de valores no mundo contemporâneo. (p. 8)

Moreira (2003) discute a relação Psicologia e Educação mediada pelo campo de estudos do currículo, com destaque para os aspectos de conhecimento e identidade. Inicia o trabalho analisando o campo de conhecimento de currículo, que, se, por um lado, ampliou-se e diversificou-se, por outro, caracteriza-se por dispersão e irrrelevância temática, falta de clareza do objeto de estudo, ausência de rigor teórico-metodológico, dentre outros aspectos. Considera que a Psicologia tem muito a contribuir com o campo do currículo de maneira compreensiva, ou seja, sem que se torne uma área de conhecimento prescritiva ou reguladora da área de currículo, apontando alguns aspectos que as diversas teorias psicológicas têm ajudado a entender, tais como: a) importância das trocas interpessoais na constituição do conhecimento; b) a concepção sociocultural de psiquismo; c) indissociabilidade de aspectos afetivos e cognitivos no processo de aprendizagem humana; d) a complexidade do processo de aprendizagem humana, dentre outros. Defende uma participação ativa da Psicologia da Educação no campo dos estudos curriculares, mediada por uma teoria social "podendo informar processos curriculares em que se produzam identidades situadas na contramão dos valores e modelo dominantes" (p. 4).

A partir da análise aqui empreendida, considera-se importante destacar que, embora a Psicologia tenha historicamente contribuído para o que se denomina psicologização da educação, é tratada pelos autores dos trabalhos como uma área de conhecimento imprescindível à compreensão dos processos educacionais, desde que mediada por uma teoria crítica da sociedade e desde que busque interlocução com outros campos de conhecimento.

A constituição da subjetividade e a Psicologia da Educação: a terceira tendência

O terceiro movimento presente nos trabalhos encomendados abarca textos que discutem a constituição da subjetividade permeada por processos educacionais. Nesse grupo, incluem-se os trabalhos: "A pesquisa e o tema da subjetividade em educação", de Fernando Gonzales Rey; "Identidade e educação dos jovens Sem-Terra", de Maria Tereza Castelo Branco, e "Fios e furos: a trama da subjetividade e a educação", de Mériti de Souza.

Rey (2001) concebe a educação como um dos espaços priviliegiados de constituição da subjetividade e de desenvolvimento humano. Aponta a questão da subjetividade como um fenômeno individual e social que, portanto, exige uma abordagem metodológica que dê conta da complexidade dos processos de sua constituição. Nessa perspectiva, a constituição da sujetividade no processo educativo deve ser analisada por meio da compreensão dos processos de atribuição de significado e de sentido gerados em diferentes zonas do tecido social. Ao considerar a dimensão da pesquisa, destaca o seu caráter qualitativo, bem como enfatiza "o caráter teórico sobre o empírico, assim como a construção sobre a descrição" (p. 4).

Branco (2002) discute outro elemento importante no campo da Psicologia da Educação, referente ao tema da identidade e sua constituição no processo educativo. Tomando como referencial empírico jovens assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), considera que a constituição da identidade dá-se em um processo coletivo, histórico e social, ressaltando o movimento constante desse processo, e enfatizando que nos "movimentos sociais é possível se observar a luta que se trava no interior das sociedades de classe para a conquista de identidades coletivas e esta luta abre espaço para a construção de novas subjetividades" (p. 2). A educação formal é um elemento importante da formação dessa identidade, e precisa ser complementada com a presença de espaços não formais de discussão, possíveis em movimentos de caráter coletivo. Segundo a autora, "Esta modalidade de educação seria de vital importância se nela se valorizasse a vivência da luta, que fortalecesse o sentimento de identidade e de pertença para a juventude e promovesse o vínculo comunitário e a auto-estima" (p. 10).

O terceiro trabalho desse grupo foi apresentado por Mériti de Souza (2003). A autora problematiza a concepção moderna sobre a aquisição e produção do saber e questiona o papel do trabalho pedagógico na transformação da organização psíquica das pessoas envolvidas. Para tanto, realiza uma interessante análise e revisão bibliográfica sobre a constituição da subjetividade na modernidade, questionando a "cultura produtora de modelos identificatórios que representam o homem configurado por uma subjetividade unificada, que sobrepõe a consciência à razão e à verdade e exclui a dimensão das paixões" (p. 11). Destaca a importância da experiência na constituição do humano, ao considerar que "o processo de aquisição e de produção de conhecimento não é garantido pela definição e adoção de pressupostos definidos a priori; mas a relação estabelecida entre a teoria e a prática pode nos dizer sobre as razões e as paixões que circulam, sustentam e constroem a experiência educacional" (p. 13).

O estudo da subjetividade forjado nos processos educacionais e tematizado nos trabalhos do terceiro grupo analisado, procuram alternativas de ruptura das históricas dicotomias, presentes no campo educacional, entre social e individual; afetivo e cognitivo; teoria e prática, dentre outras, tão recorrentes na relação entre Psicologia e Educação. Tais trabalhos, ao se centrarem no sujeito constituído no processo educativo e social, redirecionam o olhar teórico e empírico, possibilitando a construção de um conhecimento que busca superar a visão dicotomizada existente na Psicologia da Educação, como anunciou Gatti (2004). Na mesma direção, afirma Meira (2002):

Nesse sentido, para situarmos mais adequadamente nosso objeto, é preciso compreendermos de uma nova maneira as relações entre os processos psicológicos e os pedagógicos ou, em outras palavras, o papel da Educação na construção da subjetividade humana e o papel da subjetividade na construção do processo educacional. (p. 59)

É importante destacar que cada um dos trabalhos acima analisados parte de concepções teóricas distintas, visando compreender a complexidade do sujeito no percurso educativo formal.

 

O estado do conhecimento da Psicologia da Educação nas comunicações e nos pôsteres

Foram apresentados, nos últimos sete anos, no GE e GT-20, 83 comunicações e trinta pôsteres (Quadro I). No que se refere às características das comunicações e pôsteres, para além das especificidades de cada uma das modalidades aqui apresentadas, é importante ressaltar que a abrangência constitutiva do campo da Psicologia da Educação favorece tanto a diversidade de temáticas e objetos quanto de abordagens teóricas e metodológicas, o que amplia a gama de possibilidades de discussão no GT. Entretanto, essa especificidade do campo da Psicologia da Educação, que pode significar riqueza e amplitude no trabalho acadêmico, encontra diferentes possibilidades de interlocução em função do formato de cada uma das modalidades. Dessa forma, as comunicações expressam a produção recente da comunidade acadêmico-científica na interface que se estabelece entre a área da Psicologia e da Educação. São textos acadêmicos, em sua maioria vinculados a trabalhos de dissertações e teses ou, ainda, a produções de grupos de pesquisa dos programas de Educação e Psicologia. Nesse contexto, é possível afirmar que as comunicações apresentadas no GT-20, nos últimos anos expressam o estado do conhecimento no campo da Psicologia da Educação no Brasil.

Os pôsteres, pela forma como foram concebidos nas reuniões anuais, apresentam um formato que limita o aprofundamento sobre o desenvolvimento teórico-metodológico do objeto e a compreensão das dimensões mais instigantes do estudo. Essas dificuldades manifestam-se, também, no processo de classificação dos trabalhos segundo os eixos temáticos, que, como toda tentativa de categorização, apresenta riscos e envolve opções de várias ordens. Nesse sentido, a apresentação aqui realizada deve ser compreendida como uma estratégia possível de exposição do conjunto da riqueza e da diversidade presentes no GT-20.

O Quadro 2 permite uma visualização das temáticas abordadas nas comunicações, por ano de apresentação nas Reuniões Anuais da ANPEd.

 

 

Esse quadro demonstra que as temáticas mais freqüentes no GT-20 referemse a: formação de professores (N=27); constituição da subjetividade (N=15); cultura escolar (N=14) e práticas escolares (N=10). Embora a questão da relação indivíduo-sociedade tenha sido mencionada como fundamental na compreensão da articulação entre Psicologia e Educação, essa temática comparece somente com um trabalho.

Nota-se no quadro os dois temas de maior incidência na produção: formação de professores e constituição da subjetividade. Em ambos os temas, ainda que tenham sido contempladas as diferentes abordagens psicológicas, há uma preponderância dos fundamentos teóricos e metodológicos propostos pela psicologia histórico-cultural e dos estudos no âmbito das representações sociais. Outras abordagens também estão contempladas, tais como construtivismo piagetiano, behaviorismo, psicanálise. Aparecem, no âmbito desse quadro, estudos propositivos - que apresentam alternativas para a formação de professores -, estudos avaliativos - que investigam, in loco, o desempenho do professor e de programas oficiais aos quais o professor esteja submetido -, estudos que abordam o imaginário do docente e de seu trabalho, e até um mesmo um trabalho que investiga a saúde mental do professor.

 

A formação docente como objeto de estudo da Psicologia da Educação

A formação docente ou formação de professores tem sido a temática com maior incidência, em termos de apresentação de comunicações. Trata-se de uma temática ampla, que permite as mais diferentes interfaces teóricas e metodológicas e que, nas comunicações, está contemplada nas diversas abordagens psicológicas. Ainda que o GT-20 venha apresentando textos com temas que poderíamos denominar clássicos na educação, os objetos de estudos têm sido abordados em diferentes perspectivas teóricas e metodológicas.

Aparecem, ainda, nesse grupo temático, pesquisas realizadas em parceira com órgãos oficiais e gestores de formação, investigando as políticas e dinâmicas empreendidas na formação de professores no Brasil. São trabalhos inovadores, que investigam, por exemplo, o papel da literatura na formação dos professores.

Também no conjunto dos pôsteres, a temática formação de professores vem congregando a maior quantidade de textos, no período de análise. São estudos que investigam a dimensão interpessoal nos cursos de Licenciatura; as contribuições do ensino de psicologia na formação de educadores; a relação entre Psicologia e prática pedagógica; o papel da teoria; a formação transpessoal; os processos de formação e de construção de papel do professor ante novos espaços e novas tecnologias; e as transformações conceituais de professores em situação de formação continuada. É interessante destacar que, assim como são estudos que apresentam uma variedade de subtemas, indicam também uma variedade de referencias teóricos orientadores dos trabalhos. Assim, temos a indicação das contribuições da teoria humanista, histórico-cultural, construtivista e da abordagem transpessoal. São trabalhos que, majoritariamente, derivam de pesquisas concluídas e/ou em desenvolvimento. Destaca-se a presença, no conjunto dos trabalhos sobre a formação de professor, um ensaio de natureza teórica bibliográfica.

Consideramos que não é mero acaso o fato de a temática formação docente aparecer no topo da lista no GT-20. De acordo com Ramalho (2003), a profissionalização da docência vem sendo delineada em diferentes contextos educacionais mundiais. E o Brasil não poderia ficar à margem dessa discussão.

Muitos dos trabalhos apresentados no GT-20 contribuem, efetivamente, no sentido de redimensionar o papel da Psicologia no estudo da constituição da subjetividade do professor, constituindo, no campo da Educação, subsídios para melhor compreender a profissionalidade do professor, no âmbito de sua construção profissional. Consideramos que o diálogo que se estabelece entre esses dois campos de conhecimento possa ser mais consolidado.

 

Espaço e cultura escolar

Estudos sobre espaço e cultura escolar também estão contemplados com destaque nas comunicações. São estudos que discutem a dimensão subjetiva nos processos de gestão democrática na escola; relações de poder no âmbito da gestão escolar ou, ainda, analisam o espaço escolar a partir de estudos representacionais produzidos pelos professores. Cabe destacar que este último trabalho fundamenta-se em uma epistemologia psicossociológica oriunda dos estudos da Psicologia Social européia, e apresenta resultados bastante surpreendentes, como, por exemplo, o desejo dos docentes em preservar determinados valores que poderiam ser considerados ultrapassados no contexto escolar atual. Outro destaque nesse bloco de comunicações é um estudo que tem por objetivo problematizar a significação da atividade pedagógica nos marcos do materialismo histórico e dialético, a partir das contribuições da pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural. Tal estudo, de cunho bibliográfico, destaca o papel do projeto político pedagógico e as repercussões da teoria da atividade sobre a atividade docente no âmbito do espaço escolar. Dentre os pôsteres, quatro estudos estão voltados para análises do espaço e da cultura escolar. Inserem-se nesse grupo os trabalhos "Grêmio estudantil: um dispositivo para a participação dos alunos na gestão do processo escolar"; "Gestão democrática: um projeto de ação coletiva"; "Trabalho docente e suas implicações com as práticas pedagógicas", que apresentam, em comum, os mesmos autores e a mesma perspectiva teórica utilizada. Além disto, um outro elemento compartilhado pelos trabalhos é o seu formato original de apresentação: relatos de projetos de intervenção. São trabalhos que estiveram presentes em três reuniões do GT-20: 2001, 2002 e 2004.

As temáticas "Aprendizagem Escolar" e "Práticas Escolares" também aparecem em destaque, com oito e dez trabalhos, respectivamente.

Concordamos com Azevedo e Aguiar (2001), quando afirmam que um dos indicadores da vitalidade de um GT da ANPEd é a existência de demanda pelos pesquisadores para apresentação de trabalhos em suas reuniões anuais. Nesse sentido, podemos destacar o número significativo de trabalhos apresentados nas modalidades comunicações e pôsteres no período de análise, e também destacar que a sua freqüência anual tem sido bastante significativa.

 

Temática da subjetividade confirma a Psicologia da Educação

A temática constituição da subjetividade aparece em segundo lugar, nas comunicações. Trata-se de um dado muito relevante e que, sob certo aspecto, consolida a hipótese da Psicologia da Educação como área de conhecimento. Grande parte dos estudos sobre a constituição da subjetividade nos processos educativos apresenta indicadores no sentido de superação da dicotomia Psicologia e Educação, construindo um conhecimento que se constitui no espaço educacional. São estudos que buscam a superação, também, do isolamento das abordagens teóricas, articulando, por exemplo, os postulados de base psicanalítica com os de base construtivista, em um movimento que busca a compreensão do desenvolvimento e da subjetividade dos envolvidos nos processos educacionais. Um outro estudo articula os postulados de Wallon, Vigotski e Bahktin, com o intuito de investigar o papel das trocas sociais na constituição da subjetividade. Estão presentes, também, estudos que discutem como a escola representa um espaço privilegiado de constituição humana e que se refere tanto aos alunos, quanto aos professores, ou seja, estudos que discutem a constituição da subjetividade em adultos, em crianças, em adolescentes e em jovens. Destacamos, ainda nesse bloco, estudos que articulam a Pedagogia no entrecruzamento dos campos de conhecimento da arte, da educação e o âmbito da subjetividade em uma perspectiva histórica-cultural.

 

O devir...

Finalizando, consideramos que o levantamento aqui apresentado demonstra que, no conjunto das pesquisas apresentadas, há: a) forte presença da temática de formação de professores, levando-nos a considerar a necessidade de aprofundamento da análise desses trabalhos em estudos posteriores; b) grande diversidade de abordagens teóricas, mas com significativo número de trabalhos em uma perspectiva histórico-cultural, demonstrando ampliação dessa abordagem entre os pesquisadores; c) constante movimento de crítica nos trabalhos encomendados, possibilitando ampliar as discussões da relação entre Psicologia e Educação; d) pouca presença de estudos que analisem temas metodológicos ou ainda pertinentes à relação indivíduo-sociedade; e) necessidade de melhor compreender a temática da subjetividade, presença constante nas pesquisas em Psicologia da Educação.

Consideramos também que, a partir da discussão desencadeada por Gatti (2004), podemos sugerir alguns temas de pesquisa, visando superar a dicotomia Psicologia e Educação, a saber: a) análise das repercussões das políticas públicas educacionais na vida diária escolar dos sujeitos que delas participam e as constituem; b) constituição dos processos subjetivos no campo educacional; c) contribuições da Psicologia na formação e prática docente; d) processo de apropriação do conhecimento, quer do ponto de vista do professor, quer do aluno; e) discussão das diferentes modalidades de mediação presentes no processo educativo, enfatizando os impactos das inovações tecnológicas.

 

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Recebido em janeiro de 2006.
Aprovado em junho de 2006.

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