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Psic: revista da Vetor Editora
versión impresa ISSN 1676-7314
Psic v.7 n.2 São Paulo dic. 2006
RESENHA
Ser psicólogo: representações inconscientes que determinam a escolha
Marina Gasparoto do Amaral Gurgel 1
Universidade São Francisco
Filho, A. G. A. (2006). Escolha Profissional: consciente e/ou inconsciente (122 p.). São Paulo: Vetor.
A escolha pela profissão Psicologia se baseia em motivações conscientes e/ou inconscientes? Antônio Geraldo de Abreu Filho, psicólogo e professor da Universidade de São Paulo, propõe-se a responder essa questão em sua obra em oito capítulos, valendo-se de uma fundamentação teórica kleiniana, para verificar se a escolha possui motivações fundamentalmente inconscientes. Para isso, fundamenta-se na reparação de um objeto destruído em fantasia.
Esse tema vem sendo investigado durante algum tempo, porém o autor possui uma visão jovem e ousada, pois em sua obra o foco é o inconsciente/latente, algo muito mais profundo a ser compreendido. Ao longo do livro são proporcionadas compreensões teóricas e vivências de sua pesquisa com estudantes do primeiro e segundo anos de Psicologia de universidades públicas e privadas.
Em sua introdução, relata sua indagação quanto à escolha da Psicologia como profissão, considerando que ela lida com o sofrimento psíquico diariamente, exigindo grande preparo pessoal e profissional para enfrentar determinadas situações. O autor descreve também os caminhos percorridos para a realização de sua pesquisa, como o levantamento bibliográfico, a escolha dos sujeitos e os instrumentos utilizados.
No primeiro capítulo, intitulado Fundamentação Teórica, Antônio Geraldo de Abreu Filho explana conceitos como a fantasia inconsciente, as posições esquizoparanóide e depressiva, descrevendo as bases da psicanálise que são a pulsão de vida e de morte.
Após esse aporte teórico, segue o segundo capítulo, nomeado A escolha profissional: identificação e identidades e este se desenvolve em três subtítulos: A identidade vocacional, Reparação e A identidade profissional do psicólogo. No primeiro subtítulo, o autor diferencia identificação de identidade, relatando que ela é formada quando já ocorreu uma incorporação das figuras parentais, possibilitando ao sujeito criar uma identidade pessoal do eu e, a partir disso, a profissional. Nesse sentido, o autor relata a importância do papel da família na formação da identidade, já que ela serve de modelo, citando a questão da dependência, da disciplina e dos limites na fase da adolescência em que o filho se vê 'obrigado' a amadurecer, tornando-se mais independente, fato este extremamente marcado pela escolha profissional. O autor abarca então alguns conceitos sobre a identidade vocacional, distinguindo-a da identidade profissional, relatando que a primeira expressa os afetos e as emoções do sujeito, que almeja uma reparação dos objetos danificados, enquanto a segunda busca o que atende a essas necessidades. Assim, quando o indivíduo escolhe uma profissão observa-se que atende a seus desejos e ao que está determinado socioeconomicamente.
No próximo subtítulo do capítulo, a reparação é explanada segundo Klein e ela, como citada anteriormente, é a base para o autor na escolha de uma profissão. Para que a mesma ocorra, o indivíduo deve possuir a capacidade de se identificar com a pessoa amada, desempenhando o papel de boa mãe ou de bom pai, agindo com ela como seus pais se comportaram com ele, desempenhando também o papel de criança boa com os pais, papel que gostaria de ter feito no passado e agora se recria no presente. Segundo o autor, a escolha profissional busca a reparação dos objetos danificados em fantasia e somente com a autêntica reparação o indivíduo possuirá clareza quanto a seu papel profissional. Afinal, quando busca uma profissão, na realidade procura um reencontro do objeto que imaginava ter destruído. Existem quatro tipos de reparações: a autêntica, a maníaca, a compulsiva e a melancólica.
No subtítulo seguinte o autor faz uma explanação sobre a identidade profissional do psicólogo, sendo caracterizada por muitas contradições e ambivalências e por um desempenho prático pouco voltado para as questões sociais. Cita por meio de alguns autores que a vocação é um sintoma, ou seja, um conflito que passou por um recalque e se manifesta em forma de compromisso; que a psicologia deve ser uma metamorfose, acompanhando as mudanças da realidade social de nosso país; e que a identidade profissional nunca estará acabada, necessitando de constantes modificações.
No terceiro capítulo, denominado Mito de Édipo e a escolha profissional, é relatada a história da mitologia grega comparando-a à escolha profissional, expondo que quando se opta pela profissão de psicólogo não se tem consciência latente do que conduziu a essa escolha, assim como Édipo fez sua descoberta, repleta de frustrações. Por meio de confrontações ao longo do capítulo sobre a escolha profissional e o mito de Édipo, o autor chega à conclusão de que o momento da escolha de uma profissão é quando o indivíduo tem que caminhar com as próprias pernas, deixando para trás sua infância e toda segurança que tinha antes, conscientizando-se de sua escolha para poder trilhar um caminho da construção de uma identidade profissional, assim como Édipo teve que caminhar para revelar o tão desejado segredo, mudando assim seu destino.
No quarto capítulo, O uso do TAT (Thematic Apperception Test), Antônio Geraldo de Abreu Filho descreve um dos instrumentos utilizados em sua pesquisa, o TAT, expondo a importância das técnicas projetivas que demonstram os aspectos inconscientes da personalidade do indivíduo, ou seja, o latente, favorecendo o aparecimento do mundo interno do sujeito. O autor explica que só foi utilizada a Prancha 1 do TAT, pois não pretendia um diagnóstico e sim compreender o nível latente dos conteúdos da resposta. A figura nessa prancha é uma criança com um violino, sendo a temática mais freqüente a relação de autoridade, a atitude perante o dever e também o ideal de ego.
No quinto capítulo, intitulado A entrevista semidirigida, o autor descreve esse instrumento, explicando que sua utilização permitiu a observação da dinâmica do sujeito e de seus conteúdos conscientes ou manifestos, citando uma autora que caracteriza a entrevista semidirigida como um campo psicológico formado pelo entrevistador e entrevistado e se configura pela liberdade do entrevistado em se colocar, podendo o entrevistador assinalar algumas questões e questionar algumas dúvidas.
Antônio Geraldo de Abreu Filho aborda sua pesquisa no sexto capítulo, denominado Sobre a pesquisa. Foi qualitativa e utilizou relatos verbais de 21 estudantes do primeiro e segundo anos de Psicologia. O autor descreve novamente os instrumentos utilizados e relata a ordem de aplicação, sendo primeiramente aplicada a Prancha 1 do TAT e posteriormente a entrevista semidirigida. Os critérios de inclusão para a realização da pesquisa foi o não conhecimento do teste TAT, por isso foi aplicado individualmente em estudantes que estão iniciando o curso. O autor utilizou a análise de conteúdo para avaliação, no que se refere ao tema, à identificação e às necessidades do herói, de figuras e objetos omitidos ou distorcidos, conflitos significativos, ansiedade, adequação e integração do ego. E também da análise formal, ou seja, o tempo, os comportamentos, os elementos de linguagem e a estruturação do tema.
No sétimo capítulo, intitulado Apresentação e análise dos resultados, são comentados os dados. Na maior parte dos relatos das histórias houve a racionalização, como mecanismo de defesa, ou seja, uma necessidade de encobrir o latente, o que juntamente com a entrevista semidirigida, completou-se a análise das percepções dos alunos, pois por ela obteve-se respostas no nível manifesto, racional. Além dos quatro tipos de reparação, o autor cria outros dois tipos para completar sua análise, a autêntica/maníaca e a maníaca/autêntica.
Conclusão é o capítulo em que o autor encerra seu livro, por meio da análise de quatro tabelas, indicando que a escolha profissional dos alunos de Psicologia possui grande aspecto latente, ou seja, inconsciente. Nem sempre e porém, o aluno que teve uma reparação autêntica nos conteúdos latentes, obteve-a nos conteúdos manifestos (entrevista semidirigida), suscitando algumas questões para o autor: "Qual a relação que o aluno estabelece quando 'escolhe' psicologia e qual tipo de reparação de conteúdo manifesto e latente tal 'escolha' está apoiada?" Segundo o autor, essas e outras questões, como o desamparo desses futuros psicólogos que muitas vezes não fazem uma análise pessoal e necessitam de um cuidado maior, serão respondidas em futuras pesquisas.
Os oito capítulos que compõem o livro apresentam uma grande contribuição teórica no que se refere à Escolha Profissional, pois tratam de um tema pouco explorado na área, os aspectos inconscientes no momento da escolha, possibilitando que os indivíduos se conscientizem sobre o papel profissional que exercem na sociedade. Além disso, contribui para criação de dois novos tipos de reparação. Ressalta-se, ainda, que esse livro é recomendado a todos os profissionais que atuam no contexto clínico e educacional, bem como às pessoas que se interessam pelos jovens, que irão representar nosso país no futuro.
Endereço para correspondência
E-mail: marina_gurgel@yahoo.com.br
Recebido em: outubro de 2006
Aprovado em: novembro de 2006
Sobre a autora:
1 Marina Gasparoto do Amaral Gurgel é graduanda do curso de Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista PROBAIC.