SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 número87 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.87 São Paulo dez. 2014

 

Resenhas de livros

 

 

Faria, D.L. de; Freitas, L.V. de & Gallbach, M.R. (Orgs.) (2014) Sonhos na Psicologia Junguiana: novas perspectivas no contexto brasileiro. São Paulo: Paulus.

 

Therezinha Moreira Leite1

Instituto de Psicologia –USP

 

O livro reúne textos da autoria dos autores e organizadores citados, juntamente a profissionais psicólogos, uns e outros exercendo prática clínica particular, ensino e supervisão em escolas e em consultório, atuações de ordem comunitária – em instituições e grupos de atendimento, participação em associações regionais e internacionais, reuniões e congressos na área: Alberto Pereira Lima Filho, Denis Canal Mendes, Denise Gimenes Ramos, Eloisa M. D. Penna, Felicia Rodrigues Rebelo da Silva Araujo, Heloisa Helena Alonso Capasso da Silva, Luciano Diniz de Oliveira, Maria Silvia Costa Pessoa, Marisa V. Catta - Preta, Rosa Maria Farah e Therezinha Moreira Leite. Seu alcance se amplia na medida em que se lança ao conhecimento da prática de psicólogos diante de questões e urgências da contemporaneidade e da realidade brasileira.

Destaca-se pela amplitude de temas, a maioria dos autores fundamentados na abordagem de Jung em psicologia e sobre sonhos em particular. O texto referido a minha autoria não se relaciona diretamente a essa abordagem, ainda que nele se possam discernir elementos que com ele se coadunam. Assim, ainda que os sonhos sejam comumente considerados como eventos sem sentido, aqui ressalta o papel cultural que mantêm no desenvolvimento da história humana. Seguindo as proposições de Jung, as imagens oníricas não são apenas um disfarce; pelo contrário, associações pessoais a elas e sua amplificação no âmbito universal levam à experiência própria do indivíduo e relevam a busca de sentido necessária à existência própria, ao encontro do mito pessoal em cada um... ao processamento simbólico arquetípico... ao processo de individuação.

Os textos evidenciam a busca intensa e incessante nesse processo de desvendamento por parte dos autores em diversas condições de espaço em que exercem atuação clínica e terapêutica. Revelando experiência de longo tempo, expõem a clínica que exercem, no atendimento à dor psíquica nas mais diversas condições de vida. O sonho sob múltiplas perspectivas em contextos variados, a par da utilização de recursos outros também expressivos, no trabalho de desvendamento junto à pessoa em atendimento: a utilização de máscaras no desenvolvimento da sessão em grupo, o desenvolvimento da imaginação-corpoativa no decorrer do atendimento clínico, reportam a dimensão criativa dessa atuação. Dirigem-se a Grupo de alunos para o conhecimento sobre psicologia, sonho, e trabalho com sonhos; a pacientes em terapia individual, ao atendimento de casal; reúnem grupos terapêuticos de vivência de sonhos, grupos de vivência de sonhos para o desenvolvimento de trabalhadores sociais na rede pública; a meninos de rua e uso de drogas, a pacientes de hospital-dia.

O exercício do raciocínio clínico se revela a par do relato da abertura ao sonho, às imagens que se sucedem no acompanhamento atento à busca pessoal de cada um do significado de sua vida, do si-mesmo, como "referência do caminho em busca do sentido pessoal", "no mistério da vida". Embora estejam todos se referindo a "princípios semelhantes e valores veiculados pelo mestre", os trabalhos e o relato se apresentam como muito próprios, atestando "os muitos modos" de serem "cada um". Ainda nas palavras de Durval Luis de Faria, dessa forma podem atestar a possibilidade da construção de "uma rede coletiva criativa na qual cada pessoa, a seu modo, contribui para a construção do universal".(p.48)

Subsumida a evidência corpórea no evento onírico, dados da pesquisa de laboratório de ordem psicofisiológica relacionando pensamento noturno e sonhos a registros eletrofisiológicos (estágios REM e NREM) são citados. Assim como a realidade corpórea e emotiva em sonhos no processamento da prática Imaginação- Corpo-Ativa, no equilíbrio psicossomático e nos processos de cura. O sentido do sonhar é ressaltado como recurso ao diagnóstico e à evolução da cura, em vista da relação psique-corpo, poderíamos dizer. Um processo patológico, a nível orgânico poderia estar na base de cenas oníricas violentas, assim como sonhar pode favorecer a manutenção de saúde psicossomática.

Aspecto a se salientar, a experiência em Jung remete à interpretação ao nível do sujeito e ao nível do objeto. Esta última evoca algo para além da experiência pessoal do sujeito. Igualmente se pode depreender da prática com sonhos do pajé, algo nos sonhos sabe mais que o sujeito. A experiência xamânica atesta a existência de um mundo espiritual, e aí também, o sonho provê subsídios para o diagnóstico e a cura.

Realmente, ainda que aos olhos do sonhador em vigília, o conjunto de imagens pareça subverter a garantia de espaço e tempo substanciados materialmente no mundo e no pensamento vígil estando ausente a lógica de vigília, faz-se necessário reconhecer as metáforas presentes na linguagem simbólica de sonhos e sintomas, e dessa forma favorecer o ressurgimento do sujeito, para além do enunciado na interpretação de um outro. Confrontado pela "verdade", o ego daria margem à abertura a novos sentidos e realização.

Na atualidade, uma questão fragrante se propõe ao pensador e do psicólogo, com o surgimento da internet. Esse fato pede respostas perante questões que se colocam a nossa observação; pesquisa e estudo se fazem necessários na tentativa de compreender suas repercussões psicológicas em relatos de sonhos de pessoas de idades diversas e atuações profissionais em diferentes áreas. Diante das experiências de um ciberespaço, a grande rede, se faz presente a advertência de Jung em Civilização em transição. Os efeitos na subjetividade humana de seu uso patenteiam novo espaço de expressão da alma humana e dessa forma merecem e solicitam elaboração cuidadosa, em vista também de atendimento às pessoas que procuram acolhimento psicológico.

 

Recebido: 08/10/2014 / Aceito: 23/10/2014.

 

 

1 Doutora em Psicologia. Ex-diretora do Instituto de Psicologia-Universidade de S. Paulo. Contato: R. General Jardim, 688, ap. 21 – Vila Buarque, CEP: 001223-210 S. Paulo- Brasil. Tel: (11) 3885-6657 E-mail: tmleite@usp.br

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons