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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.40 no.99 São Paulo jul./dez. 2020

 

I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO

 

A identidade do psicólogo brasileiro: produções de 2008 a 2019

 

The identity of the Brazilian psychologist: productions from 2008 to 2019

 

La identidad del psicólogo brasileño: producciones de 2008 a 2019

 

 

Douglas Leite PiassonI; Marta Helena de FreitasII

IEspecialista em Psicologia Analítica pela Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo (FACIS), Bacharel e Psicólogo pela Universidade de Brasília (UnB). Doutorando e mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília (UCB). ORCID: 0000-0001-9458-3769
IIDoutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB), professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB) e pesquisadora visitante na University of Wales Trinity Saint David (2019-2020). ORCID: 0000-0003-1552-6016

Endereço

 

 


RESUMO

Este artigo trata da identidade profissional do psicólogo brasileiro e tem como objetivo conhecer como a temática tem sido tratada nas produções específicas da área de Psicologia nos últimos anos. Descreve, portanto, uma revisão integrativa da literatura concernente produzida no período de 2008 a 2019. Foram analisadas 32 produções, sendo 11 artigos, 18 dissertações e três teses. Os trabalhos foram organizados em quatro categorias, conforme a perspectiva pela qual a identidade do psicólogo era tratada: 1) pelos estudantes de psicologia, 2) pelos usuários de serviços psicológicos, 3) pela equipe multidisciplinar e 4) pelos psicólogos. Constatou-se que a identidade do psicólogo ainda é pautada pelo enfoque clínico, vinculando-se a uma ideia de intervenção psicológica mais voltada para o indivíduo. São discutidos alguns impactos deste perfil na atuação profissional, reiterando-se a importância da formação pautada nas novas demandas sociais emergentes no país.

Palavras-chave: identidade; profissional; psicólogo.


ABSTRACT

This article deals with the professional identity of the Brazilian psychologist and aims to understand how the theme has been treated in specific productions in the Psychology field during the recent years. It therefore describes an integrative review of the relevant literature produced in the period from 2008 to 2019. 32 productions were analyzed: 11 articles, 18 dissertations and three theses. The works were organized into four categories, according to the perspective from which the psychologist's identity was treated 1) by psychology students, 2) by users of psychological services, 3) by the multidisciplinary team, and 4) by psychologists. It was found that the psychologist's identity is still guided by the clinical focus, linked to an idea of psychological intervention more focused on the individual. Some impacts of this profile on professional performance are discussed, and the importance of training based on the new social demands emerging in the country is reiterated.

Keywords: identity; professional; psychologist.


RESUMEN

Este artículo trata sobre la identidad profesional del psicólogo brasileño y tiene como objetivo conocer cómo se ha tratado el tema en producciones específicas en el campo de la Psicología en los últimos años. Por lo tanto, describe una revisión integradora de la literatura relevante producida en el período de 2008 a 2019. Se analizaron 32 producciones, 11 artículos, 18 disertaciones y tres tesis. Los trabajos se organizaron en cuatro categorías, según la perspectiva desde la cual se trató la identidad del psicólogo: 1) por estudiantes de psicología, 2) por usuarios de servicios psicológicos, 3) por el equipo multidisciplinario y 4) por psicólogos. Se encontró que la identidad del psicólogo sigue estando guiada por el enfoque clínico, vinculado a una idea de intervención psicológica más centrada en el individuo. Se discuten algunos impactos de este perfil en el desempeño profesional, reiterando la importancia de la formación a partir de las nuevas demandas sociales emergentes en el país.

Palabras llave: identidad; profesional; psicólogo.


 

 

Introdução

A preocupação em estudar a identidade do psicólogo e as nuances de sua atuação profissional tem se mostrado presente no cenário brasileiro antes mesmo da formalização da profissão no país. Com o advento da regulamentação da profissão em 1962, diversos pesquisadores intensificaram estes esforços para compreender as especificidades da intervenção psicológica e da identidade desta categoria, considerando-se a realidade cultural do país e os novos cenários que emergiam (Bastos & Gomide, 1989; Bock, 1999; Espírito & Castro, 2012; Gil, 1985; Martin-Baró, 1997; Mazer & Melo-Silva, 2010; Pereira & Pereira Neto, 2003).

Desde então, apesar da multiplicidade de sentidos e significados que a Psicologia pode assumir para seus estudantes e profissionais, estudos indicam que a escolha vocacional pela área é fortemente atrelada à noção de querer ajudar as pessoas (Magalhães, Straliotto, Keller & Gomes, 2001; Ziliotto, Benvenutti, Matiello & Piel, 2014), sendo uma concepção que permeia toda a formação e impacta diretamente a atuação dos psicólogos. Ademais, há a prevalência da valorização de áreas e campos tradicionais da Psicologia, nos quais a Psicologia Clínica, Escolar/ Educacional e Organizacional e do Trabalho são concebidas sob uma ótica internalista e, por vezes, desconectada da realidade social do país (Costa et al., 2012). Tais características impactam a forma como os psicólogos concebem sua identidade e sua atuação. Entretanto, a complexidade da realidade social do Brasil tem exigido cada vez mais uma compreensão aprofundada das nuances da intervenção psicológica, demandando, por vezes, competências e habilidades destes profissionais que extrapolam o modelo clínico ainda predominante nos cursos de formação.

Cada vez mais o psicólogo brasileiro tem sido demandado a atuar de forma inter e multiprofissional, colaborando com outros profissionais, como professores, médicos, assistentes sociais, juízes, policiais, dentre outros. Tal cenário aponta a expansão da Psicologia brasileira e reitera seu compromisso social, porém, fornece desafios para uma formação profissional eficaz. Rudá, Coutinho e Almeida-Filho (2019) indicam que o curso de psicologia atualmente é marcado pela grande diversidade e possibilidades de inserção profissional, porém, exige que seus estudantes desenvolvam habilidades e competências específicas para a atuação nestes diversos contextos.

A expansão do seu campo de ação, acompanhada do aumento de oportunidades em diferentes cenários, tem estimulado a procura pela formação em psicologia no país e o aumento no quantitativo de profissionais nesta área. Porém, apesar destes aspectos aparentemente agregadores, há de se considerar possíveis riscos para a profissão e para a identidade da categoria. Um exemplo comum pode ser obtido através da própria nomenclatura que os psicólogos utilizam para se identificar, tal como "coacher", "psicopedagogo", "influencer", "gestor de recursos humanos", dentre outros. E mesmo dentre aqueles que se declaram psicólogos, é comum que se intitulem com um adjetivo complementar, tais como: "analista", "psicanalista", "humanista", "comportamentalista" e assim por diante. Evidentemente, toda esta possibilidade de nomenclaturas advém da diversidade, técnica e epistemológica, intrínseca ao campo. Todavia, pode indicar também uma possível fragmentação identitária que afeta negativamente a imagem da profissão perante os usuários de seus serviços e profissionais que interagem diretamente com o psicólogo, podendo gerar dificuldades em reconhecer as especificidades da atuação deste profissional e em caracterizar sua identidade.

Apesar de as concepções pós-modernas de identidade apresentarem caráter f luido e multidimensional (Howard, 2000), ainda há de se considerar que os profissionais constituem uma identidade profissional tendo por base características específicas de sua atuação e da categoria profissional. Porém, não podemos perder de vista que este processo identitário se dá de forma contínua e mutável, articulando fatores objetivos e subjetivos, em uma constante metamorfose, que ocorre a partir da relação sincrônica e diacrônica entre os dois fatores (Ciampa, 1998).

No âmbito específico da identidade de um profissional, Schein (1996) sustenta que este ressignifica sua identidade à medida que avança em fases de seu trabalho, sendo sua concepção marcada pelo modo como se desenvolve sua vida profissional ao longo do tempo e pela forma como o sujeito a percebe. Assim sendo, importa investigar tanto características intrínsecas ao indivíduo como também os fatores sociais e históricos que envolvem sua atuação, considerando que esta identidade se constitui na intersecção entre a coletividade e a dimensão subjetiva do indivíduo (Lara Junior & Lara, 2017).

Considerando que as alterações no trabalho após a globalização têm criado uma ampliação e maior complexidade do campo de atuação profissional, gerando ambiguidades (Malvezzi, 2000), as profissões se constituem de forma mais heterogêneas e de difícil delimitação, estando em constante interação com outras. Em se tratando especificamente da psicologia, para que possamos refletir criticamente suas características e melhor delimitar suas fronteiras é necessário indagarmos sobre os processos identitários dos psicólogos (Coutinho, Krawulski & Soares, 2007), bem como explorar a concepção daqueles que utilizam de seus serviços ou atuam diretamente com este profissional.

Com o intuito de conhecer como o tema tem sido tratado recentemente, este estudo tem por objetivo compreender como a identidade profissional do psicólogo tem sido abordada nas produções nacionais da última década. Por meio de uma revisão integrativa da literatura, busca atualizar um estudo do tipo estado da arte realizado anteriormente por Mazer e Melo-Silva (2010), o qual mapeou os estudos sobre a identidade do psicólogo produzidos entre 1991 e 2008. Observe-se que, como o objetivo do trabalho é justamente o mapeamento da literatura, a discussão que se segue aos resultados encontrados não terá como foco uma análise propriamente teórico-conceitual em torno do termo identidade, mas sim de como se caracteriza o cenário das pesquisas sobre o tema em foco, incluindo-se aí a identificação das abordagens teóricas que têm se interessado por este assunto entre 2008 e 2019.

 

Método

A revisão integrativa da literatura permite a apreensão de uma ampla amostra de pesquisas com diferentes propósitos, possibilitando a síntese destas em torno de um tópico específico (Souza, Silva & Carvalho, 2010), bem como a elaboração de uma série de conclusões gerais (Beyea & Nicoll, 1998) em torno do assunto. No trabalho aqui descrito, realizou-se um levantamento das produções entre os anos de 2008 e 2019 nas bases de dados Scielo, PePSIC e Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES, utilizando os descritores "Identidade", "Profissional" e "Psicólogo". A escolha dos descritores está em consonância com o propósito de replicar o levantamento de Mazer e Melo-Silva (2010), de modo a atualizar o estado de arte na área sobre o tema em pauta e identificar possível alterações.

Os critérios de inclusão para a seleção das produções encontradas no período estabelecido foram: a) produções em língua portuguesa, b) textos publicados na íntegra e, c) produções que tratam especificamente da identidade profissional do psicólogo como temática central. Desta forma, foram excluídas as produções que não discutissem a identidade profissional do psicólogo como proposta central do estudo ou aquelas que focassem estritamente em caracterizar determinada área ou campo da psicologia, sem ter como enfoque o estudo da identidade profissional.

Inicialmente foram aplicados os filtros nas bases de dados selecionadas a partir da leitura do título de todas as produções encontradas. Posteriormente, a partir da leitura dos resumos, foram selecionados os trabalhos que tratavam especificamente da temática deste estudo, sendo os demais descartados da análise. A partir desta leitura seletiva, as produções foram organizadas em uma planilha eletrônica de dados, a qual informava, para cada trabalho: ano, autoria, título, objetivo, revista ou instituição, tipo de pesquisa, referencial teórico, aporte metodológico e síntese dos resultados do estudo.

Seguindo os critérios estabelecidos por Mendes, Silveira e Galvão (2008) para a elaboração de uma revisão integrativa, após a triagem e seleção do material, os artigos, dissertações e teses selecionados foram organizados em duas tabelas (Tabelas 01 e 02), informando o ano de publicação e os principais dados de cada uma delas. Apesar de dispostas em tabelas distintas, as informações são complementares e foram analisadas em um único conjunto, sendo esta divisão estritamente didática para fins visuais e para facilitar a análise de conteúdo. Em seguida, foram analisadas seis características das publicações selecionadas: 1) fonte da publicação, 2) campos de atuação investigados, 3) aporte teórico empregado, 4) população a amostra estudada, 5) estratégias de coleta de informações utilizadas e, 6) estratégias de análise dos dados empregadas. Num segundo momento, procedeu-se a análise do conteúdo (Bardin, 2011), resultando no agrupamento dos trabalhos em quatro grandes categorias, conforme a perspectiva pela qual o estudo abordava a identidade do psicólogo: 1) Perspectiva do estudante de psicologia, 2) Perspectiva dos usuários de serviços psicológicos, 3) Perspectiva da equipe multidisciplinar, e 4) Perspectiva do próprio psicólogo. Novamente, reitera-se que as categorias interagem entre si, sendo necessária esta categorização para facilitar a identificação das nuances das perspectivas em cada grupo sobre o tema em questão.

 

 

 

 

Resultados

Foram encontradas 32 produções acadêmicas envolvendo a temática da identidade profissional do psicólogo, sendo 11 artigos publicados em periódicos, conforme relacionados na Tabela 01, 18 dissertações de mestrado e três teses de doutorado, conforme relacionadas na Tabela 02. Tendo por base o período demarcado, de 2008 a 2019, apenas no ano de 2018 não houve publicação filtrada por meio dos descritores utilizados.

Conforme se vê na Tabela 01, a revista Psicologia: Ciência e Profissão foi a que mais publicou sobre o tema, com um total de três artigos. Em seguida, a Revista Psicologia & Sociedade publicou dois artigos, enquanto as demais apenas um. No que diz respeito às dissertações e teses, elencadas na Tabela 02, as instituições que mais produziram foram a Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Tuiutí do Paraná, Universidade Federal do Piauí e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com duas produções cada.

Relativamente ao campo de atuação em que se situa os estudos desenvolvidos, destacam-se a Assistência Social (Sistema Único de Assistência Social, Centro de Referência de Assistência Social e Centro Especializado de Assistência Social) e a Educação (Educação superior e educação infantil) como os mais frequentes com nove produções em cada um. Em seguida, o contexto de Saúde (Sistema Único de Saúde, Hospital, Unidade Básica de Saúde e Núcleo de Atenção à Saúde da Família) foi o mais explorado, com seis estudos. Houve também estudos que investigaram o contexto organizacional e que realizaram uma revisão de literatura, com duas publicações cada. As demais produções, com uma pesquisa cada, abordaram os contextos de saúde mental (Centro de Atenção Psicossocial), Psicologia Comunitária e Psicologia Clínica, havendo também um estudo multicontextual que investigou o tema frente à atuação multiprofissional. Em se tratando do aporte teórico empregado para embasar tais estudos, prevaleceu a fundamentação de perspectivas advindas da Psicologia Social na compreensão do fenômeno da identidade profissional, sendo utilizadas em 13 diferentes estudos. Por meio destas, destacam-se as teorias Psicossocial da Identidade, das Representações Sociais e das Representações Profissionais, com cinco, quatro e dois estudos cada, respectivamente. As teorias da Identidade Profissional, dos Papeis Sociais, da Identidade Social e da Aprendizagem Social também se mostraram presentes em pelo menos um estudo cada.

A segunda perspectiva teórica mais empregada foi a Histórico-Cultural, sendo utilizada em nove estudos. Emergiram também, em um estudo cada, as seguintes abordagens: Autoetnografia, Psicologia Escolar Crítica, Psicologia Comunitária, Teoria Bioecológica de Desenvolvimento Humano, Psicossomática, Nova História e o Materialismo Histórico-Dialético. Outras sete produções não empregaram um referencial teórico específico, valendo-se da fundamentação de estudos do tipo Estado da Arte, de levantamentos bibliográficos e documentais e de análise contextual, social e histórica, para fundamentar suas pesquisas. Note- se, novamente, que o número de aportes teóricos é maior que o total de produções, pois algumas empregam mais de um referencial para embasar seu estudo ou para caracterizar os conceitos de identidade e/ ou papel profissional. Em relação à população e amostra estudada, verificou-se a prevalência de estudos desenvolvidos com profissionais de psicologia, havendo 22 produções. Ademais, seis estudos investigam o tema em profissionais que atuam em equipe multiprofissional em interlocução com o psicólogo, quatro com estudantes de psicologia, três com usuários de serviços psicológicos e três realizam uma pesquisa documental (análise de currículos, regulamentações, diários de classe, artigos, teses e dissertações). Pontua-se que o número de estudos citados nesta característica é maior que a amostra total de produções identificadas devido ao fato de algumas produções investigarem mais de uma população.

No que se refere às estratégias de coleta de informações utilizadas, 17 estudos utilizaram um único instrumento para a coleta, enquanto 15 utilizaram dois ou mais recursos. O tipo de instrumento mais utilizado foi a entrevista, estando presente em 23 estudos com as seguintes especificidades: 16 utilizaram entrevista semiestruturada; quatro, entrevista narrativa; um usou entrevista reflexiva; um, entrevista de história de vida e um outro, entrevista por meio da associação livre. Os demais instrumentos utilizados são foram: questionário (cinco), Grupo Focal (quatro), revisão de literatura/ levantamento bibliográfico (quatro), levantamento documental (quatro), Grupo de Discussão (um), Autoetnografia (um), observação (um), relatos verbais (um), Grupo Reflexivo (um), Multicasos (um), Grupo Operativo de Pichón-Rivière (um) e Estudo de caso (um). Note- se que o número total de instrumentos é maior que o número total de produções devido à utilização de mais de um instrumento por diversas pesquisas.

Finalmente, em relação às estratégias de análise dos dados utilizados, houve prevalência de pesquisas qualitativas, sendo esta estratégia utilizada em 29 produções. Não houve produção que tenha empregado unicamente o método quantitativo, porém, os outros três estudos utilizaram estratégias de método misto. No que se refere às estratégias de análise dos dados, a Análise de Conteúdo emerge como principal ferramenta, sendo empregada em 14 produções. Em seguida, a análise fenomenológica, análise documental e estatística descritiva foram as mais utilizadas, havendo três estudos cada. A análise por meio dos Núcleos de Significação (Referencial Histórico- Cultural) emergiu em dois estudos, enquanto que as demais estratégias foram adotadas apenas uma vez em cada produção, sendo elas: Análise de História de Vida, Análise Crítica do Discurso, Método Comparativo Constante ( Teoria Fundamentada), Autoetnografia, Análise Documental, Análise de Unidades de Significação (Referencial Psicoeducativo), Método Descritivo, Análise Institucional do Discurso, análise por meio da Teoria Fundamentada dos Dados, Análise do Discurso, Dialética (Sócio-histórica) e Representações Sociais. Assim como ocorre com as estratégias de coleta de informações, o número de estratégias é maior que o número total de estudos devido ao fato de alguns estudos empregarem mais de uma forma de análise dos dados.

Após caracterizada a amostra, adentramos na análise do conteúdo das produções, tendo por intuito identificar sob qual perspectiva a identidade do psicólogo foi abordada e quais as suas especificidades neste contexto. Nesta fase, quatro distintas, porém, complementares categorias, emergiram a partir da leitura completa das produções, sendo elas: a) Perspectiva do estudante de psicologia, b) Perspectiva dos usuários de serviços psicológicos, c) Perspectiva da equipe multidisciplinar e, d) Perspectiva do psicólogo. Em cada categoria há, inicialmente, uma descrição geral das informações tendo por base os resultados apontados nas produções e, posteriormente, a indicação do que alguns dos próprios estudos selecionados discutem sobre o assunto.

Na Categoria 1 - Perspectiva do estudante de psicologia -, as produções selecionadas evidenciam a dificuldade dos estudantes em definir sua própria identidade, seja como estudantes de psicologia ou como futuros profissionais do campo. Ferrarini e Camargo (2012) indicam que a pluralidade teórico- metodológica, a dificuldade em definir o objeto e os objetivos da psicologia, assim como os questionamentos excessivos sobre a atuação estão possivelmente na base de tais dificuldades. Elas levariam os estudantes a se sentirem inseguros em conceber uma identidade profissional, deparando- se com um cenário de incertezas quanto à sua futura profissão. Como possibilidade de contornar ou minimizar estes desafios, Scorsolini-Comin, Vilela e Souza e Santos (2008) apontam o estágio supervisionado como um espaço que contribui para a caracterização do papel profissional, proporcionando ao estudante contato com a realidade e favorecendo a construção de uma identidade comprometida com as demandas emergentes. Todavia, apesar de estimular o desenvolvimento de um espaço criativo e crítico, Quinto (2008) alerta que os estagiários identificam suas práticas mais atreladas ao atendimento clínico e individualizado, ancorando-se em práticas assistencialistas, mesmo atuando no contexto de saúde, por exemplo.

Quanto à Categoria 2 - Perspectiva dos usuários de serviços psicológicos -, os dois estudos aqui situados referem-se à intervenção psicológica no contexto comunitário. Eles indicam que a compreensão dos usuários sobre o papel do psicólogo parece não ser clara, especialmente quando as demandas são de ordem social e comunitária. Parece prevalecer uma ótica assistencialista sobre a atuação do psicólogo, repercutindo na forma como este se reconhece e se diferencia dos outros profissionais que trabalham neste contexto. Souza e Gonçalves (2017) apontam para um não reconhecimento da psicologia como uma prática comunitária por parte dos usuários, podendo indicar uma resignação diante as demandas emergentes na atuação. Há, todavia, o reconhecimento da importância do psicólogo por parte das pessoas que utilizam de seus serviços. Porém, como indica Viecheneski (2014), o papel específico do psicólogo comunitário ainda não é claro para a comunidade, havendo confusões quanto aos seus limites e atribuições.

Na Categoria 3 - Perspectiva da equipe multidisciplinar -, as produções apontam para a existência de confusões e divergências sobre a identidade do psicólogo e seu papel profissional nas equipes. A atuação deste profissional e as especificidades de sua intervenção são compreendidas pela equipe como práticas limitadas, pautadas em atendimentos individualizados e distantes de uma prática multidisciplinar integrada. Para Waisberg, Veronez, Tavano e Pimental (2008), a percepção de outros profissionais sobre o papel do psicólogo, em linhas gerais, restringe-se a fornecer apoio, suporte e orientações psicológicas, havendo limitações quanto à compreensão de uma atuação multidisciplinar. Sobral e Lima (2013) reiteram que a representação do psicólogo para a equipe está vinculada à atuação na área clínica, sendo a conversa e o aconselhamento tidos como principais estratégias de intervenção.

Esta dificuldade das equipes em definir o papel do psicólogo e sua identidade foi constatada em diferentes contextos de atuação. No âmbito da saúde, por exemplo, Dias e Silva (2016) constataram que a diversidade de demandas às quais o psicólogo é chamado a atender dificulta o reconhecimento da especificidade deste profissional, gerando ambiguidades quanto à sua identidade e aos limites de sua intervenção por parte da equipe. O mesmo se repete no campo da educação, no qual, de acordo com Feitosa (2015), os gestores públicos e a equipe pedagógica também não compreendem com clareza o papel do psicólogo e as especificidades de sua atuação neste contexto.

Em parte, esta confusão a respeito da identidade do psicólogo e sua atuação nas equipes parece emergir, inicialmente, da própria categoria profissional. Sobral e Lima (2013) identificaram uma dissociação entre as próprias práticas declaradas por psicólogos e a percepção destes sobre as práticas de outros psicólogos, indicando que os pesquisados percebem o que fazem como diferente do que os outros colegas de profissão estão fazendo no mesmo contexto de atuação, podendo impactar negativamente a consolidação de sua identidade perante a equipe.

Na Categoria 4 - Perspectiva do psicólogo -, os estudos evidenciam que a concepção dos próprios psicólogos sobre sua identidade profissional está atrelada a um modelo clínico de intervenção, sendo o atendimento individualizado e privado predominante, mesmo em contextos educacionais, sociais, comunitários ou de saúde.

As produções investigaram diferentes contextos que apresentaram resultados semelhantes em termos de identificação da categoria. No contexto de saúde, por exemplo, Vasconcelos e Aléssio (2019) apontam a prevalência da concepção da atuação do psicólogo voltada ao atendimento clínico e privado, orientando inclusive as demandas que lhe são direcionadas. Frente a este contexto específico, Ferreira Neto (2010) sustenta que a forma como o psicólogo adentrou no Sistema Único de Saúde, bem como a formação clássica que recebeu ao longo da graduação, fortalecem o desenvolvimento de uma identidade baseada no modelo médico, prevalecendo a prática clínica e individualizada. Apesar de se reconhecer a necessidade de mudanças nesta concepção, migrando do modelo clínico para uma prática mais comunitária, Pinheiro (2013) indica que os psicólogos continuam a desempenhar práticas clínicas no contexto de saúde.

Este fenômeno se mostra presente também no âmbito da saúde mental. Oliveira (2014) constata a existência de uma dicotomia entre a atuação clínica e psicossocial neste contexto, prevalecendo a primeira em detrimento da última. Apesar de identificarem as especificidades de um modelo psicossocial de atuação, as práticas parecem não integrar o social à intervenção psicológica.

Referente também ao âmbito da assistência social, Souza e Gonçalves (2017) destacam que a percepção do psicólogo sobre sua identidade se ancora, dentre outros aspectos, num sentimento de angústia devido aos entraves que dificultam outras práticas emancipatórias no âmbito da assistência. Esta angústia, entretanto, pode ser contornada quando o psicólogo supera o que era previsto como seu papel e entra em contato com as necessidades e demanda de seu campo de atuação, conforme apontado por Corrêa (2009).

No campo da educação, os estudos também apontam a prevalência da identidade profissional ancorada no enfoque clínico. Oliveira (2016) identifica a dificuldade de reconhecimento da identidade profissional, prevalecendo práticas individuais em detrimento de grupais. Os psicólogos que também são professores apresentam, de acordo com Souza (2016), uma identidade híbrida, constituída entre o exercício psicológico e a docência, sendo a escolha pela docência frequentemente impulsionada principalmente por questões de empregabilidade em detrimento da escolha vocacional (Martins, 2012). Na educação infantil, o fenômeno descrito acima também se faz presente, indicando-se ainda a necessidade de fortalecimento de uma identidade profissional mais apropriada para o exercício psicológico neste contexto e suas especificidades (Ferreira, 2015).

Em se tratando da identidade do psicólogo nas organizações, entretanto, há diferentes compreensões por parte dos profissionais. Vereguine (2015) constatou que alguns psicólogos se identificam como tal enquanto outros deixaram de se reconhecer como psicólogos ao longo dos anos de prática. Nesta mesma direção, Pires (2010) pontua que alguns psicólogos perderam a identidade de psicólogos e passaram a se reconhecer como administradores, concluindo que esta possível fragmentação identitária pode derivar-se de uma formação deficitária, que não capacitou o profissional para atuar adequadamente no âmbito das organizações.

No contexto clínico, entretanto, à contramão dos estudos apresentados anteriormente, a concepção de identidade do psicólogo parece estar mais consolidada, bem como os limites e especificações de sua prática. Em único estudo identificado por meio deste levantamento, Spinelli (2010) constatou que os psicólogos clínicos possuem uma identidade profissional consolidada, reconhecendo e delimitando mais facilmente aquilo que consideram específico à sua atuação profissional. Segundo a autora, o perfil geral desta classe é de profissionais de classe média do sexo feminino que gostam da profissão, mas possuem dificuldades de recursos para se dedicar ao campo e ao aprofundamento nos estudos, apesar de se sentirem e se mostrarem realmente competentes em seu fazer (Spinelli, 2010). Apesar de caracterizar e de reconhecer mais facilmente a identidade dos profissionais que atuam neste contexto, o estudo aponta também o reconhecimento, por parte dos psicólogos, da necessidade de uma atuação mais ampla e que abarque as demandas atuais emergentes no país.

 

Discussão

A preocupação em estudar a identidade profissional do psicólogo e caracterizar os limites de sua atuação parece ter se intensificado na última década, especialmente entre jovens pesquisadores. Comparativamente ao estudo realizado por Mazer e Melo-Silva (2010), a revisão integrativa atual encontrou apenas quatro publicações em periódicos a menos que o estudo anterior que abarcou um período de seis anos a mais de produções em seu levantamento. Entretanto, no âmbito das dissertações e teses, o estudo atual identificou um aumento expressivo de produções, principalmente das advindas do mestrado acadêmico. Estes dados podem indicar o crescente interesse em se estudar o tema, principalmente por aqueles que estão iniciando sua trajetória acadêmica e se mobilizam na busca de melhor compreender as especificidades da categoria profissional.

As produções aqui analisadas reiteram a complexidade do estudo da identidade profissional, redundando em diferentes perspectivas teóricas e metodológicas para sua apreensão. Ao todo, nove diferentes perspectivas teóricas foram empregadas para embasar os estudos, investigando sete diferentes contextos de atuação, por meio de 17 tipos de instrumentos de coleta de informações e 16 estratégias de análise de dados. Tal complexidade do fenômeno pode explicar também a prevalência de pesquisas qualitativas, em especial do que diz respeito à concepção dos próprios profissionais de psicologia, assim como a combinação de mais um recurso metodológico para apreensão dos dados investigados.

A própria delimitação teórica da investigação da identidade se mostrou um importante desafio para os estudos elencados. Vários utilizaram-se de um referencial teórico para embasar sua investigação associando-o a uma delimitação conceitual da identidade de outra abordagem que abarcasse os aspectos estudados e corroborasse o referencial orginalmente empregado. Um exemplo foi a associação em alguns estudos da perspectiva da Psicologia Social com a perspectiva Histórico-Cultural, em que a Teoria Psicossocial da Identidade permitiu delimitar o fenômeno estudado para posterior análise de sua historicidade, como visto nos trabalhos de Pereira (2016), Correia (2013) e Martins (2012). Ademais, a própria confluência entre alguns conceitos, como identidade profissional e papel, também se apresentou como um desafio na literatura investigada, considerando que, por vezes, as análises e discussões realizadas sobre a identidade se limitavam, basicamente, a investigações relacionadas ao papel profissional, como em Dias e Silva (2016), e/ ou às especificidades do contexto de atuação, como em Ribeiro, Paiva, Seixas e Oliveira (2014). Outras vezes, estudos partindo de uma delimitação conceitual fundada em autores da Teoria Psicossocial da Identidade - como por exemplo, em Ciampa (1996) - foram buscar aporte metodológico em outros referenciais, como a fenomenologia, para uma compreensão mais experiencial do fenômeno da identidade, a exemplo do estudo desenvolvido por Souza (2016).

Estas características dos trabalhos encontrados reiteram o fenômeno identitário como um processo multideterminado, complexo e de difícil delimitação, exigindo por parte do pesquisador um domínio amplo de recursos técnicos, metodológicos e analíticos para uma aproximação crítica. A dificuldade em se delimitar conceitualmente a identidade profissional e em distingui-la claramente de outros conceitos mostrou-se presente também em alguns dos estudos elencados, nos quais a investigação do fenômeno era, por vezes, delimitada através de uma esfera específica de análise, como por exemplo o papel profissional, abordado por Dias & Silva (2016). Por outro lado, tanto a diversidade teórica, como a metodológica e conceitual refletem a complexidade do próprio objeto da psicologia, como ciência e como profissão, cuja epistemologia tem sido por vezes caracterizada como uma verdadeira "dança" ao longo das épocas e contextos linguísticos, ideológicos e culturais (Filho & Martins, 2007).

Por outro lado, os resultados elencados evidenciam que a identidade profissional do psicólogo se mostra predominantemente atrelada a um modo de atuação clínico e individualizado de intervenção, pautado em práticas e perspectivas teóricas clássicas da área. Tanto é que, apesar desta revisão identificar somente um estudo que foca no contexto clínico, este foi o que apresentou menores divergências em termos do reconhecimento dos profissionais sobre sua atuação e identidade profissional. Todavia, os estudos sustentam também a necessidade de revisão crítica deste modelo para outro que contemple maior inserção social e comprometimento com as demandas emergentes no país, principalmente dos campos considerados emergentes ou reemergentes na Psicologia.

Dentre os principais fatores apontados nos estudos como influenciadores neste processo identitário, destaca-se o papel da formação profissional do psicólogo. A necessidade de se pensar a identidade profissional tendo por base a graduação, emergiu também no estudo de Mazer e Melo-Silva (2010), mostrando que a identidade do psicólogo se constitui numa construção que se inicia na graduação e é influenciada pela prática profissional. Há, portanto, a necessidade de uma formação que o habilite a atuar de forma mais comprometida com as especificidades da realidade sociocultural brasileira e que comtemple os diversos contextos possíveis de atuação profissional. Observa-se, então, que após quase uma década do referido levantamento, o assunto ainda continua em pauta e apresentando características semelhantes.

Se considerarmos que a identidade e um fenômeno essencialmente social, fluído e contínuo (Ciampa, 1996), como aponta a grande maioria dos estudos analisados, há de se ponderar que nestes últimos anos várias mudanças marcaram a trajetória da psicologia no país, bem como influenciaram o modo como seus profissionais, usuários dos serviços e outros agentes sociais a concebe. Assim sendo, a busca pela compreensão da identidade do psicólogo através das diferentes concepções dos agentes deste processo de constituição mostra-se necessária para uma compreensão mais ampla do fenômeno, tal como apresentado a seguir na análise das categorias.

A análise emergente na Categoria 01 - Perspectiva dos estudantes - indica que os graduandos em psicologia apresentam questionamentos e dúvidas estruturais que podem influenciar fortemente sua constituição identitária como futuro profissional no campo. Dentre os fatores indicados nos estudos, destaca-se a compreensão da existência de múltiplas "psicologias", independentes entre si, como um aspecto fundamental que favorece o desenvolvimento de confusões sobre o objetivo e os objetos de estudo da psicologia, conforme apontado por Ferrarini e Camargo (2012). A diversidade de objeto, objetivos, referenciais teóricos e campos de atuação favorece o reconhecimento da expansão do campo e sua complexidade, porém, pode contribuir para uma possível futura fragmentação identitária profissional, segmentando-a em torno de nichos teórico-metodológicos.

Assim, de um lado, há de se considerar que a amplitude da Psicologia do Brasil, marcada por diferentes perspectivas ideológicas, práticas e campos de atuação, proporciona significativas mudanças e saltos de qualidade para a categoria (Antunes, 2012), indicando a riqueza e avanços na área. Por outro lado, uma formação profissional marcada pelo enfoque em áreas tradicionais da psicologia, concebidas através por uma ótica internalista (Costa et al., 2012) e ainda fragmentada em diferentes concepções teóricas (behavioristas, psicanalistas, humanistas, dentre outras.), favorece a constatação, por parte do estudante, da identidade profissional ancorada nestes aspectos clássicos, podendo dificultar a efetiva assimilação das novas demandas da sociedade e o desenvolvimento de futuras práticas emancipatórias. No que se refere à formação do psicólogo brasileiro, Rechtman (2015) aponta que esta vem passando por importantes transformações e um enfoque no compromisso social da categoria vem sendo demandado para atender às demandas emergentes da população. Entretanto, as práticas e intervenções ainda são pautadas em modelos tradicionais, dificultando a corroboração com uma identidade que se coadune com o social. Isto se evidencia a partir das análises da Categoria 02 - Perspectiva dos usuários de serviços psicológicos -, pelas quais se constatou que a visão deste usuário sobre o papel do psicólogo ainda não é tão clara, apesar de reconhecida a sua importância (Viecheneski, 2014).Vários aspectos podem contribuir para esta dificuldade em caracterizar o psicólogo brasileiro e sua atuação. Entretanto, é na graduação que este processo se inicia e precisa ser reiterado. Parece ser da própria base constituinte, ou seja, da formação básica de psicólogos, que as confusões e dificuldades começam a emergir, indicando a necessidade de se repensar os moldes da graduação em psicologia para que o profissional reconheça as especificidades da categoria e ajude a clarear seu papel à sociedade.

Esta preocupação tem sido objeto constante de empenho dos profissionais da psicologia e, mais recentemente, culminou em um movimento nacional de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Psicologia (CFP, 2018). As análises do conjunto dos trabalhos encontrados levam a pensar que uma maior clareza acerca do papel do psicólogo e a melhor caracterização de sua identidade são também estratégias relevantes na manutenção e expansão de mercado. Assim, por exemplo, os trabalhos da Categoria 03 - Perspectiva da equipe multiprofissional – indicam que os profissionais que atuam diretamente com o psicólogo possuem uma compreensão muito limitada sobre a atuação deste, muitas vezes entendida como restrita ao fornecimento de suporte e orientações psicológicas (Waisberg et al., 2008). Esta limitação pode se tornar uma ameaça à expansão do campo e validação do papel do psicólogo em contextos diferentes da clínica psicológica, por comprometer seriamente o reconhecimento da necessidade de implementação dos serviços psicológicos em outros campos. Considerando que a identidade se constitui num fenômeno essencialmente social, no qual o conhecimento de si mesmo ocorre, dentre outros fatores, através do reconhecimento dos indivíduos de um determinado grupo social e a diferenciação de outros (Ciampa, 1989), a equipe multiprofissional pode se apresentar como relevante fator capaz de contribuir para a caracterização da identidade profissional do psicólogo, validando e filtrando práticas desenvolvidas. Nesta direção, Peixoto (2010) argumenta que a identidade entre os grupos de formação profissional semelhante e multiprofissional são complementares, havendo uma identidade coletiva que é fortalecida quando cada membro se sente reconhecido pela equipe e pares. Após identificadas algumas concepções destes outros grupos, adentramos nas especificidades da própria percepção do psicólogo sobre sua identidade por meio da análise da Categoria 4 - Perspectiva do psicólogo. Os estudos elencados indicam a prevalência da concepção destes de uma identidade pautada nos moldes clínicos de intervenção, focando no atendimento personalizado e estratégias individualizadas, tendo por base referenciais teórico-metodológicos clássicos. A compreensão sobre o objeto de estudo da psicologia e os seus objetivos parece se coadunar com o referencial empregado e com as variáveis do contexto específico de atuação, diferenciando-se inclusive de outros psicólogos, em termos destes fatores.

Notam-se importantes diferenças na concepção de identidade dos psicólogos a depender do contexto de atuação, adequando-se às especificidades deste e reconhecendo-se a partir das exigências do contexto. As variações podem ser tamanhas que, em alguns casos, como apontado por Vereguine (2015) e Pires (2010), psicólogos deixam de se reconhecer como profissional da área devido aos ajustes feitos para se adequar às nuances de seu contexto de intervenção. Novamente, a falta de preparo na graduação para atuar de forma crítica e inserida em diferentes contextos, associada com a adaptação às diversas exigências emergentes, parecem moldar a forma como o psicólogo se reconhece e passa a reconhecer seus pares, decorrendo em possível risco de fragmentação em termos identitários.

Considerando que a identidade se configura como um processo contínuo de mudanças individuais e sociais, uma metamorfose (Ciampa, 1998), é esperado que o indivíduo ressignifique sua concepção à medida em que vivencia novas experiências ao longo da prática. Entretanto, em termos de categoria profissional, o cuidado com a ruptura identitária é um fator que precisa ser constantemente investigado já que seus impactos repercutem em todos os membros envolvidos.

 

Considerações finais

Consideramos que este estudo cumpriu seu objetivo de realizar uma revisão integrativa da literatura sobre a identidade do psicólogo brasileiro nos últimos anos. Os estudos indicam que a identidade do psicólogo brasileiro é ainda fortemente atrelada às significações, práticas e moldes clínicos, com intervenções voltadas para os indivíduos em diferentes contextos. Entretanto, a prevalência de estudos realizados em outros contextos de atuação do psicólogo indica a expansão do campo e a preocupação em identificar as diferentes nuances da atuação nestes cenários. No estudo original que inspirou esta revisão, Mazer e Melo-Silva (2010) apontam que as produções sobre a identidade do psicólogo devem ser constantemente atualizadas, acompanhando os avanços do campo e as necessidades de adequações práticas emergentes.

Nesta revisão integrativa foi constatada esta preocupação com a atualização da profissão por parte dos psicólogos e pesquisadores, sendo expressa tanto na diversidade de campos estudados quanto na qualidade dos dados coletados com a categoria. Entretanto, há de considerar que, apesar deste crescente engajamento com práticas mais sociais e inovadoras no âmbito da Psicologia, ainda há muito a se investigar para que ocorram impactos significativos no reconhecimento da identidade da categoria.

Novas demandas contemporâneas vêm desafiar os psicólogos e, possivelmente, modificar a compreensão sobre seu papel profissional e sua identidade. Um exemplo atual advém do enfrentamento à pandemia do Corona Vírus, a qual tem chamado o psicólogo a atender em circunstâncias muito diferentes das tradicionalmente apreendidas, podendo impactar no modo como concebe as especificidades de sua intervenção. De tal modo, para que seja possível identificar os desafios e preparar o profissional para enfrenta-los, é importante o acompanhamento constante das necessidades sociais emergentes, bem como proporcionar uma formação profissional robusta e comprometida com a realidade. Diante este cenário, reitera-se a necessidade do desenvolvimento constante de estudos futuros que investiguem a concepção da identidade profissional do psicólogo brasileiro em âmbito nacional, analisando as especificidades de cada região, abordagem teórica, campo de atuação e outros aspectos que possam impactá-la. Assim será possível uma compreensão mais ampla de como os psicólogos se reconhecem e quais as intercorrências disto para a prestação dos serviços ofertados. Pontua-se também a necessidade de mais publicações sobre o tema. Neste estudo, foi constatado que muitas produções não chegaram a ser publicadas em revistas especializadas, permanecendo disponíveis apenas nos repositórios institucionais. Esta limitação pode dificultar o acesso ao conteúdo por parte da própria categoria e desestimular a discussão sobre o tema.

 

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Recebido: 18.06.2020
Corrigido: 15.09.2020
Aprovado: 14.10.2020

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