Revista Psicologia Política
ISSN 2175-1390
ARTIGOS
Os sintomas da colonialidade na psicologia junto ao cenário político do governo Bolsonaro
Los síntomas de la colonialidad en psicología con el escenario político del gobierno Bolsonaro
The symptoms of coloniality in psychology with the political scenario of the Bolsonaro government
Melina Garcia Gorjon
Psicóloga clínica, Psicanalista em (de)formação e Artista visual. Mestra em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de mesquita filho" (UNESP), graduação em Psicologia pela mesma instituição. Atualmente desenvolve estudos independentes a respeito dos temas: Psicanálise e Colonialidade; Branquitude e Transgeracionalidade psíquica; Masculinidade e Transgeracionalidade psíquica; Alianças inconscientes no racismo e machismo; Arte contemporânea e feminismo / gorjon.melina@gmail.com
RESUMO
O trabalho visa apresentar alguns eventos apontando para a atuação do Estado junto às questões que atingem diretamente a Psicologia no Brasil. Tais eventos podem revelar os sinais da colonialidade, a qual é definida como configurações do poder, iniciadas no colonialismo ainda presentes nos saberes e nos modos de existência. Assim, é discutido o problema dos saberes hegemônicos ocidentais na Psicologia, o apaziguamento das tensões raciais, sociais e de gênero e a "psicologização" ou individualização das questões de opressão. Também é abordada a necessidade dos sujeitos de privilégios questionarem a si e seu grupo social, o papel da Psicologia neste questionamento, além da reestruturação das teorias psicológicas pautadas por um pluralismo de saberes e práticas, o qual acolhe os saberes decoloniais, comunitários e horizontais.
Palavras-chave: Psicologia; Colonialidade; Decolonialidade; Subjetividade e Feminismo.
ABSTRACT
The paper aims to present some events pointing to the State's action regarding issues that directly affect Psychology in Brazil. Such events may reveal the signs of Coloniality, which is defined as configurations of power that initiated in colonialism and are still present in the knowledge and modes of existence. Thus, the problem of Western hegemonic knowledge in Psychology, the appeasement of racial, social and gender tensions, and the "psychologization" or individualization of oppression issues are discussed. It also addresses the need for privileged persons to question themselves and their social group, the role of Psychology in this matter, as well as the restructuring of psychological theories from a pluralism of knowledge and practices, which embraces decolonial, community and horizontal knowledge.
Keywords: Psychology; Coloniality; Decoloniality; Subjectivity and Feminism.
RESUMEN
El documento tiene como objetivo presentar algunos eventos que apuntan a la acción del Estado con respecto a los problemas que afectan directamente a la psicología en Brasil. Tales eventos pueden revelar los signos de colonialidad, que se define como configuraciones de poder, iniciadas en el colonialismo todavía presente en el conocimiento y los modos de existência. Así, se discute el problema del conocimiento hegemónico occidental en psicología, el apaciguamiento de las tensiones raciales, sociales y de género y la "psicologización" o individualización de las cuestiones de opresión. También aborda la necesidad de sujetos privilegiados para cuestionarse a sí mismos y a su grupo social, el papel de la psicología en esta pregunta, así como la reestructuración de las teorías psicológicas guiadas por un pluralismo de conocimientos y prácticas, que abarca el conocimiento descolonial, comunitário y horizontales.
Palabras clave: Psicología; Colonialidad; Decolonialidad; Subjetividad e Feminismo.
Introdução
O Contexto Atual Brasileiro E Seus Efeitos Na Psicologia
A fim de propor uma mirada decolonial para o atual contexto político social brasileiro e para a Psicologia, apontam-se alguns eventos sintomáticos social e politicamente que atingem diretamente a Psicologia no Brasil, motivando uma reflexão referente à colonialidade. O primeiro evento notório é relacionado à nota técnica que o Ministério da Saúde, lançou no dia 6 fevereiro de 2019. Nela, o Ministério da Saúde passa a recomendar a internação em hospitais psiquiátricos e ressaltar o recurso da abstinência (e não a redução de danos) no tratamento de usuários de drogas. A nota técnica também coloca o hospital psiquiátrico como parte integrante da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), contrariando inclusive a Lei n. 10.2016 de 2001, a qual propõe a substituição gradual dos hospitais psiquiátricos por serviços ambulatoriais e comunitários como o Centro de Atenção Psicossocial. Outro acontecimento pertinente é a Lei n. 13.840 de 2019, sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro, a qual permite a internação compulsória de dependentes químicos seja por parte da família, responsável legal ou, na ausência deles, por qualquer servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD). Tal lei é considerada um retrocesso, pois corrobora para uma institucionalização da punição dos usuários e dependentes químicos, além de contrariar o artigo 4° da Lei n. 10.2016 de 2001, o qual atesta que qualquer tipo de internação só deve ser indicada quando os recursos extra hospitalares forem insuficientes.
Desde 2017, o governo tem anunciado mais incentivos financeiros às comunidades terapêuticas e, no ano de 2019, novos contratos foram assinados e mais leitos estão em financiamento. É importante ressaltar que, em um relatório publicado em 2018 de inspeções realizadas pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), foi revelado que 28 comunidades terapêuticas possuem métodos de tortura, castigos, punições físicas, excesso de trabalhos, privação alimentar e medicação à força. As comunidades também utilizam modelos de tratamento religiosos e de abstinência, não respeitando orientação sexual e identidade de gênero, além disso, o CFP comenta que junto das inspeções feitas pelos Conselhos Regionais de Psicologia, o número de violações dos direitos humanos é ainda maior e demonstra que a tortura é recorrente nas comunidades terapêuticas. Tais fatos revelam um retrocesso nas conquistas da luta antimanicomial do Brasil e das reformas sanitaristas, além de desvelar o desmonte da atenção psicossocial brasileira, adotada há 30 anos como principal política de saúde mental. O presidente Jair Bolsonaro, por meio do Decreto n. 9.831, exonerou 11 peritos da Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). O decreto prevê que os peritos serão voluntários, ou seja, sem remuneração e não podem possuir vínculo com redes e entidades da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa e entidades representativas de trabalhadores.
Já dentro da Psicologia, ressalta-se a batalha jurídica entre CFP e Movimento Psicólogos em Ação (MPA), Em 2017, o MPA, que defende a "terapia" de reversão sexual, ingressou com uma ação contra a resolução 01/99 do CFP. A resolução dita as normas de atuação para os psicólogos em relação à orientação sexual e promove a despatologização das identidades de gênero. A Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal acata a liminar parcialmente, declarando que o CFP não deveria proibir profissionais da Psicologia de realizarem a "terapia" de reversão sexual caso procurados para tal fim. O CFP recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu temporariamente essa decisão (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2019). Nos primeiros fatos, percebe-se que a Psicologia está à mercê das políticas do Estado e, no último, à mercê da interpretação da justiça sobre as práticas psicológicas permitidas ou não, ficando evidente a disputa de narrativas entre psicólogas(os).
O argumento utilizado pelo MPA defende a terapia de reversão sexual e revela o perigo da falta de contextualização das teorias e a manipulação das informações em benefício da opressão. O MPA defende a terapia de reversão munido de uma leitura equivocada e descontextualizada do CID 10 (Classificação Internacional de Doenças) para a patologização das identidades de gênero, tratando-as como um problema, ou seja, uma doença. Contudo, atualmente, os estudos na área de gênero e saúde, defendem que a homossexualidade não é uma patologia. Os próprios DSM-V (O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição) e CID 11 não tratam a identificação de gênero como patologia, mas se referem ao sofrimento que ocorre por conta do ambiente coercitivo que impõe a heteronormatividade de forma violenta para os sujeitos. Isso significa que o sofrimento psíquico de uma pessoa identificada como LGBTQI pode ser ocasionado por uma opressão social e cultural estrutural. É importante sinalizar que o MPA concorreu às eleições de 2019 para gestão do CFP e, além dele, outras chapas possuíam um discurso político a favor do discurso hegemônico, afastado das discussões sociais.
Oferecidos os exemplos, compreende-se que a Psicologia trava(rá) batalhas dentro dela mesma, com as forças da colonialidade e fora dela, com o próprio Estado. Ao emergir psicólogas(os) que apoiam as políticas do Estado, é evidenciada a disputa interna da colonialidade na Psicologia. Há grandes avanços na Psicologia em temas relativos a gênero, raça e classe, mas o questionamento às teorias da Psicologia não pode cessar pois ainda é necessário mudanças. Uma mirada decolonial para a Psicologia pode fortalecê-la, evitando retrocessos, além disso, a perspectiva decolonial é mister pois, como Glória Anzaldúa (1987, p. 68, tradução nossa) alerta, é preciso parar de "importar mitos gregos e o ponto de vista cartesiano ocidental e nos enraizemos na mitologia e na alma deste continente. A América branca só tem participado do corpo desta terra para explorá-la, nunca para socorrê-la ou para ser nutrida nela".
A desnutrição é secular pois habita nos modos de subjetivação capitalístico um "inconsciente colonial" (Rolnik, 2015), definido como a micropolítica dominante da sociedade moderna e ocidental que, em razão do seu histórico colonial, produziu uma condição de vida na qual o capitalismo mundial integrado impera sobre tudo e todas(os) (Rolnik, 2015). Tal conceito ilustra o atual cenário político-social, sendo possível lançar a hipótese de que o inconsciente colonial e a colonialidade do ser (Maldonado-Torres, 2007), são o refinamento das tecnologias coloniais, como: o rapto e a escravização de povos africanos, o poder e as relações patriarcais dos senhores de engenho, o controle da resistência por meio da punição e extermínio e o apagamento histórico e cultural dos povos subjugados e colonizados. Respectivamente, na atualidade, o refinamento é revelado no racismo estrutural, nos monopólios de poucas famílias no poder, no poder na mão de homens brancos defendendo seus privilégios, nas políticas de encarceramento em massa, na punição e controle do ativismo, no controle da verdade, da narrativa contada pela perspectiva dos colonizadores e dos saberes produzidos nesse contexto. A colonialidade sempre existiu, mas o atual cenário político escancara como ela está enraizada na sociedade e nos indivíduos.
Elementos Da Colonialidade Na Psicologia
O olhar decolonial à Psicologia tem início quando se tecem críticas à constituição da epistemologia da ciência psicológica. Entende-se epistemologia como a "encarregada de traçar essa linha divisória entre o dentro (ciência) e o fora (não-ciência)" (Silva, 2008), no caso, a divisória entre o que é a ciência Psicológica e o que não é. Nesse processo de determinar a ciência, cunhou-se um sistema de análise e compreensão do mundo universal e hegemônico, vale ressaltar o que pensa Linda Alcoff (2016) ao buscar uma "epistemologia decolonial revolucionária", cuja obra apresenta a discussão sobre a constituição da epistemologia como um campo que ignorou muitas práticas e conhecimentos.
A epistemologia tem sido a teoria protocolar para o domínio da discursividade no ocidente, situada numa posição de autoridade que lhe permite um julgamento bem além dos ciclos filosóficos. A epistemologia presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado por parteiras, as ontologias de povos originários, a prática médica de povos colonizados e até mesmo relatos de experiência em primeira pessoa de todos os tipos. É realístico acreditar que uma simples "epistemologia mestre" possa julgar todo tipo de conhecimento originado de diversas localizações culturais e sociais? As reivindicações de conhecimento universal sobre o saber precisam no mínimo de uma profunda reflexão sobre sua localização cultural e social. (Alcoff, 2016, p.131)
O problema da epistemologia reside na produção de uma ciência hegemônica e no modo como ela excluiu saberes e práticas dos povos colonizados, indígenas e tradicionais. Consoante com Santos (1988, p.48), as ciências hegemônicas são um "modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento" que não se pautam "pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas". Tais críticas podem não apresentar novidade a vários estudos em Psicologia social e política, mas é preciso maior radicalidade, no sentido de ir na raiz dos problemas e produzir teorias, críticas e pensamentos fora da narrativa hegemônica ocidental, pois acredita-se que
Tendo sido colonizados por uma branquitude patriarcal europeia, ficou identificado como sendo bom, inteligente ou relevante a criação do colonizador, inclusive e, talvez principalmente, sua produção de conhecimento. Como desdobramento dessa colonização do pensamento, homens-brancos-europeus foram tomados como sabedores das questões filosóficas, existenciais, políticas, econômicas, artísticas e psicológicas de todos os povos. O pensamento colonial é universalista, mas nega que o seja como um ato de resistência sintomático de negação da própria doença. (Veiga, 2019, p. 245)
Lucas Veiga (2019) é um autor contemporâneo brasileiro que se situa fora da narrativa hegemônica ocidental ao propor, por exemplo, uma "Psicologia preta". A iniciativa de Veiga (2019, p.245), parte do questionamento de que "a subjetividade negra é ignorada na grande maioria das graduações em psicologia, e um dos efeitos diretos disso são pacientes negros serem vítimas de racismo". O autor centra sua discussão na Psicologia clínica e seus efeitos no manejo da subjetividade negra no Brasil. Para Veiga (2019, p. 245) a importação e incorporação direta das conceituações psicológicas e psicanalíticas produzidas na Europa desconsideram a singularidade da marca, dos processos de subjetivação não-brancos e impõem uma nosologia à imagem e semelhança da subjetividade do colonizador". São indispensáveis mais estudos como o de Veiga (2019) sobre práticas contra hegemônicas fora da narrativa do colonizador, trazendo a questão decolonial para o centro da discussão da epistemologia da Psicologia. Posto isso, é importante salientar a necessidade de atentarmos para que não exista uma apropriação indevida dos conhecimentos gerados pelas produções decoloniais, o chamado "extrativismo epistêmico" (Grosfoguel, 2016), definido como uma instrumentalização em benefício do poder, dos conhecimentos, das formas de vidas humanas, não humanas e tudo o que existe em seu entorno.
Outra questão a qual contribui para uma perspectiva decolonial é no que tange à prática profissional das(os) psicólogas(os), em específico, o conceito de individualismo. Magda Dimenstein (2000), infere a respeito do individualismo ao criticar o modelo hegemônico de "sujeito psicológico" estruturado em ideias individualistas, proveniente do ideário moderno, caracterizado pela noção de que o indivíduo é um ser autônomo, independente, com direitos e deveres. Para Dimenstein (2000, p. 97), foram essas ideias que tornaram possível o desenvolvimento da Psicologia e que teorias como a psicanálise criassem "o sujeito psicológico, cuja verdade é a do seu desejo inconsciente. Dessa maneira, um dos seus efeitos foi engendrar uma concepção de subjetividade individualizada e individualizante, particular, singular a cada sujeito, mediada exclusivamente pela história pessoal de cada indivíduo". Além disso, a autora também enfatiza o quanto a concepção de individualismo auxiliou na modernização da sociedade brasileira desde a década de 1950, corroborando com a ideia de uma Psicologia apolítica em meados de 60/70
A ênfase na privatização e nuclearização da família, na responsabilidade individual de cada um dos seus membros, a ênfase nos projetos de ascensão social, na descoberta de si mesmo, na busca da essência e na libertação das repressões, foram algumas destas estratégias que culminou na promoção de uma psicologização do cotidiano e da vida social e num esvaziamento político. (Dimenstein, 2000, p. 98)
A maior problemática ocorre em relação à proporção hegemônica que tal descrição da subjetividade tomou, fazendo com que outras formas de pensar a subjetividade não ganhassem espaço, "desprezando-se assim, a complexidade e a multideterminação do processo de subjetivação" (Dimenstein, 2000, p. 100). O intenso foco no sujeito individualizado, na família, no âmbito privado, está enraizado no imaginário social do que é a Psicologia e também permanece no imaginário dos profissionais, revelando que o problema pode ser também explicitado pelo ensino deficitário às questões estruturantes da sociedade, como o gênero, raça e classe.
Nas propostas curriculares de Psicologia (CFP, 2018), existe a menção da responsabilidade dos cursos em assegurar a discussão de questões como gênero, raça, cultura e território, mas não explicita como. Como assegurar que essa discussão não será somente pontual ou, de fato, será feita uma discussão radical das teorias psicológicas? Curiel (2014), em seus estudos sobre as mulheres negras sendo inseridas em um feminismo branco e em movimentos de classe, já sinaliza que discussões pontuais, a fim de buscar apenas à soma e não a discussão e conhecimentos na raiz, não são suficientes porque, o ato de "incluir" as mulheres negras, é um "ato neoliberal", o qual inclui a diversidade para apaziguar as tensões, mas não modifica e questiona os paradigmas de opressão. Curiel (2014) discute, em específico, acerca dos movimentos de esquerda e do feminismo, mas aqui é possível estender para a Psicologia na qual são feitas discussões de questões de gênero, raça e colonialidade, em disciplinas específicas, mas muito raramente isso é feito no cerne das teorias as quais ainda estão vinculadas a práticas e saberes hegemônicos.
A Psicologia que é ensinada nas nossas universidades tem a pretensão de ser apolítica, neutra, e justo por isto está embebida da ideologia dominante e conservadora das relações sociais. Assim, é uma Psicologia ingênua e ineficaz que a universidade termina promovendo, porque psicologizante e a-crítica dos modelos importados, o que leva a um distanciamento do social e uma aproximação ainda maior do aluno às ideias e valores hegemônicos da ideologia individualista que ele carrega pois oriundo das classes médias urbanas. (Dimestein, 2000, p. 105)
Sendo assim, para garantir que as discussões a respeito de questões de gênero, raça, colonialidade sejam pautadas no ensino de Psicologia, é necessário modificar e considerar tais elementos como estruturantes da subjetividade. Ao acionar essas críticas às narrativas universais e hegemônicas, não há pretensão de aniquilar e extinguir essas narrativas, mas há a intenção de alertar para a presunção de "universalidade" de qualquer teoria, ou seja, por sua aplicabilidade e reprodução em todo e qualquer contexto. É um alerta para a falta de reconhecimento de que a maioria dos saberes são enviesados pelo ponto de vista e pela experiência de poucos, em sua maioria, homens, brancos, ocidentais ou ocidentalizados e da elite econômica e intelectual. Os pontos de vista são enviesados, pois os problemas expostos nestas narrativas vêm do universo de referência desses sujeitos que se tornam os pontos de referência universais.
Outro mote referente à epistemologia é o conceito de epistemicídio, o qual se refere "à destruição de algumas formas de saber locais, à inferiorização de outros, desperdiçando-se, em nome dos desígnios do colonialismo, a riqueza de perspectivas presente na diversidade cultural e nas multifacetadas visões do mundo por elas protagonizadas" (Tavares, 2009, p. 183). A alternativa seria propor um pluralismo epistemológico, com múltiplas visões, ao invés de imperar uma única forma de pensar, consistindo numa proposta de horizontalidade dos saberes que não subjugam uns aos outros. Mas e quanto ao relativismo? Qualquer tipo de conhecimento e interpretação da realidade cabe ao pluralismo? Assim, discursos de ódio e opressão poderiam ser considerados como parte de um "conhecimento" ou realidade?
Pluralismo, para a Psicologia, significa questionar a universalidade de seus conceitos ou dizer que a Psicologia abrir-se-ia de forma acolhedora, horizontalizando saberes produzidos nas "sociedades periféricas", as quais são definidas por "onde a crença na ciência moderna é mais tênue, onde é mais visível a vinculação da ciência moderna aos desígnios da dominação colonial e imperial, e onde outros conhecimentos não científicos e não-ocidentais prevalecem nas práticas quotidianas das populações" (Tavares, 2009, pp. 26-27).
As epistemologias plurais são criadas dentro do chamado "cosmopolitismo subalterno" (Tavares, 2009), o qual "manifesta-se através das iniciativas e movimentos que constituem a globalização contra hegemônica. Consiste num vasto conjunto de redes, iniciativas, organizações e movimentos que lutam contra a exclusão econômica, social, política e cultural" (Tavares, 2009, p. 22) gerada pelo capitalismo. Por isso, não cabe a crítica a um suposto relativismo que aceita qualquer tipo de pensamento, pois um saber hierárquico pautado em discursos opressores não faz parte do pluralismo epistemológico e nem cabe à opção decolonial.
O Conceito De Colonialidade E Seus Desdobramentos.
O conceito de colonialidade refere-se às configurações refinadas e imbricadas de atuação do poder, iniciadas no colonialismo mas que sobreviveram a ele. De acordo com Maldonado-Torres (2007), o colonialismo é um momento histórico, caracterizado pelas relações formais, de mercado, economia e política, enquanto a colonialidade é definida pelas raízes atuais do colonialismo que se perpetuam nas relações e na sociedade. A colonialidade
se mantém viva em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente. (Maldonado-Torres, 2007, p. 131, tradução nossa)
Para compreender melhor os sintomas da colonialidade na atualidade vale ressaltar o conceito de colonialidade do ser, o qual foi nomeado por Walter Mignolo e produzido em conjunto com outros autores, como Maldonado-Torres (2007) que o define como a relação de dominação que se dá no nível ontológico, ou seja, no ser. De acordo com o autor, "a colonialidade do ser introduziu o desafio de conectar os níveis genético, existencial e histórico, onde o ser mostra mais claramente seu lado colonial e suas fraturas" (Maldonado-Torres, 2007, p.130-131, tradução nossa). Observa-se aqui, a dimensão relacional entre a superioridade e a inferioridade que se apresenta em cada um dos sujeitos, uma dimensão entranhada na existência e nas inter-relações e não pode ser reduzida a um mero dualismo entre "opressor" e "oprimido".
O colonialidade do ser também se refere a dinâmicas existenciais que emergem em contextos definidos ou fortemente marcados pelo ditado moderno / colonial e racial. É aí que os sentimentos de superioridade e inferioridade, a escravidão racial, indiferença aos diferentes, o genocídio e a morte, se tornam aparentes como realidades comuns. (Maldonado-Torres, 2007, p.154, tradução nossa)
Outro conceito que contribui para a discussão é o difundido por Rolnik (2015) acerca do inconsciente colonial, o qual é definido como a micropolítica dominante da nossa sociedade moderna e ocidental que, em virtude do seu histórico colonial, hoje produz uma condição de vida na qual o capitalismo mundial integrado impera sobre tudo e todos. Uma análise possível do diálogo entre o inconsciente colonial e colonialidade do ser é o modo de funcionamento, o qual acomoda o ser em posições subalternas, ao mesmo tempo que produz uma vontade de opressão característica da herança da estrutura hierárquica colonial, que confere poderes de acordo com os marcadores de gênero e raça. Ou seja, o inconsciente colonial gera um tipo de desejo de poder e é dessa forma que a colonialidade se propaga em uma tecnologia refinada, pois busca desmontar a percepção dela mesma nos sujeitos, naturalizando as relações de opressão e desarticulando o desejo de autonomia, resistência e alteridade.
Diversos tipos de saberes hegemônicos partilham da colonialidade, por exemplo, a etnografia ao importar um modelo das ciências naturais e exatas por meio da investigação empírica no estudo de outros povos, acabou por promover um estudo dos "povos sem história" (Curiel, 2011, p. 3), que eram os "objetos" das análises dessas ciências. Frantz Fanon (2008) e Aime Césaire (1978) são alguns dos nomes que começam a problematizar sobre o ahistoricismo e o universalismo europeu ocidental, discutindo a respeito da ausência de trabalhos feitos por grupos de pessoas negras e não ocidentais. Para a Psicologia, além da crítica à produção de conhecimento e a busca por mais autores e autoras fora do eixo hegemônico, é necessário pensar que "descolonizar não é apenas incluir na bibliografia as epistemologias até então silenciadas, mas colocar em questão o próprio lugar do psicólogo, situar suas marcas, seu lugar de fala, porque é desse lugar que ele exerce a escuta" (Veiga, 2019, p. 246) e pode assim, exercer violências e opressões.
Descolonização, de acordo com Curiel (2011), não é somente sair da dependência da colônia pela metrópole, mas é um movimento de reexistir ao poder da colonialidade, ou seja, produzir uma nova forma de ser e se relacionar com/no mundo. A descolonização é o questionamento do sujeito universal e uno, e como afirma Curiel (2011), é fundamental questionar os dualismos criados: tradição/modernidade, civilização/selvagerismo, desenvolvido/subdesenvolvido, metrópoles/periferia, globalização/localismos, dominação/dependência. Segundo a autora, essa é a fonte da hierarquia e polarização da existência.
Descolonizar é, por exemplo, prestigiar, dialogar e compreender as produções de um determinado território; é construir saberes e práticas situados, os quais devem se retroalimentar com outros saberes, sempre se mantendo aberto e solidário a outros movimentos; é reconhecer o feminismo enquanto uma teoria social importante e, principalmente, apoiar o feminismo latino americano, o qual é responsável por trazer outras análises de relações de poder nas categorias de raça, gênero e classe. O projeto de descolonização empreendido por Ochy Curiel (2011, p. 22) mostra, principalmente, a necessidade de colocar em crise as ciências sociais hegemônicas, incluindo aqui, a Psicologia.
Lugones (2014) nos alerta que a descolonização não pode ser feita de forma solitária pois, para a autora, as pessoas vão além de si mesmas, são definidas por um coletivo, são constituídas de práticas e crenças que lhes são passadas coletivamente, pois "a produção do cotidiano dentro do qual uma pessoa existe produz ela mesma" (Lugones, 2014, p. 949), oferecendo ritmos, noções, crenças, modos de existir e significados que faz dessa pessoa um produto de seu meio. Lugones (2014, p. 949) pensa a subjetividade de forma singular, não individualizante como no capitalismo, compreendendo-a como uma "afirmação da vida ao invés do lucro". Afirmar a vida é o próprio ato decolonial, de acordo com Lugones (2014), a afirmação não é repensar a relação do oprimido e opressor, pela lógica do oprimido, mas sim avançar na lógica da coalizão entre esses dois, no ponto da diferença, significa transformar a lógica e não inverter os atores.
Lugones (2014) salienta a necessidade de entender a complexidade da resistência, a qual não existe por si só nas pessoas colonizadas, mas é fruto e dependente da colonialidade. A resistência paira no imaginário social, como se fosse natural, uma espécie de essência de determinados povos, fato este que balizou a própria violência contra os povos colonizados. A resistência é, de certa forma, uma imposição às pessoas historicamente oprimidas, pois é designada aos oprimidos a luta decolonial, muito diferente da situação dos sujeitos privilegiados, que podem escolher descolonizar ou não. A posição da Psicologia, como um saber privilegiado, consiste na escolha: lutar pela descolonização ou não, enquanto, para outros saberes, sua própria afirmação e existência está condicionada à descolonização. Por fim, após marcar a definição de colonialidade e seus desdobramentos na colonialidade do ser, inconsciente colonial, descolonização e na importância do feminismo nessa discussão, segue-se para as propostas de uma perspectiva decolonial para a Psicologia.
Pistas Para Descolonizar A Psicologia.
Para realizar uma mirada decolonial à Psicologia, além de se atentar para sua epistemologia, seus modelos de subjetividade e se retirar de um plano individualista de análise do sujeito, é necessário desuniversalizar pressupostos como o de "saúde", por exemplo, pois "possuímos também uma determinada ideia - tida como universal - do que seja saúde e doença, suas causas e possibilidades de tratamento e cura, que na verdade nem sempre é compartilhada por todos os segmentos sociais" (Dimenstein, 2000, p. 108). A Psicologia não tem abandonado o seu determinismo e universalismo, que individualiza o sofrimento do sujeito apartando-o das questões da opressão. O abandono não tem se revelado, por exemplo, na formação de profissionais que estão reivindicando uma postura "apartidária" da Psicologia, pois erroneamente acreditam que lutar contra opressões é tomar "partido". É possível dizer que o determinismo e universalismo fazem parte da colonialidade e, por isso, descolonizar os saberes é desuniversalizá-los.
Frantz Fanon (2008) é um exemplo de como lançar um olhar decolonial para a Psicologia em suas próprias teorias já consolidadas. Fanon (2008) transforma os conceitos da psicanálise e demonstra que em um contexto pós-colonial, eles não têm o mesmo funcionamento nas pessoas negras. Assim, ele reformula e/ou abandona os paradigmas conceituais da psicanálise que não servem ou funcionam de outro modo, a partir das relações raciais de seu território. O exemplo de Fanon demonstra que as teorias psicológicas podem fazer esse movimento decolonial em relação à realidade brasileira. A maioria das teorias psicológicas tradicionais continuam preservando conceitos e funcionamentos e, de certa forma, servindo aos sujeitos hegemônicos e, enquanto isso, o avanço vem da produção de outras especialidades que trazem a questão de raça e gênero a serviço dos sujeitos oprimidos.
Reconhecer e afirmar essas teorias como não universais e incluir outras teorias que possam dar conta do "outro", não é suficiente. É necessário questionar a raiz do problema na estruturação das teorias e seus lugares de privilégios. Ou seja, ao desuniversalizar os conceitos sem fazer uma análise dos privilégios e opressões que tais conceitos podem ter operado em relação às minorias, permanece uma Psicologia hegemônica que diz respeito aos homens, brancos, heterossexuais e surge uma "outra" Psicologia decolonial que diz respeitos as(aos) "outras(os)", mulher, negro, indígena, gay, lésbica e travesti. Assim, não há um movimento de descolonização de fato pois, ao não trazer para o centro do debate o questionando dos sujeitos de privilégios, perpetua-se o movimento da colonialidade que se refina e atualiza ao longo do tempo, preservando estruturas de dominação. A análise feita a partir de uma perspectiva decolonial na Psicologia parte do questionamento dos sistemas de privilégios, como a branquitude e heteronormatividade, por exemplo. É importante que os sujeitos de privilégios entendam o problema de raça e de gênero como um problema criado por eles e que, portanto, deve ser pensado e questionado por eles. A colonialidade é uma problemática relacional do sujeito para com o "outro" e deve ser tratada deste modo na Psicologia, pois "o racismo é uma problemática dos brancos", como afirma Grada Kilomba (2016, online); o machismo, do homem; a homofobia, dos heterossexuais; a transfobia, dos cisgêneros e a colonialidade, dos sujeitos da colonialidade.
No conjunto da discussão relacionada aos sujeitos de privilégios, não se leva em consideração a existência de uma individualização de sintomas sociais, e, assim, as mulheres continuam sendo encaminhadas às (aos) psicólogas(os) para dar conta das violências de gênero, fazendo-as regressar para si mesmas, suas famílias e relações, buscando tratar possíveis traumas que as impedem de seguir vivendo em sociedade, individualizando um machismo estrutural, enquanto os homens que estupram são tidos como loucos, imorais, anormais e desviantes, não como produto direto da estrutura machista. Aqueles e aquelas que são explicitamente racistas, são "mal educados" e desequilibrados e não representam "todas" as pessoas brancas. São esses estereótipos individualizantes que mascaram o machismo e o racismo estrutural na sociedade e revelam as mazelas da colonialidade. A questão é tratada a partir da perspectiva do indivíduo, seja a vítima que precisa mudar seu comportamento, seja o agressor considerado alguém desequilibrado e anormal. O que ocorre de fato é o reforço desses estereótipos enquanto um pensamento de que o racismo, machismo e LGBTQI-fobia não são consequências da sociedade, mas são desvios de comportamento, problemas morais de alguns indivíduos. Tais exemplos reforçam a ideia de que ainda não se discute a questão dos sujeitos de privilégios na Psicologia e o foco recai totalmente nos sujeitos subalternos.
A Psicologia deve aprender a escutar antes de descrever, analisar e diagnosticar. Essa escuta é da ordem da transformação, na qual é imprescindível despir-se de supostas análises prévias do discurso e da estilística de vida. A Psicologia, historicamente, ignorou muitas vozes e se sobrepôs a elas. Djamila Ribeiro (2017) com o conceito de lugar de fala pode ajudar a pensar a posição hegemônica que a Psicologia ocupa. A autora afirma que a reivindicação de lugar de fala não deve ser confundida com o simples ato de falar pois, ao reivindicar o seu lugar de fala, reivindica-se a produção de diferentes discursos e saberes, a partir da perspectiva daquele determinado grupo social oprimido. A ideia de lugar de fala se relaciona diretamente à perspectiva decolonial apresentada anteriormente, na qual se criticam os saberes e discursos sempre narrados na perspectiva do sujeito dominante. Assim, a Psicologia, em vários momentos, não assume o seu lugar de privilégio e deveria começar a produzir seus saberes e discursos a partir do seu lugar de fala, o de ciência privilegiada que contribuiu historicamente para o apaziguamento das tensões raciais, sociais e de gênero e que psicologizou questões de opressão. Além de reconhecer seu lugar, é preciso escutar, mas não simplesmente a escuta como um ato de ouvir, mas como um ato que rompe "com a surdez na qual estamos imersas, a surdez que nos fecha em nossa própria existência e a qual nos faz reconhecer somente o que se assemelha a nós. A surdez de quem tenta escutar mas ainda está submerso na concepção que separa individualidade da coletividade" (Gorjon, Mezzari, & Basoli, 2019, p. 3). No processo do reconhecimento e questionamento do lugar de opressora, aprender a escutar discursos e saberes não hegemônicos é construir a Psicologia decolonial. Assim, diferentes perspectivas teóricas podem e devem produzir uma reestruturação dos conceitos dos saberes psi que possam dar conta da realidade brasileira.
Conclusão
A partir de alguns eventos da atualidade, como a incorporação do Hospital psiquiátrico à RAPS, a internação compulsória como instrumento de tratamento, a extinção dos cargos de perito do Mecanismo de Prevenção à Tortura e a reivindicação da terapia de "reversão sexual", questiona-se se tais fatos não desvelam os sintomas sociais e discursivos da colonialidade. Para compreender os sintomas da colonialidade, é preciso entender sua constituição e como ela atua através do Estado, da ciência e das subjetividades. Na Psicologia, a fim de fortalecer as relações éticas e políticas para com a sociedade, é necessário uma mirada decolonial, a partir da reestruturação das teorias e práticas psicológicas, questionando os saberes da Psicologia enviesados numa única visão de mundo: do homem ocidental branco. Tal visão corrobora para a manutenção dos efeitos da colonialidade nos sujeitos, manifestada de forma volátil, capaz de invadir as entranhas mais carnais, se enraizando, naturalizando, adaptando e proliferando.
É indispensável fazer um alerta para que psicólogas(os) perpetrem o manejo e compreensão do inconsciente colonial e colonialidade de ser, nas subjetividades, para que antes de qualquer análise da sociedade e das subjetividade sejam mapeados os relevos da colonialidade. Afinal, a colonialidade na subjetividade opera em uma via de mão dupla, ao mesmo tempo que fixa os sujeitos em posições subalternas, produz uma vontade de opressão característica da herança da estrutura hierárquica colonial, na qual a saída "desejável" é se tornar aquele que oprime.
A colonialidade é uma tecnologia refinada, caracterizada por seu controle ramificado e enraizado, controle que muitas vezes está dissimulado. A Psicologia tem uma função importante no processo de descolonização, apontando as questões difusas da colonialidade nas subjetividades. Isso atravessa a desmistificação da "individualidade", a ativação da alteridade nas subjetividades, o movimento de escuta e ressignificação dos conceitos e práticas, os quais podem estar servindo a crescente sofisticação da colonialidade. Neste sentido, "queimemos a língua" em uma metáfora para deixar que outras vozes falem,
Queimemos a língua, não pela pressa de engolir rápido qualquer saber/prática que acaba de sair do forno, mas sim pela sensação de que esse saber/prática provoca: o incômodo das nossas línguas afiadas, forçando que nosso corpo pense com uma língua outra e explore suas poéticas possíveis. Queimar a nossa língua é saber do nosso lugar de privilégio, é reconhecer que muitos viveram no silenciamento enquanto sujeitos abjetos, oprimidos. Queimar nossa língua nos obriga a degustar, calados, a apreciar o gosto do silêncio. Queimar a língua como metáfora do ato de descolonizar o saber. Para a Psicologia, tal metáfora também diz respeito a deixar que Psicologias outras falem, escutar vozes emudecidas é estar comprometido com a ética feminista descolonial/decolonial e antirracista. (Gorjon, 2018, pp. 140-141)
Uma saída possível é o pluralismo dos saberes, para instalá-lo, primeiro, é necessário deixar para trás o medo de aniquilamento das "verdades" teóricas, o medo de um relativismo irresponsável. Nem aniquilamento, nem relativismo: o processo de descolonização é feito por meio da interlocução e articulação, pois o problema não é a fragmentação dos movimentos sociais e das análises teóricas, mas a disputa de poder entre eles. Por fim, é necessário compreender que o desejo do discurso homogêneo é um engano, pois as diferenças são muito bem vindas, desde que seja possível reconhecer aquelas(es) que estão em posições hegemônicas e subalternas para enfim aprender as línguas uns dos outros. Caso não exista possibilidade de se articular por nenhuma língua conhecida, que se invente uma nova língua e se ainda não for possível se comunicar, que se invente a própria comunicação.
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Recebido em: 24/04/2019
Aprovado em: 04/12/2020