26 
Home Page  


Stylus (Rio de Janeiro)

 ISSN 1676-157X

     

 

DIREÇÃO DO TRATAMENTO

 

O que responde o psicanalista?

 

What answers the psychoanalyst?

 

 

Marc Strauss

 

 


RESUMO

O artigo traz uma articulação entre a lógica da interpretação e o final de análise. No início do artigo o autor levanta a questão: "O que responde o psicanalista àquele que quer desvendar seu saber insabido, cifrado e consequentemente fixado?". E, após um criterioso desenvolvimento o autor propõe: "O analista responde: Sim, é isso, você falou. (...) até o momento em que o sujeito se toca da inutilidade de continuar a fazê-lo no divã e se propõe, eventualmente, a tentar fazer dizer qualquer coisa a esse saber adquirido, tentando transmiti-lo pela experiência que dá acesso a ele".

Palavras-chave: Interpretação, Direção do tratamento, Fantasia.


ABSTRACT

The author departs from a discussion about the experience of the pass to question what enables the analyzed to make a choice at the end of the analysis. In contrast, he presents the symptom at the beginning of the analysis as the aspect which shows in the neurotic the impossibility of making this choice: the symptom is the conflict that takes the place of a choice. The experience of the analysis will then consist in making the symptom talk, denouncing its lying truth, its divided jouissance. The analytical interpretation is liberating, once it operates on the division of the subject, permitting another style of satisfaction other than the division. The symptom, through interpretation, is taken to the point of an impossible ability to decompose, which will remain to the individual as a know how. To exemplify this know how, the author revisits the experience of an artistic creation and some coordinates of the end of the analysis that were extracted from the narrative of a school analyst.

Keywords: Interpretation, Direction of treatment, Fantasy.


 

 

É isso!

Como não há psicanalista sem a psicanálise, é preciso dizer, de início, o que diz a psicanálise. Eu proponho: "Estrutura sobre o fundo de um troumatismemotériel."(NT1)

Logo, temos três asserções:

1. Estrutura implica que há decifrável.

2. Estrutura implica também que há algo impossível, que faz disso o real traumático dedutível logicamente.

3. À estrutura e sua lógica de trouma acrescenta-se o real da moterialidade, que é apreensível no campo da realidade. Acrescentemos que essa apreensão na realidade, contrariamente àquela do impossível, é por definição impossível de demonstrar logicamente e só pode ser verificada caso por caso.

O que diz, então, na prática, o psicanalista, esse interlocutor que se apresenta em nome do saber da psicanálise? Digamos que seu recurso "ao que vier" é: "Ao deciframento!".

Enfim, o que responde o psicanalista àquele que quer desvendar seu saber insabido, cifrado e consequentemente fixado? Ele responde em ato, acompanha e guia o deciframento; suas pontuações desfazem as fixações.

A fixação proporciona uma satisfação fantasmática que repousa sobre o valor ilusório de um sentido último possível. A fantasia vale, então, como metalinguagem da realidade. Ela visa assegurar ao sujeito um lugar no Outro. Assegurando a identificação no e para o Outro, a fantasia é cobertura e, logo, obstáculo à revelação do impossível. Mas ela é também, por esse meio, a via de acesso à sua travessia... e a seu avesso, que não quer dizer que ela tem um além.

O psicanalista demonstra ao psicanalisante o impasse da metalinguagem fantasmática. Ele não afirma a seu paciente que não há metalinguagem, senão a operação tenderia a uma medição de forças, mas o faz apreender para o sujeito pelo equívoco que a interpretação introduz nos sentidos fixados.

Pelo equívoco, o psicanalista lança mão da castração ao mesmo tempo em que faz aparecer a dimensão irredutível da linguagem, sua motérialidade.

Revela-se, assim, ao sujeito, que seu ser de representação é falta, e que seu ser de gozo, que a essa representação ex-siste, procede de seu corpo.

Mais simplesmente: no registro do sentido não há última palavra nem verdade última e, menos ainda, a revelação do sentido da vida. Há, porém, para Lacan, ao longo de seu ensino, um fim à experiência analítica cujas formulações variaram, mas que sempre significam uma conclusão sobre um ponto de saber assegurado.

Nós podemos resumir esse ponto: "É isso!". Nós sabemos as declinações que Lacan propôs sobre a máxima freudiana: "Lá onde estava o Isso, Eu devo advir". Porém, a experiência de mentira inevitável do sentido não autoriza em nada a concluir que a via não tenha sentido, como precisa Lacan no fim do texto A direção da cura, mas mostra, ao contrário, que "o desejo é carregado pela morte".

 

Nada

Portanto, há, ainda assim, uma última palavra que Lacan dá também. No fim da passagem citada ele fala da obra de Freud, "das dimensões do ser", e àquela que a morte "veio apor a palavra Nada"(NT2) ... Nada, e não como o uso poderia nos fazer antecipar a palavra "Fim". Como no cinema, por exemplo, ainda que a tela de fim tenha desaparecido ultimamente, para ser substituída por ... nada. Aliás, desde quando há essa mudança?

Mas a história do cinema, por mais apaixonante que seja, não nos dispensa de questionar esse termo Nada, que diz algo bem diferente que nada. Que diz ele? Notemos, primeiramente, que não ter nada a dizer é uma experiência da vida cotidiana, mas a encontramos também no divã. No divã o paciente o diz ... Assim, na medida que seus ditos lhes escapam, ele demonstra ser sempre animado por um dizer ... o que não é pouco.(NT3)

Qual é esse não-nada, chave do Nada do fim?

 

Experimentum mentis

Para responder a essa questão, façamos uma pequena experiência mental, experimentum mentis, de Galileu, a partir de um caso. Partamos das últimas palavras pronunciadas por um pai a seu filho no leito de morte, o qual as trouxe para o divã: "Sabe, meu filho, o que está me faltando é uma mulher para ralhar".

A frase é impressionante por seu peso de verdade última. A vida desse homem teria sido, então, regrada por essa única necessidade? É, ao mesmo tempo admirável, por sua inflexível simplicidade, e patética, por sua insondável miséria.

Agora, façamos nossa experiência mental mudando um pouco as coordenadas:

Imaginemos que a morte bateu à porta alguns segundos antes. A fixação do sentido teria, então, sido completamente outra.

O pai poderia só ter tido tempo de dizer: "Sabe, o que está me faltando é ...". O filho teria, então, ficado na ignorância dessa falta. Ele poderia, assim, ter confortado seu sonho de que a revelação paterna poderia ser-lhe um modelo, ao passo que com a frase completa o sujeito é remetido à sua divisão de sempre, entre um estupor admirado e um escárnio penalizado. Para ser claro: "Que homem!" ao mesmo tempo que "Coitado!".

Não desenvolvamos as outras escansões que a morte poderia ter operado: deixar ao pai o tempo de proferir a primeira sílaba da última palavra: "O que está me faltando é uma mulher para ra...". Ou então: "O que está me faltando é uma mulher ...", o que teria imediatamente nos remetido à mãe envolvendo em seus braços a criança morta e, consequentemente, ao mito universal da terra-mãe que ilustra, para Freud, a pulsão de morte, em particular no seu texto "O tema dos três escrínios".

Nossa experiência mental produziu então, segundo os diversos casos, experiências e histórias bem diferentes. Porém, notemos que qualquer que seja o fim, mesmo no caso preciso em que o pai teve tempo de terminar a frase, o que ele diz é totalmente inútil para o filho. Que o pai se revele ridículo ou que ele continue a autorizar imaginá-lo como admirável, aquilo que ele diz não responde à questão do sujeito. Sim, o pai fez do outro sexo seu combate, um combate verbal, mas por quê? O que esperaria ele ganhar com esse combate, qual era a aposta nisso?

 

Dizer

A psicanálise nos ensina que essa aposta é a mesma que ele havia feito ao dizer suas últimas palavras ao filho: falar a alguém. Não para não dizer nada, mas, ao contrário, para suscitar junto ao interlocutor escolhido a resposta esperada, necessária, que viria confirmar ao sujeito sua existência. Que esse interlocutor seja o Outro sexo ou o filho mostra bem que o lugar onde se coloca essa questão da existência é o próprio lugar onde não há relação, mas puro laço de fala. O que importa nessa frase, em última instância, é que até o fim o pai tenha podido encontrar um interlocutor para si, junto a quem ele se faz ouvir, ainda ...

Em outras palavras, desde que ele esteja vivo, ele fala, logo, ele combate, menos a morte do que a impossibilidade de chegar, por seus ditos, ao fim daquilo que há a dizer – e que é sua vida de corpo afetado pela alíngua, na singularidade de sua existência.

Não é necessário, portanto, estar a ponto de morrer para ser animado por esse dizer e pela necessidade de lhe achar um endereçamento e uma forma articulada nos ditos.

E o que quer dizer esse dizer? Nada, a não ser o desejo de se fazer reconhecer como homem, como falasser pelo outro a quem se endereça. E para isso é preciso, maldita necessidade, que o falasser se vista com os farrapos de um sexo; sexo pesado neste caso e, sobretudo, sendo secundário aos olhos da questão da existência.

Assim, encontrar um interlocutor para si é suficiente para fazer a prova de sua existência pelo dizer que a própria existência desse interlocutor verifica. "Ele responde, logo eu disse, logo eu sou" poderia ser uma formulação do cogito lacaniano. É claro, para que o diálogo prossiga, há a necessidade de respeitar certos aspectos aos olhos da verossimilhança, que é comandada pelo mais-de-gozar da fantasia; mas, de fato, esse cogito é jogado aquém e procede, ao contrário dos mais-de-gozar, de um nada-de-sentido; ou então, ele só tem um, de sentido, o mesmo para os dois parceiros: se sustentar pelo seu gozo de existir, seu gozo de falasser.

 

Nada de sentido

Porém, é necessário darmos, para concluir, um passo a mais. Com efeito, o nada- de-sentido no posto de comando não está reservado ao discurso analítico. É o caso também do discurso do mestre, em que o significante Unário se define, também, por não ter um sentido que justifique seu lugar. O mestre não faz semblante de saber, ele ocupa seu lugar e isso é suficiente. E se isso não é mais suficiente aos escravos, ele pode sempre se fazer ajudar pelos filósofos para mobilizar um saber que o justificará – do lado do comando, disse Lacan. Nós podemos sublinhar a homologia entre essa posição de mestre com "O que se sabe, consigo"(NT4) que assegura para Lacan o fato que se está no inconsciente – no texto Prefácio à Edição inglesa do Seminário 11. O ponto de chegada do discurso analítico seria, então, um retorno ao discurso do mestre? Por que não ... mas é um mestre bem subvertido. Com efeito, o discurso do mestre comanda necessariamente ao corpo de um outro, ao passo que, no discurso analítico é o"si"(NT5) que se ignora, que comanda pelo dizer ao sujeito que não pode nada contradizer ali. Esse "si" é, portanto, para um sujeito, o enigma que permanece para ele mesmo; enigma que nos recorda Lacan é cúmulo do saber.

Assim, o analisante e o analista são ambos dois irmãos no discurso como o diz Lacan no fim da última lição de ...ou pior. Com a condição, para não cair novamente nos bons sentimentos, de precisar que esses irmãos não têm pai, pois o discurso, se ele carrega a função de nomeação, não tem ele mesmo um pai.

O que responde, enfim, o analista ao sujeito que pode escutá-lo, sem que não seja mais necessário lhe dizer? Ele responde: "Sim, é isso, você falou". Até o momento em que o sujeito se toca da inutilidade de continuar a fazê-lo no divã e se propõe, eventualmente, a tentar fazer dizer qualquer coisa a esse saber adquirido, tentando transmiti-lo pela experiência que dá acesso a ele.

 

Tradução de Rita Bícego Vogelaar

Revisão: Conrado Ramos e Ida Freitas

 

Referências

FREUD, S. (1913). O tema dos três escrínios. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standart Brasileira das Obras completas de S. Freud, v. XII, p. 305-315.         [ Links ])

LACAN, J. (1958). A direção do Tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 591-652.         [ Links ]

_________. (1976). Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. In: Outros escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 591-652.         [ Links ]

 

 

Recebido: 29/01/2013
Aprovado: 10/03/2013

 

 

NT1 Neologismo de Lacan que equivoca as palavras francesas trou [furo] e traumatisme [traumatismo], e mot [palavra] e matériel [material].
NT2 Conforme traduzido de Outros Escritos (p. 649).
NT3 No original, "ce qui n'est pas rien"[não nada].
NT4 Conforme traduzido de Outros Escritos (p. 567). No original: "On le sait, soi".
NT5 "Soi" da expressão "On le sait, soi".