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Revista Brasileira de Psicodrama

versão impressa ISSN 0104-5393versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.24 no.2 São Paulo dez. 2016

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20160019 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Episteme do Sociodrama na Revista Brasileira de Psicodrama

 

Episteme of Sociodrama in the Brazilian Journal of Psychodrama

 

Episteme del Sociodrama en la Revista Brasileña de Psicodrama

 

 

Márcia Pereira BernardesI; Narbal SilvaII

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC). marcia@locuspsicodrama.com.br
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC). narbal.silva@globo.com

 

 


RESUMO

Neste artigo são analisadas e interpretadas as bases epistemológicas do Sociodrama e, em decorrência, seu enquadre nos quadrantes humanistas, em Humanismo, Funcionalismo, Estruturalismo ou Interpretativismo, segundo Burrell e Morgan (1979). Para tanto, foi realizado um estudo bibliométrico na Revista Brasileira de Psicodrama, publicação nacional da Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap). Atendendo a um critério estabelecido para seleção, cinco artigos foram analisados. Como conclusão, foi constatado que, na perspectiva desses autores, prevalece situar o Sociodrama entre os limites do Humanismo e do Interpretativismo. Por fim, ficou evidente que alguns autores deixam mais claras suas escolhas epistemológicas, enquanto outros não se pronunciam a respeito.

Palavras-chave: psicodrama, sociodrama, representação social, bibliometria, Revista Brasileira de Psicodrama


ABSTRACT

In this article, epistemological bases of Sociodrama are analyzed and interpreted and, consequently, fitted in the humanist quarters, such as Humanism, Functionalism, Structuralism or Interpretivism, according to Burrell e Morgan (1979). Therefore, it was conducted a bibliometric study in the Brazilian Journal of Psychodrama, a national publication of the Brazilian Federation of Psychodrama (Febrap). Given some established criteria for selection, five articles were analyzed. As conclusion, it was found that, from these authors' perspectives, it prevails to situate the Sociodrama in the boundaries of Humanism and Interpretivism. Finally, it has become clear that some authors are more transparent in relation to their epistemological choices, while others are silent about it.

Keywords: psychodrama, sociodrama, social representation, bibliometric, Brazilian Journal of Psychodrama


RESUMEN

En este artículo se analizan y interpretan las bases epistemológicas del Sociodrama y, en consecuencia, su encuadre en los espacios humanistas, como Humanismo, Funcionalismo, Estruturalismo o Interpretativismo, según Burrell e Morgan (1979). Para tanto, realizamos un estudio bibliométrico en la Revista Brasileña de Psicodrama, una publicación de la Federación Brasileña de Psicodrama (Febrap). Dado un criterio establecido para la selección, se analizaron cinco artículos. En conclusión, se encontró que, desde las perspetivas de estos autores, prevalece situar el Sociodrama entre los límites del Humanismo y del Interpretativismo. Finalmente, se hizo evidente que algunos autores hacen más claras sus opciones epistemológicas, mientras que otros no dicen nada acerca.

Palabras clave: psicodrama, sociodrama, representación social, bibliometría, Revista Brasileña de Psicodrama.


 

 

INTRODUÇÃO

A publicação dos estudos sobre as ideias de Jacob Levy Moreno e as práticas realizadas no Brasil ocorre em diversas mídias e periódicos. O mais importante deles é, sem dúvida, a Revista Brasileira de Psicodrama (RBP), única em seu gênero no mundo. Com ela, objetiva-se a "difusão de estudos e pesquisas relativos ao desenvolvimento teórico-metodológico do Psicodrama e às contribuições significativas para a área".1 Cada volume contém artigos, resenhas e resumos, entre outros apontamentos. Desde 2009, a revista é apresentada em formato eletrônico, identificada pelo ISSN 2318-0498. Possui Qualis B2.

Nos volumes publicados, encontramos temas sobre crianças, adolescentes, adultos, escolar, organizacional e social, bem como reflexões conceituais e teóricas, relatos de experiências etc., dentre os quais está o Sociodrama, que é um dos principais métodos de ação psicodramática.

Neste artigo, foi pesquisado o pensamento de autores da RBP sobre o Sociodrama, na perspectiva da teoria social proposta por Burrell e Morgan, em seu livro Sociological paradigms and organisational analysis.2 Para isso, o texto está estruturado em cinco partes: a) apresentação da RBP; b) principais ideias sobre o Sociodrama; c) caracterização dos quadrantes propostos por Burrell e Morgan; d) análise por meio dos autores do Sociodrama, na perspectiva dos quadrantes de Burrell e Morgan; e f) discussão "alargada" sobre a teoria social e o Sociodrama.

 

A REVISTA BRASILEIRA DE PSICODRAMA

Editada pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap)3, a Revista Brasileira de Psicodrama tem seu primeiro conjunto de exemplares publicados semestralmente entre 1978 e 1984 sob o título de Revista da Febrap. O segundo conjunto, de 1990 até 2015, possui 46

unidades, divididas em 23 volumes, e cada um deles com dois números. Em 2009, exibiu a primeira versão on-line e, desde 2013, apenas nesta modalidade. A identificação da revista para a versão impressa é ISSN 0104-5393 e, para a versão eletrônica, ISSN 2318-0498.

A RBP está indexada na Index Psi Periódicos (BVS-Psi) - www.bvs-psi.org.br -; na Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pe@psic) - pepsic.bvsalud.org -; e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs). É afiliada à Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec) e à Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia (ABECiPsi). Apresenta como índice para catálogo sistemático os códigos 616.89 para Psiquiatria, 610 para Medicina, 616.8917 para psicanálise e 150 para Psicologia..Seucorpo editorial é constituído por um editor, dois coeditores, uma diretoria de publicação, uma secretaria administrativa e um conselho editorial constituído por sete doutores, dos quais dois em Portugal, um na Costa Rica e os demais no Brasil.4

A partir do volume dois, os conteúdos foram seccionados por tipo de publicação, a saber: Artigos Inéditos, Artigos de Revisão, Artigos Comentados, Notas Prévias, Reportagens, Resenhas, Mesas-Redondas, Notas Biobibliográficas, Cartas ao Editor e Sala de Aula. Essa divisão, historicamente, sofreu mudanças para atender a exigências das agências indexadoras e atualmente está dividida em: Artigos Inéditos, Artigos de Reflexão, Comunicação Breve e Resenha. Ao longo deste período, já exibiu Diálogos Eletrônicos, Depoimentos, Contraponto, Escritos Psicodramáticos, Livre Pensar, Memórias, Sessão Temática etc. Dessa forma, deve ser levado em consideração que uma matéria publicada atualmente sob o título de Comunicação Breve pode manter correspondência com a Seção Livre publicada em 2011, por exemplo, ou um Artigo de Revisão de 1994 pode corresponder a um Artigo de Reflexão de 2015, se levada em consideração a proposta literária da seção em análise. Somadas, as publicações, nos dois momentos da revista, ultrapassam a oito centenas de matérias.

Outros aspectos a elencar são: a) entre 1978 e 1991, um grande número de material publicado não disponibiliza "palavras-chaves" ou "descritores"; b) há diversos trabalhos sem "resumo" antecedendo ao texto principal; c) variam de tamanho de 1 (uma) a 18 (dezoito) páginas; e d) alguns trabalhos são de autoria de federadas constitutivas da Febrap, não exibindo nome de pessoas físicas, e sim jurídicas.

Por isso, para a presente pesquisa, serão considerados todos os trabalhos publicados sob o título de ARTIGO, exclusivamente do período de 1990 a 2015. Na categoria ARTIGO, compreendem-se: artigos inéditos (152), artigos de reflexão (9), artigos comentados (12), artigos de revisão (14) e artigos premiados (12), totalizando 199.

Desse total, 12 exibem a expressão "Sociodrama" no título, e 13, nas palavras-chave, totalizando 25, porém apenas cinco o estudam metodológica, teórica e epistemologicamente. Os demais tratam da aplicação do Sociodrama a diferentes cenários.

Esses trabalhos constituem as bases de análise na perspectiva dos quadrantes de Burrell e Morgan, proposta deste artigo. Antes, porém, requer versar sobre o que é Sociodrama.

 

SOCIODRAMA

Moreno desenvolveu o Sociodrama durante e depois da II Guerra Mundial com a preocupação de fortalecer a delicada rede de coexistência entre os vários grupos da sociedade pós-guerra. Utilizou o Sociodrama em encontros profissionais com grandes públicos, buscando investigar eventos relevantes como o assassinato de Kennedy, por exemplo, (Kellermann, 1998). Segundo Kellermann, sua primeira apresentação foi em Viena, em 1921.

Moreno (1992) define o Sociodrama como um "método profundo de ação que trata de relações intergrupais e de ideologias coletivas" (p. 188) e que faz parte da Sociatria.

O Sociodrama é um método sociátrico e trabalha a intersecção entre o fenômeno social e o indivíduo. Sendo originário do teatro, busca o conflito através de um protagonista. Todavia, enquanto o Psicodrama parte do mundo privado para chegar ao conflito social, o Sociodrama faz o caminho inverso: parte do conflito social para chegar à sua subjetivação (Davoli, 1990). Além disso, produz um conjunto de indicadores "resultante das falas, diálogos, interações nos contextos específicos (entre participantes; entre participantes e equipe de pesquisa; entre personagens), cenas, ações, imagens - faz emergir uma categoria que permite formular hipóteses", estando em consonância com os pressupostos que embasam o corpo teórico-metodológico moreniano (Nery & Wechsler, 2010, p. 92).

Com essa interação/produção, é possível identificar quais papéis interagem na ação grupal possibilitando que os conflitos sejam compreendidos, para serem solucionados (Menegazzo, Zuretti, Tomasini & cols., 1995, pp. 197-198). Assim, o Sociodrama (Zampieri, 1998) potencializa a expressão de questões relacionais, ao mesmo tempo em que amplifica aspectos grupais, permitindo atuar tanto para a investigação quanto para a terapêutica na dimensão social, com foco no drama coletivo. "O verdadeiro sujeito do Sociodrama é o grupo, uma vez que elementos de uma cultura compartilham em diversos graus" (Moreno, 1992, p. 188).

 

A TEORIA SOCIAL DE BURRELL E MORGAN

Em seu livro Sociological paradigms and organisational analysis, com livre tradução do prof. Wellington Martins (EA/UFBA) e editado pela Heinemann de Londres em l979, os escritores Burrell e Morgan apresentaram ao mundo um proposta de análise e categorização do pensar teórico sobre a sociedade humana e sua forma de organização. Segundo eles, a sistematização de toda teoria das organizações está balizada em dois eixos de análise: filosofia da ciência e teoria da sociedade. Assim, os fenômenos organizacionais devem ser classificados com a perspectiva de cada um. Objetivando superar as confusões conceituais e epistemológicas nas ciências sociais - o relacionar teorias com contextos sociológicos -, a dupla ampliou para aspectos filosóficos e de teoria social, propondo distinções e possíveis relações entre quatro paradigmas-chave: Humanismo Radical, Interpretativismo, Estruturalismo Radical e Funcionalismo. Conscientes da natureza essencialmente efêmera do assunto, os autores se basearam em metateóricos. Esses quadrantes paradigmáticos são mutuamente exclusivos, porém, em suas fronteiras, não excludentes.

 

Figura 1

 

Para compreender esses paradigmas, Burrell e Morgan (1979) propõem uma compreensão da natureza da ciência social com base no argumento de que "é conveniente conceituar ciência social em termos de quatro conjuntos de pressupostos relativos à ontologia, à epistemologia, à natureza humana e à metodologia" (p. 5). Relativos à verdadeira essência do fenômeno sob investigação, os pressupostos ontológicos versam sobre a "realidade" a ser investigada. Seria ela externa ao indivíduo ou produto de sua consciência? Seria objetiva ou produto da cognição do indivíduo? Respostas a essas questões definem os nominalistas e os realistas. Os nominalistas pressupõem um mundo social externo à cognição, construído de nomes, conceitos e títulos utilizados para estruturar a realidade, enquanto para os realistas o mundo social externo é um mundo real composto de estruturas concretas, tangíveis e relativamente imutáveis, existindo independentemente da apreciação dele pelo indivíduo (Burrell & Morgan, 1979, p. 8).

Os pressupostos epistemológicos trabalham as bases do conhecimento acerca do mundo, dividindo-o em positivistas e antipositivistas (Burrell & Morgan, 1979). Associado a estes, estão os pressupostos de natureza humana relativos à relação entre os seres humanos e seu entorno, colocados em temos de deterministas (homem determinado pela situação ou pelo ambiente) e voluntaristas (homem autônomo).

Esses pressupostos implicam uma questão metodológica. Na obra de Burrell e Morgan (1979) há os que enfatizam pesquisas realizadas de acordo com os cânones do rigor científico - categorizando a metodologia nomotética. No canto oposto, a ideográfica enfatiza a proximidade com o subjetivo, explorando backgrounds e histórias de vida, embasando-se na ideia de que só se pode entender o mundo social pela obtenção do conhecimento sob investigação.

A partir da ontologia, epistemologia, natureza humana e metodologia, as teorias foram alocadas em eixos "x" e "y", resultando em quatro quadrantes. Cada quadrante foi alocado no eixo "x", entre subjetividade e objetividade, e no eixo "y", entre mudança e regulação social. Dessa forma, o primeiro expressa o pensamento mais subjetivo e com mudanças radicais, constituindo o Humanismo; no segundo, entre a subjetividade e a regulação, está o Interpretativismo; no terceiro, entre a objetividade e a mudança radical, o Estruturalismo Radical; e no quarto quadrante, entre a objetividade e a regulação, localiza-se o Funcionalismo. A caracterização desses quadrantes compõe a Figura 2.

A seguir, os paradigmas serão caracterizados e identificados no tocante à influência e às correntes de acordo com Burrell e Morgan (1979, p. 22-25).

 

O PARADIGMA DO HUMANISMO RADICAL

Características: Critica o status quo e visa livrar o ser humano das restrições que o social coloca, dá ênfase à consciência humana e vê a sociedade como anti-humana. Desenvolve a sociologia da mudança radical. É nominalista, antipositivista, voluntarista, ideográfica. Procura a verdadeira consciência, em vez da "alienação". Busca mudar o mundo social pela mudança nos modos de cognição e consciência.

Influências: Kant, Hegel, Husserl, Lukács, Gramsci e Marx, que inverteu o quadro de referência refletido no idealismo hegeliano. Influenciado pela escola de Frankfurt, particularmente Habermas e Marcuse. A filosofia de Sartre pertence a este paradigma, do mesmo modo que os escritos de Illich, Castaneda e Laing.

 

O PARADIGMA INTERPRETATIVO

Características: Envolvido com a natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão, e da solidariedade e atualização. Nominalista, antipositivista, voluntarista e ideográfico, vê o mundo social como um processo social emergente, criado pelos indivíduos envolvidos. Assim, a realidade social não tem existência fora da consciência. Há interesse em entender a natureza fundamental do social ao nível da experiência subjetiva.

Influências: Kant e, no início do século XX, Dilthey, Weber, Husserl e Schütz.

 

O PARADIGMA DO ESTRUTURALISMO RADICAL

Características: Comprometido com a mudança radical, enfatiza o conflito estrutural, os modos de dominação e a privação. A mudança radical constrói-se na verdadeira natureza e na estrutura da sociedade contemporânea. Alguns focam as estruturas e as análises das relações de poder, e outros, as contradições internas, com a visão da sociedade contemporânea caracterizada por conflitos que geram mudanças.

Influências: Marx, Engels, Plekhanov, Lênin e Bukharin, Althusser, Poulantzas, Colletti. Forte influência Weberiana, Dahrendorf e Lockwood, além de outros.

 

O PARADIGMA FUNCIONALISTA

Características: Enraizado na sociologia da regulação, foi originado na França no século XIX.

Aborda o sujeito do ponto de vista objetivista num mundo social composto de artefatos empíricos, concretos e de relações. É realista, positivista, determinista e nomotético. As relações podem ser identificadas, estudadas e medidas através de ciências naturais, e "fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, restringindo-o em suas atividades diárias.

Influências: Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Vilfredo Pareto.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise dos cinco artigos que abordam a episteme do Sociodrama na perspectiva de Burrell e Morgan será realizada separadamente, avaliando a perspectiva do autor e a possível localização nos quadrantes funcionalista, estruturalista radical, interpretacionista e humanista.

O primeiro texto a ser avaliado será "Psicodrama e sociodrama: Caracterização", de Cida Davoli, de 1990. O Psicodrama contém a Sociatria, que, por sua vez, contém o Sociodrama. Sociodrama, como parte constitutiva do projeto moreniano "visa elucidar o fenômeno social tal qual vivido no seu interior pelos humanos que dele participam" (Davoli, 1990). Assim, ao partir dos fenômenos, o Sociodrama contraria a abordagem funcionalista, pois deixa de ter uma perspectiva realista. Não pressupõe um observador "isento", e sim um "investigador participante". Também contrariando o Funcionalismo, o Sociodrama de Davoli (1990, p. 25) "busca o desenvolvimento, explicitação e transformação das tensões sociais, originadas pela intersecção do fenômeno social e do indivíduo". Não pertence ao Estruturalismo Radical, na medida em que não é positivista. No Sociodrama "a estória se desenrola no grupo ... através do protagonista, que "está em plena interação com o diretor-

pesquisador". Antagoniza com o interpretacionismo na medida em que considera a realidade social existente também consciência individual. Ao contrário, o Sociodrama questiona a "falsa conceituação de doença psíquica, independente e isolada do meio em que está inserida" (Davoli, 1990, p. 25), o que plenamente dialoga com a perspectiva humanista, do quadrante um.

O segundo, intitulado "Sociodrama" de Peter Felix Kellermann (1998), faz uma análise do Sociodrama aplicado à solução de grandes conflitos da sociedade. Classifica-o em "Sociodrama de Crise, Sociodrama Político e Sociodrama da Diversidade" (p. 60). Kellermann aponta para um Sociodrama interpretativista. Em suas palavras: "Ao contrário dos psicólogos humanistas mencionados, parece-me que qualquer abordagem adequada da administração de conflitos, inclusive a sociodramática, deve levar em conta a possibilidade de que Freud tem razão em sua crítica ao princípio do amor ao próximo". Os humanistas a que se refere são Moreno, Roger e Maslow. Não resta dúvida, ao ler o texto, de que Kellermann apresenta o Sociodrama interpretativista, quando voltado para a solução de grandes conflitos. Resta saber como o autor se posicionaria quanto às outras aplicações do Sociodrama.

Já Ana Maria Zampieri (1998) apresenta o Sociodrama embasado no construtivismo social do século XX, que focaliza "paradigmas narrativos numa epistemologia onde se questiona como conhecer a realidade, em quais limites e com possibilidades de conhecimento objetivo de nós mesmos e do mundo" (p. 82). Nele, segundo Ana, o conhecimento é construído a partir da "experiência e ação do sujeito, a verdade é múltipla, contextual, histórica e paradigmática, a validação do conhecimento é realizada pela verdade por coerência, com busca no conhecimento viável através da consistência interna e do consumo social". E acrescenta que o "método científico é qualitativo e de análises narrativa e hermenêutica". Esse embasamento garante um lugar no interpretativismo. Na sequência de suas ideias, Zampieri afirma que no Sociodrama construtivista "a realidade passa a ter sentido dependendo da integração dos indivíduos com a imediatez dos estímulos vivenciados da dinâmica grupal e na preparação dos indivíduos particulares" (p. 82), consolidando sua posição fora do Funcionalismo e do Estruturalismo Radical.

Marra e Costa (2004), em "A pesquisa-ação e o sociodrama: Uma conexão possível?", discutem os fundamentos epistemológicos das concepções do Sociodrama e da Pesquisa-ação. Assinalam que as ideias de "complexidade do real" e "construção de novos significados", tanto quanto as "teorias acerca da importância da construção de uma realidade na interação", pertencem à pós-modernidade. Estas qualificam o conhecimento nos processos das relações construídas da sociedade. A "imbricação sujeito-realidade é fruto do moderno paradigma da complexidade e partem de algumas reflexões hermenêuticas" para pensar que "as ciências sociais são na sociedade o que elas dizem da sociedade". Esses assinalamentos colocam as autoras no quadrante dois, interpretativismo. Por outro lado, citam e concordam com "Bubber e toda tradição existencialista que apontam para o fato de que o humano estabelece-se na relação ou na esfera do inter-humano" e que "o que é próprio do humano não pode ser investigado pela ciência tradicional. Consequentemente esse tipo de investigação é do tipo sujeito-sujeito ... ou melhor, a intersubjetividade. Ao invés de fatos, temos os fenômenos vividos" (p. 102). Este outro olhar as transfere para o quadrante humanista. Poderíamos dizer então que estão posicionadas entre um e outro ou que estão no Humanismo, influenciadas pela hermenêutica.

O último texto, de René Marineau (2013), intitulado: "A integração da herança de Moreno", no qual avalia as principais contribuições de Moreno para a humanidade e o que deve ser feito para que essa herança não seja perdida ou esquecida. Marineau não se dedica à análise profunda da epistemologia da herança moreniana e, em especial, do Sociodrama, porém deixa clara sua importância quando afirma "que maior integração das diferentes epistemologias deve continuar a ser um objetivo importante para todos nós" (s/p). Em outra parte do texto, afirma que Moreno "trabalhou para diferenciar-se de Sigmund Freud ou Kurt Lewin", assim podemos inferir que não se enquadra no Interpretativismo. Na medida em que afirma que "Moreno criou uma nova forma de olhar para a raça humana: seu foco era o relacionamento entre as pessoas, os métodos centrados na ação eram suas principais ferramentas", isso o excluiria do Funcionalismo e do Estruturalismo, restando o Humanismo, porém não se pode definitivamente fazer essa afirmação a partir desse texto.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Teoria Social apresentada por Burrell e Morgan, os fundamentos utilizados para a realização da crítica sustentam-se nos mesmos fundamentos que deram origem ao problema de discussão, ou seja, não aparece uma nova teoria das organizações ou da psicologia das organizações pela carência de uma ontologia para embasar uma nova discussão.

Desde a introdução, os autores falam de pressupostos, e não de ocorrências objetivas. Isso já remete a que tudo que descrevem é decorrente do que já existe e, portanto, ignoram o que ocorre. Logo, a discussão ficou no plano do existente, ou seja, a priori, pretendendo dar conta de algo que não foi considerado na sua análise, com vistas a encontrar uma solução. Assim, toda discussão foi doutrinária, e não teórica. Uma discussão doutrinária parte sempre de pressupostos e consensos morais políticos e religiosos, definidos por comunidades de linguagens e de pensamentos. Uma discussão científica parte dos resultados de uma investigação, intervenção e avaliação do que ocorre. É por isso que nenhuma das perspectivas analisadas dá contas da psicologia das organizações, pois não parte do fenômeno para definir uma teoria e depois uma metodologia. O processo é inverso.

Estando em desuso desde a década de 1990, quando proposto por Thomas Khun (1970), no livro A estrutura das revoluções científicas, o conceito de paradigma não foi objetivamente definido, conforme pode ser constatado a seguir:

Daqui por diante deverei referir-me às realizações que partilham essas duas características como "paradigmas", um termo estreitamente relacionado com "ciência normal". Com a escolha do termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real - exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação - proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica. (p. 30)

Toda crítica ao positivismo se confunde com o racionalismo cartesiano ao separar o sujeito do objeto. Essa postura dualista se mantém em todo o texto, dificultando a compreensão fenomenológica da psicologia das organizações. Em linhas gerais, ao não demarcarem um quadro metodológico de avaliação preciso, permitiram ficar somente no plano do embate entre autores, a partir da perspectiva deles próprios.

Burrell e Morgan, a partir da página 70, começam uma discussão equivocada sobre a fenomenologia de Husserl e o existencialismo. Esses equívocos já foram superados no texto da versão para o português das obras de Husserl e dos conceitos de onde ocorre o conhecimento. Mesmo havendo, depois de Husserl, todo um desdobramento a partir das diferentes perspectivas teóricas, metodológicas e filosóficas existentes nas diferentes áreas do conhecimento, ainda assim se manteve a compreensão equivocada da fenomenologia de Husserl, que ao final não contribui para elucidar o que deveria ser objeto da psicologia das organizações.

Os autores falam de ontologia, epistemologia, filosofia da ciência, fenomenologia e outros conceitos relacionados aos mesmos fenômenos de investigação em diferentes tempos históricos, por diferentes autores, sem referenciar seus respectivos quadros doutrinários, teóricos e metodológicos. Todavia, não deixam claro qual foi o encaminhamento e os pressupostos utilizados para fazer a discussão acerca das quatro perspectivas analíticas. Assim, fica difícil fazer uma análise quando não se tem uma remissão aos fundamentos de cada referência citada, como sendo de um representante de determinada perspectiva analítica, oque coloca nossa análise sobre os autores de Sociodrama na RBP entre parênteses, pois éválida exclusivamente para o enquadre nessa perspectiva de Burrell e Morgan, deste seu livro.

Outrossim, o Psicodrama é ainda quase desconhecido na academia e do mundo científico em geral, não obstante seu criador tenha dedicado uma vida a torná-lo amplamente conhecido. J. L. Moreno construiu um novo olhar para os problemas a partir de seus estudos sobre religião, teoria evolucionista de Spencer, proposição da revolução social de Marx, influenciado pelo hassidismo e por Kierkegaard, aproximando-se filosoficamente de Buber, Bergson, Dewey, Merleau-Ponty, Sartre, Focault, Guattarri e Deleuse e dialogando com as ideias de Capra, Morin, Maturana-Varela e Paulo Freire (Diretoria de Ensino e Ciência [DEC], Gestão 2002-2004). Para enquadrá-lo na perspectiva dos quadrantes de Burrell e Morgan, ficaria no Humanismo, com todos os questionamentos merecidos.

Esta análise realizada nas considerações finais foi decorrente dos modelos analíticos dos processos da ciência na perspectiva da fenomenologia dialética. Assim, o leitor, sabendo a respeito dos fundamentos utilizados, poderá, com propriedade, estabelecer um diálogo.

 

REFERÊNCIAS

Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organisational analysis: Elements of the sociology of corporate life. London: Heinemann.         [ Links ]

Davoli, C. (1990). Psicodrama e sociodrama: Caracterização. Revista Brasileira de Psicodrama, 1(2),25-28.         [ Links ]

Diretoria de Ensino e Ciência (DEC) (2004). Fragmentos: Da conserva cultural à re-criação. São Paulo: Febrap.         [ Links ]

Kellermann, P. F. (1998). Sociodrama. Revista Brasileira de Psicodrama, 6(2),51-64.         [ Links ]

Kuhn, T. S. (1970). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Marineau, R. F. (2013). A integração da herança de Moreno. Revista Brasileira de Psicodrama, 21(1),113-125.         [ Links ]

Marra, M. M., & Costa, L. F. (2004). A pesquisa-ação e o sociodrama: Uma conexão possível? Revista Brasileira de Psicodrama, 12(1),100-112.         [ Links ]

Menegazzo, C. M., Zuretti, M. M., Tomasini, M. A., & cols. (1995). Dicionário de psicodrama e sociodrama. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Moreno, J. L. (1992). Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama. Goiânia: Dimensão.         [ Links ]

Nery, M. P., & Wechsler, M. P. F. (2010). Análise do sociodrama para pesquisas: Uma proposta. Revista Brasileira de Psicodrama, 18(1),89-102.         [ Links ]

Zampieri, A. M. F. (1998). O sociodrama construtivista. Revista Brasileira de Psicodrama, 6(2),82-86.         [ Links ]

 

 

Recebido: 14/10/2016
Aceito: 1º/12/2016

 

 

Márcia Pereira Bernardes: Psicodramatista Didata Supervisora pela Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap). Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Diretora-Geral da Locus Psicodrama/Florianópolis (SC). Av. Othon Gama D'Eça, 900/903, Centro, CEP 88015-240. Florianópolis, SC. Tels.: (48) 99914-0141 e (48) 3222-9367.
Narbal Silva: Professor Doutor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Rodovia João Paulo, 432, bl. B, apto. 102, CEP 88030-300. Florianópolis, SC. Tel.: (48) 99111-3214.

 

 

1 Site da Pepsic: <http://pepsic.bvsalud.org/revistas/psicodrama/paboutj.htm>.
2 Burrell & Morgan (1979), tradução livre do Professor Wellington Martins, EA/UFBa.
3 Entidade nacional, sem fins lucrativos, criada em 1976 para congregar as instituições pertencentes ao movimento psicodramático brasileiro.
4 Revista Brasileira de Psicodrama, 22(2), 2013, contracapa.

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