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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.16 no.1 São Paulo jan./jun. 2019

https://doi.org/10.32467/issn.1982-1492v16n1p78-88 

ARTIGO

DOI – 10.32467/issn.1982-1492v16n1p78-88

 

A chegada do estrangeiro: grupo de família – construindo pontes

 

The foregeing's arrival: family group – bulding bridges

 

La llegada del extranjero: grupo de familia – construcción de puentes

 

 

Angela M. R. Martini1

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a atuação do psicólogo institucional no manejo das famílias e equipe de uma associação de autistas. Apresenta as dificuldades e os desafios encontrados, como a profissional agiu e quais objetivos foram alcançados durante sua atuação. Relata sua chegada à instituição, o processo de mudança para abrigar o desconhecido até a configuração do grupo de apoio às famílias.

Palavras-chave: atendimento grupal; psicanálise; autismo; família.


ABSTRACT

This paper proposes a reflection about the performance of an institutional psychologist in managing families and staff from an Autistic Association. It presents the difficulties and challenges encountered, how the professional acted and which goals were reached during her work in the institution. It also reports her arrival to the institution, the process of change to shelter the unknown until the configuration of the support group for the families.

Keywords: group service; psychoanalysis; autism; family.


RESUMEN

El presente trabajo propone una reflexión sobre la actuación del psicólogo institucional en el manejo de las familias y el equipo de una asociación de autistas. Presenta las dificultades y los desafíos encontrados, como la profesional actuó y cuáles objetivos se alcanzaron durante su actuación. Relata su llegada a la institución, el proceso de cambio para albergar lo desconocido hasta la configuración del grupo de apoyo a las familias.

Palabras clave: servicio grupal; psicoanálisis; autismo; familia.


 

 

"[...] o grupo familiar exerce uma profunda e decisiva importância na estruturação do
psiquismo da criança, logo na formação da personalidade do adulto". (Zirmerman, D. E)

 

A chegada à instituição e o reconhecimento das famílias

A instituição tem como foco trabalhar com crianças autistas e suas famílias. Vem construindo uma história há mais de 30 anos tendo início com um grupo de pais, sendo que alguns permanecem até hoje, porém, a instituição tomou vida própria e vem fazendo pontes por cada um que passou por ela ao longo de todos esses anos. Ao tentar construir uma identidade a instituição vem passando por uma forte transformação, após grande período de intervenção comportamental clássica, busca na psicanálise a salva guarda para abrigar um simbólico, poder nomear o inominável, dar um significante possível ao espectro autista. Porém, a própria Psicanálise é como um estrangeiro que pode ser recebida com curiosidade e paixão ou como algo perigoso e ameaçador. O pensar, sentir e o olhar psicanalítico precisam ser construídos. Importante frisar que o programa educacional utilizado em sala de aula é de base comportamental, seguindo evidências científicas no trabalho com autistas. A instituição trabalha em três frentes: Assistência, educação e saúde. Sendo assim a psicanálise vem atuando no âmbito de trabalho com as famílias e equipe.

A profissional está há um ano e meio no local contratada como psicóloga institucional e entre suas funções trabalhar com as famílias é uma delas. "O primeiro grupo ao qual o ser humano pertence é a família, e uma de suas funções é propiciar o desenvolvimento da personalidade da criança. O discurso da família a maneira como as relações vinculares são estruturadas e vivenciadas pelos seus componentes, além do momento histórico-cultural, influenciarão na formação da personalidade do indivíduo". (Levisky, (2003), p. 215). Por isso a importância de cuidar e oferecer suporte aos pais de crianças autistas.

O autismo por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento exige uma total participação dos pais no tratamento da criança, muitos ao ocupar papéis de terapeutas e pedagogos de seus filhos, acabam perdendo e se perdendo na sua função de mãe e pai. É comum os pais buscarem cursos de capacitação e especialização, e algumas terapias exigem o treino parental, consumindo muitas horas da família. Até conseguirem na justiça um mediador para o filho, alguns são convidados pela escola a desempenhar este papel dentro da instituição, única forma da criança ser aceita. Sendo o transtorno de origem precoce, ele acomete o sujeito ao longo da vida, com prognóstico incerto para muitos, causando um profundo estresse nas famílias de autistas.

Indubitavelmente, as famílias que se encontram em circunstâncias especiais, promotoras de mudança nas atividades de vida diária e no funcionamento psíquico de seus membros, deparam-se com uma sobrecarga de tarefas e exigências especiais, que podem suscitar situações potencialmente indutoras de estresse e tensão emocional (Favero; Santos, (2015), p. 361).

Sendo assim, mais do que em muitas outras desordens infantis, o autismo causa um profundo impacto na família desde o emocional e social até o financeiro.

No início a psicóloga descreve a experiência como a de um estrangeiro numa terra desconhecida, mesmo sentimento compartilhado da psicanálise, ora vista com muita curiosidade, sendo abrigada e bem recebida, ora sentida como alguém perigoso, uma ameaça ao status quo já existente. Estes sentimentos a fizeram refletir na própria criança autista, ou seja, como a mesma é sentida pelos pais, professores e terapeutas, como se fosse um estrangeiro. Normalmente as famílias relatam as suas dificuldades em relação aos filhos não-verbais impedindo os pais de saber o que os filhos pensam, e muitas vezes de entendê-los. Para os pais é como se estivessem diante de um enigma, um quebra cabeça. As estereotipias próprias da maioria dos indivíduos autistas causam terríveis angústias e ansiedades nas famílias.

Os pais se deparam com crianças que apresentam ainda um estado parecido com o de um recém-nascido e não sabem como lidar com esta situação. "Uma criança recém-nascida ainda não distingue o seu ego do mundo externo como fonte das sensações que fluem sobre ela." (Freud, (1996), p75). O mundo de sensações compromete a maior parte das crianças autistas, embora não caibam generalizações, pois se sabe que o diagnóstico, segundo o novo manual psiquiátrico, considera hoje o autismo dentro de um espectro, como um degrade de cores, cada um com suas particularidades.

Observou-se, então, que havia demandas emocionais intensas a espera de uma mente que pudessem abrigá-las e decodificá-las, devolvendo-as sem intoxicação. Foi necessário que a psicóloga oferecesse uma mente hospitaleira para abrigar identificações projetivas intensas advindas de toda a instituição, para então poder desenvolver seu trabalho com grupo de apoio as famílias. "[...] A hospitalidade por parte do analista pode ser compreendida como a condição de receber identificações projetivas provenientes do analisando e também a condição de estar em contato com o que se passa em si mesmo". (Assis, (2010), p.2)

Entretanto, o trabalho com grupos requer uma capacitação específica para instrumentalizar o psicólogo no manejo com os fenômenos grupais. "A formação profissional de um grupoterapeuta implica conhecimentos que vão além das teorias psicanalíticas ou de outros enfoques terapêuticos. Requer estudos da área social e humanística e mais do que é isso, exige uma prática intensa de dinâmica grupal." (Pinto, (1986), p32)

O trabalho de grupo com as famílias já existia há muitos anos dentro da instituição, mas tratava-se mais de um AGRUPAMENTO de pessoas; segundo Zimerman (1997), p 27) entende-se por "agrupamento" um conjunto de pessoas que convive partilhando de um mesmo espaço e que guardam entre si certa valência de inter-relacionamento e uma potencialidade em virem a se constituir como um grupo propriamente dito.

Na fala dos pais era comum ouvir que as conversas do grupo e fora dele eram iguais, e a constatação de que o que vinha sendo feito não era considerado grupo. Chegando então a conclusão que o grupo realizado anteriormente estava sem objetivos claros, as famílias não sabiam o que estavam fazendo ali, sobre o que podiam ou não conversar, se poderiam falar de si mesmos ou apenas do seu filho.

Confundiam com uma psicoterapia individual, muitos buscando centrar a conversa sobre si. [..]"a diferença entre a psicologia grupal e a individual é o fato o grupo oferecer um campo de estudo para captar certos aspectos da psicologia individual mesmo quando, no grupo, a participação de um indivíduo consiste em comportar-se como se não fizesse parte de nenhum grupo." (Zimerman, 2004 p.107).

Faltava também enquadre e definição de duração dos encontros, certa vez uma mãe chegou atrasada, não aguardou a explicação do funcionamento do grupo, assim como o estabelecimento do contrato, negou a presença dos outros participantes e disse que só havia ido para falar "rapidinho" de um problema que vivia com seu filho para que a psicóloga a orientasse, pois, necessitava retornar ao seu trabalho, após a comunicação da psicóloga sobre a função do grupo a mesma disse que não poderia ficar, foi embora e não mais retornou ao grupo. "Uma importante recomendação de técnica grupalística consiste no estabelecimento de um enquadre e a necessidade de preservação do mesmo." (Zimerman, 1997, p. 35).

Outra questão trazida pelos pais foi sobre sigilo e confiabilidade, desejavam saber se poderiam falar sobre as questões institucionais vividas por eles e a garantia de que o que falassem de fato ficaria no grupo. Um setting bem estabelecido configura-se como uma borda protetora para estabelecer um espaço seguro e confiável para os participantes poderem experimentar e ressignificar suas experiências emocionais.

Havia também um sentimento de não pertença; o grupo não era sentido como algo deles, era comum um pedido de desculpas após faltas, como se o grupo fosse da psicóloga e a perda apenas da mesma. Certo dia, duas mães olharam com surpresa para a psicóloga pelo fato dela realizar o grupo com a presença apenas de ambas. Perguntaram se haveria o grupo, já que estavam presentes apenas elas. Quando questionadas do porquê contaram que quando faltavam muitas pessoas o grupo era cancelado, relataram também que acontecia uma oficina de artesanato para as mães com a terapeuta ocupacional, que elas gostavam muito, mas a profissional encerrou o grupo, devido a baixa adesão das mães. Este foi o tema do encontro, e diante da valorização da psicóloga/coordenadora à presença delas, dizendo que elas eram muito importantes, foi possível vir a tona sentimentos de menos valia e baixa estima, estas duas mães achavam-se desinteressantes perante as outras e encontraram no acolhimento da coordenadora um espaço para se expressar. "É somente sobre uma continuidade no existir que o sentido do self, de se sentir real, de ser, pode finalmente vir a se estabelecer como uma característica da personalidade do indivíduo". (Winnicott, 1999, p.5).

Ainda sobre o sentimento de não pertença, há um grupo de mães que no horário em que o grupo acontece, vão para o centro da cidade ou shopping fazer compras, e explicam que encaram este tempo como um momento delas, para "descansar a cabeça". A psicóloga mostrou compreensão, pois é na instituição que elas têm a possibilidade de ter amigas, porém, como ha outro dia livre para este momento, houve uma roda de conversa na tentativa de reflexão sobre os reais motivos desta escolha.

Observa-se neste grupo um movimento para evitar as angústias, relatam não gostar de pensar no que vivem, por sentir "uma coisa ruim, uma depressão". Ainda talvez não tenham percebido que o grupo sendo terapêutico ajuda na diminuição das angústias.

Foi observada a importância do grupanalista/coordenador estar atento as diferentes comunicações de evasão a verdade, consequentemente no comparecimento ao grupo, ou seja, de ataques ao conhecimento, e buscar técnicas possíveis de enfrentamento. Bion aborda a questão da verdade, através dos vínculos K e – K em função do conhecimento. Ele refere-se ao vínculo -k como um ataque ao vínculo do conhecimento quando o sujeito não pode ou não quer tomar conhecimento e ciência da existência de verdades penosas, tanto as externas, quanto as internas, assim impedindo o desmascaramento, a percepção e a correlação dessas verdades intoleráveis.

A verdade, para Bion é fundamental para o crescimento mental do indivíduo. (Zimerman, (2004), p. 224 e 225). Nota-se pela maior parte das famílias uma dificuldade de contato mais profundo com a verdade, acredita-se que se trata de um mecanismo de defesa diante de uma realidade dolorosa e muitas vezes insuportável.

Freud disse em O Futuro de uma Ilusão (1927 p.15) que: "[...] as pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, por assim dizer, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; tem primeiro de se colocar a certa distância dele: isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julgam o futuro."

Os pais pensam e falam muito sobre o futuro dos filhos e como será se algum dia acontecer alguma coisa com eles, mas ao mesmo tempo encontram dificuldades em ações do dia a dia para preparar este "futuro". Assunto recorrente nos grupos.

 

CONFIGURANDO O GRUPO

Diante de tais questões, como o grupo poderia operar como um agente de mudança e contribuir para melhorar a condição emocional dos pais? A psicóloga institucional em questão parte do pressuposto de que não se pode ir derrubando paredes sem construir um pilar. O trabalho configurou-se, num primeiro momento, em receber e acolher o que existia ali para então construir de fato um lugar pra se chamar de grupo. Numa escuta e observação empática, descobrir qual era a demanda: das famílias e da própria instituição.

Levantou-se que a demanda institucional, buscava um fortalecimento da sua relação com as famílias, pois existia um laço, porém frágil, frouxo, nem sempre de colaboração. Era como se ambas não trabalhassem juntas pela mesma causa. E a demanda da Família, que buscava um lugar onde não fosse julgada e criticada, que pudesse falar sem medo, garantia do sigilo e orientação de como ajudar seus filhos.

Com as demandas mais claras a psicóloga estabeleceu como objetivos compreender o tipo de laço/vínculo era estabelecido entre a família com a instituição, da instituição com a família; o vínculo dos pais, mais precisamente da mãe com o filho, por serem maioria nos grupos, e qual a relação e o vínculo entre a equipe.

E assim iniciou-se a construção de uma ponte, fazendo a passagem de um agrupamento para um grupo estruturado e com interesses em comum. Ganhou-se um nome: Grupo de Apoio Psicológico aos Familiares de Pacientes com TEA. Estendeu-se o conceito de família, saindo do modelo nuclear, comtemplando os mais diferentes tipos de organização de relações e de todos os indivíduos que participam ativamente nos cuidados diários da criança, incluindo avós, padrasto, madrasta, irmãos e cuidadores. A configuração do grupo se estabeleceu como aberto e semanal, com duração de 1 hora e 15 minutos. E os assuntos debatidos são trazidos espontaneamente pelos participantes, que são estimulados a compartilharem experiências e sentimentos com os demais integrantes do grupo.

 

O GRUPO: QUESTÕES E DESAFIOS

A psicóloga foi questionada pelos pais, sobre sua capacitação/experiência com autistas, os pais queixavam-se constantemente de não encontrarem profissionais preparados para o trabalho com os filhos, ou seja, com disponibilidade interna, mais do que com conhecimento concreto e formal. Desejavam saber se ela já conhecia a criança e possíveis opiniões sobre a mesma, pois outra função ocupada pela psicóloga é a observação da criança e orientação aos professores. O desamparo e abandono sentido pelas famílias apareceram em perguntas se a profissional não iria deixá-los, pois relataram que se apegavam à pessoa e observa-se rotatividade de profissionais dentro da instituição, aliada a várias experiências de profissionais e escolas que desistem da criança autista e consequentemente da família. Mostraram cansaço em repetir sempre a mesma história, comunicando que tinham interesse em algo novo.

Outro desafio vivenciado e que vem sendo trabalhado até hoje é o de trazer os pais para participar, as mães configuram a maioria sendo muito difícil desconstruir a ideia socialmente aceita de que apenas elas têm a função do cuidado dos filhos.

"Para Tunali e Power (1993) é comum os achados das dificuldades das mães de filhos autistas em prosseguir com sua carreira profissional devido ao tempo excessivo da demanda de cuidados que a criança e à falta de outros cuidadores. Segundo este estudo, autores concluem que o papel central de satisfação e desempenho está relacionado ao fato de ser mãe, enquanto a definição de bom cônjuge, no caso dos pais de crianças autistas é de alguém provedor de suporte emocional e físico." (apud Fávero; Santos, 2015, p361).

A importância de trazer os pais para participar tem como objetivos principais, além do citado acima, o de fortalecer a relação do casal, relação que muitas vezes fica empobrecida e/ou turbulenta, assim como fortalecer a relação do pai com seu filho, pois ficam mais no papel de provedor financeiro e têm dificuldade de entrar na relação simbiotizada que as mães mantem com seus os filhos.

A culpa é o sentimento mais enraizado nas mães, ou a busca de um culpado, seja ele quem for: o médico, o tombo, a herança genética do pai etc., como consequência vem a vitimização quase como um vírus. O desânimo, cansaço e o risco da desistência são os sentimentos mais difíceis de suportar no grupo.

O processo de luto é complicado, as etapas estão todas juntas e misturadas: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação. Devido a todas as dificuldades encontradas pelas famílias ao longo do processo de crescimento dos filhos com Transtorno do Espectro Autista, pois cada etapa há um obstáculo a se passar, ás vezes com grande turbulência, com sintomas de alheamento, falta de controle dos esfíncteres, transtorno do sono, auto e hetero-agressividade, masturbação, intolerância a frustração, etc.

Na medida em que a psicóloga se ofereceu num modelo continente "[...] condição pela qual a mãe consegue não só acolher e permitir que as cargas projetivas do filho penetrem dentro dela, como ainda alude a outras funções que processam o destino dessas projeções" (Zimerman, 2004, p231) observou-se um fortalecimento do vínculo entre a profissional e os pais, que "[...] alude a alguma forma de ligação entre as partes, que estão unidas e inseparadas, embora claramente delimitadas entre si", (Zimerman, 2004, p. 192) notou-se que os mesmos passaram a depositar confiança e assim puderem falar de suas dores "quando ele fica assim (crise), me faz lembrar sabe que ele é especial, que ele tem dificuldade, que é autista"; preocupação com o futuro: "me preocupo com o futuro... não sei o que vai ser se eu adoecer, morrer, não tem ninguém pra cuidar dele". falta de liberdade; falta de tempo para si, "eu não tenho tempo pra nada, não consigo nem ir ao banheiro de porta fechada", "Férias? Eu não sei o que é ter férias". autoestima e autoimagem também ficam prejudicadas pela falta de tempo para cuidar de si, são comuns falas como: "to feia, gorda...", "não gosto de me olhar no espelho".

Uma vez que este espaço foi criado, perceberam que não estavam mais sozinhos "aqui no grupo é que tenho amigos, meus amigos são vocês"; "estava com saudade", passando, então a compartilhar experiências e sentimentos.

"todo individuo é um grupo", isto é, cada pessoa carrega dentro de si um grupo de personagens introjetados, que interagem entre si conforme um certo SCRIPT. Esses personagens do grupo interno, seguindo o roteiro do aludido enredo, determinam uma grande e social de cada sujeito, na escolha de pessoas para conviver e no desempenho de determinados papeis. (ZIMERMAN, 2000, p.192)

O grupo vem construindo uma parceria, os pais vêm tomando liderança em trazer novos pais para o grupo, apresentando e explicando o contrato "o grupo é pra falar do que a gente quiser, qualquer coisa, não precisa ser do filho somente... e a gente tenta se ajudar,.. importante o que a gente conversa aqui, precisa ficar aqui, não poder ser falado lá fora." "um grupo sem nenhuma liderança tende à dissolução" ( Zimerman, 2004 p.111).

Entretanto cabe ressaltar dificuldades de manejo como ataque a um membro do grupo ou a própria coordenadora. Houve relatos de pessoas que se sentiram atacadas, assim como a própria psicóloga também pôde observar os ataques, mesmo que a pessoa não tenha se manifestado na hora, necessitando da intervenção da coordenadora "... é indispensável que um grupoterapeuta funcione como um continente adequado ao incessante e cruzado bombardeio de identificações projetivas de uns nos outros" (Zimerman,1997, 112). Também houve o reconhecimento do ataque com pedidos de desculpas. O ataque ao coordenador apareceu devido a expectativa do grupo não ter sido contemplada, ou com relação à expectativa criada sobre um membro ou em comunicação indireta com faltas propositais ao grupo. "o ódio aparece na relação transferencial ao coordenador quando o mesmo não corresponde a expectativa, quando há a desilusão a suas ilusões" (Zimerman,1997, p 227).

As resistências também se configuram como algo difícil de manejar. "A resistência que aparece no processo psicanalítico, quer no trabalho, quer em grupo, é uma defesa do analisando contra a tentativa do analista de penetrar nos territórios proibidos do inconsciente. É uma defesa paradoxal, pois o analisando deseja equilibrar-se pela análise e, ao mesmo tempo, procura fugir e bloquear essa mesma busca sua". (Burnier 2003 p, 174)

 

CONCLUSÃO

Transformar dor, raiva, revolta, cansaço em motor de mudanças é um dos maiores desafios no trabalho grupal de pais com filhos autistas, pela impotência frente a pequenas evoluções e a falta de reciprocidade dos mesmos. A condição emocional dos pais reflete de forma significativa em toda a instituição, pois devido à alta sensibilidade percebida nos autistas, eles respondem rapidamente com comportamentos disruptivos: uma comunicação não verbal de algo sentido por eles, que não encontram representação pela palavra. Os professores têm além da tarefa de ensinar o conhecimento formal, ajudar estas crianças e adolescentes a construírem suas autonomias como pessoas, se prepararem para o futuro que está reservado para eles, atuando desde um desfralde tardio, a ajudá-los a utilizar de maneira correta os talheres e habilidades sociais, etc. Tem também o papel de guia ao apoiar emocionalmente seus alunos, colaborando para um conjunto de desenvolvimento de habilidades necessárias para a vida cotidiana, ou seja, prepará-los no sentido emocional, e a instituição passa a ser um espaço que serve de base, um alicerce desse relacionamento. Sendo assim observa-se que o trabalho de grupo de apoio psicológico as famílias refletem positivamente em toda instituição, funcionando como uma ponte entre os dois lados dos rios, margens que estão paralelas, separadas e ao mesmo tempo unidas pelas águas que passam entre elas. Tem-se observado uma melhora dos laços institucionais com as famílias, e vice-versa, com um olhar mais compreensivo e menos julgador. Sabe-se da importância que se tem um psicólogo institucional, mas também das resistências que há na presença do mesmo dentro das instituições, sendo assim o trabalho de grupo com as famílias abre um caminho possível para a diminuição das resistências e através delas chegar-se até a equipe.

O fato de o grupo de apoio aos pais ter sido finalmente estruturado contribui muito para este processo. "Para Bleger (1984) a psicologia institucional se caracteriza como uma forma de intervenção psicológica com significado social, onde o psicólogo irá voltar seu trabalho para as instituições com o objetivo de promover a saúde de seus integrantes da mesma, em sua totalidade, a partir das relações pessoais e grupais." (apud Lima, Silva, Santos, 2015. 1-5) É um trabalho em construção que se vê já estar colhendo bons frutos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Angela M. R. Martini
E-mail: angelamartini@terra.com.br

 

 

1 Psicóloga Clínica Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Psicóloga Institucional AMA e Orientadora Profissional.

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