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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.19 no.1 São Paulo jan./jun. 2022

https://doi.org/issn.19982-1492v19n1a15 

RESENHA

https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v19n1a15

 

Reflexões para uma Inovadora Visão da Pessoa enquanto Ser Relacional

 

Reflections about an Innovative Vision towards People as relational beings

 

Reflexiones para una visión innovadora de la persona como ser relacional

 

 

Mário David1

Sociedade Portuguesa de Grupanálise (SPGPAG)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de uma extensa e sistemática revisão crítica sobre o livro intitulado: "Psychoanalysis, Group Analysis and Beyond - Towards a New Paradigm of the Human Being" da autoria de dois grupanalistas e psicanalistas de nacionalidade mexicana, sendo ele, argentino de nascimento, respetivamente, Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández-Tubert, os quais apoiados numa ampla e atualíssima bibliografia, propõem algumas novas ideias sobre como pensarmos e compreendermos as Pessoas dentro dos seus contextos familiares, sociais e políticos, enquanto seres de dupla natureza, biológica e psíquica/mental a partir de dinâmicas biopsíquicas, ora inconscientes, ora conscientes que se expressam a diferentes níveis da comunicação e da relação (intrapsíquica, interpessoal e transpessoal). Nesta coletânea de artigos publicados nos últimos 25 anos, nós encontramos propostas bastante corajosas e inovadoras todas elas escrita num elegante estilo. Os textos estão apoiados por uma sólida estrutura argumentativa e epistemológica com o propósito de pensarmos e revermos algumas das nossas "visões" sobre o que é ser-se Pessoa, propondo linhas de pensamento no sentido de desenvolver novos paradigmas conceptuais, por exemplo, como acabar com a oposição altamente problemática do que é "individual" perante do que é "coletivo" (Tubert-Oklander, 2014).

Palavras-chave: Novos Paradigmas, Grupanálise, Psicanálise, Revisão Crítica.


ABSTRACT

This is an extensive and systematic critical review of the book entitled: "Psychoanalysis, Group Analysis and Beyond - Towards a New Paradigm of the Human Being" by two groups and psychoanalysts of Mexican nationality, being he, Argentinian of birth, respectively, Juan Tubert-Oklander and Reyna Hernández-Tubert, who supported in a wide and current bibliography, propose some new ideas on how to think and understand the People within their family, social and political contexts, as beings of dual nature, biological and psychic/mental from biopsychic dynamics, or unconscious, or conscious that express themselves at different levels of communication and relationship (intra-psyche, interpersonal and transpersonal). In this collection of articles published in the last 25 years, we find very bold and innovative proposals all written in an elegant style. The texts are supported by a solid argumentative and epistemological structure with the purpose of thinking and reviewing some of our "visions" about what it is to be a Person, proposing lines of thought to develop new conceptual paradigms, for example, how to end the highly problematic opposition of what is "individual" before what is "collective" (Tubert-Oklander, 2014).

Keywords: Paradigms, Group Analysis, Psychoanalysis, Book Review.


RESUMEN

Se trata de una extensa y sistemática revisión crítica del libro titulado: "Psicoanálisis, Análisis grupal y más allá - Hacia un nuevo paradigma del ser humano" por dos grupos y psicoanalistas de nacionalidad mexicana, siendo él, argentino de nacimiento, respectivamente, Juan Tubert-Oklander y Reyna Hernández-Tubert, quienes apoyados en una amplia y actual bibliografía, proponen algunas nuevas ideas sobre cómo pensar y entender al Pueblo dentro de su contextos familiares, sociales y políticos, como seres de naturaleza dual, biológicos y psíquicos/mentales a partir de dinámicas biopsíquicas, o inconscientes, o conscientes que se expresan en diferentes niveles de comunicación y relación (intrapsiquica, interpersonal y transpersonal). En esta colección de artículos publicados en los últimos 25 años, encontramos propuestas muy audaces e innovadoras todas escritas en un estilo elegante. Los textos se apoyan en una sólida estructura argumentativa y epistemológica con el propósito de pensar y revisar algunas de nuestras "visiones" sobre lo que es ser una Persona, proponiendo líneas de pensamiento para desarrollar nuevos paradigmas conceptuales, por ejemplo, cómo terminar con la oposición altamente problemática de lo que es "individual" perante lo que es "colectivo" (Tubert-Oklander, 2014).

Palabras clave: Nuevos Paradigmas, Grupo-Analysis, Psycho-Analysis, Revision Crítica.


 

 

Caros colegas grupanalistas, psicanalistas e psicoterapeutas de inspiração psicanalítica, gostava de partilhar convosco o meu prazer pessoal e entusiasmo intelectual que foram suscitados pela leitura de um recente livro intitulado: "Psychoanalysis, Group Analysis and Beyond - Towards a New Paradigm of the Human Being" da autoria de um casal de grupanalistas e psicanalistas de nacionalidade mexicana, sendo ele argentino de nascimento, e que dão pelo nome, respetivamente, de Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández-Tubert, ambos brilhantes e inovadores pensadores, investigadores e clínicos. Apoiados numa ampla e atualíssima bibliografia, eles propõem-nos algumas novas ideias sobre como pensarmos e compreendermos as Pessoas dentro dos seus contextos familiares, sociais e políticos, enquanto seres de dupla natureza, biológica (um corpo gerido por um cérebro) e psíquica/mental (uma mente ou aparelho psíquico gerada a partir de um cérebro) e que dentro dessa relação cérebro-mente-corpo se vão gerando os mais diversos fenómenos mentais (sensações, emoções, pensamentos e ações) a partir de dinâmicas bio psíquicas, ora inconscientes, ora conscientes e que se expressam através de diferentes níveis de expressão comunicacional e relacional (intrapsíquica, interpessoal e transpessoal).

Trata-se de uma coletânea de artigos publicados nos últimos 25 anos, alguns deles atualizados, e cujas propostas são bastante corajosas e inovadoras, num elegante estilo de escrita. Todos estes textos estão apoiados por uma sólida estrutura argumentativa e epistemológica, muito estimulante e desafiante com o propósito de pensar e rever algumas das nossas "visões" sobre o que é ser-se Pessoa, propondo-nos linhas de pensamento no sentido de desenvolver novos paradigmas conceptuais, por exemplo, como acabarmos com a oposição altamente problemática do que é "individual" perante o que é "coletivo" (Tubert-Oklander, 2014).

Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández de Tubert advogam a necessidade de desenvolver-se "uma teoria geral da Mente, compatível com as experiências, teorias e práticas clínicas" (Tubert-Oklander, 2014, p.40). Eles avançam com uma revisão crítica dos trabalhos antropológicos e meta-sociológicos de Sigmund Freud no intuito de contribuir para o desenvolvimento de "uma nova metapsicologia para ser partilhada pela Psicanálise e pela Grupanálise" (Tubert-Oklander, 2014, p.33), através de algumas propostas inovadoras sobre como pensar e conceptualizar o nosso labor clínico, enquanto grupanalistas e/ou psicanalistas, através de uma argumentação rigorosa refletida na estruturação dialética do livro, em três partes, uma primeira parte designada por: "As Limitações da Psicanálise" ("The Gelding of Psychoanalysis"), uma segunda parte intitulada: "Um Olhar Novo" ("A Fresh Look"), finalizando com três capítulos de síntese sob o título: "Ultrapassar a Falha" ("Bridging the gap") de difícil tradução. O autor deste artigo, enquanto grupanalista, considera este livro ser uma significativa ajuda para melhor entender as origens psicanalíticas do modelo grupanalítico, assim como, para contribuir ao seu aprofundamento perante os diferentes contextos: familiares, sociais ou institucionais.

Numa sequência de trabalhos elaborados em conjunto ou em separado, os autores deste livro debruçam-se sobre as contradições e limitações epistemológicas e conceptuais da Psicanálise, método de investigação e de estudo clínico da natureza profunda da vida psíquica, que foi formulado, pela primeira vez, por um médico neurologista e investigador de histofisiologia do sistema nervoso de seu nome Sigmund Freud, para quem a Ciência era a única fonte possível para o conhecimento verdadeiro. Ele teve a intenção de tornar a Psicanálise tão respeitável, como uma ciência natural, de acordo com os conceitos científicos positivistas e cartesianos predominantes dos finais do Sec. XIX. No entanto, como todos sabemos ele teve de abandonar muito cedo esta pretensão, dadas as limitações metodológicas das técnicas que eram utilizadas na investigação neurobiológica do seu tempo. Num dos seus primeiros textos metapsicológicos com o título: "Projeto para uma Psicologia Científica" (Freud, 1950 [1895-1896]) escrito entre 1895 e 1896 mas publicado somente após a sua morte, em 1950, S. Freud apresentou-nos um esquema especulativo sobre o funcionamento neurobiológico do Cérebro, enquanto sede dos fenómenos mentais, um modelo biológico e funcionalista da Mente, um modelo de "Aparelho Mental" ou "Psyché", composto por elementos estruturais, os "neurónios" e por uma parte dinâmica, designada de "quantidades de energia" ou "Ǫƞ", aonde ele afirmava que tudo poderia ter uma origem biológica, incluindo, a Consciência e os Afetos e todos os fenómenos psíquicos derivados das intenções da consciência explícita. Esta tese que é atualmente classificada de neuropsicanalítica, foi revista e atualizada muito recentemente pelo psicanalista e neuropsicólogo Mark Solms, num artigo publicado na revista "Neuropsychoanalysis" sob o título: "New Project for a scientific psychology: General scheme" (Solms, 2020) e desenvolvida no seu livro: "The Hidden Spring" (Solms, 2021), publicado no início do ano de 2021.

Por seu lado, Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández de Tubert consideram que: "a Psicanálise é um ser híbrido e ambíguo, produto da mestiçagem, entre o pensamento científico e o humanista, o racionalismo e o romantismo, as explicações causais e a interpretação hermenêutica" (Tubert-Oklander & Hernández-Tubert, 2021, p.35) (tradução do autor), isto é, S. Freud terá desenvolvido um método híbrido, entre um modelo psicológico baseado em hipóteses neuropsicológicas e, simultaneamente, uma teoria psicologista enquanto modelo analógico de uma organização psicológica invisível. Para Juan Tubert-Oklander existiriam dois "Freuds": o cientista positivista, racional e rigoroso e um outro, poeta e místico, um hermeneuta. Aliás, segundo este autor, muitos dos primeiros textos psicanalíticos eram de natureza mais literária e ricamente inspirados na mitologia grega e romana e na antropologia cultural, enquanto outros textos eram desenhados a partir de hipóteses de investigação e de trabalho, que estavam de acordo com os conhecimentos médicos recentes e atualizados para a sua época (finais do Século XIX e o início do Século XX). Cada um dos autores vai debruçar sobre as contradições e as limitações epistemológicas e conceptuais apresentadas por S. Freud, ao tentar compreender o funcionamento mais profundo da Mente Humana, numa perspetiva científica positivista e cartesiana. Esta sua tentativa ficou representada por uma série de modelos teóricos sobre o "aparelho mental", atualmente designada de "metapsicologia freudiana" limitada por uma visão individualista e evitando debruçar-se sobre as implicações sociais e políticas destas suas descobertas sobre a natureza humana.

Os autores do livro fazem referência aos autores psicanalíticos que fizeram significativas incursões sobre as implicações interpessoais e sociais do modelo psicanalítico da Mente tais como, Sándor Ferenczi, Ronald Fairbain, Donald W. Winnicott e Erich Fromm (1958) os quais que sofreram profundas críticas por parte dos colegas ligados às posições mais ortodoxas da tradição Freud-Kleiniana. Sándor Ferenczi (Ferenczi & Rank, 1924) quando tentou reavivar a teoria traumática das neuroses, em 1933, ao incluir na génese e evolução das neuroses, os fatores de ordem ambiental (sociais, culturais, políticos), apesar do abandono abrupto e precoce, em 1897, por parte de S. Freud desta teoria da origem traumática das neuroses, devido ao temor deste sobre uma eventual reação social perante uma "'teoria da sedução', um verdadeiro eufemismo sobre abusos sexuais de ideias índole pedófila!" (Tubert-Oklander & Reyna Hernández-Tubert, 2021, p.15) (tradução do autor).

No capítulo 3, Juan Tubert-Oklander apresenta-nos interessantes reflexões sobre o pensamento e escrita (fala) psicanalítica de Donald W. Winnicott (1954, 1960, 1962, 1965) o qual introduziu uma das maiores revisões da teoria psicanalítica sobre a motivação humana e que poderia ter substituído a teoria pulsional, mas ele não o fez, pois ele ter-se-á debatido com enormes dificuldades pessoais e ambivalências dado as suas enormes reticencias e ambivalências perante a metapsicologia freudiana e simultaneamente revelou um amor idealizado e um reconhecimento intelectual para com o legado de Freud. Donald W. Winnicott (1954, 1960, 1962, 1965) considerava que a motivação geral para todo o comportamento humano, desde a relação bebé-mãe, era de natureza não instintiva, algo de diferente e separado das necessidades de descarga das tensões orgânicas postuladas pela teoria pulsional (Freud, 1915). Ele distinguia as necessidades do Id ("Id-needs") como sendo desejos instintivos de natureza, ora sexual, ora agressiva, tensões orgânicas que pretendiam a sua descarga a fim de obter prazer ou 'gratificação' e quando isso não acontecia ter-se-ia uma experiência de desprazer ou 'frustração', enquanto as necessidades do Ego ("Ego-needs") seriam essencialmente necessidades relacionais que exigiam uma resposta amorosa, compreensiva e empática de outro ser humano, podendo gerar ou uma não gratificação/'frustração' ou sensações subjetivas de harmonia ou bem-estar quando tudo estivesse conforme, senão existisse nenhuma resposta, então iriam surgir sentimentos de futilidade, de desesperança e de falta de sentido (no Próprio sobre o sentida da Vida).

Ronald Fairbain (1952) terá expressado de um modo claro e direto, as suas divergências em relação às principais motivações do sentir, do pensar e do comportamento humanos, os quais teriam a ver mais com a procura de uma relação com o objeto e não tanto com a satisfação ou descarga do prazer, per si. Aliás todas estas novas conceções clínicas e teóricas sobre a natureza não instintiva das necessidades primárias na relação de objeto, tiveram na opinião dos autores do livro, uma origem nas propostas iniciadas por Sándor Ferenczi:

… que está na base do pensamento e da prática dos independentes britânicos, e abriu caminho a alguns dos grandes desenvolvimentos da psicanálise contemporânea, como, por exemplo, Psicologia do Self, uma Teoria Intersubjetiva e a Psicanálise Relacional, todas elas baseadas no reconhecimento da primazia das relações pessoais como motor primário da experiência humana, pensamento e comportamento (Clarke & Scharff, 2014)" (Juan Tubert-Oklander & Reyna Hernández de Tubert, 2021, p. 53) (tradução do autor)

Nos capítulos 5 e 6, Reyna Hernández de Tubert apresenta uma análise crítica sobre os textos sociológicos e antropológicos de Freud, nomeadamente: "Totem and Taboo" (Freud, 1912-1913), "The Future of an Illusion" (Freud 1927), "Civilization and its Discontents" (Freud, 1930) ou "Totem and Taboo: Some Points of Agreement between the Mental Lives of Savages and Neurotics" (Freud, 1939), tentando perceber quais as razões de ordem consciente e inconsciente que podiam estar por detrás de diversos vieses apresentados por Freud quando este tenta articular os seus conhecimentos sobre Sociologia e Antropologia com os seus conceitos psicanalíticos de conflito, defesa e latência, e com a intenção de comparar os fenómenos religiosos primitivos com as neuroses, apresentando uma teoria especulativa sobre as origens das sociedades, as instituições e os mitos. Estes textos estão indissociavelmente ligados ao desejo de Freud para conseguir uma alternativa mais científica em relação às explicações e às narrativas de cariz religioso sobre a origem e o desenvolvimento das Sociedades. A sua visão antropológica e sociológica sobre a origem e natureza da espécie humana teria haver com suas assunções ontológicas, epistemológicas e axiomáticas sobre o Mundo e a Vida. Reyna Hernández de Tubert refere-se então à existência de uma "Antropologia Freudiana" e a uma metapsicologia da Vida Social, uma "Metasociologia", condicionadas pela história pessoal e familiar de Freud e por questões de ordem social que se tinham levantado a este jovem e ambicioso médico judeu numa sociedade dividida por origens sociais, por grupos étnicos e por nacionalidades (Austríaca, Húngara, Eslovena, etc.), como eram as contradições e conflitualidade sociais e políticas dentro do Império Austro-Húngaro do final do Século XIX e inícios do Século XX.

Um dos capítulos mais interessantes para nós grupanalistas é a análise crítica elaborada por Reyna Hernández de Tubert, sobre a monografia de Freud: "Group Psychology and the Analysis do Ego" (Freud, 1921) na qual ele considerava existirem enormes interferências (negativas) por parte dos grupos e de outras entidades coletivas, que seriam responsáveis pela indução de distorções no psiquismo dos indivíduos. Para Freud a fonte primária do psiquismo do ser humano, residia sim, no seu aparelho instintivo e psicobiológico, e não, em processos mentais coletivos. Para a autora deste capítulo este artigo de Freud estará estado na base de muitas das resistências que foram surgindo dentro do pensamento psicanalítico ortodoxo, quanto às possibilidades em se conseguir fazer um verdadeiro trabalho de análise psicológica profunda individual, em ambiente grupal, assim como a possibilidade de se fazer um trabalho verdadeiramente terapêutico sobre as perturbações e a psicopatologia relacionada com os relacionamentos e interações interpessoais que emergem dentro dos grupos.

Estes autores defendem duas importantes premissas sobre as relações entre o pensamento psicanalítico e o modelo grupanalítico:

1) O modelo grupanalítico é (uma) das possíveis evoluções naturais das teorias e práticas psicanalíticas, o qual tem sido atualizado e complementado com saberes e conceptualizações derivadas das Ciências Sociais, de áreas das "Humanidades", e ainda das novíssimas áreas de investigação do Cérebro e da Mente, conhecidas como, as Neurociências e a Neuro-Psicanálise;

2) Enquanto modelos teóricos, a Psicanálise e a Grupanálise deviam estar mais próximos entre si, apesar de partirem de assunções contraditórias sobre a natureza humana: a Psicanálise partindo de um paradigma individual do Ser Humano, considerando as Pessoas, como seres isolados e controlados pela sua biologia, isto é, pelos seus instintos, desejos e pensamentos e ignorando genericamente os paradigmas transpessoais dos processos mentais coletivos; enquanto a Grupanálise realça a Natureza Humana como sendo, antes de tudo, relacional e social, e tenta compreender e analisar todos os condicionalismos que vão ser gerados ao longo da Vida das Pessoas, em múltiplos e diferentes contextos.

Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández de Tubert vão-nos expondo as suas razões para a existência destas diferenças e distâncias conceptuais e epistemológicas entre ambos os campos de inquirição analítica.

Quanto às origens do pensamento grupanalítico, todos sabemos que ele emergiu durante as décadas de 40-50 do Século XX, em dois locais bastante distantes entre si, de modo quase simultâneo e sem qualquer reconhecimento mútuo.

1) Na Argentina, a partir do trabalho psicanalítico com grupos terapêuticos e não-terapêuticos (a experiência de intervenção social na Cidade de Rosário) por Enrique Pichon-Rivière (1971a, 1971b, 1979), o qual desenvolveu um modelo de intervenção e de conceptualização conhecido por "Grupos Operativos" e apoiado nos estudos sobre os objetos internos de Ronald Fairbain (1952), na teoria de campo de Kurt Lewin, na psicologia social de George Herbert Mead e na sociologia marxista. Este psicanalista de grupos considerava que as Pessoas tendiam a criar entre si, redes de relacionamentos dentro dos diferentes contextos, familiares, sociais, políticos e ecológicos e que elas iam formando entre elas, inúmeros tipos de "Vínculos" (Pichon-Rivière, 1979):

"…uma estrutura altamente complexa que inclui, o sujeito, o objeto (o qual é na realidade um outro sujeito), o seu mútuo relacionamento, e o grupo na sua totalidade, nos seus contextos institucional, histórico, cultural, ideológico, social, político, físico e ecológico. Trata-se essencialmente de um dinâmico e evolutivo movimento perpétuo de trocas entre o 'interno' e o 'externo'." (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2021, pág. 18) (tradução do autor)

e que nos grupos criava-se um único campo dinâmico no qual os Indivíduos incarnavam a Sociedade e esta era representada e recriada por cada um dos Indivíduos (Pichon-Rivière, 1979).

2) Em Inglaterra, durante a IIª Guerra Mundial, um psicanalista exilado de origem alemã, Sigmund (Michael) Foulkes (1948, 1964a 1964b, 1975, 1990) trabalhou em termos psicoterapêuticos com pequenos grupos de soldados que padeciam de diversos quadros de "neurose de guerra" (síndrome de estresse pós-traumático), nos quais foi adaptando o estilo e as regras terapêuticas do modelo psicanalítico. A este tipo de abordagem psicoterapêutica de grupo, ele designou de "grupo análise" baseando-se na teoria holística dos organismos e dos sistemas nervosos de Kurt Goldstein e nas teorias sociológicas da Escola de Frankfurt. Ele vai introduzir um novo conceito grupal e social, a "matriz" (Foulkes, 1973) que lhe permitia explicar o aparecimento de redes hipotéticas de comunicação e de relação entre os membros desses grupos e que iriam conjugar, conter, difundir e determinar, os aspetos experienciais de cada indivíduo com os estilos de relação e de comunicação que se iam estabelecendo entre os membros presentes em cada grupo.

Os autores do livro chamam à nossa atenção para o fato de ambos fundadores destas duas escolas de abordagem psicanalítica de grupos: a Escola de Grupo Análise de S. Foulkes (1948, 1964a 1964b, 1975, 1990) e a Escola Psicanalítica de Psicologia Social iniciada por Enrique Pichon-Rivière (1951, 1971a, 1971b, 1979), eles tiveram de evitar e mesmo ignorar oposições e contradições que lhes foram surgindo nos seus escritos e pensamentos perante a herança psicanalítica, quando eles elaboravam novos referenciais para a compreensão e a análise dos comportamentos das Pessoas dentro dos contextos grupais e sociais.

No capítulo 9, os autores deste livro (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2014a). abordam as semelhanças e as diferencias em relação a certas questões básicas entre estas duas tradições de trabalho psicanalítico em contexto grupal:

1) Quanto ao papel do Condutor, na perspetiva de S. Foulkes (1961) variava entre uma atitude de administrador ativo durante a formação e fases muito iniciais do processo grupal até se tornar num simples intérprete das comunicações e dos fenómenos do grupo, enquanto para Pichon-Rivière (1971a), a posição do mesmo condutor seria mais ativa nos seus diálogos enquanto transmissor e facilitador dos processos grupais. Aliás, um dos debates propostos neste livro refere-se ao papel e ao posicionamento do condutor perante o grupo, enquanto membro deste grupo, simultaneamente dentro e fora dele e nunca totalmente integrado ou fusionado com este.

2) Outra questão é a existência ou não de tarefas próprias para os grupos. E. Pichon-Rivière considerava que todos os grupos, terapêuticos ou não-terapêuticos, possuem uma tarefa latente, a de ajudar os membros a desenvolver competências e conhecimentos necessários para eles conseguirem trabalhar como uma equipa. Para este autor, o grupo teria sempre uma tarefa dupla: a de tentar atingir os seus objetivos terapêuticos (tarefa externa) e em aprender como operar como uma equipa (tarefa interna). Para S. Foulkes, não existiria uma tarefa definida para os seus grupos terapêuticos, pois estes deviam funcionar em situação de discussão livre flutuante, algo de equivalente à associação livre da relação bipessoal psicanalítica, e um "treino do ego em ação" (Foulkes, 1946b) para cada membro do grupo. No entanto, para ambos os autores existiria um objetivo terapêutico fundamental no trabalho dos grupos: A) Para S. Foulkes (1964a), o desenvolvimento de uma Matriz Fundadora ("Foundation Matrix"); B) Para E. Pichon-Rivière (1970), o desenvolvimento e aprofundamento de um Esquema Conceptual Referencial Operativo (ECRO).

Outro aspeto interessante deste livro (no capítulo 11) é a apresentação de uma nova sistematização sobre a natureza dos Grandes Grupos, de acordo, com as suas finalidades (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert 2014b, 2014c):

1) Grandes Grupos centrados em Problemas ('Problem-centred Large Groups') mais utilizados dentro da tradição dos "grupos operativos".

2) Grandes Grupos Experienciais ('Experience-centred Large Groups') de tradição grupanalítica, sem tarefas definidas, a não ser a possibilidade de qualquer dos participantes poder partilhar os seus pensamentos ou sentimentos principalmente sobre questões tipicamente de natureza social e política (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2014c). Estes grandes grupos são habitualmente integrados em simpósios e congressos de tradição grupanalítica, podendo ser intensivos e diários ou de forma continuada, estes mais utilizados em cursos de treinamento de grupo terapeutas ou no ensino da Grupanálise para estudantes de Psicologia ou Medicina. Neste tipo de grupos, Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández de Tubert reclamam-se de exercerem uma condução de estilo híbrido, de natureza intelectual e emocional, integrada numa matriz de miscigenação conceptual latino-americana e mexicana. Esta abordagem, simultaneamente, psicológica e sociológica, eles designam-na de "Vozes ao Vento" (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2014c), um estilo de condução mais presente e assumida na sua atitude e no tipo de intervenções, ao iniciar estes grandes grupos com a partilha de um mínimo de informação, sobre o porquê, para que serve e o que se pretende fazer em conjunto, numa clara intenção de estabelecer um certo tipo de contrato analítico com todos os presentes ou através da distribuição de um pequeno folheto informativo, no início destes eventos. Como condutores, eles propõem-se a ajudar os membros a encontrarem as saídas para todos os movimentos regressivos, defensivos e silêncios resultantes de ansiedades, de posições esquizo-paranóides e de outros estados confusionais que vão emergindo nas possíveis dinâmicas deste tipo de grupos. Quanto ao tipo de interpretações e intervenções, eles tentam procurar e coletar as diferentes vozes escutadas explicitando os problemas e as questões que surgiram, assim como, as possíveis soluções propostas pelos presentes, numa perspetiva de os ajudar a continuarem a pensar e a abordarem as tarefas e questões que foram colocadas coletivamente.

3) Grandes Grupos Centrados na Terapia ('Therapy-Centred Large Groups') representados pelos chamados grandes grupos iniciados há mais de 40 anos por J. E. García Badaracco (1990, 2000), em Buenos Aires, em contextos de comunidades terapêuticas de inspiração psicanalítica e recentemente desenvolvidos em Portugal, sob a forma de Grandes Grupos Multifamiliares, em ambiente hospitalar psiquiátrico (Hospital de Dia), por uma equipa multidisciplinar liderada pelas grupanalistas, Isaura Manso Neto e Maria João Centeno, pela médica psiquiatra, Paula Godinho e pelas Psicólogas, Ana Teixeira e Isabel Fialho (Centeno e colab. 2000; Godinho e colab., 2012).

4) Grandes Grupos orientados para a Pesquisa Científica ('Research-Centred Large Groups') que são uma combinação dos três tipos anteriores baseados na resolução de problemas, na aprendizagem através das vivências e cujo exemplo mais clássico referido pelos autores deste livro, seria a experiência de intervenção social que ocorreu durante o ano de 1958, na cidade de Rosário – Argentina orientada por uma equipa de psicanalistas e grupo terapeutas liderados por E. Pichon-Rivière (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2021, p. 165-167).

No Capítulo 15, nós podemos ler o texto completo da conferencia realizada por Juan Tubert-Oklander, em Londres, durante o "2019 Annual Foulkes Lecture" organizado pela Group Analytic Society International, sob o título: "Beyond Psychoanalysis and Group Analysis" aonde ele exprime as suas posições e visões sobre como ele concebe o funcionamento mental das Pessoas, enquanto seres relacionais e imersos nos mais diversos contextos vivenciais e apresenta as suas opiniões sobre a necessidade em se articular e aproximar melhor o pensamento psicanalítico ao pensamento grupanalítico, dado que ele considera que este último modelo de pensamento é uma evolução natural do anterior.

Ao longo deste livro, Juan Tubert-Oklander e Reyna Hernández de Tubert propõe-nos uma visão nova sobre o funcionamento da Mente como algo não limitado às fronteiras do corpo individual, mais sim, como sede de processos de comunicação e de interação que se estendem através das dimensões interpessoais e transpessoais de relação, como um sistema organizado de ideias que se expressa a nível social, como se tratasse de uma estrutura mental existindo no espaço transicional da interação criada por todos os membros de tal sistema social, em função dos seus relacionamentos interpessoais e da sua capacidade de partilha coletiva nesse mesmo espaço, um espaço em torno de um Nós, ('we-centric' space). Ambas as conceptualizações, a psicanalítica e a grupanalítica, deviam ser mais complementares entre si e na sua opinião existe a necessidade em avançar para um novo paradigma sobre a natureza e o funcionamento do Ser Humano, que articule melhor os diferentes níveis e dimensões mentais do aparelho psíquico com a natureza relacional, interpessoal e social do ser humano.

Nós podemos seguir os interessantes esforços que estes autores fazem para conseguirem articular conceptual e epistemologicamente os diferentes campos de atuação (dual, pequenos e grandes grupos) na perspetiva de uma nova teoria holística sobre o campo analítico que transcenda os limites tradicionais das diferentes disciplinas. Nas suas palavras, eles propõem:

O que nós precisamos agora, é de desenvolver um novo paradigma do ser humano que integre as descobertas, os discernimentos e as visões da análise – tanto da análise psicológica, como da análise de grupo – com aquelas das Humanidades e de outras ciências biológicas e sociais que estudam o ser humano (Tubert-Oklander & Hernández de Tubert, 2021, p. 212) (tradução do autor).

Ambos os autores nos desafiam a desenvolver novas conceptualizações, mais de acordo com os paradigmas holísticos para uma melhor abordagem e compreensão de todas as situações, entidades e processos complexos que vão emergindo nas interações entre os Indivíduos, seja a nível grupal, como a nível social. Propõe-nos a necessidade de uma nova visão que seja capaz de melhor perceber as relações entre o individuo e o coletivo, para além do individual e do grupal.

Juan Tubert-Oklander (2004a, 2004b, 2014) vem desenvolvendo desde o ano de 2004, uma proposta de paradigma sincrético, que permita uma mais fácil integração dos processos mentais individuais, com os processos de relação e dos grupos, a partir das ideias de José Bleger (1967, 1971) discípulo de Pichon-Rivière sobre uma terceira posição básica, a posição "glischirio-cariótica" ("glischro-caric position") ou posição "nuclear aglutinada" ("agglutinated nucleus") integrada na proposta kleiniana das posições básicas: depressiva e esquizo-paranóide e do conceito de funcionamento sincrético da Mente de Blanca Montevechio (1999, 2002). Ele propõe a existência de um estado fundamental na situação do grupo quanto os membros de um grupo estão a tentar comunicar entre si, criando-se um estado de sincretismo psíquico cuja qualidade experiencial é, o da ambiguidade, no qual não existem diferenciações entre o interior e o exterior, entre o sujeito e o objeto, entre a mente e o corpo, entre o masculino e o feminino ou qualquer outra noção de diferença, sugerindo a ideia de uma entidade coletiva continua e homogénea contendo os sujeitos individualmente imersos nela e permitindo então a existência de fluxos espontâneos entre si, ao nível mais profundo, enquanto as suas partes diferenciadas têm de comunicar entre si por outros meios indiretos.

 

Comentários finais:

Este livro é extremamente útil e interessante ao desafiar-nos a repensar e rever alguns dos nossos entendimentos enquanto grupanalistas e psicoterapeutas analíticos de grupo sobre como desenvolvemos o nosso trabalho de inquirição analítica com Pessoas que apesar de serem únicas e individuais, muitas das suas motivações e modos de pensar e sentir, estão profundamente ligados a processos mentais de cariz interpessoal e transpessoal.

Ele é um ótimo contributo para o aprofundamento da nossa compreensão sobre os fenómenos inconscientes que ocorrem tanto a nível intrapsíquico, como a nível interpessoal e transpessoal, quanto as Pessoas entram em relação e interagem entre si e releva a importância sobre as questões afetivas e emocionais, os registos das memórias e as capacidades empáticas e ressonantes de cada membro do grupo e que são interferidos pelos diferentes contextos relacionados com o desenvolvimento e crescimento bio-psico-social de cada membro do grupo.

Enquanto grupanalistas e psicoterapeutas analíticos de grupo, nós devemos continuar a atualizar os nossos conceitos clínicos e teóricos apoiados na mais recente investigação clínica e nas novas propostas de integração conceptual provindas tanto do campo do pensamento psicanalítico e grupanalítico.

Para o autor deste artigo é importante todos estarmos atentos à nova informação científica provinda de diferentes áreas do conhecimento científico, nomeadamente, a investigação neurocientífica (Panksepp, 1998; Panksepp & Biven, 2012) e neuropsicanalítica (Solms & Nersessian, 1999; Solms & Turnbull, 2002; 2011) sobre o funcionamento neuro-dinâmico do Cérebro, em particular, na sua interface com o Aparelho Mental/Mente, no que diz respeito, aos afetos e à emocionalidade, ao papel das consciências afetiva e cognitiva, ao processamento das perceções e das memórias (implícitas ou declarativas) e aos processos da elaboração mental (processos de defesas, vinculação, empatia, teoria da mente, identificação) (Cozolino, 2006 e 2010; Solms, 2020 e 2021) ou ainda a outras áreas do saber, como a Neuro-Filosofia (Northoff, 2003), a nova Neuro-Psiquiatria (Panksepp, 2004) ou mesmo a Física dos Sistemas Biológicos (Friston, 2010).

 

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Endereço para correspondência
E-mail: mjmmdavid@gmail.com

Submissão em: 09/02/2022
Aceite em: 13/05/2022

 

 

1 Grupanalista, Psicoterapeuta Psicanalítico e Médico Psiquiatra, Membro Efetivo da Sociedade Portuguesa de Grupanálise (SPGPAG), da Group Analytic Society International (GASI) e da Sociedade Internacional para a Neuro-Psicanálise (N-PSA). Website Profissional: mmdavid.pt.

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