SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.49 número3O declínio da interpretação: experiência e intervenção em psicanálise índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Brasileira de Psicanálise

versão impressa ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.49 no.3 São Paulo jul./set. 2015

 

RESENHAS

 

Figuras da sublimação na metapsicologia freudiana

 

 

Sissi Vigil Castiel

Psicanalista, membro pleno da Sigmund Freud Associação Psicanalítica de Porto Alegre, autora de Sublimação: clínica e metapsicologia (Escuta, 2007)

Correspondência

 

 

Autora: Ana Maria Loffredo
Editora: Escuta, São Paulo, 2015, 384p.
Resenhado por: Sissi Vigil Castiel

 

 

A sublimação é um dos conceitos em psicanálise que não é plenamente elaborado, inclusive em Freud. O termo foi trabalhado por ele, ao longo de sua obra, em distintas direções, mas não há uma concepção definitiva do processo sublimatório. Por isso mesmo, muitos autores contemporâneos têm se dedicado ao aprofundamento desse conceito por entenderem que o fato de a sublimação não ter tido, desde o início da psicanálise, uma formulação definitiva não a torna menos importante. Ao contrário, esse conceito encontra-se no centro de muitas problemáticas, tanto teóricas quanto técnicas: a sua ligação com a sexualidade, com o desejo, com a meta e o objeto da pulsão, com os destinos pulsionais, com o recalque, com o narcisismo, com a pulsão de morte, com a cultura, com a estética, com as instâncias ideais, com o trabalho de luto e com a clínica, na medida em que se refere a destinos pulsionais, criação, o estilo e os laços sociais. Via de regra, os autores têm feito opções teóricas e aprofundado o processo sublimatório em uma dada direção.

Já Ana Maria Loffredo aborda a variedade de ângulos em que a sublimação pode ser pensada, permitindo-se examinar as diferentes formulações freudianas sem priorizar uma sobre outra e, ao mesmo tempo, conduzindo o texto através dos entrecruzamentos conceituais que a sublimação suscita. De forma que não analisa a sublimação a partir de um eixo teórico, afirmando que prefere falar de um campo da sublimação. Neste campo, a autora demonstra a operação da sublimação em um movimento multifacetado no qual podemos perceber uma pluralidade de eixos conceituais em que a sublimação figura. Ela entende que analisar a sublimação em muitos planos "caminha na contramão de uma concepção restritiva de seu mecanismo" (p. 345). Essa é a proposta de Figuras da sublimação na metapsicologia freudiana, baseada em uma imersão nos textos freudianos sobre a sublimação, conjugada com um diálogo permanente com os comentadores de Freud sobre esse tema.

O livro se compõe de duas partes: a primeira acompanha os principais textos freudianos em que a sublimação é tratada, evidenciando suas aberturas e seus impasses. Já a segunda parte, que ela chama apropriadamente de "Trilhas da sublimação", vem demonstrar os caminhos a que o conceito conduz e as estradas que devem ser abertas para seu estudo no que diz respeito ao entrecruzamento com outros conceitos. Um dos pontos de sua argumentação é a proximidade da sublimação com o recalque. Em função disso, em um segundo momento, analisa a relação entre angústia, sublimação e recalque, e propõe considerar dois tempos da sublimação: um primeiro, que estaria atrelado à ideia de uma meta não sexual, imediata, desde o início, comportando a dessexualização e permitindo um estoque energético, e que também estaria vinculado ao recalque primário; e um segundo tempo - de uma sublimação secundária -, que estaria vinculado ao recalcamento secundário e retorno do recalcado e abriria um leque de objetos possíveis, a começar pelo eu. Com relação à angústia, em um primeiro tempo, pela operação da sublimação, o psiquismo ficaria protegido de uma condição eventualmente traumatizante, na medida em que esta oferece caminhos alternativos para a realização de ligações. Já em um segundo tempo, a angústia estaria presente em seu aspecto sinal. Entendo que a proposição da autora marca a proximidade entre sublimação, recalque e angústia e que esses dois tempos evidenciariam formas distintas de a sublimação figurar frente a eles.

Por fim, uma palavra sobre seu método de investigação. Centrada na releitura do conceito em Freud sem eleger prioridades conceituais, percorrendo as vias colaterais a que o conceito leva, a autora revela uma atitude frente à teoria psicanalítica e à metapsicologia: a da responsabilidade e da gratidão frente ao teórico, no sentido de tomar os fundamentos que nos foram legados e percorrê-los de forma que frutifiquem, característica tão admirável em um psicanalista. Nesse sentido, em seus agradecimentos, ela fala sobre gratidão, dizendo ser esta

a sensação de pertencer a uma rede muito enlaçada, cujos fios vão sendo tecidos, ponto por ponto, sem que a gente perceba, por tanto tempo que o tempo se perde no tempo e até parecem tempos imemoriáveis, como se vivéssemos muitas vidas em uma. (p. 8)

Certamente, é essa mesma rede que parece estabelecer com a metapsicologia freudiana, de uma forma que lhe permite construir essa exegese da teoria freudiana sobre a sublimação.

Ana Maria Loffredo, uma experiente psicanalista com um longo percurso na escrita em geral e na sublimação em particular, nos brinda com esse livro em que podemos ver a metapsicologia psicanalítica sendo trabalhada. Com certeza, a leitura se tornará consulta indispensável a todos que se interessarem pelo tema.

 

 

Correspondência:
Sissi Vigil Castiel

Rua Dr. Timóteo, 727, sala 305
90570-041 Porto Alegre, RS
sissi.castiel@gmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons