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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.10 no.1 São João del-Rei jun. 2015

 

ARTIGOS

 

Articulando redes, fortalecendo comunidades: intervenção psicossocial e articulação entre universidade, comunidades e políticas públicas1

 

Coordinating networks, strengthening communities: psychosocial intervention and coordination between the university, communities and public policies

 

La articulación de redes, el fortalecimiento de las comunidades: intervención psicosocial y la coordinación entre las universidades, las comunidades y las políticas públicas

 

 

Betânia Diniz GonçalvesI; Marcia Mansur SaadallahII; Isabela Saraiva de QueirozIII

IDoutora em Psicologia Social. Professora adjunto IV da PUC Minas São Gabriel. Endereço: betaniadg@pucminas.br
IIMestre em Ciências Sociais. Professora-assistente IV da PUC Minas São Gabriel. Endereço: marciamansurbh@gmail.com
IIIDoutora em Psicologia Social. Professora-adjunto IV da PUC Minas São Gabriel. Endereço: isabelasq@gmail.com

 

 


RESUMO

O projeto Articulando redes, fortalecendo comunidades é financiado pela FAPEMIG e pela Pró-Reitoria de Extensão da PUC Minas, com apoio do CNPq, e objetiva desenvolver ações por meio de metodologias participativas que contribuam para o fortalecimento e articulação de redes comunitárias e equipamentos políticos em três comunidades de Belo Horizonte: Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig. Pequenas iniciativas de organização comunitária já existiam nas comunidades e, a partir de diferentes demandas direcionadas à Universidade, inicia-se uma parceria que, após alguns ajustes e processos, se organiza neste projeto. São desenvolvidas atividades locais em cada comunidade, utilizando-se de intervenções psicossociais, além de estratégias audiovisuais e multimídias. Ações conjuntas também são desenvolvidas entre as três comunidades que, dentre outros ganhos, permitem a construção de saber coletivo entre comunidades e universidade, discussão de casos similares existentes nas várias comunidades, busca conjunta de soluções e encaminhamento de questões e melhor aproveitamento de instrumentos de capacitação coletiva.

Palavras-chave: Intervenção em rede; Participação comunitária; Construção coletiva de saber.


ABSTRACT

In the project Articulando redes, fortalecendo comunidades, subsidized by FAPEMIG and the PUC Minas Extension Deanship, with the CNPq support, using participative methodologies, the aim is to develop actions that contribute to the strengthening and the organization of the community networks and governmental institutions in three communities in Belo Horizonte: Lajedo, São Gabriel and Vila Cemig. Some time ago, inthese communities, there were small initiatives of community organization, and, because of a request from the communities to the university, a partnership started and, after a few processes and adjustments, it was structured into this project. Local activities have been developed within each community, with audio-visual and multimedia strategies, in addition to psychosocial interventions. Joint actions between the three communities are also developed and, besides other benefits, they allow the building of collective knowledge between the communities and the university, the debating about similar cases existing in many of the communities, the combined search for solutions, the routing of many questions and a better use of the instruments of collective capacitation.

Keywords: Network intervention; Community participation; Collective knowledge development.


RESUMEN

El proyecto Articulando redes, fortaleciendo comunidades, financiado por la FAPEMIG y por el Pro-Rectorado de Extensión de PUC Minas, con apoyo de CNPq, busca desarrollar acciones que contribuyan al fortalecimiento y articulación de redes comunitarias, y equipamientos políticos en tres comunidades de Belo Horizonte: Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig, por medio de metodologías participativas. En estas comunidades ya existían pequeñas iniciativas de organización vinculadas a liderazgos comunitarios; a partir de diferentes demandas direccionadas a la Universidad por parte de estos, se inicia una cooperación que, luego de algunos ajustes y procesos, se organiza en este proyecto. Son desarrolladas actividades locales en cada comunidad, utilizando intervenciones psicosociales, además de estrategias audiovisuales y multimedia. Acciones conjuntas también son desarrolladas entre las tres comunidades que, entre otros logros, permiten la construcción de un saber colectivo entre las comunidades y la Universidad, la discusión de casos similares existentes en varias de las comunidades, la búsqueda conjunta de soluciones y encaminamiento de problemas, así como un mejor aprovechamiento de los instrumentos de capacitación colectiva.

Palabras clave: Intervención en red; Participación comunitaria; Construcción colectiva de saber.


 

 

Introdução

O objetivo deste artigo é compartilhar experiências de redes sociais comunitárias vivenciadas no projeto de extensão em interface com a pesquisa, denominado "Articulando redes, fortalecendo comunidades". O artigo consiste no desenvolvimento de ações que visam contribuir para o fortalecimento e articulação de redes em três comunidades de Belo Horizonte: Vila Cemig, São Gabriel e Lajedo. Nessas comunidades, há alto índice de vulnerabilidade social, mas também iniciativas e demandas de articulação das diversas entidades não governamentais e governamentais que prestam serviços sociais às famílias em seu território.

Com o projeto, objetiva-se colaborar para a potencialização das articulações existentes, possibilitando um maior conhecimento, diálogo e ações conjuntas nas comunidades e entre as suas redes, a partir da troca de experiências, sistematização de metodologias e formação dos atores sociais. Para isso são desenvolvidas atividades locais, nas quais são utilizadas intervenções psicossociais, além de estratégias audiovisuais e multimídia. Ação também importante de articulação é o encontro mensal que reúne lideranças das três comunidades e técnicos dos equipamentos públicos presentes nos territórios - Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Conselhos de Direitos, escolas, Unidades Básicas de Saúde etc. Esse encontro mensal é denominado como "Capacitação de Rede", no qual há discussão conjunta de questões/temáticas que atingem todas as comunidades, trocas de experiências e também sistematização das ações realizadas localmente.

O curso de Psicologia da PUC Minas São Gabriel, por meio de práticas de estágios de intervenção psicossocial, projetos de extensão e de pesquisa, tem se aproximado e realizado parcerias com várias comunidades de Belo Horizonte por meio de suas entidades, associações, movimentos sociais, lideranças comunitárias, conselheiros, equipamentos públicos, dentre outros. Essas parcerias têm se mostrado como um rico espaço de aprendizagem e construção de conhecimentos, por meio dos quais têm se destacado a articulação de saberes acadêmicos e populares, a articulação da teoria com a prática, o fortalecimento da postura investigativa e a formação social, política, crítica e transformadora. Inserções mais efetivas da Universidade em comunidades vulneráveis têm permitido a construção de novos saberes, novas práticas e metodologias que contribuem para o fortalecimento de atores sociais e melhor qualidade de vida da população. A equipe do projeto é composta por professoras e estagiários (as) do curso de Psicologia e do curso de Comunicação Social. A equipe conta ainda com assessorias nas áreas de formação política, enfrentamento à violação de direitos e produção audiovisual.

A originalidade desse projeto/parceria está em diagnosticar, intervir e, ao mesmo tempo, construir um modelo de intervenção que possa ser utilizado no trabalho de articulação de redes de outras comunidades. A articulação de equipamentos governamentais e não governamentais em rede potencializa o acesso aos serviços públicos a que a comunidade tem direito. Além disso, a produção conjunta entre as várias comunidades e a possibilidade de pensarem e desenvolverem ações que cooperem na resolução de questões enfrentadas por todos amplia a condição de cidadania, participação e consciência crítica. Para os serviços públicos de saúde, educação, assistência social, cultura, e também para lideranças, conselhos e grupos comunitários, são fortalecidos os vínculos e aprimorados os conhecimentos e aplicações práticas, reinventados a cada dia no cotidiano do trabalho e atendimento à comunidade.

Neste artigo será feita uma contextualização das comunidades envolvidas no projeto - Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig - e, a seguir, serão abordados o conceito de redes, a especificidade da metodologia do projeto no que diz respeito à articulação e tessitura de redes nas comunidades, e as considerações finais.

 

As comunidades envolvidas no projeto: contextos e processos

O Bairro Lajedo, localizado na Regional Norte de Belo Horizonte, possui uma população aproximada de 12.400 pessoas, segundo levantamento realizado pelos Agentes Comunitários de Saúde em fevereiro de 2010. A comunidade dispõe de poucos equipamentos sociais, além de poucas opções de lazer e projetos sociais implementados.

A constituição da rede social do bairro Lajedo iniciou-se no ano de 2008 a partir de demanda da comunidade. A junção de lideranças comunitárias ligadas à área de saúde foi o ponto de partida para a realização de planejamento e intervenções. A participação efetiva do Centro de Saúde do bairro Lajedo foi de extrema importância para o desenvolvimento das potencialidades da comunidade. O desenvolvimento da rede passou por momentos de fragilidade devido a conflitos existentes entre as lideranças e à presença de um forte viés político partidário nas relações comunitárias, dificultando o trabalho de articulação e desmobilizando o grupo. Estes conflitos precisaram ser explicitados e processados, culminando no afastamento de alguns membros, mas também no fortalecimento do grupo e em um melhor alinhamento dos seus objetivos. Dessa forma, a partir de reuniões de articulação, demandas foram elencadas, por exemplo, a necessidade de maior acesso a informações sobre a comunidade, conhecimento dos projetos sociais existentes, intensificação do reconhecimento da importância de se ter uma rede na comunidade, bem como de se conhecer as instituições locais e participar delas.

Atualmente, novos contatos têm sido feitos para ampliação e inserção de outras entidades na rede. Reuniões mensais foram intensificadas, foi construído coletivamente o mapeamento da rede e realizado o levantamento dos equipamentos sociais locais e das lideranças e gestores desses equipamentos, de modo a resgatar pontos relevantes sobre a comunidade. Além disso, foi elaborado material audiovisual com o registro de todo o processo de mapeamento e organização comunitária. A partir do projeto, o bairro Lajedo encontra-se mais envolvido em ações que integram a comunidade.

Sobre o Bairro São Gabriel ,no início do projeto foram verificadas diversas dificuldades para compreender o processo de articulação da redesocial. Geograficamente, o São Gabriel é a maior das três comunidades participantes do projeto .Atualmente tem 27.98 0habitantes e é um bairro predominantemente residencial, localizado na região nordeste de Belo Horizonte.

A primeira atividade realizada pela equipe na comunidade São Gabriel foi o levantamento dos equipamentos sociais existentes para a realização do mapeamento. A partir desse levantamento, foi possível perceber os efeitos que a falta de articulação da rede causava nos sujeitos, os quais diziam-se "abandonados" pelo Poder Público e não conheciam os equipamentos públicos presentes na comunidade.

Assim, inicialmente, foi realizado um levantamento junto às lideranças comunitárias e, em seguida, o mapeamento dos equipamentos sociais existentes na comunidade. Esse foi um processo muito importante, pois a rede começava a ser conhecida. No decorrer desse levantamento, foi elaborado um documentário sobre a comunidade São Gabriel a partir das entrevistas realizadas com as lideranças e do mapeamento das instituições. Esse material possibilitou a ampliação do conhecimento sobre o contexto histórico local por meio dos relatos dos líderes comunitários, que narraram a história do bairro a partir da sua própria história de vida. Ampliar a percepção do histórico da comunidade por meio dos relatos permitiu um entendimento mais preciso sobre acontecimentos que nem mesmo os moradores antigos conseguiam entender, por exemplo, a separação do bairro São Gabriel em três comunidades distintas: Dom Silvério, Beira-Linha e São Gabriel. Desse modo, o bairro São Gabriel, por meio do projeto e da articulação das lideranças comunitárias, iniciou um processo de discussão sobre sua própria história, discussão essa que inexistia.

Cabe destacar que a PUC Minas São Gabriel tem se consolidado como uma instituição componente da rede do São Gabriel, já que também se localiza em seu território. Este fato tem aberto novas possibilidades de parceria e intervenções entre a Universidade e a comunidade que muitas vezes ultrapassam a proposta do projeto, como a aproximação da população com a Clínica de Psicologia e outros serviços oferecidos pela Universidade; as demandas da comunidade ao curso de Comunicação Social para elaboração de um informativo sobre a comunidade; e a maior participação da comunidade nas ações oferecidas pela Universidade.

Por fim, a Vila Cemig, situada na região do Barreiro, em Belo Horizonte, juntamente com o Alto das Antenas e o Conjunto Esperança ocupam uma área de 472.700m2, com 2.310 domicílios e uma população total residente de 6.400 habitantes.

Para embasar melhor a intervenção na Vila Cemig, em 2010 foi realizado um diagnóstico comunitário, visando conhecer a realidade das famílias daquele território. Esse diagnóstico foi realizado por cerca de 80 alunos, técnicos e professores, estagiários, extensionistas e alunos voluntários do curso de Psicologia. A comunidade participou ativamente desse diagnóstico com voluntários, que em dupla com os alunos da PUC visitaram 1.067 famílias das comunidades da Vila Cemig, Conjunto Esperança e Vila das Antenas. Essas famílias contabilizaram um total de 3.687 pessoas, ou seja, 50% do total de habitantes das três comunidades.

Esse diagnóstico reafirmou a realidade conhecida pelas lideranças locais, ou seja, os maiores problemas detectados na pesquisa estavam relacionados a doenças, desemprego, uso abusivo de drogas e gravidez não planejada. Um fato nos chamou a atenção: apenas 7% das famílias acessavam o CRAS, número baixíssimo para uma comunidade com alto grau de vulnerabilidade social. Além disso, no diagnóstico realizado, investigou-se o interesse dos moradores em participar de ações grupais e comunitárias promovidas pelo curso de Psicologia e 49% das famílias ouvidas demonstraram interesse nesse trabalho; isso significa mais de 500 famílias. A partir da análise dos dados, houve uma discussão com a comunidade, que definiu ações para a intervenção da Psicologia. Entre as ações escolhidas estava a articulação das diversas entidades que atuavam na região, sejam elas governamentais ou iniciativas da sociedade civil. Começa assim o processo de articulação da rede da Vila Cemig.

Considerando as demandas levantadas nessa região, em 2012 deu-se início ao projeto de extensão denominado "Fortalecimento dos Vínculos Familiares e Comunitários" com a finalidade de promover intervenções educativas e psicossociais na Vila Cemig. As ações do projeto favoreceram o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários por meio da realização de oficinas psicossociais com grupos de famílias, crianças, adolescentes, acompanhamento familiar domiciliar às famílias em situação de vulnerabilidade social e também da capacitação e fortalecimento das lideranças comunitárias, com vistas a uma integração maior entre a comunidade e os serviços públicos oferecidos à população. Durante as ações, percebeu-se a necessidade de mapear e conhecer a rede em que o público-alvo estava inserido, potencializando assim novas intervenções. Assim, no segundo semestre de 2012, iniciou-se o projeto de extensão da PUC São Gabriel, "Articulando redes, fortalecendo comunidades" - aqui apresentado - que objetivou mapear as organizações da sociedade civil, equipamentos e serviços governamentais existentes não somente na Vila Cemig, mas também nas comunidades do Lajedo e São Gabriel, possibilitando intervenções que contribuíssem com a promoção e articulação desses diversos atores sociais, utilizando de estratégias grupais, artísticas e de recursos multimídia.

A partir das primeiras ações do projeto, observou-se que a Vila Cemig estava um pouco mais organizada que as comunidades Lajedo e São Gabriel, pois já existia um mapeamento da rede e uma tentativa de articulação desta por meio do programa BH Cidadania2, conduzido pelo CRAS. Porém, essa era uma ação pouco conhecida e pouco utilizada pela rede. O projeto passou então a investir no fortalecimento dessa rede existente, mesmo que ainda de maneira muito frágil, com ações em parceria com as lideranças comunitárias locais. Importante observar que a Vila Cemig possui muito mais equipamentos públicos estatais e comunitários que as outras comunidades. Além disso, percebe-se um grande engajamento das equipes técnicas dos equipamentos nas ações comunitárias e existe também um forte envolvimento da população com lideranças politizadas e comprometidas. Acreditamos que esses são fatores muito favoráveis para o fortalecimento e articulação dessa rede.

 

Redes sociais como aporte teórico-metodológico

A palavra rede se refere à trama ou conjunto de fios, ou seja, ao entrelaçamento de fios com aberturas capazes de formar um tecido. Essa noção de entrelaçamento foi dando um contorno à noção de redes e atribuiu a ela novos significados e a caracterizou diante de outras possibilidades de redes. Etimologicamente, a palavra "rede" origina-se do latim rete, retis, com o sentido de teia (de aranha); rede, laço; sedução (Houaiss, 2001).

As redes estão em todos os lugares: redes de computadores, redes sociais, redes organizacionais, as cadeias de lojas, redes de celulares e, até mesmo, as redes neurais artificiais. Os estudos acerca da temática têm sido aplicados em diversos campos como a Psicologia, Política, Gestão Social, dentre outros. Considerando a diversidade de utilizações do conceito rede, vale citar dois estudos que o utilizaram no campo da Psicologia, um deles realizado por Mendonça e Queiroz e Melo (2014), que tratou de uma rede de adoção de animais abandonados; e o outro, conduzido por Bonamigo e Zanchet (2011), que abordou a relação entre trânsito e violência. Essas pesquisas exemplificam a amplitude dos estudos de rede para além da relação humano-humano, ilustrando parte da diversidade possível que tem sido construída a partir desse conceito.

A terminologia rede vem sendo amplamente utilizada e pode ser interpretada sobre vários pontos de vista. Segundo Meneses (2010), os nós na rede são pessoas, grupos e os povos que criaram vínculos de diversas qualidades e intensidades; e as ligações mostram relacionamentos ou fluxos entre os nós. Um nó pode ser tecido por diversas formas comunicacionais, pelas relações e pelos vínculos, dentre outras. Este desenho da rede é o que melhor ilustra as estruturas sociais modernas usadas para designar desenhos organizacionais e qualificar sistemas caracterizados por elementos soltos e dispersos, espacialmente, mas que mantêm uma relação entre si.

Segundo Andrade e Vaistman (2002), as redes sociais são ambientes em que indivíduos com realidades semelhantes se agrupam para pleitearem melhorias na qualidade de vida e caracterizam-se por sua interdependência nas ações, ajuda mútua, compartilhamento de informações, projetos e auxílio em momentos de crise. Com a criação de uma rede social, as mobilizações se tornam "mais alcançáveis" e todos trabalham para um bem comum, pois as redes devem ser antes de tudo um ambiente de comunicação e troca entre os seus envolvidos.

Nesse sentido, Ribeiro (2008) refere-se às redes como espaços desejáveis de exercício democrático, não devendo comportar formas de apoio autoritárias, uma vez que pressupõem reciprocidade. A rede é, então, uma construção permanente que se forma com a participação de pessoas envolvidas no exercício da cidadania e controle social. Para cada ator social envolvido, bem como para os equipamentos sociais, a criação de uma rede social é positiva, pois possibilita uma maior interação e eficiência na resolução de problemas, visto que estabelece uma ligação entre os setores e facilita o trânsito do usuário, dando assim maior vazão às demandas apresentadas e à construção de respostas mais efetivas.

Dessa forma, faz-se necessária a integração entre os diversos setores - comunidade e equipamentos políticos e sociais - para aumentar a resolubilidade destes. Nas redes, o processo de construção permanente em diversos níveis, particulares e coletivos, permite intercâmbio entre os integrantes e entre eles e outros grupos sociais para uma melhor utilização de recursos.

O trabalho em rede tem se transformado em uma possibilidade de organização que permite responder de forma flexível às demandas, entrelaçando conectividade e descentralização nos contextos e esferas de articulação e atuações sociais diversas. Gonçalves e Guará (2010) afirmam que:

O novo modelo de rede, que supõe relações mais horizontalizadas, exige disposição para uma articulação socioeducativa que abre-se para acolher a participação de várias políticas públicas setoriais; derruba limites de serviços que agem isoladamente; inclui a participação da sociedade, comunidade, famílias; acolhe o território onde se localizam as crianças e os adolescentes. ( p. 11)

Castells (1998) aponta contribuições sobre o conceito de rede que vem sendo amplamente discutidas nas ciências sociais e se aportam em um referencial teórico que enfatiza sua natureza democrática, emancipatória e aberta. As redes são, para ele, formadas por pontos (pessoas/organizações) ligados por fios que os conectam (comunicação), e quanto maior for o número de conexões maior é sua capacidade de obter resultados.

Scherer-Warren (2011) define redes sociais como o conjunto dos vínculos sociais entre indivíduos e organizações. A articulação de redes sociais busca promover a transformação da realidade, padrão que vem embutido na perspectiva do trabalho em redes, pois seus princípios norteadores visam à transformação e ao envolvimento dos atores sociais nesse processo.

Prática social é compreendida aqui como estratégia política que se desenvolve no cenário do debate público na sociedade civil; essa ação se configura efetivamente por designar caráter político sobre a realidade social, de modo a atingir o efeito mais esperado de nossas práticas, a mudança social. Isso é sem dúvida o que imprime o caráter e oferece um pano de fundo às práticas sociais de redes, o trabalho das instituições e da sociedade civil conjuntamente na comunidade.

As redes sociais podem ser consideradas uma forma de organização inovadora e orgânica, apta a enfrentar a complexidade dos problemas sociais, pois pressupõem ações voltadas para mudanças sociais a partir de um projeto construído coletivamente por diferentes atores que têm em comum a causa escolhida. As redes sociais tendem a ser estruturas democráticas e horizontais e, por isso, convidam a uma vivência com vistas à construção da autonomia e criatividade.

Para Pedro (2010), a despeito da dinamização que o tema redes vem experimentando, é preciso também problematizar sobre as redes e seu modo de funcionamento, uma vez que nem sempre o desejado e planejado se configura como tal na prática:

[...] aqueles que se interessam por essa temática, e a integram em suas pesquisas, reconhecem que ainda há muito que problematizar acerca da constituição/produção das redes, sua dinâmica, suas formas de expressão, o papel destacado que têm desempenhado na circulação da informação e do conhecimento, além da necessidade de se investir em metodologias que possam apreender a complexidade de tais dinâmicas e, no limite, contribuir para o seu favorecimento em termos de modalidades mais colaborativas de interação. (p. 78)

É inegável que há momentos nos quais se corre o risco de idealizar a metodologia de redes. Com frequência é dito que nas redes sociais não há hierarquia e, por isso, todos são igualmente importantes, o que não significa que sejam iguais; e que a diversidade é um valor respeitável para seus membros, assim como a noção de corresponsabilidade; ou que não há burocracia nas redes, recurso que engessa e, muitas vezes, impede o desenvolvimento de outras formas de organização. O ideal é que as redes não tenham normas estatutárias rígidas e pré-definidas, mas que existam acordos, normas e políticas coletivamente decididos. Na prática é importante desmistificar e problematizar a beleza do modelo no plano teórico para minimizar frustrações com a prática das redes que, muitas vezes, se revela dificil e traiçoeira se são maquiados os tons de sua estrutura organizativa assentados em modelos velhos.

Fleury (2013) e Rodrigues et al. (2012), ao discutirem sobre formas de enunciação de demandas de moradores em situaçoes de negociações com o poder público, afirmam que, muitas vezes, há uma submissão dos moradores, apontando o perigo que tal situação representa para a democracia. Situações de submissão inviabilizam a discussão política e uma participação mais efetiva da comunidade e mantêm velhos modelos de manipulação social. Apesar do ideal mais igualitário nas relações de rede, há riscos de posturas autoritárias e não negociadas com os envolvidos. Nesses espaços, chamados de negociação, é possivel dizer das angústias e desejos acerca das decisões governamentais, mas, na prática, muitas vezes, não há condição real para a participação na definição das prioridades e ações das políticas públicas. Ou seja, instâncias de negociação têm sido, em muitos casos, somente instrumento apaziguador dos conflitos, com vistas a referendar as decisões já vinculadas à política em curso.

Além disso, Martinho (2003) adverte que nem tudo é rede, e quando, indiscriminadamente, tudo se torna rede, essa ideia-força perde brilho e poder explicativo, deixando de apresentar características preciosas, ou seja, seu poder criador de ordens novas e seu caráter libertador. Sendo assim, é preciso não perder de vista os processos e acompanhamentos de cada questão que se põe. Há momentos em que a rede precisa ser restaurada, resgatada, por isso a importância constante de acréscimos de novos nós. Assim, muitas vezes, temos de nos contentar apenas com a tentativa de constituir uma rede em lugar da efetivação de uma articulação em rede de fato.

Cefai, Veiga e Mota (2011), ao analisarem ações coletivas em grupos organizados como redes, mostram múltiplas limitações em seu campo de ação, por exemplo, há muita indecisão e inderteminação sobre as regras do jogo e ambiguidade de preferências e motivações, o que revela que estas são arenas de troca e de conflito, cooperação e competição, de invenção de solução ou de produção de problemas:

Anarquias organizadas não têm objetivo [...] são atravessadas por ambiguidades e, às vezes, por contradições [...], podem perseguir diversas finalidades não compatíveis entre si e ser confrontadas com os dilemas da escolha dos meios em relação aos fins. (p. 35)

Apesar de todas as críticas que podem e/ou devem ser feitas às intervenções em rede, a proposta da estratégia de trabalho em rede implica em descentralização e compartilhamento de poder nas mais distintas dimensões da vida social. Atualmente se faz necessário um novo tipo de atuação do Estado e da sociedade, no qual as políticas públicas estejam articuladas entre si, superando a histórica fragmentação presente nas ações estatais no Brasil. A formação de redes passa a ser muito importante quando há intenção de provocar desenvolvimento comunitário, isto é, transformações sociais provocadas pelo desenvolvimento do capital humano e social de uma comunidade, gerando certo empoderamento. Esse empoderamento pode se referir ao processo de mobilização social ou a práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades em relação ao seu crescimento, autonomia, melhorias na qualidade de vida, bem como pode se tratar também de ações destinadas a promover a integração dos excluídos dos serviços públicos. Gohn (2004) afirma que

[...] o empoderamento da comunidade para que ela seja protagonista de sua própria história tem sido um termo que entrou para o jargão das políticas públicas e dos analistas, neste novo milênio. Trata-se de processos que tenham a capacidade de gerar processos de desenvolvimento autossustentável, com a mediação de agentes externos - os novos educadores sociais - atores fundamentais na organização e desenvolvimento de projetos. O novo processo tem ocorrido, predominantemente, sem articulações políticas mais amplas, principalmente com partidos políticos e sindicatos. (p. 23)

Considerando os limites e possibilidades das intervenções em rede, apresentamos a seguir as especificidades do projeto "Articulando redes, fortalecendo comunidades", seu desenho metodológico e processos que têm sido vivenciados nas comunidades envolvidas e na interação universidade-comunidades-equipamentos de políticas públicas.

 

Especificidades da metodologia de redes no projeto: articulação e tessitura

A metodologia adotada no projeto é orientada pelo modelo psicossocial de trabalho comunitário. Pereira (2002) assim o denomina para designar termos diversos utilizados por autores latino-americanos: intervenção na investigação, pesquisa-ação, planejamento participativo, grupo operativo, intervenção pedagógica e investigação diagnóstica, dentre outros. As propostas articulam basicamente investigação científica e intervenção com vistas à resolução de problemas. Tais estratégias são norteadas por paradigmas críticos das dicotomias indivíduo/sociedade e teoria/prática que, questionando o modelo clássico de ciência, associam conhecimento científico, participação popular e ação política. Trata-se, pois, de metodologia participativa, especificamente, metodologia de trabalho em rede.

A universidade compõe a rede, sendo um dos seus nós e facilitando a construção da interrelação de saberes. É fato que a aproximação entre a universidade e a comunidade, por meio das lideranças e equipamentos comunitários, é algo pertinente, pois a construção conjunta de saber permite nomear problemas, necessidades, interesses das partes, acarretando em mobilização da comunidade, da qual a universidade também faz parte. Para Pedro (2010),

Quando uma rede se apresenta como objeto de estudo, é preciso compreendê-la, em primeiro lugar, como produto de um projeto que a antecede. Significa dizer que a rede deve sua existência a um conjunto de negociações bem sucedidas, daí a necessidade de se traçar sua gênese, entendendo que a historicidade de cada processo é fabricada com características próprias e diferenciadas. Como a rede chegou a se estabelecer como tal? Que atores se envolveram no processo? Que interesses foram mobilizados? Como as alianças foram estabelecidas? Como se deram as negociações entre os diferentes atores? Que controvérsias e impasses surgiram e como foram resolvidos ou contornados? ( p. 82)

A rede se tece, portanto, no encontro de diferenças e na produção de novos nós que se ampliam a cada vez que essa rede é urdida cotidianamente. Desse modo, importa agora descrever a metodologia de trabalho utilizada no desenvolvimento deste projeto, denominada metodologia de redes.

Nas três comunidades envolvidas - Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig -, busca-se construir as chamadas redes de desenvolvimento comunitário, ou seja, aquelas que congregam entidades sociais, empresas socialmente responsáveis, órgãos do setor público, profissionais independentes, lideranças comunitárias e agentes sociais, o que as torna, portanto, intersetoriais. São redes pautadas pela ética, nas quais a participação é incentivada, a diversidade é valorizada e o protagonismo é desenvolvido (Meneses & Castella Sarriera, 2005). O projeto aqui apresentado visa construir e fortalecer com essas entidades e as comunidades envolvidas uma articulação que as possibilite pensar em práticas e objetivos para a comunidade como um todo. Para tal, são feitos contatos sistemáticos e reuniões para que se construam práticas conjuntas, responsabilidades sejam compartilhadas, conflitos sejam enfrentados e diferenças discutidas, sem buscar homogeneizar posicionamentos, mas construir consensos necessários à materialização dos objetivos.

A tessitura dessa rede, tendo a universidade como parte, começa quando - visando atender às solicitações das comunidades (Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig) - o diagnóstico social é realizado para levantar demandas, assim como para identificar a oferta de serviços feita pelos equipamentos políticos e por grupos comunitários locais. Para a realização do diagnóstico, foram utilizados diversos instrumentos de coleta de dados, tais como: questionário com a população em geral, grupo focal com participantes da rede e usuários dos serviços, entrevista semiestruturada com educadores dos equipamentos sociais, entrevista de história oral com lideranças antigas, registro e sistematização dos dados.

Como estratégia metodológica de mobilização e articulação das redes, foram realizadas produções audiovisuais em formatos de minidocumentários, criadas e planejadas pelos próprios componentes da rede. O documentário é um gênero audiovisual baseado no contato direto com a realidade, sua linguagem se diferencia pela tentativa de registrar acontecimentos cotidianos sem adotar recursos de mise-en-scène previamente planejados (Lucena, 2012). Assim, o documentário renega o roteiro totalizador da ficção para dar oportunidade à espontaneidade do real que carrega consigo também seus erros e debilidades. Assim, esse gênero vincula-se diretamente à realidade, encarando-a de frente, porém, sem a intenção controladora e ambiciosa de representá-la plenamente.

O vídeo-documentário pode ser um importante instrumento de mobilização social. O formato audiovisual é mais facilmente assimilado pela maior parte da população por sua agilidade e clareza, mas também pela vinculação cultural da população brasileira com a televisão, somada ao alto índice de analfabetismo funcional, principalmente entre as classes menos favorecidas de nosso País.

O formato audiovisual permite, assim, uma maior penetração, gerando maior interesse que o texto, além de ser uma alternativa didática à linguagem escrita. Com isso, o próprio processo de feitura do documentário ainda serve como um instrumento extra de mobilização, uma vez que a presença da câmera nos ambientes das reuniões e capacitações das redes envolvidas tende a gerar dois tipos de efeito positivo, mesmo nos participantes mais desacreditados na possibilidade de articulação das redes. O primeiro diz respeito à compreensão do processo, uma vez que todas as mobilização e reuniões estão sendo documentadas e, justamente por isso, não terminaria sem apresentar resultados objetivos. E o segundo diz respeito à especificidade da sua linguagem, ou seja, à sua apresentação, já que o documentário apresenta-se, por si só, como um produto final daquela articulação, o que faz com que um objetivo da ação da rede articulada já se apresente concretamente. Dessa forma, o grupo passa a ter uma "tarefa operativa" concreta e, para dar conta dela, precisa se articular, interagir, conhecer-se.

O documentário apresenta a possibilidade de aparição e visibilidade para a comunidade e as lideranças comunitárias, tendo também um peso simbólico de reconhecimento e empoderamento dessas lideranças. As pessoas que se envolvem e lutam pela comunidade, de uma maneira ou de outra, buscam seu reconhecimento, sendo a sua aparição no vídeo um reconhecimento importante.

A assimilação dos termos e conceitos do trabalho em rede não é simples. Assim, osvídeos-documentários na metodologia do projeto também têm por objetivo contribuir para o esclarecimento da proposta e das ações em rede a partir de imagens das ações e depoimentos com as impressões e conclusões das lideranças comunitárias. Dessa forma, esses personagens protagonizam a elaboração e o entendimento das ações implementadas. Os depoimentos são gravados em momentos diferentes, mostrando um amadurecimento dos conceitos e da própria noção de funcionamento da rede comunitária. O vídeo também procura envolver os equipamentos sociais e de políticas públicas nessa discussão que, apesar de ser feita internamente, com frequência tem muita dificuldade de ser levada para a prática cotidiana.

Um primeiro registro audiovisual do projeto foi finalizado em 2012 e constatou-se um resultado positivo, sua exibição foi feita nas primeiras reuniões e capacitações de rede de 2013. A intenção era avançar ainda mais na participação da comunidade em relação às produções seguintes. Com isso, a proposta foi abrir para a rede a discussão sobre o que seria interessante documentar em cada comunidade, levando em consideração suas individualidades, potências, fraquezas, nível de mobilização e aceitação do projeto em cada uma delas. Definiu-se, a partir disso, que seriam feitos mais três minidocumentários, com duração de 10 a 15 minutos, um para cada comunidade, produzidos como estratégia de mobilização e articulação comunitária.

Além do diagnóstico e dos vídeos, foram realizadas outras ações condizentes com a metodologia de redes (Castells, 1998; Gonçalves & Guará, 2010; Meneses, 2010), cabendo assinalar que, mesmo tendo a metodologia de redes como referência, o projeto tem um desenho singular, cujas intervenções nas comunidades se desenvolvem levando-se em conta as seguintes etapas: 1. mobilização inicial da comunidade e identificação de atores e equipamentos de referência; 2. mapeamento das instituições, equipamentos sociais governamentais e não governamentais, associações, igrejas, lideranças comunitárias, conselhos, entre outros; 3. realização de diagnóstico social em cada comunidade, identificando o perfil e demandas principais dos moradores, além da oferta dos serviços existentes; 4. registro das experiências realizadas por meio da construção e produção de minidocumentários em cada comunidade, cabendo aqui assinalar que a página do projeto no Facebook tem sido utilizada como espaço permanente de discussão e questionamento do método e seus efeitos; 5. apresentação gráfica e divulgação do mapeamento da rede; 6. encontros locais em grupo com cada grupo/instituição/equipamento e intergrupos para discussão de questões e encaminhamentos, em cada uma das comunidades, visando à articulação de rede; 6. acompanhamento familiar semanal nos núcleos familiares; 7. encontros mensais entre as redes para capacitação e troca de experiências; 8. avaliação e monitoramento, com vistas à reflexão constante, permitindo eventuais adequações das metas propostas neste projeto, medição e acompanhamento destas; 9. divulgação frequente e transparente para todos os atores envolvidos; 10. sistematização das experiências no âmbito do projeto, facilitando a futura replicação da tecnologia social construída; 11. Avaliação, que se faz imprescindível, uma vez que aponta aspectos sobre os quais é preciso ter mais atenção, permitindo constantes (re)construções.

O dia a dia dessa tessitura (trama e urdidura) é muito complexo e a cada dia aprendemos todos: comunidades, líderes, universidade, equipamentos de políticas públicas. Nessa rede ainda há muito que ser tecido e é preciso fortalecê-la sempre, mas os frutos do trabalho já são visíveis. A presença da universidade, a disposição para discussão de temas relativos à violação de direitos, a partir da vivência dos elementos que compõem a rede (comunidade, técnicas dos serviços públicos, universidade), têm proporcionado construções antes não pensadas e feito com que os serviços deem novos encaminhamentos aos casos e revejam suas práticas.

Sobre isso, ponto forte do trabalho cotidiano é o acompanhamento familiar, que permite acessar situações que são levadas ou estão sendo discutidas pelos serviços. Essa interação entre serviços, fazeres, pontos de vistas e compreensões tem permitido o crescimento de todos e a busca conjunta de encaminhamentos: o que o CRAS/CREAS tem a fazer? O que a unidade básica de saúde tem a fazer? O que a escola tem a fazer? Qual o fazer conjunto em determinadas situações? Qual a responsabilidade da comunidade e dos serviços públicos diante das situações de violação de direitos?

O trabalho em rede exige flexibilidade dos que nele se envolvem, pois, mesmo tendo por referência as ações que compõem a especificidade da metodologia, é preciso atenção para escutar o que surge a partir do desenvolvimento de cada rede. O desenho metodológico não deve engessar as ações e, sim, permitir novas construções com vistas ao fortalecimento das redes, por isso as ações aqui apresentadas são as que se configuram no momento, podendo ser alteradas no decorrer do processo.

 

Considerações finais

Além dos aspectos mencionados que justificam o desenvolvimento do projeto no tocante à sua importância com as comunidades e à articulação de equipamentos de políticas públicas, pode-se dizer também de sua relevância para a comunidade acadêmica. Nesse sentido, este projeto tem contribuído para as investigações no campo social, no que diz respeito ao avanço do conhecimento científico e metodológico, e para a capacitação permanente de agentes de comunidades em situação de vulnerabilidade social, ao estabelecer uma metodologia participativa de intervenção que se caracteriza pela articulação de diferentes experiências comunitárias, como práticas extensionistas, investigativas e de ensino, além da interação com políticas públicas.

Projetos de extensão têm demonstrado cada vez mais seu grande potencial em comunidades quando organizados com equipes multiprofissionais, visando a um trabalho interdisciplinar. A proposta aqui descrita permite que intervenções dos diversos profissionais envolvidos na prática extensionista sejam mais articuladas e integradas, uma vez que podem ser orientadas por um cálculo feito coletivamente, a partir não do saber teórico prévio que precede o encontro com a prática e a realidade das comunidades envolvidas, e sim da construção que surge desse encontro. Muito se perde entre os equipamentos políticos quando os serviços não se conectam e não se impactam positivamente. Com isso, perde também a população, a comunidade. É inegável que a universidade cumpre importante papel nessa parceria, que permite articulação da comunidade e serviços públicos.

A partir das ações realizadas, percebemos uma demanda comum às comunidades com as quais trabalhamos: a necessidade de articulação e diálogo entre os vários atores sociais nelas atuantes, dentre eles, os equipamentos de políticas públicas (unidades básicas de saúde, escolas, CRAS, CREAS, associações, dentre outros). Em todas as comunidades também foi identificado um grande potencial participativo e uma forte atuação da sociedade civil na execução de ações de melhoria de sua realidade. Entretanto, muitas vezes essas ações acontecem de forma isolada, com pouco diálogo entre os atores e instituições que as desenvolvem, e também dessas com o poder público/políticas públicas. Destacamos neste projeto três comunidades que já têm alguma iniciativa de articulação de redes comunitárias, permitindo o desenvolvimento de ações de promoção de conhecimento, diálogo e troca entre os vários atores, com vistas à potencialização das redes. Essas ações têm se mostrado como um rico espaço de aprendizagem e construção de conhecimentos por meio dos quais a articulação dos saberes acadêmico e popular, a articulação da teoria com a prática e a formação social, política, crítica e transformadora têm se destacado.

Aspecto também importante é a promoção do conhecimento, diálogo e troca entre os vários atores, potencializando ações. Nesta intervenção, buscou-se desenvolver a formação de sujeitos autônomos que discutam a valorização e aceitação da diferença, tendo a ética como norteadora das atuações, trabalhando a autoestima, a experiência e importância do grupo na vida de cada um e a participação da comunidade no planejamento das ações. Esta proposta tem possibilitado, assim, a promoção de participação social, permitindo que membros da comunidade se expressem de forma mais crítica e se sintam menos vulneráveis diante do mundo ao qual pertencem. Essa atuação tanto mais será efetiva quanto mais for uma intervenção pautada pela estratégia de constituição de redes. Trata-se de uma postura inovadora e desafiadora, com vistas à maior descentralização e compartilhamento de saberes e de poderes.

Como descrito no artigo, muitas ações estão sendo realizadas e registradas por meio da página no Facebook, vídeos-documentários, eventos científicos e publicações acadêmicas. A página no Facebook é utilizada para divulgar, criar interlocuções e ser mais um espaço/instrumento de articulação social das próprias redes envolvidas no projeto "Articulando redes, fortalecendo comunidades". Nessa página são postados os registros das reuniões, informações importantes para as redes, convites, fotos, entre outros dados.

Ao estimular o fortalecimento de redes, contribui-se para a criação de novas formas de intervenção nas comunidades, potencializando os serviços existentes e favorecendo novas intervenções. Contribui-se tanto para o fortalecimento das comunidades como para a formação crítica e comprometida de alunos(as) da PUC Minas. É possível afirmar que essas ações interferem no fortalecimento dos vínculos comunitários e, consequentemente, possibilitam uma maior inserção das famílias em situação de vulnerabilidade nos serviços existentes, promovendo maior efetivação na garantia dos seus direitos sociais.

Com a continuação do desenvolvimento do projeto, esperamos construir, sistematizar e divulgar uma metodologia de fortalecimento de redes sociais a partir das experiências das três comunidades; além de continuar a contribuir para a capacitação de atores sociais mais críticos e autônomos; proporcionar caminhos para que as comunidades tenham mais acesso aos equipamentos e políticas públicas; contribuir para que os técnicos das diversas políticas públicas qualifiquem melhor sua forma de atendimento à comunidade, conseguindo ouvir os sujeitos e também contribuindo com seu saber; mapear as organizações da sociedade civil, equipamentos e serviços governamentais existentes nas comunidades e buscar formas de atualização constante dessas informações; promover a articulação desses diversos atores sociais, utilizando estratégias grupais e recursos de multimídia; possibilitar o registro do processo de mobilização e articulação comunitária vivenciado, com a produção audiovisual realizada pelos atores sociais e estudantes de Comunicação Social e Psicologia da PUC São Gabriel; promover a troca de experiências entre as três comunidades envolvidas no projeto, por meio de encontros mensais entre as comunidades; capacitar os atores envolvidos em temáticas relacionadas às políticas públicas, redes e direitos sociais; e contribuir com a formação social e política de alunos dos cursos de Psicologia e Comunicação Social.

Os desafios são muitos e cotidianos, entretanto, a disposição e abertura para o processo no qual estamos envolvidos (comunidade, universidade, equipamentos de políticas públicas) se coloca como forma de ampliar a rede. É perceptível como a maioria dos envolvidos tem investido na proposta e a feito desenvolver. Segundo Whitaker (1993), o resultado do trabalho em redes é como uma malha de múltiplos fios, podendo se espalhar para todos os lados indefinidamente, sem que nenhum dos nós seja considerado central; não havendo um chefe há uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo.

Cada comunidade tem criado novas formas de articulação de esforços e avançado nas definições de suas prioridades de forma integrada com as entidades públicas e privadas que têm participação nesses territórios. As redes são como sistemas organizacionais de suma importância, pois são capazes de reunir instituições e indivíduos de forma participativa e democrática em torno da realização de objetivos comuns.

Por meio da metodologia de redes, tem sido possível a articulação e integração entre os programas, políticas públicas e diversas organizações da sociedade civil para a constituição de um sistema de atenção e garantia de direitos sociais. Um dos pilares do trabalho em rede é a ideia de sistema, em que não cabem ações isoladas ou a concepção de que uma instituição sozinha possa responder às distintas necessidades sociais daqueles que têm seus direitos violados; ao contrário, o trabalho e seu objetivo se desenvolvem a partir da articulação de todas as esferas sociais.

Para Pedro (2010), pensar as redes implica também em pensar com a rede, ou seja, além de investigar as articulações que uma perspectiva de redes permite vislumbrar ou de explorar formas diferenciadas de interação que as novas redes têm propiciado - como nos casos das redes sociais, das redes acadêmicas - novas formas de ativismo; é fundamental explorar conceitos e metodologias que têm surgido na atualidade para dar conta da complexidade que é "pensar em rede".

Por fim, ressalta-se que o trabalho no projeto está só começando, ainda há muito a ser construído, entretanto, a sua potencialidade é inegável e as riquezas de suas construções conjuntas se presentificam a cada dia.

 

Referências

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Recebido em: 14/06/2014
Reformulado em: 05/04/2015
Aprovado em: 30/05/2015

 

 

1 Artigo resultado de pesquisa aprovada no edital "Extensão com interface com a pesquisa/2013", financiado pela FAPEMIG, PROEX PUC Minas, com apoio do CNPq. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética da PUC Minas, tendo sido registrado sob o número CAAE: 30842514.7.0000.5137.
2 O BH Cidadania é um programa de inclusão social que articula ações já existentes nas políticas sociais instituídas e as organiza. [...] objetiva promover a inclusão social das famílias moradoras de áreas definidas como prioritárias para a intervenção, através da consolidação das políticas pré-existentes na área social, potencializando seus alcances e a efetividade de suas ações já desenvolvidas, com vistas a garantir, assim, a acessibilidade aos bens e serviços de saúde, educação, cultura, esportes, abastecimento, assistência social, e aos direitos de cidadania. Recuperado em 15 janeiro, 2015, de http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnAPG/enapg_2010/2010 _ENAPG369.pdf

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