SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.42 número43A autoridade à revelia do autoritarismo?Os riscos no processo de diferenciação mãe e filha: uma análise do filme Cisne Negro índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

versão On-line ISSN 1413-6295

Cad. psicanal. vol.42 no.43 Rio de Jeneiro jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Vida Precária: o insuportável e o possível na cultura e na clínica psicanalítica1

 

Precarious Life: the unbearable and the possible in culture and psychoanalytic clinic

 

 

Priscila Melillo de Magalhães*

Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos do Rio de Janeiro - EBEP-Rio - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir da afirmação de que vivemos em um mundo precário, o artigo procura ressaltar a experiência da precariedade como valor positivo de busca e criação de novos possíveis. Toma de Deleuze as noções de esgotamento do possível ligado à uma "decepção" que conduz à mutação afetiva em que essa decepção se transforma na afirmação do insuportável. É o insuportável que anuncia o esgotamento do possível. Confrontando as experiências do insuportável na cultura, analisadas por Judith Butler, com experiências clínicas de encontro com o insuportável, busca dar consistência à afirmação deleuziana de que o possível de que se trata não é o que pode acontecer; o possível é criado pelo acontecimento, ele chega pelo acontecimento e não o inverso, revelando assim uma dobra ou uma ressonância entre os campos da cultura e da clínica, da macropolítica e da micropolítica.

Palavras-chave: Precariedade, Esgotamento do possível, Acontecimento, Novos possíveis.


ABSTRACT

From the assertion that we live in a precarious world, the article seeks to highlight the experience of precariousness as a positive value of searching and creating new possibles. From Deleuze it takes the notions of exhaustion of the possible connected to a "deception" that leads to an affective mutation in which this deception becomes the affirmation of the unbearable. It is the unbearable that announces the exhaustion of the possible. Confronting the experiences of unbearable in culture, analyzed by Judith Butler and Jacques Derrida with clinical experiences with the unbearable, seeks to give consistency to the Deleuzian assertion that the possible is not what can happen; the possible is created by the happening, it arrives by the happening and not the inverse, thus revealing a bend or a resonance. Between the fields of culture and the clinic, between macropolitics and micropolitics.

Keywords: Precariousness, Exhaustion of the possible, Happening, New possibles.


 

 

"A precariedade está por toda parte"
Pierre Bourdieu (1998)

 

Esse espanto de Bourdieu, manifesto há mais de 20 anos, não cessa de se ampliar e se aprofundar: a precariedade está por toda parte!

Estamos vivendo em um mundo precário. Ainda que a experiência da precariedade seja diferente no que atinge a cada um e a cada grupo social, viver a precariedade, sentir a precariedade no ambiente, sentir-se precário depende de condições objetivas e subjetivas, assim como seu enfrentamento depende da possibilidade dos laços sociais em solidariedade. Para cada um, em cada situação, o sentir-se precário tem a ver com sentir-se sem proteção e insuficiente frente a forças ou exigências maiores do que se pode enfrentar ou responder.

No entanto, a precariedade também pode ser vista - e vivida - como um valor, de oportunidade, de busca e criação de novos possíveis. É especialmente nessa direção, em que a precariedade se positiva, que quero procurar pensar, conversando com alguns autores.

Essa é uma experiência que tem sido largamente rejeitada, recusada pelo caldo de cultura dominante e pelos imperativos que vigoram em nossa sociedade. Sentir-se precário ou desamparado, insuficiente, é sinônimo, nessa cultura, de sentir-se fracassado, derrotado. A negação da vivência de precariedade, que constitui o fundo sensível do próprio mal-estar na cultura, se expressa, tanto no nível individual como no coletivo, pelas artimanhas da autopromoção, pelo enrijecimento egóico ou pelas formas reativas do fechamento narcísico e das defesas paranoicas. A negação da precariedade também se expressa - como nos ensinaram Foucault e Deleuze - nas técnicas da disciplina dos corpos e nos poderes de controle que tratam de submeter todo excesso de intensidades das forças desejantes - dos corpos individuais e coletivos - à gestão do Estado. E à gerência do ego que, podemos dizer, atua como o Estado dentro de si.

Assim, a experiência da precariedade pode favorecer a submissão a "poderes superiores" e salvacionistas que por meio de movimentos religiosos e políticos, cada vez mais associados, secretam o fanatismo e o fascismo no campo da psicologia de massas. Mas podemos testemunhar que essa experiência também é capaz de promover o acesso a forças criativas dentro de si assim como o engajamento em movimentos sociais que afirmam novas formas de solidariedade e dão suporte à liberação dos desejos de suas amarras normativas.

Essas forças em tensão se rebatem sobre a experiência psicanalítica. Pelos caminhos da transferência e da resistência podem conduzir a reforçar relações de submissão e conformismo, sendo o trabalho da análise responsável por favorecer a desconstrução de vínculos alienantes e a produção de agenciamentos que aumentem a potência da presença pessoal e criativa no mundo.

Na busca de análise o sentir-se precário está presente desde o início, de forma manifesta ou latente e envolve tanto a consciência de ter chegado a um limite em seus recursos próprios para lidar com o sofrimento, como o desejo de outra coisa ou de fazer diferente. A abertura a uma relação de confiança deve encontrar, do lado do analista, a disposição de acolher e deixar-se afetar pela experiência que se desencadeia a partir desse encontro transferencial. Seus efeitos singulares sobre o paciente - e também sobre o analista - não podem ser previstos nem controlados por nenhum saber prévio. Essa seria a "precariedade" do saber do analista, assim como a potência da experiência.

O trabalho da análise acompanha os acontecimentos na vida dos analisandos os quais podem atualizar marcas traumáticas ao mesmo tempo em que se apresentam como novas chances de enriquecimento da experiência. Seguir o desenvolvimento dos projetos de mudança ou expansão da vida até o ponto em que se revelam ou se impõem os limites do possível seria então o ponto de chegada onde se confrontam a máxima resistência do eu com as forças desejantes em busca de novos possíveis não previamente vistos ou pensados.

É nesse ponto que tomarei a perspectiva de Deleuze para pensar o esgotamento do possível, buscando uma dobra ou uma ressonância entre os campos da cultura e da clínica, da macropolítica e da micropolítica.

François Zourabichvilli (2000) recolhe na obra de Deleuze os elementos que compõem seu pensamento sobre o possível, fazendo um recorte marcadamente político que critica o voluntarismo dos projetos de transformação social e afirma a chegada necessária ao involuntarismo na política. Deleuze, diz Zourabichvilli, "insistia sempre no caráter profundamente involuntário de todo verdadeiro pensamento e de todo devir" (ZOURABICHVILLI, 2000, p. 333). A crítica parte de uma constatação em que Deleuze diz:

É claro que a esquerda não acredita mais em projetos. Tendo, no entanto, se identificado com a realização de projetos, ela não tem, ao que parece, outra escolha senão renunciar a si mesma ou ainda tentar acreditar naquilo em que não acredita mais: negar ou renegar (Ibidem, p. 333-4).

Assim, a crítica ao voluntarismo não diz respeito diretamente à ação, mas à crença na ação presa à realização de projetos, à pretensão de um saber prévio sobre o possível antes que ele aconteça.

Deleuze "via em uma certa 'decepção' a condição subjetiva propícia para que algo de efetivo possa acontecer na política, na arte, na filosofia: a abertura de um devir, de um processo" (Ibidem, p. 333-34). Essa "decepção" (que também podemos acompanhar na clínica) ainda seria o efeito de um abalo da crença naquilo que se pode esperar de si, dos outros ou das promessas de transformação do mundo. A virada que conduz ao esgotamento do possível estaria referida à mutação afetiva em que essa "decepção" se transforma na afirmação do insuportável. É o insuportável que anuncia o esgotamento do possível. No insuportável não há mais esperança de realização de projetos, nem se vislumbra alternativas possíveis. Zourabichvilli insiste em que a afirmação de Deleuze do esgotamento do possível não se refere a um cansaço (do esforço em realizar projetos): "não creiam que o esgotamento seja apenas cansaço e que o possível persista, sob a impotência presente em realizá-lo" (Ibidem, p. 334). E cita a frase inicial de Deleuze em L'épuisé: "O esgotado é muito mais do que o cansado" (DELEUZE, 1992). Aí se diferencia o possível entendido como uma alternativa, previamente pensada, de uma potencialidade que se atualiza em determinadas situações históricas e subjetivas que permitem a criação de um novo campo de possíveis. Deleuze inverte a relação habitual entre o possível e o acontecimento: o possível de que se trata não é o que pode acontecer; o possível é criado pelo acontecimento, ele chega pelo acontecimento e não o inverso (ZOURABICHVILLI, 2000, p. 335).

Por sua vez, ainda que possam existir momentos em que essa virada se afirma mais claramente como uma mutação, ela é precedida pelo acúmulo de fissuras imperceptíveis. Diz Deleuze (1977, p. 147):

A fissura se faz nessa nova linha, secreta, imperceptível, marcando um limiar de diminuição de resistência, ou a elevação de um nível de exigência; já não se suporta mais o que se suportava antes, ontem ainda; a distribuição dos desejos mudou e nós, nossas relações de velocidade e lentidão se modificaram, um novo tipo de angústia nos atinge, mas, igualmente, uma nova serenidade.

Este seria o acontecimento micropolítico por excelência, uma mutação subjetiva que se expressa em uma mesma pessoa ou em uma coletividade. Essa mutação "não se decreta, não se trata de desejá-la ou não, (no sentido de qualquer propósito consciente), a questão é posta no estágio da resposta: se a escolha é assumir as consequências ou fingir que nada aconteceu" (ZOURABICHVILLI, 2000, p. 339). Essa escolha vai depender em grande medida da capacidade "visionária" de perceber, no momento mesmo em que se aguça o intolerável, o encontro com um novo possível, não previamente pensado ou percebido. Mais do que uma "tomada de consciência" expressa então a eclosão de uma nova sensibilidade.

Pensar a experiência analítica de acordo com essas concepções traz à luz a importância de abrir a transferência aos encontros com a atualidade do mundo, cujas intensidades trazidas pelos pacientes, afetam o encontro com o analista e por sua vez dependem da sensibilidade deste para modificar-se e poder perceber e potencializar o que está em jogo nesse encontro.

É por este caminho que o voluntarismo do eu vai sendo posto em xeque e pode ir se transformando, conduzindo, por vários caminhos e de forma quase imperceptível, a perceber-se diferente, de repente se dar conta de não ser mais a mesma, ou o mesmo, não mais desejar o que antes tanto se queria, prestar atenção aos encontros e oportunidades que abrem novas perspectivas, a partir de suas próprias condições de existência.

Assim, a partir da experiência psicanalítica, acompanhamos derivas de vidas que, ao chegarem ao ponto de não mais suportar seu apego a vínculos alienantes no trabalho e nas relações afetivas, são lançadas a romper com as antigas condições de segurança e a se ver em situações de maior precariedade que, no entanto, lhes permite perceber detalhes e dimensões desconhecidas no ambiente, nas pessoas, em si mesmo e lhes abrem novas relações que expandem a vida afetiva e criativa.2

Esses movimentos, que se esboçam de forma singular na clínica, se conectam a iniciativas e movimentos coletivos que lhes dão suporte e expansão, sem que se perca a singularidade do desejo e do engajamento de cada um.

Vou ilustrar, de forma muito pontual, algumas situações clínicas em que, por diferentes caminhos e processos, vai se configurando, para cada um, o insuportável até conduzir a decisões movidas por um desejo que eu chamaria de "desadaptação ativa" e abertura de novos possíveis. Situações em que a precariedade atua como motor ou como escolha em busca de uma presença mais pessoal e criativa no mundo:

S. decide sair de um emprego muito bem remunerado em uma multinacional, saturada da exploração, do desgaste e do ritmo exaustivo de trabalho, para viver um "devir cozinheira". Inicia uma experiência em que associa um restaurante caseiro à organização de uma rede de pequenos produtores rurais. Não é movida por ideologias naturalistas ou comunitárias, mas por um desejo de relações "familiares", do prazer de cozinhar, das relações com quem planta e colhe e das "conversas em torno da mesa".
B. tira uma licença sem vencimentos de um emprego público burocrático para viver de uma bolsa de pós-graduação engajando-se em uma pesquisa junto a movimentos sociais na cidade que lhe permite encontros com novas possibilidades de vida e de pensamento.
M. que vivia de um trabalho precário como "free-lance", submetida a demandas de mercado, organiza um coletivo de produção artística, feminista, que lhe permite ampliar e potencializar suas experiências anteriores.
C. chega, após várias tentativas e muito sofrimento, a descolar-se de uma relação afetiva de submissão e masoquismo, iniciando, pela primeira vez, uma vida pessoal e desejante.

Para outros analisantes, o encontro brutal com uma perda afetiva, o confronto com situações de violência ou a perda súbita da segurança de um emprego que lhes garantia o sustento lhes permite, a partir da experiência de dor, abrir novas sensibilidades e descobrir novos laços solidários.

Vou então retomar a citação inicial de Pierre Bourdieu que, em 1997, se dava conta de que "a precariedade está em toda parte" e propunha, em seu livreto "Contrafogos", "táticas para enfrentar a invasão neoliberal". Naquele contexto, que hoje podemos identificar como os primórdios do neoliberalismo, Bourdieu se surpreendia com o surgimento inédito de movimentos dos desempregados e se aliava às lutas em apoio dos refugiados, sem documentos (sans papiers) na França. Ele convocava os intelectuais para que abandonassem a "cidade dos sábios" e passassem a enfrentar o som e a fúria do mundo. Participou também ativamente de iniciativas como o Fórum Social Mundial onde, de forma fugaz, mas intensa, se experimentava "um outro mundo possível".

De lá pra cá, tanto a invasão neoliberal se aprofundou como os movimentos de resistência dos "despossuídos" - os sem-terra; sem-teto; sem-liberdade - ganharam potência e autonomia com suas táticas políticas das ocupações de terras, de prédios, de escolas, de espaços públicos de produção cultural e de sedes de órgãos governamentais onde não apenas se reivindica ou se propõe, mas principalmente, se cria o possível, se faz acontecer novas formas de sociabilidade, de trabalho e de produção de conhecimento.

Por sua vez, populações indígenas se organizam para resistir e denunciar a expropriação de seus territórios e de suas culturas, a perseguição e o genocídio.

Os refugiados dos países invadidos pelas guerras, promovidas pelas grandes potências, invadem os países do Primeiro Mundo, desorganizando suas estruturas e obrigando-os ao confronto com o outro, o bárbaro, o estrangeiro, em seu próprio território.

Movimentos e táticas que Bourdieu não poderia prever há 20 anos.

Judith Butler, na coleção de ensaios que publica algum tempo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 (BUTLER, 2006), faz ver como a agressão da guerra que retorna do exterior e atinge sua própria população em um ataque sem precedentes, faz sentir aos americanos a precariedade da vida e abala a aparente segurança em que se instalavam no Primeiro Mundo. A experiência da vulnerabilidade por um ataque que veio de dentro, de seu próprio país, a qual Jacques Derrida comparou a uma ação autoimune, (BORRADORI, 2003) coloca em questão a relação com estes outros, antes estranhos, a quem se causou dano. E é a partir dessa afetação que Judith Butler levanta a questão, essencialmente ética, perguntando se o luto pela perda daqueles considerados por eles "dos nossos" deve conduzir à retaliação que provocará mais mortes e violência. "O que fazer politicamente com o luto além de clamar pela guerra?" pergunta. E acrescenta: "A ferida, se alguém nos atinge ou atinge um dos nossos, ajuda a entender que existem outros, fora dos nossos, dos quais depende a minha vida, gente que não conheço e talvez nunca chegue a conhecer, essa dependência fundamental de um outro anônimo" (BUTLER, 2006, p. 14). O que a leva a afirmar a responsabilidade política e ética de reconhecer o insustentável de qualquer forma de autossuficiência e soberania irrestrita, assim como das formas de controle onipotente que visam negar a sua própria vulnerabilidade. E acrescenta: "sem a capacidade para o luto perdemos esse sentido mais profundo do valor da vida;3 a impossibilidade de perceber os direitos da vida precária só conduz, cada vez mais, à dor amarga de um ódio político infinito" (Ibidem, p. 21).

Desnecessário dizer que essas análises não são distantes de nossa realidade quotidiana: as situações de exposição à violência estão presentes na vida de qualquer um em nossas cidades. São também produto das ações de intervenção violenta das forças policiais, ainda que com propósitos ditos "pacificadores", em comunidades às quais não se reconhecem direitos de cidadania. Por outro lado, mesmo sabendo que a vulnerabilidade e a exposição à violência são diferentes, dependendo da situação de classe e das áreas de moradia na cidade, estas cada vez mais se interpenetram e abrem caminho para ações comuns de resistência à violência e de sustentação da vida precária.

Nosso confronto com a violência da guerra urbana é certamente muito mais próximo e quotidiano do que o vivido pelos americanos. O tiroteio se dá na rua, na esquina mesmo de casa, as balas podem entrar pela janela.

Não é raro que pacientes cheguem ao consultório logo após terem sofrido um assalto, presenciado uma cena de violência, terem se confrontado com a violência policial em uma manifestação política. Em mais de um caso, ao se solidarizarem com pessoas vítimas da violência policial manifestando sua indignação, filmando ou denunciando, sofreram elas próprias a violência, sendo agredidas, ameaçadas, detidas, insultadas.
Por sua vez, analisandos que trabalhavam em áreas de saúde ou recursos humanos da polícia, ainda que não diretamente ligados a ações policiais, relatavam sonhos em que se viam em ação, atirando ou sendo atingidos por tiros. Se, evidentemente esses sonhos também pudessem ser remetidos a experiências de sua história pessoal, não deixavam de revelar processos de identificação ao agressor - e às vítimas.

Podemos dizer, portanto, que sustentar a singularidade da experiência pessoal do temor e da angústia é essencial para não perdermos de vista o valor da precariedade da vida e podermos disso dar testemunho e compartilhar socialmente as experiências, tanto de reconhecimento dos semelhantes como de encontro com os diferentes.

Hoje, mais do que nunca, a incerteza do futuro e a precarização crescente da vida de camadas cada vez mais amplas da população impõem a urgência de buscar no presente os gérmens de formas de vida que possam vingar, a partir mesmo dos níveis da sobrevivência e do confronto com as forças hostis e de destruição.

E, no entanto, é propriamente aí que poderão tornar-se possíveis novas formas de sensibilidade e de expressão, expandindo-se a capacidade de afetar e ser afetado nos encontros com os outros e com o mundo e liberando, por desejos situados além de qualquer demanda, modos singulares de criar, amar e trabalhar.

 

 

Referências

BOURDIEU, P. Contrafogos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998        [ Links ]

BORRADORI, G. Filosofia em tempos de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.         [ Links ]

BUTLER, J. Vida precária. Buenos Aires: Ed. Paidós, 2006.         [ Links ]

DELEUZE, G. Dialogues. Paris: Flammarion, 1977. p. 153-4.         [ Links ]

DELEUZE, G. L'épuisé. In: BECKETT, S. Quad et autres pièces pour la television. Paris: Minuit, 1992. p. 57.         [ Links ]

ZOURABICHVILLI, F. Deleuze e o possível. In: ALLIEZ, E. Gilles Deleuze, uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000. p. 333-355.         [ Links ]

 

Artigo recebido em: 21/05/2019
Aprovado para publicação em: 30/08/2020

Endereço para correspondência
Priscila Melillo de Magalhães
E-mail: demagalhaes.priscila@gmail.com

 

 

*Psicanalista. Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos do Rio de Janeiro (EBEP-Rio). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
1Este trabalho foi apresentado em 2017. De lá para cá não cessaram de se aprofundar a precariedade da vida, do trabalho e mesmo da simbolização possível. As perspectivas de futuro são opacas e assustadoras. A pandemia, a avassaladora proliferação das forças conservadoras, de destruição e retrocesso, se impõe no horizonte que urge enfrentar. E, neste afã, sempre se há de apostar nas brechas dos acontecimentos a serem abertas pela força das pulsões de vida.
2Essas perspectivas, aqui atribuídas a forças desejantes, são, na atualidade, muito mais imposições de poderes externos, adversos, o que conota seu caráter essencialmente traumático.
3Nos dias de hoje essa questão se atualiza e se aprofunda pela dificuldade imposta às subjetividades de elaborar o luto pelos milhares de mortos da pandemia, cujas mortes são naturalizadas pelo poder público, ao mesmo tempo em que seus familiares são privados do apoio dos rituais funerários para ajudá-los a suportar a sua dor.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons