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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro dez. 2011

 

Artigo Científico

 

Aparência física, estereótipos e discriminação racial

 

Physical aspect, stereotypes and racial discrimination

 

 

Altair dos Santos PaimI, e Marcos Emanoel PereiraII

IInstituto Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil;
IIInstituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo identificar como as estudantes de secretariado avaliam o fenômeno dos estereótipos raciais nos processos seletivos, presumindo-se que o critério para o acesso ao mercado de trabalho das secretárias está associado à cor da pele e ao tipo de cabelo. A amostra foi composta de 162 participantes do sexo feminino, estudantes do curso de secretariado de duas instituições de nível superior da cidade do Salvador, Bahia. Foi utilizado um questionário, elaborado a partir das entrevistas realizadas nas duas faculdades, com professores, estudantes e as coordenadoras dos cursos. Os resultados demonstraram que as estudantes de secretariado, no geral, percebem a existência de critérios étnico-raciais para inserção profissional em Salvador. Observou-se, no entanto, que as participantes variam a avaliação sobre o fenômeno nos itens referentes à profissão de secretária. Esta variação dependeu da cor da pele, da instituição de ensino e do semestre em curso. Nota-se que é essencial compreender como os contextos diferentes e as variáveis pessoais influenciam o percebedor e o alvo dos estereótipos. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 002-018.

Palavras-chave: estereótipos; aparência física; inserção profissional.


Abstract

The objective of this research was to identify the way how students of Secretary deal with the phenomenon of racial stereotype during selective processes. This segment is closely associated to the color of the skin and the type of the hair. The sampling was compound by 162 participants of feminine sex, Secretary students from two colleges of Salvador, Bahia. A questionnaire was elaborated based on interviews performed in both colleges, the public and the private ones, with teachers, students and the technical team from the courses, and a self-steem scale was thought to analyze the answers. The results demonstrated that in general, the Secretary students are conscious of the existence of ethnic-racial criteria in order to take part on the workmarket. It was also observed that the participants vary on their evaluation about the phenomenon concerning to the secretary profession. That variation depended on the skin color, the institution, and the semester the student is following. It's important to understand how different contexts and personal variables can influence the observer and the target of the stereotypes. © Cien. Cogn. 2011; Vol. 16 (1): 002-018.

Keywords: stereotypes; physical aspect; professional inclusion.


 

 

Introdução

Crenças compartilhadas sobre atributos de um grupo, os estereótipos contém informações sobre as características do grupo alvo e o grau em que estes atributos são compartilhados (Bar-Tal, 1997; Hamilton, Stroessner & Driscoll, 1994; Klaczynski, Goold, & Mudry, 2004; Pereira, 2002; Stangor & Schaller, 1996; Zebrowitz, 1996).

A aparência física tem um papel primordial na formação e no desenvolvimento dos estereótipos, dado que é a forma mais simples de distinguir e homogeneizar os membros do grupo-alvo (Zebrowitz, 1996). As aparências não remetem unicamente às características objetivas de um indivíduo classificado dentro de uma categoria; elas dependem, igualmente, do status sócio-econômico real ou suposto e da situação de interação. Cunin (2003) afirma que a cor da pele, mais do que uma atributo objetivo inerente aos indivíduos pode ser percebida como um produto da interação e um vetor de classificação social do outro. Gomes (2003) assinala que a aparência física favorece significações e tensões construídas no contexto das relações raciais e do racismo brasileiro. O corpo nas relações raciais serve de base em que as relações de poder e de dominação classificam e hierarquizam os diferentes grupos sociais.

Para Telles (2003), as classificações raciais feitas pelos outros designam poder e privilégios nas interações sociais. A aparência, segundo a norma social brasileira, o status social, o gênero e uma situação social particular, frequentemente, determinam quem é preto, mulato ou branco no Brasil. O sistema de classificação racial brasileiro possibilita que muitas pessoas com ascendência africana se auto-identifiquem ou sejam categorizadas pelos demais como pessoas brancas. A ascensão social pode levar muitas pessoas a escapar da categoria de negro e muitas outras não conseguem e continuam a ser negras, apesar de sua ascensão cultural ou econômica.

As avaliações sociais e raciais se superpõem, remetem uma à outra, e as expectativas relacionadas com um status social chegam a condicionar em parte as identificações raciais (Cunin, 2003). As relações raciais dependem, assim, da forma como as pessoas são categorizadas e como são impostas estas categorias (Telles, 2003).

Cunin (2003) destaca que a percepção da cor mobiliza esquemas cognitivos incorporados, normas sociais implícitas, valores culturalmente difundidos. Estes esquemas cognitivos funcionam como filtros de informação que retém, organizam e estruturam os estímulos concernentes à estrutura cognitiva (Melo, Giovoni, & Tróccoli, 2004).

Os estudos sobre estereótipos e aparência física têm focalizado a atenção de muitos estudiosos das relações grupais, fundamentalmente, as generalizações negativas em relação a obesos, mulheres e negros.

Harrison (2000) investigou como traços negativos de obesos são veiculados pela televisão e as consequências para a atratividade física nas relações interpessoais e para formação de estereótipos sobre o padrão de corpo. Klaczynski et al. (2004) estudaram os estereótipos sobre ideal de magreza e auto-estima, mostrando os impactos que a aparência tem para o julgamento de um alvo. Pesquisando as relações entre homens e mulheres, Levesquel & Lowe (1999) observaram como as proeminências de características físicas são determinantes nas percepções interpessoais, determinando estereótipos de gênero.

Forbes, Adams-Curtis, Holmgren & Whites (2004) investigaram a percepção que homens têm em relação às suas companheiras que são mulheres musculosas. Os autores observaram que estes homens percebem mais características masculinas nas mulheres que apresentavam mais saliência nos traços de musculatura exagerada.

O que se nota nestes estudos é que a saliência das características físicas é fundamental para categorizar um alvo e identificá-lo como pertencente a um grupo. Além disso, quanto mais proeminente for esta saliência, mais vulnerável estará este alvo do estereótipo. Destarte, os estereótipos devem ser caracterizados em quatro aspectos fundamentais, o consenso, a homogeneidade, a distintividade e a saliência (Pereira, 2002).

O consenso diz respeito ao grau de concordância compartilhada pelos percebedores do outgroup a respeito das características que são estereotipadas. A invisibilidade do negro nas telenovelas, nas propagandas de produtos de beleza pode ser um exemplo consensual na mídia de que a beleza branca deve ser padrão de referência.

A homogeneidade se refere à suposição de que os membros da categoria-alvo seriam percebidos como iguais. Deste modo, quando se afirma que todos os negros se parecem fisicamente, assume-se a facilidade de identificá-los e submetê-los ao processo de estereotipização.

A distintividade é uma característica que alude a um suporte do percebedor pra diferenciar este grupo-alvo dos demais. E, por fim, a saliência, que relaciona a probabilidade de inclusão de um membro num grupo alvo ao grau de compartilhamento do atributo estereotipado. Pode-se observar que os cabelos dos rastafari, chamados dreadlocks são marcadores que distinguem os membros deste grupo. Além disso, quanto mais saliente os "dreads" no rastaman, maior a possibilidade de inclusão deste membro nos seguidores desta expressão cultural.

Blair, Judd & Fallman (2004) conduziram quatro experimentos com o propósito de examinar a relação entre automaticidade do processo de estereotipização baseados em categorias raciais e as características faciais. Os resultados demonstraram que indivíduos que são categorizados como membros de um grupo podem ser estereotipados e julgados a depender da extensão e do grau que suas características se aproximam mais das características físicas do seu grupo. Wade & Bielitz (2005) analisaram os diferentes efeitos da cor da pele em atratividade, avaliação de personalidade e percepção do sucesso em afro-americanos. Os autores demonstraram como as avaliações da personalidade e da possibilidade de sucesso na vida variam com a tonalidade da cor da pele do alvo.

Neste sentido, os estereótipos produzem impactos na forma pela qual as informações são processadas e, consequentemente, influenciam o comportamento interpessoal. Bar-Tal (1997) apresenta um modelo que postula a existência de três conjuntos de variáveis capazes de determinar os conteúdos, a extensão e intensidade dos estereótipos nacionais e étnicos: variáveis de background, variáveis transmissoras, e variáveis pessoais mediadoras.

As Variáveis de Background constituem as variáveis macro-sociais que servem como background para a formação e mudança dos estereótipos. Elas envolvem as condições sócio-econômicas e política e a natureza da história das relações intergrupais que tem um maior impulso para os conteúdos dos estereótipos.

As variáveis transmissoras são as informações diretas e indiretas sobre os grupos servem como base para a formação dos estereótipos e são absorvidas dos vários tipos de canais, políticos, sociais, culturais e educacionais (Bar-Tal, 1997). As características dos grupos são descritas e apresentadas na mídia, por exemplo, para confirmar os estereótipos e reforçar o compartilhamento destas crenças.

As variáveis pessoas são alusivas à habilidade cognitiva, linguagem, crenças pessoais, valores, atitudes, motivações e influência da própria personalidade que mediam o processo de informação (Bar-Tal, 1997; Pereira, 2002).

Os estereótipos podem fundamentar atitudes negativas (preconceitos) e atos discriminatórios que se manifestam nas circunstâncias em que ocorre um tratamento injusto em decorrência da afiliação de uma pessoa a um grupo social (Bass, Tomkiewiscz, Adeyeme-Belo & Vaicus, 2001; Fiske, 1998).

No mercado de trabalho, os estereótipos contribuem para a discriminação quando os trabalhadores que têm características produtivas idênticas são tratados de forma diferente devido ao seu grupo de pertença (Gilbert, Carr-Rufino, Ivancevich & Lownes-Jackson, 2003; Weichselbauner, 2004).

Um exemplo relevante de discriminação fundada em estereótipos é a exigência da boa aparência para determinados cargos. Os jornais de grande circulação publicavam até os anos noventa anúncios de emprego que traziam de forma flagrante este critério para o preenchimento das vagas de emprego, sobretudo quando envolviam alguma forma de contato com o público. As empresas deixavam explícito que além da formação acadêmica, experiência profissional e a competência técnica, a aparência física era fundamental para a contratação do candidato.

A proibição deste tipo de anúncio no mercado de trabalho pode ter ajudado a reduzir este tipo sutil de discriminação. O "racismo à brasileira", assim designado por Telles (2003) faz crer que a exclusão étnico-racial ainda persiste, pois se pode afirmar que as distinções raciais ainda desempenham um papel fundamental durante as interações sociais (Gomes, 2003; Guimarães, 2004), como também determinam as oportunidades na vida de cada um no país.

Neste contexto situa-se o processo de inserção das secretárias no mercado de trabalho. Estas profissionais, pela função que exercem, convivem com a exigência de uma boa aparência como requisito fundamental para se adequar às demandas da profissão (Garcia, 1999, 2000; Schvinger, Prado & Castro, 1985).

Afonso (2004) afirma que a apresentação da secretária executiva reflete a imagem da empresa, assim a aparência é fundamental para a função e a etiqueta faz parte desta aparência. Talhavini (2006) considera que neste critério não está implícito qualquer forma de discriminação racial. Ressalta que a definição de boa aparência está fundamentada na necessidade de adequar a forma do vestuário ao cargo, assim como conciliar a manutenção de hábitos de higiene e apresentação pessoal que não afetem a relação com o cliente. Bento (2000), ao contrário, afirma que este critério tem um efeito de auto-exclusão, pois nele encontra-se um mecanismo sutil de afastar as mulheres negras da seleção de pessoal, uma vez que elas tradicionalmente são alijadas quando os conceitos padronizados de beleza são aplicados.

É importante salientar que os integrantes dos grupos, alvos da discriminação, não percebem este fenômeno de forma linear (Avery, Hernandez & Hebl, 2004; Verkuyten & Thijs, 2006) Dois estudos foram conduzidos por Ruggiero (1999), nos Estados Unidos, para examinar a existência de uma discrepância entre a discriminação eu/grupo. Esta discrepância se dá quando um membro de um grupo historicamente discriminado minimiza ou nega a existência de uma discriminação sofrida pessoalmente. Por outro lado, estes membros tendem a perceber mais rapidamente a discriminação que afeta o seu grupo de pertença. O pressuposto é de que se considerar vítima de uma discriminação é reconhecer que os outros não te aceitam, tornando também ameaça à crença de controle sobre o mundo.

A presente pesquisa teve como objetivo identificar como as estudantes de Secretariado avaliam a boa aparência como critério para o acesso ao mercado de trabalho das secretárias e em que medida este critério está associado à cor da pele e ao tipo de cabelo, fundamentando uma exclusão racial.

A primeira hipótese deste trabalho refere-se à percepção das estudantes em relação discriminação racial. Sustentava-se que as participantes percebiam Salvador como uma cidade em que as condições desiguais de acesso ao emprego são fundamentadas em critérios étnico-raciais.

A segunda hipótese alude à avaliação das estudantes sobre a boa aparência para a inserção profissional de uma secretária. Neste sentido, as estudantes avaliariam que o critério da boa aparência é fundamental para esta profissão e favoreceria as mulheres brancas.

A terceira hipótese diz respeito à análise das participantes em relação aos estereótipos das estudantes e profissionais de Secretariado. Considerava-se, a partir de análise inicial das entrevistas, que o efeito "cor da pele" influenciaria as respostas dos grupos de estudantes, independente das diferenças das duas instituições.

 

Método

Este estudo contou com a colaboração de 162 participantes do sexo feminino, estudantes do curso de Secretariado de duas instituições de nível superior da cidade do Salvador, Bahia, compondo uma amostra feita por conveniência. Deste total de participantes, 47% (N=76) frequentavam uma faculdade pública e 53%, uma faculdade particular (N=86). A média de idade dos participantes foi de 24,7 anos (desvio-padrão = 5,8; mínimo = 17 anos; máximo = 52 anos). Notou-se predomínio das participantes não-brancas nas duas instituições. Na instituição pública, 43,4% se declararam como negra (N=33), 22,4% como branca (N=17) e 34,2% das estudantes que não se enquadraram nestas duas classificações (N=26), sendo categorizadas como 'outras denominações étnicas'. Na instituição particular, as participantes negras representavam 46,5% (N=40), as brancas 23,3%(N=20) e as participantes de outras denominações 30,2% (N=26).

Após assinar um termo de consentimento, as participantes receberam um bloco contendo um questionário sobre estereótipos e discriminação (no formato de escala tipo Likert) constituído por vinte e dois itens. Este questionário foi elaborado a partir de entrevistas realizadas em duas faculdades, pública e particular, com professores, estudantes e as coordenadoras dos cursos. Para obter uma descrição da amostra de participantes também foi aplicado um questionário sócio-demográfico, que permitiu a identificação da instituição, o semestre, a cor, a idade e a situação de emprego da participante. O tempo médio de aplicação foi de 10 minutos. Os dados foram coletados de abril a junho de 2006.

 

Análise e discussão dos dados

Os vinte e dois itens do questionário foram elaborados para examinar as hipóteses que se referiam à percepção das estudantes em relação à discriminação racial, aos estereótipos sobre a aparência física e aos estereótipos que afetavam as estudantes de Secretariado. Para efeito de análise, estes itens foram organizados e classificados em quatro categorias, conforme a hipótese a ser testada, a saber, discriminação racial, aparência física, estereótipos das estudantes de secretariado.

Para examinar como as estudantes avaliam no geral cada item, conduziu-se uma análise estatística descritiva dos dados utilizando médias e desvio-padrão. Em seguida, buscou-se por meio de Anovas, comparar as diferenças entre as médias encontradas nas respostas por item das participantes em grupo. Considerou-se para isso, as interações significativas entre os dados sócio-demográficos como a instituição de ensino (pública ou particular), a autodeclaração de cor (negra, branca e outras denominações étnicas) e a situação semestral (primeiro semestre, segundo e outros). Na análise e discussão dos dados, consideraram-se apenas os resultados com valor estatístico significativo (p <. 05).

A categoria temática discriminação racial apresenta cinco itens, elaborados para examinar a percepção de que o mercado de trabalho favorece a inserção das mulheres brancas.

Q1 Em Salvador, a mulher negra enfrenta mais obstáculos do que a mulher branca para conseguir emprego.

Q2 Por ser uma cidade de maioria negra, a cidade de Salvador oferece igualdade de oportunidades de emprego, independente da cor da pele.

Q3 Ser branca é uma característica que facilita a escolha de uma secretária em processos seletivos.

Q4 As secretárias brancas têm mais oportunidades de acesso ao mercado de trabalho.

Q5 As grandes empresas tendem a preferir mulheres brancas para serem secretárias.

Os resultados podem ser confrontados com a primeira hipótese deste trabalho. Nesta hipótese postulava-se que as participantes percebiam que Salvador pode ser caracterizada como uma cidade em que as condições desiguais de acesso ao emprego de secretária são fundamentadas em critérios étnico-raciais.

No primeiro item da escala (Q1), há uma afirmação de que, na cidade do Salvador, a mulher negra encontra mais obstáculos para se inserir profissionalmente que a mulher branca. Os resultados demonstram que as participantes concordam em geral com a existência de um processo discriminatório que impõe barreiras raciais no acesso das mulheres ao mercado de trabalho (µgeral=4,36, dp= 0,8046).

Verificou-se uma interação entre as variáveis instituição, a cor da participante e o semestre em curso (F(2)=2,559, p<.05). As estudantes negras concordam intensamente com a noção de que existe discriminação racial no mercado de trabalho. Nota-se, neste caso, um padrão de respostas com esta mesma tendência, em todos os semestres e nas duas instituições. Estas participantes mostram índices de aceitação próximos nos semestres iniciais nas duas faculdades (µpública=4,8; µparticular=4,9) e em semestres avançados (µpública=4,6; µparticular=4,5).

Observa-se nos outros grupos, no entanto, que a aceitação frente à assertiva não é consensual. Um segmento das participantes brancas, supostamente beneficiárias deste processo discriminatório, não admite que a condição racial afete a inserção no mercado de trabalho. Estas estudantes, em semestres mais avançados da instituição pública, demonstram que não têm opinião formada sobre o tema (µ=3,0). Nota-se, por outro lado, que as participantes brancas da instituição particular em semestres avançados concordam com a existência de uma discriminação contra a mulher negra (µ=4,5).

É possível notar também discrepâncias entre as médias das respostas das participantes de "outras denominações". As estudantes do primeiro semestre da instituição particular apresentaram uma média menor (µ=3,8) em comparação às estudantes de todos os grupos étnicos em mesma situação semestral. Neste mesmo contexto, as estudantes dos últimos semestres aderem à tese de que a inclusão profissional das mulheres negras sofre o impacto da discriminação racial (µpública=4,1; µparticular:=4,1).

Observa-se que a cor influencia as diferentes respostas das participantes (F(2)=5,685 p<.05). Os resultados demonstram que as estudantes negras aceitam de forma intensa a existência de uma discriminação racial (µ=4,5). As estudantes brancas (µ=4,2), e as estudantes de outras denominações (µ=4,1) apresentam média que refletem uma menor aceitação entre os grupos.

Era presumível que as estudantes julgassem de forma diferente um item que pressupõe privilégios para a mulher branca conseguir emprego. Neste estudo, supõe-se que as estudantes negras, por estarem em desvantagem neste processo de exclusão, percebem com mais intensidade a discriminação do que as demais participantes.

As estudantes que não se classificaram como brancas ou negras, por outro lado, mostraram variações na concordância ao item. Estas mulheres podem ser rotuladas como brancas ou negras a depender da percepção do outro e, assim, podem se perceber incluídas em alguns espaços e excluídas em outros. Por isso, estas mulheres parecem variar as suas posições a respeito do processo de exclusão racial.

Se o item Q1 retrata a discriminação racial de forma direta, o item Q2 inverte esta proposição, pois postula a existência de igualdade de oportunidades de emprego, independente da cor da pele. A média geral dos resultados dos participantes demonstra uma discordância em relação à assertiva (µgeral=1,9; dp=1,19). Foi identificada, uma interação entre os fatores instituição e o semestre em curso (F(2)=4,590, p<.05).

As estudantes da instituição pública no primeiro semestre divergem mais da assertiva (µprimeiro=1,2), do que as participantes dos outros semestres (µsegundo=2,2; µdemais=2,2). Nota-se na instituição particular, médias próximas de discordância em todos os semestres (µ primeiro=2,1;µsegundo=2,2;µdemais=2,0).

No item Q3, as participantes julgaram a condição de ser branca como uma característica facilitadora na escolha de uma secretária em um processo seletivo. Em geral, não há uma concordância veemente com o item (µgeral=3,2; dp=1,322).

Houve uma interação entre a instituição e a cor da pele (F(2)=5,074, p<.05). Esta interação parece evidenciar que as estudantes negras da universidade pública (µ=3,6), por serem alvos diretos deste processo, concordam com mais veemência do que as demais participantes (µ brancas=2,6; µ outras=2,8). Quanto às estudantes negras da instituição particular (µ=3,2), há um padrão menor de aceitação. Estas participantes tendem a concordar menos do que as estudantes brancas (µ=3,6) e as participantes de outras denominações (µ=3,3).

A diferença entre as respostas das participantes negras nas duas instituições reforça a suposição de que outros fatores devem interferir nas respostas das participantes. As estudantes da instituição particular apresentam uma maior presença no mercado de trabalho do que as estudantes da instituição pública. Este fator parece moderar as crenças destas estudantes frente aos obstáculos para a inserção profissional.

Salienta-se que no período da coleta dos dados, 63% das participantes da instituição particular (N=55) estavam empregadas e 24,4% (N=21) faziam estágio na área. Por outro lado, 34,2% das estudantes da instituição pública (N=26) trabalhavam e 13% (N=10) estavam fazendo estágio.

A condição de emprego parece afetar mais as estudantes da instituição pública do primeiro semestre, como se nota a análise do impacto da variável semestre em curso (F(2) =4.404, p<05). As participantes do primeiro semestre com menor inserção profissional tendem a concordar mais com esta crença (µ=3,6) do que as participantes dos outros semestres (µsegundo=2,7; µ demais=:3,3).

O item seguinte da categoria de discriminação racial apresenta uma declaração também específica em relação às profissionais de secretariado. Afirma-se neste item que as secretárias brancas têm mais oportunidades de acesso ao mercado de trabalho.

As participantes em geral demonstram uma tendência a aceitar esta afirmação (µgeral=3,6; dp=1,29). Este resultado parece confirmar o que foi notado no item anterior. As participantes, embora tenham concordado com a existência de uma disparidade racial no acesso ao emprego, não parecem crer intensamente que este processo afete as profissionais de Secretariado.

Observa-se uma interação entre a instituição, cor e semestre (F(4)=2,967, p<.05). A média de aceitação das estudantes negras da instituição pública sofre uma redução no segundo semestre (µprimeiro=4,2;µsegundo=3,8). Nota-se que esta redução ocorre com mais intensidade entre as estudantes negras da instituição particular (µprimeiro =4,0; µsegundo=2,8).

Assim, o desconhecimento da realidade do curso parece afetar as estudantes do primeiro semestre nos dois contextos. A aceitação do item é menor entre as estudantes do segundo semestre, o que parece fortalecer o reconhecimento de uma maior probabilidade de inserção das secretárias negras.

Neste sentido, as estudantes da instituição pública diminuem a aceitação à declaração, embora mostrem uma tendência a perceber que as secretárias brancas têm mais oportunidades de emprego. No caso da instituição particular, o desemprego entre as estudantes é menor, o que parece afetar a percepção destas participantes.

A declaração de que as grandes empresas tendem a preferir mulheres brancas para serem secretárias é o último item referente à categoria discriminação racial (Q5). A média das respostas reitera os resultados para as assertivas específicas sobre a disparidade racial na inserção profissional do profissional de secretariado. Nota-se que as participantes demonstram apenas uma tendência a concordar com esta afirmação (µgeral=3,58; dp=1,27).

Observa-se que o fator cor da pele tem impacto nas respostas das participantes (F(2)=3,190 p<.05). As estudantes negras (µnegras=3,9) mostram um padrão maior de aceitação que as demais participantes (µbrancas=3,5;µoutras=3,3). As participantes que se declararam negras concordam com as estatísticas sobre a participação do profissional negro sofre uma redução à medida que se sofisticam as demandas do mercado de trabalho, como em cargos de chefia e planejamento.

Os resultados frente a este item podem ser compreendidos também se analisarmos a existência de uma interação de primeira ordem entre a instituição e o semestre em curso (F(2)=3,428, p<.05). Neste caso, vê-se que a estudante do primeiro semestre da instituição pública (µ=4,2) tem maior média de adesão a esta assertiva, mas esta média decresce no segundo semestre (µ=3,2) e evolui pouco em semestres avançados (µ=3,5). As participantes, no contexto universitário privado, mostram um padrão próximo de concordância (µprimeiro=3,4;µsegundo=3,5;µdemais=3,6).

A situação de emprego, novamente, pode explicar a discrepância na instituição pública e a concordância próxima nos semestres entre as estudantes da instituição particular. As estudantes da universidade pública variam intensamente sua percepção do mercado e estas diferenças podem ser explicadas pela inserção profissional desigual durante os semestres. Por outro lado, a situação de desemprego é menor entre as estudantes da faculdade particular, o que explica o nível próximo de concordância mesmo em semestres diferentes. Nota-se que as estudantes da instituição pública do primeiro semestre mostram um padrão de resposta característico dos itens anteriores: concordância intensa frente à tese de que há obstáculos para a inserção profissional das mulheres negras. Deste modo, a percepção deste processo discriminatório não tem um padrão de linearidade baseada nas variáveis sócio-demográficas. A compreensão de como o grupo e seus membros lidam com todo este processo depende das experiências específicas, da habilidade cognitiva, valores, atitudes, motivações e influência da própria personalidade (Bar-Tal, 1997; Pereira, 2002; Verkuyten & Thijs, 2006).

O fenômeno da discriminação racial pressupõe a existência de crenças negativas aplicada sobre grupos, os estereótipos. Nas relações interraciais, a aparência física é um critério básico na ativação dos estereótipos que podem fundamentar os processos de discriminação (Fiske, 1998; Pereira, 2002). A próxima categoria temática, a aparência física, nos permitirá analisar com profundidade como as participantes avaliam crenças compartilhadas sobre os atributos físicos e como tais atributos podem influenciar na discriminação racial e no acesso ao mercado de trabalho.

Na categoria temática aparência física há seis itens, que se referem aos critérios utilizados pelo mercado de trabalho para definir uma boa aparência.

Q1. Ter cabelos lisos ou alisados é uma característica que contribui para a boa aparência de uma secretária.

Q2.A boa aparência é um critério fundamental na seleção de uma secretária.

Q3.A cor da pele é um critério que predomina numa avaliação sobre a aparência física

Q4.O tipo do cabelo de uma secretária é um indicador da boa aparência.

Q5.Caso uma mulher negra use cabelos alisados, ela pode ser escolhida numa seleção para uma vaga de secretária que tenha também como candidata uma outra mulher negra que utiliza cabelos em estilo afro

Q6. Uma mulher branca de cabelos lisos tende a ser escolhida numa seleção para uma vaga de secretária, caso dispute o cargo com uma mulher negra de cabelos alisados.

É possível discutir os dados obtidos para estes itens em função da segunda hipótese deste trabalho, onde se declara que a boa aparência pode ser considerada um critério fundamental para ser secretária. A suposição é de que o mercado de trabalho valoriza a aparência física das mulheres brancas, mais especificamente a cor da pele e o tipo de cabelo liso. Em geral, não se observa uma concordância veemente entre as participantes em relação à primeira afirmação (Q1) "Ter cabelos lisos ou alisados é uma característica que contribui para a boa aparência de uma secretária" (µgeral =3,4, dp:38).

Estes resultados são importantes, pois mostram como as participantes aceitam o seu próprio tipo de cabelo. As mulheres negras utilizam formas variadas para cuidar do cabelo, que incluem as tranças e o "mega-hair", que fazem parte de uma nova forma de embelezamento do cabelo das mulheres que substituiu o alisamento "a ferro". Embora o alisamento ainda seja utilizado, as participantes parecem não confirmar que haja uma valorização do cabelo liso ou alisado.

Verifica-se que a variável instituição tem impacto significativo nas respostas das participantes (F(1)=5,678, p<.05). As participantes não parecem assegurar com intensidade que o tipo de cabelo liso afete a inserção profissional, embora as participantes na instituição particular demonstrem maior média de aceitação (µ=3,5) do que as estudantes da instituição pública (µ= 3,1). Vê-se que as participantes da instituição particular, por conhecerem as demandas do mercado de trabalho, parecem sofrer mais o impacto deste critério sobre a boa aparência.

O item Q2 assevera que a boa aparência é um critério fundamental na seleção de uma secretária. Há em geral, nas médias das respostas das participantes, uma aceitação desta declaração nas duas instituições (µ=4,4; dp=0,95). Estes resultados demonstram que, embora os anúncios de vagas nos jornais não mais especifiquem este critério como um requisito para a vaga de secretária, há uma crença compartilhada que, para a adequação ao cargo, é fundamental a boa aparência.

Observa-se que a instituição (F(1)=24,429 p<.05) influencia isoladamente as respostas das participantes. Na instituição particular, as estudantes, que conhecem mais as demandas do mercado de trabalho, concordam mais (µ=4,7) do que as estudantes da instituição pública (µ=4,1).

Nota-se também o impacto isolado da variável semestre (F(2)=3,545 p<.05). As estudantes apresentam concordância intensa nos primeiros semestres (µprimeiro=4,6; µsegundo=4,5). À medida que conhecem o curso e o mercado de trabalho, estas estudantes sofrem menos o impacto da exigência de melhorarem a aparência para se inserirem na profissão (µdemais=4,3).

Nos demais itens não houve interações significativas entre as variáveis. O item Q3 apresenta uma declaração que define a cor da pele como um critério que predomina numa avaliação sobre a aparência física. Observa-se na média das participantes uma tendência à neutralidade frente à afirmação (µ=2,9; dp= 1,48). O item Q4 afirma que o tipo do cabelo de uma secretária seja um indicador de boa aparência. Nota-se que as participantes, da mesma forma que no item anterior, não demonstram uma concordância frente à declaração de que o atributo físico "tipo de cabelo" afete à aparência física (µ= 2,9, dp=1,54).

O item Q5 traz outra afirmação sobre o impacto da utilização do cabelo na percepção de um recrutador. A média das respostas das participantes demonstra que não há em geral opinião formada sobre a afirmação (µ=3,0; dp= 1,41). O último item (Q6) da categoria aparência física afirma que uma mulher branca de cabelos lisos seria escolhida no caso de uma disputa de cargo com uma mulher negra de cabelos alisados. As participantes repetem um padrão do item anterior de neutralidade frente a esta declaração (µ=3,0; dp=1,46) . Estas participantes parecem não corroborar com a suposição de que o fator "tipo de cabelo" seja critério para inserção destes profissionais.

Era presumível que a pele negra e o cabelo menos alisado configurassem um processo de "distintividade" no processo de formação do estereótipo da boa aparência. A distintividade é uma característica que diz respeito à possibilidade de distinguir e identificar o membro do exogrupo por possuir o atributo estereotipado de forma acentuada (Pereira, 2002). No caso das participantes, a cor da pele e o cabelo, que seriam atributos físicos mais destacados na aparência, não parecem se constituir num elemento fundamental para o critério da boa aparência.

Ao cotejar com o resultado concernente à categoria temática aparência física, observa-se um padrão de resposta compatível com o que expressa a hipótese da discrepância entre a discriminação eu/grupo (Ruggiero, 1999). Assim, nota-se uma tendência a se considerar que a discriminação que afeta o grupo é percebida pelos membros de forma mais intensa do que a discriminação pessoal. As participantes, na média geral, concordam com a existência de discriminação racial. Estas participantes, no entanto, não aceitam que os critérios para tratar o negro sejam baseados no que é mais perceptível para um selecionador, a cor da pele.

Supõe-se que, ao recusar a aparência física como um critério para a discriminação, as participantes afastam a possibilidade de serem incluídas neste processo. Assim, uma forma de manter a auto-estima elevada é perceber que a discriminação racial contra o grupo existe, mas relatar que nunca sofreu esta discriminação como membro deste grupo (Ruggiero, 1999).

Numa outra perspectiva, estes resultados põem em relevo a aceitação positiva dos atributos físicos de grupos étnicos das participantes não brancas: a cor da pele mais escura e os cabelos menos alisados. Neste sentido, os critérios que fundamentam uma boa aparência, segundo as participantes, são menos determinados pelas características físicas que condizem ou se aproximam do padrão eurocêntrico de beleza branca. Para as participantes, o cabelo e a cor da pele não definem a boa aparência, o que corrobora o argumento de Talhavini (2006), que não percebe o critério da boa aparência como eivado de racismo.

As estudantes parecem revelar que embora seja perceptível a discriminação racial há um processo na contramão que permite que o alvo postule a competência profissional como preponderante numa seleção de pessoal. Assim, ser negra não significaria uma restrição à adequação ao critério da boa aparência, assim como o tipo de cabelo não revelaria a competência de uma secretária.

Estas considerações são importantes, pois reforçam a importância de se entender os estereótipos sob a perspectiva daqueles que são percebidos de forma estereotipada. A existência de um estereótipo parece suficiente para fazer com que se espere dos membros deste grupo o comportamento estereotipado e os padrões de comportamento que se imaginam apropriados nas circunstâncias em que ocorrerem encontros com os membros daquele grupo (Pereira, 2002). Por outro lado, como destaca Avery et al. (2004) a percepção dos membros de grupos estereotipados também influencia a situação de recrutamento de pessoal.

É possível analisar estas respostas considerando as mudanças empreendidas para a aceitação positiva dos atributos físicos da população negra. As ações dos movimentos sociais que valorizam a beleza negra, principalmente, os blocos afros contribuíram para o desenvolvimento deste processo. Assim, as imagens e discursos estereotipados, mormente em relação aos cabelos, veiculados pelos diversos canais de comunicação, estão sendo substituídos, mesmo que lentamente, por uma valorização maior da diversidade étnica.

Estes resultados são significativos ao se cotejar com os estudos que apontam que os estereótipos afetam de forma negativa os membros da comunidade negra (Avery et al. 2004; Bass et al., 2001; Gilbert et al., 2003). Nota-se que as variáveis de background e as transmissoras descritas por Bar-Tal (1997) não se sobrepõem às variáveis pessoais na compreensão do fenômeno dos estereótipos.

As participantes parecem nem sempre se conformar com a lógica da aceitação dos padrões estéticos ditados pelos meios de comunicação e pelo mercado de trabalho. É importante acrescentar que a amostra de estudantes dos dois cursos de Secretariado é composta por mulheres não-brancas. Presume-se que as empresas teriam dificuldades para utilizar outros critérios, afora a competência profissional, para o preenchimento de vagas para o cargo de secretária.

A categoria estereótipos das estudantes de secretariado é composta de nove itens que contêm afirmações referentes às crenças sobre o perfil das estudantes de secretariado.

Q1 As estudantes de Secretariado são identificadas pela aparência física.

Q2 As estudantes de Secretariado são identificadas pela cor da pele.

Q3 As estudantes de Secretariado são na sua maioria mulheres negras.

Q4 Estudantes de outros cursos, professores e comunidade em geral tratam de forma desigual uma estudante que cursa secretariado.

Q5 As estudantes de Secretariado são oriundas da escola pública

O primeiro item desta categoria (Q1) declara que a estudante de Secretariado é identificada pela aparência física. As estudantes em geral não demonstram opinião formada sobre o item (µ:3,1; dp:1,42), o que pode revelar uma dificuldade em destacar os atributos físicos que configuram a categoria de estudantes de Secretariado.

Observa-se a existência de uma variação significativa nas respostas das participantes em função de ser estudante de instituição pública ou particular (F(2): 7,084 p<.05).

A média geral das estudantes da instituição particular (µ:3,5) demonstra uma tendência à aceitação desta crença. O que mostra como as exigências da profissão e a percepção do mercado que valoriza a aparência destas profissionais afetam de forma mais intensa este grupo. Acrescenta-se que estas estudantes de secretariado conciliam os estudos no período noturno com o trabalho. O ambiente empresarial exige que estas mulheres mudem sua aparência e se adaptem à realidade destes espaços. Por outro lado, nota-se um resultado diferente na média das estudantes da instituição pública, que mostram discordância frente a esta declaração (µ: 2,8).

Observa-se também para o item Q1 que o fator semestre influencia as respostas das estudantes (F(2) = 3,840, p<.05). Nota-se que as estudantes vão aumentando a aceitação a esta assertiva nos semestres mais avançados (µprimeiro:2,71; µsegundo: 3,10; µdemais: 3,42). O avanço do curso coincide com aumento de contatos com os outros membros dos diversos grupos no ambiente acadêmico. Assim, presume-se que as estudantes vão percebendo, à medida que o curso avança a relação entre a aparência física e o perfil das estudantes de Secretariado.

No item seguinte Q2 afirma-se que as estudantes de secretariado são identificadas pela cor da pele. Pode-se observar que as estudantes discordam em geral desta assertiva (µ:2,1; dp:1,25). As estudantes parecem divergir da existência de uma bipolaridade racial que supostamente dividiria a universidade em cursos de brancos ou negros.

Não se pode creditar aos fatores instituição, cor e semestre em curso ou a alguma interação entre estes fatores a diferença nas respostas apresentadas pela participante. Estes resultados são compatíveis com a dificuldade que estas estudantes apresentam para identificar, rotular e categorizar um grupo universitário pela classificação de cor. Estes dados podem ser cotejados com os resultados do item 3.

Neste item se afirma que as estudantes de Secretariado são na sua maioria mulheres negras e os resultados indicam que as participantes não apresentaram uma concordância quanto a esta declaração (µ: 2,8, dp: 1,471).

Nota-se uma influência da instituição nas diferenças das respostas (F(1) = 16, 409 p<.05). As estudantes da instituição particular mostram discordância frente à proposição (µ: 2,4). As participantes da instituição pública revelam uma tendência a aceitar (µ: 3,3) a suposição de que as estudantes de Secretariado são negras em sua maioria.

Observa-se que o fator semestre também tem impacto significativo sobre o julgamento das participantes (F(1) = 3,211 p <.05). Os resultados demonstram que as estudantes dos semestres iniciais discordam da assertiva e nos semestres seguintes mostram uma posição neutra (µprimeiro 2,6; µsegundo 2,9; µ demais 3,0).

Esta análise pode ser aprofundada ao se verificar uma interação significativa de primeira ordem entre instituição e semestre (F(1) = 3,211 p <.05).

Nota-se que o avanço ao longo dos semestres no curso produz efeitos diferentes nos grupos. Na instituição pública, as estudantes mostram uma tendência maior a aceitar a assertiva no primeiro e nos semestres finais. Observa-se uma neutralidade no segundo semestre (µprimeiro: 3,3 µsegundo:3,0, µterceiro:3,6). Na instituição particular, há uma discordância em todos os grupos (µprimeiro: 1,8 µsegundo: 2,7; µdemais: 2,7).

O item Q4 afirma que estudante de outros cursos, professores e comunidade em geral tratam de forma desigual uma estudante que cursa secretariado. Há uma tendência em geral de aceitação a esta suposição (µ:3,7; dp:1,256).

Nota-se que há uma tendência da variável semestre em curso influenciar significativamente as repostas das participantes (F(2) = 2,924, p<.05). Observa-se que não há uma concordância alta com esta assertiva. Observa-se que o desconhecimento do curso pelas estudantes do curso dos primeiros semestres é importante para entender o padrão destas respostas.

Vê-se que as estudantes dos semestres iniciais mostram mais concordância a esta crença (µprimeiro:3,8; µsegundo:3,8) do que as estudantes de semestres avançados (µ:3,5). Este resultado demonstra como as estudantes que avançam no curso de secretariado modificam a percepção em relação aos membros dos outros grupos na faculdade.

As estudantes dos semestres iniciais, que conhecem pouco a realidade do curso, parecem sofrer mais intensamente o impacto do tratamento desigual da comunidade em geral. É plausível que este processo seja reduzido entre as estudantes mais antigas do curso. Estas estudantes tendem a se integrar em mais atividades acadêmicas, a se relacionar com mais intensidade com professores e alunos de outros cursos, a estagiar e a valorizar o seu curso. Estas experiências podem ajudar a modificar a percepção das situações discriminatórias na universidade.

Em relação ao item subsequente (Q5), em que se afirma que as estudantes de Secretariado são oriundas da escola pública, não se observa uma concordância alta a esta proposição (µ:3,3; dp:1,301).

Nota-se o efeito da instituição na variação das respostas das participantes (F(1) = 19,796 p<.05). As estudantes da instituição pública apresentam um padrão maior de concordância (µpública: 3,8), enquanto as participantes da instituição particular mostram divergências a esta assertiva (µprivada: 2,9).

Este resultado não é compatível com a declaração das estudantes. Na universidade particular, 69,4% das participantes completaram o ensino médio na escola pública, enquanto na universidade pública este valor é muito semelhante, 68,8%.

Os resultados concernentes aos itens da categoria estereótipos sobre as estudantes e profissionais de Secretariado permitem uma confrontação com a terceira hipótese deste estudo. Esta hipótese diz respeito ao julgamento das participantes frente a declarações sobre as estudantes de secretariado. A suposição era de que não haveria diferenças significativas entre os grupos das duas faculdades.

Os resultados não corroboram com esta hipótese, pois se nota que o contexto de atuação e a situação semestral das estudantes contribuíram para a variação nas respostas.

Um aspecto a considerar neste estudo é o que diz respeito ao julgamento dos estereótipos a partir da perspectiva do alvo. Pereira (2002) afirma que dentre os fatores mais significativos para a caracterização dos estereótipos, além da distintividade, no caso deste estudo, a aparência física, destacam-se o consenso, a homogeneidade, a saliência e os fatores descritivos e avaliativos. Assim, a existência de estereótipos não se restringe a uma relação entre um atributo e o membro que se supõe apresentar esta qualidade. É necessário que haja uma concordância entre os percebedores de que os membros do grupo intercambiam esta característica de forma homogênea entre si. Ainda mais, um membro para ser incluído em uma categoria estereotipada precisa ter o atributo saliente para a percepção do outro.

Os estereótipos são também amplamente utilizados para descrever os comportamentos e os traços de um determinado grupo social, como também para se referir aos atributos positivos ou negativos de determinadas categorias sociais. A natureza avaliativa permite refletir que embora os estereótipos sejam considerados sempre sob a perspectiva do percebedor, eles também podem ser avaliados segundo o julgamento daqueles que são percebidos de forma estereotipada (Pereira, 2002).

Ao julgarem o item Q1, as participantes da instituição pública mostram discordar de que sejam identificadas pela aparência física. Este resultado não corrobora com os dados das entrevistas e observações feitas neste contexto. As estudantes de Secretariado desta instituição convivem diretamente com estudantes e professores de outro curso, o de Administração, que possui um perfil bem diferente, pois conta com uma altíssima concorrência na disputa de vagas no vestibular, recebe estudantes em sua maioria advindas de escolas particulares e com melhor situação financeira.

Uma fala de uma entrevistada revela esta diferença: "as estudantes de Administração são brancas, bem vestidas e chegam de carro; as de Secretariado são negras e chegam de buzu". Assim, era esperado que as médias de aceitação fossem elevadas frente à idéia de que a aparência física seja um critério para identificar uma estudante deste curso.

Alguns estudos demonstram as consequências da saliência dos atributos físicos de grupos estereotipados. Este processo pode afetar a percepção dos membros dos outros grupos (Forbes et al., 2004; Levesquel & Lowe, 1999), desenvolvendo estereótipos sobre o padrão de corpo (Harrison, 2000) e julgamentos negativos de um alvo (Klaczynski et al., 2004).

A investigação de Blair et al. (2004) demonstrou como indivíduos que são categorizados como membros de um grupo podem ser estereotipados e julgados a depender da extensão e do grau que seus atributos se aproximam mais das características físicas do seu grupo. Para isso, os autores conduziram quatro experimentos com o propósito de examinar a relação entre automaticidade do processo de estereotipização baseados em categorias raciais e as características faciais.

As participantes parecem revelar que, negando a possibilidade de que sejam identificadas pela aparência, sejam, por consequência, alvo dos estereótipos advindos deste processo. Note-se que os indivíduos estigmatizados diferem na extensão de que se considerem membros de um grupo-alvo. Eles têm um envolvimento pessoal maior do que aqueles que não compartilham este sentimento coletivo (Avery et al., 2004; Ruggiero,1999; Verkuyten & Thijs, 2006).

As estudantes da instituição particular demonstram uma aceitação maior de que são percebidas pela aparência física. A maior inserção profissional das estudantes da faculdade particular parece afetar as respostas das estudantes. A média maior de aceitação deste grupo mostra que a aparência física para as estudantes da instituição particular tem um maior valor em comparação com o grupo de estudantes da pública. Vê-se que a participação das estudantes no mercado de trabalho parece influenciar a relação dos membros deste grupo, independentemente da cor da pele, com os seus atributos físicos.

A cor da pele e os demais atributos físicos como definem Cunin (2003), não se restringem a características objetivas inerentes aos indivíduos, mas são afetadas pela autopercepção e interações ao longo da vida social. A percepção da cor mobiliza esquemas cognitivos incorporados, não apenas do percebedor, mas do alvo supostamente estereotipado, assim como, as normas sociais implícitas, valores culturalmente difundidos; mecanismos de atribuição de status, entre outros (Cunin, 2003).

As estudantes da instituição particular são estimuladas a modificar a aparência, uma vez que trabalham em ambientes organizacionais que exigem da secretária a boa aparência. Assim, mantém este mesmo padrão no ambiente acadêmico, destacando-se dos outros grupos. Na faculdade pública, as estudantes apresentam esta demanda nos finais do curso, quando começam a estagiar sendo orientadas a modificar aparência para lidar com as demandas da profissão.

No item Q5 a divergência frente à declaração de que a estudante pode ser identificada pela cor da pele pode ser confrontada com o perfil sócio-demográfico da amostra. Nota-se que não há realmente um predomínio de estudantes negras, mas as estudantes que se auto-declararam "negras" formam uma quantidade expressiva nas duas instituições. No caso da instituição pública, 43,4% dos participantes deste estudo se declararam como negra (N=33), enquanto na instituição particular estas participantes representavam 46,5% (N=40).

Embora os critérios fenotípicos sejam suficientes para enquadrar um membro de um grupo social como negro ou branco, há uma complexidade nesta identificação devido ao "degradê" das cores advindo da miscigenação no Brasil. Este fenômeno é perceptível, ainda que as políticas públicas de inclusão da população negra tenham como critério a auto-classificação para determinar os membros do público-alvo.

Salienta-se que esta auto-declaração depende de muitos fatores, que transcendem a tonalidade da cor da pele. Está sujeita também ao sentimento de pertença de um membro a um grupo étnico, ao status deste grupo e a percepção do outro (Cunin, 2003; Telles, 2003).

A classificação racial no Brasil é um fenômeno complexo que não depende apenas de uma autoclassificação. Este processo depende da classificação racial e das interpretações diversas que advém da percepção dos outros (Telles, 2003). Neste sentido, as aparências raciais, cor, características fenotípicas, intervêm como marcadores de identidade encarnados no corpo e como signos sociais e construções culturais que podem dar lugar a interpretações cambiantes (Cunin, 2003).

Neste sentido, pessoas com tonalidades mais brancas podem se declarar como negras e não ser percebidas no seu meio como tal. Por outro lado, há pessoas com tonalidade de pele mais escura que não se classificam como negras, mas são tratadas como tal. Neste sentido, a mesma reflexão é possível para analisar por que as participantes não percebem Secretariado como um curso de mulheres negras. As estudantes demonstram que não é possível uma classificação racial rígida num curso de Secretariado nas duas universidades.

É necessário acrescentar que uma crença negativa a respeito de um grupo não deve ser compreendida apenas a partir do atributo que um membro compartilha como os demais (Pereira, 2002). Este membro não é submisso ao processo de estereotipização. A mulher negra que sofre o impacto dos estereótipos da boa aparência nem sempre se submete passivamente a estes rótulos e imagens negativas.

Uma característica do alvo que influencia a avaliação e a estratégia de enfrentamento é o senso de identidade coletiva ou de grupo (Major, Quinton, McCoy & Schader, 2000). Assim, avaliar os julgamentos do alvo dos estereótipos é fundamental para entender as estratégias utilizadas para enfrentar os processos de exclusão social. Para isso, é fundamental compreender como o contexto e a habilidade pessoal para enfrentar este processo pode influenciar o percebedor e o alvo dos estereótipos.

 

Considerações finais

O estudo dos estereótipos tem despertado um amplo interesse por parte dos psicólogos sociais, sobretudo, quando se verifica que o preconceito e a exclusão social se fundamentam em processos de estereotipização. A presente pesquisa teve o objetivo de investigar em que medida os estereótipos sobre a aparência física repercutem na perspectiva de inserção profissional.

Os resultados demonstraram que as participantes da pesquisa, estudantes de Secretariado, no geral, percebem a existência de critérios étnico-raciais para inserção profissional em Salvador. Não obstante, observou-se que as participantes variam a avaliação sobre a discriminação racial nos itens sobre a profissão de secretária. Esta variação depende além da cor da pele, da instituição e do semestre em curso. Este resultado é significativo, pois se contrapõe a uma crença que supõe uma homogeneidade dos membros de grupos a partir da percepção da cor da pele. Reitera-se, assim, a perspectiva de que a condição étnica não presume uma categoria social com essência, fixa e imutável.

A hipótese de que a boa aparência é um critério fundamental para ser secretária foi corroborada. Resultado diferente obteve-se frente à hipótese inicial que presumia que possuir a pele negra e o cabelo menos alisado constituísse um processo de saliência na formação do estereótipo sobre a boa aparência. As estudantes se contrapõem às crenças de que nos processos seletivos para Secretária subjazem os estereótipos negativos sobre a aparência do negro e estereótipos positivos para os brancos.

Dois aspectos podem ser considerados diante destes dados. Primeiro, a discriminação pessoal é considerada menos intensa ou inexistente frente a um processo discriminatório que afeta o grupo como forma de manter a auto-estima elevada (Ruggiero, 1999). Outro aspecto a ser considerado decorre das mudanças empreendidas para a aceitação positiva dos atributos físicos da população não branca. (Guimarães, 2004).

Este processo parece fortalecido mesmo frente a um ambiente de elevada discriminação racial. Assim, as estudantes consideram que uma boa aparência não é determinada pelas características físicas que condizem ou se aproximam do padrão eurocêntrico de beleza. Por consequência, ser negra não significaria uma restrição à adequação ao critério, assim como o cabelo não revelaria a competência de um profissional de Secretariado.

 

Agradecimento

Esta pesquisa foi realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

 

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